Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01443/20.9BELSB
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:DEVER DE CONFIDENCIALIDADE
DIREITO À INFORMAÇÃO
NÚMERO DE CONTRIBUINTE
Sumário:Não se verifica condenação em objecto diverso do pedidoquando a sentença se limita a decidir no sentido do corolário lógico daquilo que foi peticionado na P.I..
Nº Convencional:JSTA000P27219
Nº do Documento:SA22021021701443/20
Data de Entrada:02/02/2016
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A Magistrada do Ministério Público vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa proferida 02 de Novembro de 2020 que julgou parcialmente procedente o recurso interposto por A…………, melhor identificado nos autos, contra a decisão do Serviço de Finanças do Porto que indeferiu o requerimento para passagem de certidão com o domicílio fiscal de contrainteressada numa acção administrativa que se encontra a correr termos com o nº 2123/19.3BEPRT no Tribunal Administrativo do Porto.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) Em causa nos presentes autos está requerimento apresentado junto de Serviço de Finanças para passagem de certidão referente ao domicílio fiscal de contrainteressada numa acção administrativa proposta pelo Autor junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que se encontra a correr termos com o nº 2123/19.3BEPRT;
B) O Serviço de Finanças 5 do Porto da AT indeferiu tal pretensão, alegando para o efeito que “(…) por informação sancionada pela Exma. Sra Directora Geral de AT, em 7.11.2016, os dados pessoais dos contribuintes, nomeadamente a morada fiscal estão abrangidos pelo dever de sigilo, sendo que a sua divulgação a terceiros só poderá ocorrer nas condições previstas nas alíneas a) a d) do nº 2 do Art. 64.º da LGT;
C) Em consequência, pretendia o Autor, com a presente acção, como se constata da petição inicial: “Nestes termos e nos melhores de Direito Doutamente suprimidos, deve a presente acção de intimação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a Requerida intimada nos termos dos artºs 104 e segs do CPTA à passagem de certidão da qual conste a morada fiscal e pessoal da contrainteressada na acção administrativa já mencionada.
D) O Mmo. Juiz a quo, entendeu, e bem, pelos motivos constantes da sentença e louvando-se de jurisprudência ali citada, que a informação sobre o domicílio fiscal de um terceiro deve ser considerada informação sujeita ao sigilo fiscal, que, por isso, não pode ser prestada através de um simples pedido de certidão. O que está em causa é saber se a AT pode ser obrigada a fornecer a morada de um contribuinte fora das condições em que tal é legalmente permitido. E concluímos que não pode, evidentemente, sob pena violação do dever de sigilo a que está vinculada.
E) Porém, entendeu também, que deve a intimação ser parcialmente procedente, devendo a AT fornecer a informação requerida pelo Intimante directamente ao TAF do Porto – Processo Ação Administrativa nº 2123/19.3 BEPRT.
F) Ora, o pedido efetuado pelo Autor não era que a certidão fosse remetida ao TAF do Porto.
G) Não sendo esse o pedido da presente acção, mais não resta que concluir que o Mmo. Juiz a quo condenou em objeto diverso do pedido.
H) Consequentemente, a sentença é nula, nos termos do art. 615º nº1 al. e) do Código de Processo Civil.
I) Nestes termos, a douta sentença recorrida não se poderá manter na ordem jurídica, devendo, em sua substituição, ser decidido que a intimação, apresentada é improcedente.

I.2 – Contra-alegações
Não houve contra alegações no âmbito da instância.

I.3 – O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«O Ministério Público vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 2 de Novembro de 2020, que julgou parcialmente procedente a acção para prestação de informações, instaurada ao abrigo do disposto no artigo 104º, do CPTA por A………… contra o Ministério das Finanças (cf. fls. 94 a 105 do SITAF).
Ora, prescreve o artigo 288º, do CPPT:
“1- Feita a distribuição, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 20 dias.
2- Com o parecer do Ministério Público ou decorrido o respectivo prazo, os autos são conclusos ao relator, a quem incumbe deferir todos os termos do recurso até final, nos termos prescritos no Código de Processo Civil” (sublinhado nosso).
No caso em análise, como resulta do exposto supra, o recurso foi interposto pela Exma. Senhora Procuradora da República do Tribunal Tributário de Lisboa.
Assim sendo, pese embora a inexistência de norma expressa que nos impeça de pronunciar sobre a sua viabilidade, o certo é que, sendo o Ministério Público uma magistratura una e hierarquizada, razões de coerência interna e funcional impedem-nos de, nesta sede, emitir parecer.
Com efeito, em abono desta nossa posição, citamos a norma do nº 1 do artigo 146º do CPTA, que estatui o seguinte:
“1- Recebido o processo no tribunal de recurso e efectuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesse públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no nº 2 do artigo 9º” (sublinhado nosso).
E sucede ainda que, nos termos do artigo 2º do CPPT, “São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:
a)- As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais leis tributárias;
b)- As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária;
c)- As normas sobre a organização e processo nos tribunais administrativos e tributários; (…) ”.
Nesta conformidade, dada a similitude dos interesses em presença, no âmbito dos recursos jurisdicionais respeitantes quer à jurisdição administrativa, quer à tributária, em que o Ministério Público figure como recorrente ou recorrido,
Nada obsta a que lancemos mão no caso em análise, a uma interpretação analógica ou extensiva do citado preceito, de molde a acautelar e proteger na integralidade esses interesses de ordem pública, reconduzíveis, em última análise, aos de uma boa, objectiva e sã justiça.
CONCLUSÃO
Nesta conformidade, nos termos e com os fundamentos acima explicitados e ao abrigo do estipulado no citado artigo 146º do CPTA, aplicável ex. vi do artigo 2º, alínea c) do CPPT, dispensamo-nos de emitir parecer no presente recurso jurisdicional interposto pela Exma. Senhora Procuradora da República junto do Tribunal Tributário de Lisboa.»


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) Corre termos no TAF do Porto a ação administrativa nº 2123/19.3BEPRT, na qual o Intimante, na qualidade de Autor, indicou como contrainteressada a B…………, advogada, indicando na p.i. a sua morada conhecida (cfr. fls. 6 do documento registado no SITAF com o nº 006950324).
B) Em 22.06.2020 foi proferido pela Juíza titular do processo identificado em
A), o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 155 dos autos:
Vem o Autor requerer a intimação da Ordem dos Advogados para fornecer aos autos os elementos que lhe foram por si requeridos.
No entanto, segundo o art° 78°A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:
“1 - Quando o autor não conheça, no todo ou em parte, a identidade e residência dos contrainteressados, pode requerer à Administração, previamente à propositura da ação, a passagem de certidão da qual constem aqueles elementos de identificação.
2 - Se a certidão não for passada no prazo legal, o autor, na petição inicial, deve juntar prova de que a requereu, indicar a identidade e residência dos contrainteressados que conheça e requerer a intimação judicial da entidade demandada para, no prazo de cinco dias, fornecer ao tribunal a identidade e residência dos contrainteressados em falta, para o efeito de poderem ser citados.
3- O incumprimento pela entidade demandada da intimação referida no número anterior sem justificação adequada determina a imposição de sanção pecuniária compulsória, segundo o artigo 169.º, sem prejuízo da constituição em responsabilidade, nos termos do artigo 159.º".
Ou seja, o Autor deveria ter requerido à Administração, previamente à propositura da ação, a passagem de certidão da qual constem aqueles elementos de identificação.
Porque não fez, pretende agora perverter o disposto naquele dispositivo legal, pretendendo que seja o tribunal a suprimir aquela sua falta.
Indefere-se, pois, o requerido, devendo o Autor, em 10 (dez) dias, nos termos da cominação que já antes lhe foi dirigida, fazer juntar os elementos solicitados.
Notifique.
D.N.” (cfr. fls. 16 do documento registado no SITAF com o nº 006950324).
C) Em 03.07.2020 o Intimante apresentou junto do SF de Porto 5 “A passagem de certidão de onde conste a morada fiscal e pessoal da contrainteressada na acção administrativa já mencionada, Dra. B…………, Advogada, cuja última morada profissional conhecida é na Av. ………, ……..., 1070-…… Lisboa, sob pena de instauração, nos termos do artigo 104.º do CPTA, da respectiva acção de intimação para passagem de certidão.”, aí declarando que tal informação se destina a ser transmitida ao processo identificado em A) (cfr. fls. 1 e 2 do documento registado no SITAF com o nº 006950324, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
D) Em 10.07.2020 o SF de Porto 5 notificou o Intimante do seguinte:
“Em resposta ao peticionado no mail abaixo enviado cumpre-nos informar que por informação sancionada pela Exma. Sra. Diretora Geral de AT, em 17/11/2016, os dados pessoais dos contribuintes, nomeadamente a morada fiscal, estão abrangidos pelo dever de sigilo, sendo que a sua divulgação a terceiros só poderá ocorrer nas condições previstas nas alíneas a) a d) do n.º 2 do Art.º 64 da LGT.
Tratam-se de elementos de natureza pessoal, relativos a determinado contribuinte, estando por isso abrangidos pelo dever de sigilo nos termos do n.º 1 do Art.º 64 da LGT e só poderão ser transmitidos a terceiros caso os serviços concluam que a situação em concreto integra a previsão de uma das alíneas a) a d) do n.º 2 do referido preceito legal, situação que não se aplica à factualidade descrita na petição apresentada” (cfr. fls. 1 e 2 do documento registado no SITAF com o nº 006950325).
E) A presente intimação foi apresentada em 19.08.2020.

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, de 02 de Novembro de 2020, que julgou parcialmente procedente e determinou que a AT forneça a informação solicitada pelo ora Recorrido, A…………, ao TAF do Porto no âmbito do Processo de Ação Administrativa n.º 2123/19.3BEPRT.
Em causa está o indeferimento do requerimento apresentado pelo Intimante junto do Serviço de Finanças para passagem de certidão que conste o domicílio fiscal de contra-interessada numa acção administrativa proposta pelo Autor junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que se encontra a correr termos com o nº 2123/19.3BEPRT.
Julgou o Mmº Juiz do TT de Lisboa parcialmente procedente o recurso, no sentido que a AT deve fornecer a informação requerida pelo ao TAF do Porto, porquanto a mesma informação se destina a dar cumprimento ao despacho proferido pelo TAF do Porto, nos seguintes termos: “Como resulta da p.i., a informação referente à morada da contra-interessada destina-se exclusivamente a ser prestada ao TAF do Porto para cumprimento do despacho proferido no processo que ali corre, o que significa que, ainda que implícito, pode-se considerar que existe o pedido de prestação da informação solicitada àquele Tribunal, o que já não determina a violação do sigilo fiscal.
Assim sendo, procurando-se o equilíbrio entre os interesses em jogo, deve a intimação ser parcialmente procedente, devendo a AT fornecer a informação requerida pelo Intimante diretamente ao TAF do Porto – Processo Ação Administrativa nº 2123/19.3BEPRT.

II. O Ministério Público, ora Recorrente, não se conforma com esta sentença, entendendo que a mesma padece de nulidade por ter condenado em objecto diverso do pedido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea e) do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, o qual dispõe que: “É nula a sentença quando:
a) …;
b) …;
c) …;
d) …;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Vejamos, então, se tem razão.

III. E já adiantamos que, em nossa opinião, não tem.
Com efeito, o Recorrente vem fundar-se numa leitura muito estrita da lei processual, leitura essa que, a proceder, apenas redundaria num novo pedido – formalmente rigoroso – destinado a obter a mais do que exigível transmissão da informação relativa ao domicílio fiscal àquele TAF do Porto.
Sucede que tal leitura afronta, desde logo, o pressuposto do efeito útil da lide e obsta, em simultâneo, à exigível celeridade processual – atento, além do mais, que está em causa informação essencial para a devida prossecução de um processo judicial onde uma tal informação é peremptoriamente exigida (bem ou mal, é questão que aqui não importa indagar, até porque não foi questionada).
Ponto ainda decisivo respeita ao facto de que, na leitura que julgamos a correta sobre a amplitude do dever de sigilo relativamente a “dados pessoais”, o respectivo regime parece ter evoluído, nos anos recentes, no sentido de, não só alargar significativamente o respectivo âmbito objectivo de protecção (com óbvios impactos em sede de informação fiscal - por exemplo, passando a abarcar o NIF), como de tornar particularmente exigente as exceções legais em que a transmissão dos mesmos tem lugar.
Ora, se nos já muito reduzidos casos em que a lei (muito excepcionalmente) ainda a prevê, a transmissão de tais “dados pessoais” é ainda dificultada pelo facto de o pedido para a mesma não ter sido rigorosa e perfeitamente formulado, em toda a sua extensão, então dificilmente a transmissão de tais informações será alguma vez viável.
Em qualquer caso, sempre se dirá que a formulação do respectivo pedido na P.I. é suficientemente ampla para abarcar a decisão aqui recorrida, sendo o decidido na sentença um forçoso corolário lógico do peticionado pelo ora Recorrido.

IV. Assim sendo, e sendo patente que estão reunidas as condições para que a transmissão da dita informação tenha lugar – sendo que, em qualquer caso, tal não é sequer contestado pela Recorrente –, deve a mesma ter lugar, não devendo ser assacada à sentença o vício que lhe é imputado pelo facto de não se ter expressamente formulado o pedido para que “a certidão fosse remetida ao TAF do Porto” – destino onde, em qualquer caso, os ditos dados irão inevitavelmente acabar.
Cumpre, por isso, negar provimento ao presente Recurso.


III. Conclusões
Não se verifica condenação em objecto diverso do pedido quando a sentença se limita a decidir no sentido do corolário lógico daquilo que foi peticionado na P.I..


IV. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao Recurso.

Não são devidas custas por delas se encontrar isento o Recorrente.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.