Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01018/12
Data do Acordão:12/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:DONATIVO
CUSTO FISCAL
ESTADO
FUNDAÇÃO
Sumário:Para efeitos do disposto no nº 2 do art. 40º do CIRC (redacção vigente em 1998) relevam como custo fiscal os donativos concedidos a fundações em que apenas o Estado (administração directa) participa na dotação inicial (na percentagem mínima de 50%), com exclusão das entidades públicas que integram a administração indirecta do Estado.
Nº Convencional:JSTA000P14979
Nº do Documento:SA22012120501018
Data de Entrada:10/01/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SGPS, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………, SGPS, S.A. contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa por esta também instaurada contra o acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 1998, sendo que, na parte em que a impugnação procedeu, a sentença condenou a Fazenda Pública «no pedido de anulação da liquidação impugnada na parte referente às correcções donativos e aos juros compensatórios, e à devolução do imposto indevidamente pago, bem como no pedido de pagamento dos juros indemnizatórios referentes à parte que se anula.».

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1) A sentença em apreço anulou a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 1998, na parte em que esta resulta da correcção efectuada relativamente a donativos concedidos, pela impugnante, à Fundação Portuguesa das Comunicações, por considerar que quer o ICP - Instituto das Comunicações de Portugal quer os CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., por pertencerem à administração indirecta do Estado, são susceptíveis de inclusão no conceito de Estado, estando, por conseguinte, os donativos concedidos à referida fundação abrangidos pela previsão contida no art. 40º, nº 2 do CIRC, na redacção então aplicável.
2) Questiona-se, assim, o alcance do conceito de “Estado” contido no referido nº 2 do art. 40º do CIRC, discutindo-se, a propósito, se as sobreditas entidades são susceptíveis de integrar tal conceito para os efeitos previstos no mesmo preceito legal, sendo que da posição que vier a ser considerada adequada a respeito de tal questão decorrerá a susceptibilidade de consideração dos custos cuja aceitação fiscal foi reconhecida na sentença em apreço ou, inversamente, resultará, para os efeitos em causa, a não relevância fiscal dos donativos em questão.
3) Resulta, desde logo, evidente que o questionado art. 40º, nº 2 do CIRC se refere, tão-somente, ao “Estado ou as regiões autónomas”, omitindo qualquer alusão a outras entidades públicas, sendo certo que no nº 1 do artigo em causa se enumeram, de forma exaustiva, os donativos concedidos ao Estado, regiões autónomas e autarquias locais, ou a qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados.
4) Ora, do confronto do estabelecido nos nºs. 1 e 2 do preceito legal em questão parece resultar evidente a intenção de restringir a relevância fiscal, em matéria de custos, dos donativos concedidos às fundações previstas no aludido nº 2, sendo claro que, se o legislador pretendesse alargar o número de entidades públicas ali previstas, tê-lo-ia feito expressamente, à semelhança, aliás, do procedimento adoptado relativamente aos donativos aos quais se refere o nº 1 do normativo em questão.
5) Com efeito, enquanto que no nº 1 o legislador enumerou taxativamente as entidades públicas beneficiárias, discriminando, designadamente, o Estado, regiões autónomas e autarquias locais, ou qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, no nº 2 limitou o âmbito de aplicação do ali previsto ao Estado e às regiões autónomas, tendo em vista a respectiva participação no património inicial das fundações, sendo manifesto o intuito restritivo de tal referência legal, decorrente da qualificação das respectivas entidades beneficiárias.
6) Por outro lado, constata-se que, no código do IRC, sempre que o legislador pretendeu referir-se não só ao Estado mas também aos demais serviços, ainda que autónomos, fê-lo de forma expressa e até exaustiva, indicando, sem margem para dúvidas, quais as entidades públicas visadas pelas disposições legais em causa, podendo apontar-se, entre outros casos, o estabelecido no então artigo 8º, a respeito das isenções de IRC, em cujo nº 1, al. a), se enumeram taxativamente as entidades isentas do imposto: “O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos (…).”
7) De igual modo e ainda que num plano diferente, é possível verificar que o próprio ordenamento constitucional contém (consoante o âmbito de aplicação das normas constitucionais em causa) quer abundantes referências ao Estado, estritamente considerado, quer referências, em número bem mais limitado, ao Estado e as demais entidades públicas (art. 22º da CRP) e ao Estado e outras entidades públicas (art. 103º, nº 1 da CRP), assim restringindo ou ampliando, deliberadamente, o alcance das respectivas normas constitucionais.
8) Face ao exposto, poderá concluir-se que a estrita referência ao “Estado”, contida no art. 40º, nº 2 do CIRC, cujos termos evidenciam uma contraposição manifesta com o estabelecido no nº 1 do mesmo preceito legal (no qual se enumeram, de forma discriminada. não só o “Estado” mas também “qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados”), visará unicamente o Estado, estritamente considerado, excluindo qualquer relevância, para os efeitos em causa, às participações provenientes de quaisquer outras entidades, ainda que públicas, facto que obsta a que os donativos concedidos pela impugnante à Fundação Portuguesa das Comunicações sejam considerados custos nos termos do art. 40º, nº 2 do CIRC, razão pela qual, tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, violando o preceito legal nelas mencionados, deverá, na parte recorrida, ser revogada, com as legais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
«Questão decidenda: interpretação da norma constante do art. 40º nº 2 CIRC (redacção vigente em 1998) quanto à relevância como custo fiscal dos donativos concedidos a fundações em que institutos públicos e sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos ou parcialmente públicos participem em, pelo menos, 50% da dotação inicial.
1. Na acepção administrativa o Estado é a pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha política, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa (Diogo Freitas do Amaral Curso de Direito Administrativo 2ª edição Volume I p. 219).
A par das atribuições estaduais que o Estado guarda para a administração directa, sob a gestão imediata dos seus órgãos e através dos serviços integrados na sua pessoa, há outras cujo desempenho, por virtude de um expediente técnico-jurídico, a lei incumbe a pessoas colectivas de direito público distintas do Estado, dotadas de autonomia administrativa e financeira, com personalidade jurídica própria, constituindo a administração indirecta do Estado (Marcello Caetano Manual de Direito Administrativo 9ª edição 1970 p. 183).
A administração directa do Estado é a actividade exercida pelos serviços integrados na pessoa colectiva Estado, ao passo que a administração indirecta do Estado, embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por outras pessoas colectivas públicas distintas do Estado (Diogo Freitas do Amaral ob. cit. p. 219).
O Governo dirige os serviços e a actividade da administração directa do Estado, superintende e exerce a tutela sobre a administração indirecta (art. 199º al. d) CRP numeração da RC/97).
Entre as pessoas colectivas que integram a administração indirecta do Estado encontram-se os institutos públicos, com quatro espécies: os serviços personalizados, as fundações públicas, os estabelecimentos públicos e as empresas públicas (Diogo Freitas do Amaral ob. cit. pp. 137 e 320).
2. No caso concreto a Fundação Portuguesa das Comunicações, beneficiária do donativo efectuado pela A………,SGPS, S.A. e desconsiderado como custo fiscal pela administração tributária, é uma instituição de direito privado cuja dotação inicial foi realizada pelo ICP-Instituto das Comunicações de Portugal, pelos CTT-Correios de Portugal, S.A. e pela A………, S.A (probatório al. J); doc. fls. 103/l14).
Antes da publicação do DL nº 309/2001, 7 dezembro o ICP-Instituto das Comunicações de Portugal era um instituto público.
A empresa pública Correios de Portugal (CTT), criada pelo DL nº 49368, 10 novembro 1969, alterou a sua natureza jurídica, convertendo-se em pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, adoptando a denominação CTT- Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A (DL nº 87/92, 14 maio - preâmbulo e art. 1º nº 1).
A A………, S.A. era uma sociedade anónima de direito privado, cuja composição do capital social integrava:
- acções ordinárias, detidas por qualquer accionista público ou privado;
- acções da categoria A, detidas maioritariamente pelo Estado ou por entidades que pertenciam ao sector público, conferindo poderes especiais de intervenção nas assembleias gerais da sociedade (arts. 4º e 5º nº 1 Estatutos, publicados no Diário da República - Série III 2º Suplemento, 10 setembro 1997).
Neste contexto apenas o ICP-Instituto das Comunicações de Portugal, enquanto instituto público, integra o perímetro da administração indirecta do Estado, segundo a classificação doutrinária supra referida, sendo de excluir as sociedades anónimas de direito privado e de capital exclusivamente público ou parcialmente público. Por outro lado a participação dos CTT. S.A. e da A………, S.A. no património inicial da fundação é claramente maioritário, pertencendo-lhes os prédios urbanos e o material e equipamento destinado ao seu funcionamento (cf. escritura de constituição da fundação - processo instrutor apenso, docs. fls. 32 e 35/54).
Estes motivos seriam suficientes para concluir no sentido da não verificação dos requisitos que permitem a consideração como custo do donativo concedido à fundação.
3. Porém, a admitir-se a integração dos CTT, S.A. e da A………, S.A. no perímetro da administração indirecta do Estado, a melhor interpretação da norma controvertida aponta no sentido da relevância como custo fiscal dos donativos concedidos a fundações em que apenas o Estado administração directa participa na dotação inicial (na percentagem mínima de 50%), com exclusão das entidades públicas que integram a administração indirecta do Estado, designadamente institutos públicos, empresas públicas e sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos ou parcialmente públicos (caso da A………, S.A.).
A interpretação propugnada radica no seguinte argumentário:
a) distinção entre a previsão da norma controvertida e a previsão do antecedente art. 40º nº 1 CIRC, no qual o legislador adoptou uma concepção ampla de Estado conferindo relevância como custo fiscal aos donativos concedidos ao Estado, regiões autónomas e autarquias locais, incluindo qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados;
b) adopção de idêntica distinção em disposição legal do CIRC, onde expressamente se discrimina no âmbito da isenção de IRC o Estado e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos (art. 8º nº 1 al. a) CIRC);
e) racionalidade financeira da interpretação restritiva da norma na medida em que, constituindo os donativos receitas próprias das fundações beneficiárias, quando o Estado (na acepção estrita de pessoa colectiva de direito público) não tem participação relevante no seu património, com a consequente distanciação na condução ou supervisão das suas actividades, não se justifica o benefício da consideração dos donativos como custos fiscais, com a simétrica redução da receita fiscal do Estado.
CONCLUSÃO: O recurso merece provimento.
A decisão impugnada constante da sentença deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da legalidade da correcção ao lucro tributável do exercício, resultante da desconsideração como custo fiscal do donativo efectuado.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A impugnante tem por objecto social o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas de telecomunicações, prestação de serviço público de telecomunicações, dos serviços de transporte e difusão de sinal das telecomunicações de difusão, e actividades complementares, subsidiárias ou acessórias (cfr. certidão da conservatória do registo comercial, a fls. 36 dos autos).
B) A impugnante foi objecto de um procedimento interno de inspecção, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 1998, no montante de 501.952.053$00, respeitante a donativos, no montante de 157.062.721$00, respeitante a majorações, no montante de 152.073.554$00, respeitante a despesas confidenciais, e no montante de 1.312.606.207$00, respeitante a abates (cfr. relatório de inspecção de fls. 79 e ss. do Processo Administrativo).
C) As correcções mencionadas na alínea anterior foram efectuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão:
“1) - Donativos - Esc. 76.108.000$00
O Contribuinte considerou como donativo atribuído à Fundação das Comunicações, no quadro 28, linha 1 da Dec. M/22 (Fls. 164/16 da listagem de donativos), conforme recibo, a quantia de 76.108.000$00 (setenta e seis milhões, cento e oito mil escudos).
De acordo com o disposto no nº 2 do artº 40º do CIRC os donativos concedidos a fundações são aceites como custos, na medida em que o Estado ou as Regiões Autónomas participem em pelo menos 50% da sua dotação inicial, ou inferior, desde que tal seja autorizado por despacho conjunto dos ministros das Finanças e da respectiva tutela.
Não se encontrando deste modo preenchidos os requisitos do artº 40º do CIRC, e uma vez que o artº 39º do mesmo Código não contempla donativos para Fundações, o referido custo não pode ser aceite fiscalmente, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artº 24º do Código do IRC.
2) - Majoração de Donativos - Esc. 15.221.600$00
Em consequência da correcção efectuada descrita no ponto anterior, foi anulada a dedução efectuada pelo contribuinte como majoração do donativo (76 108 000$00x20%) pelo montante de 15 221 600$00 (quinze milhões, duzentos vinte e um mil e seiscentos escudos), por falta de enquadramento no artº 39º do CIRC.
3- Custos e perdas extraordinárias - Abates de imobilizado 2 080 411 134$00
O Sujeito Passivo considerou como custo extraordinário do exercício o montante de 3 393 017 341$00 (quadro 28, Linha 4.5 da declaração mod. 22 do IRC) e procedeu ao acréscimo ao resultado pelo montante de 1 312 606 207$00 (Q17,L24) e não por 3 393 017 341$00. Ora para assim proceder, deveria ter requerido e obtido, através de exposição devidamente fundamentada, nos termos do artº 10º do Decreto regulamentar nº 2/90 de 12 de Janeiro, a aceitação da Direcção - Geral das Contribuições e Impostos. Contudo, não remeteu qualquer despacho justificativo da aceitação como custo desta desvalorização excepcional de elementos do activo imobilizado, como determinado no nº 3 do referido artigo, pelo que, não havendo confirmação do deferimento, o referido valor não pode ser aceite como custo fiscal, por contrariar o disposto nos termos do artº 28º, nº 5, alínea b) do CIRC, em conjugação com o artº 10º do DR nº 2/90 de 12/01.
4 - Tributação Autónoma - Senhas de gasolina e cheques – auto 151 100 550$00
Uma vez que ao adquirir Cheques - Auto/Senhas de Gasolina a uma entidade bancária ou outra, não efectiva nesse momento qualquer encargo, verificando-se apenas uma troca de meios de pagamento, não sendo o talão passado pela entidade bancária ou outra documento justificativo de quaisquer custos para efeitos fiscais, as despesas não aceites fiscalmente no montante de 503 668 500$00 e acrescidas ao Q17- L25, são objecto de uma tributação autónoma à taxa de 30%, nos termos do DL nº 192/90 de 9/06, com a redacção do artº 31º da lei nº 52-C/96, de 27/12 (OGE/97).” (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 84 e 85 do Processo Administrativo).
D) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de correcções que deu origem às correcções mencionadas na alínea anterior e que foram mantidas pela AT (cfr. confissão - art. 12º da p.i.; e fls. 85 do Processo Administrativo).
E) Na sequência das correcções efectuadas, em 18/12/2001 foi emitida a liquidação de IRC nº 8310021865, no montante de 5.625.926,79 €, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 06/02/2002 (cfr. documento de fls. 86 dos autos).
F) Na liquidação mencionada na alínea anterior vem discriminado o montante de 14.181.718 € a título de juros compensatórios com a seguinte fundamentação “juros compensatórios art. 80º do CIRC” (cfr. documento de fls. 86 dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
G) Em 07/05/2002 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior (cfr. requerimento a fls. 88 e ss. dos autos).
H) Por ofício com data de 15/11/2006, a impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia, no âmbito da reclamação graciosa deduzida (cfr. fls. 220 e ss. do Processo Administrativo).
I) Em 28/12/2006 foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto que deferiu parcialmente a reclamação graciosa (cfr. fls. 73 dos autos).
J) A dotação inicial da Fundação das Comunicações foi efectuada pelo ICP - Instituto das Comunicações de Portugal, CTT - Correios de Portugal e A………, S.A. (cfr. documento de fls. 106 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
K) Até a entrada em vigor do DL 309/2001 de 7 de Setembro o ICP - Instituto das Comunicações de Portugal era um instituto público.
L) Em 1998 os CTT - Correios de Portugal era uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cfr. fls. 118 a 124 dos autos).
M) No artigo 4º dos Estatutos da Fundação Portuguesa das Comunicações consta que esta promove várias actividades para além da instalação e manutenção do museu da ciência (cfr. alínea b) a h) do referido art. 4º, constante de fls. 104 e 105 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
N) A Fundação das Comunicações foi reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública (cfr. documento de fls. 127 dos autos).
O) A impugnante procedeu ao pagamento parcial da dívida em causa, no valor de 888.255,52 € (cfr. fls. 101 dos autos).
P) A Impugnação foi apresentada junto do serviço de finanças competente em 17/01/2007 (cfr. fls. 4 dos autos).

3.1. A impugnante A………, SGPS, S.A., deduziu impugnação judicial do indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação de IRC referente ao exercício de 1998.
Imputou à liquidação ilegalidades várias, conforme consta da petição inicial e, nomeadamente, no que respeita às correcções à matéria tributável efectuadas pela AT quanto às verbas referentes a donativos concedidos à Fundação das Comunicações, invocou (i) que a fundamentação destas correcções é ilógica e incongruente (uma vez que assenta em disposições legais não aplicáveis à situação material, por errónea qualificação do facto tributário, porquanto o enquadramento fiscal não pode ser efectuado à luz do art. 24º do CIRC, mas apenas do art. 23º do mesmo diploma); (ii) que tais donativos se enquadram no nº 2 do art. 40º do CIRC, porquanto a Fundação em causa é detida em mais de 50% pelo Estado; (iii) que os donativos são majoráveis em 20%, nos termos do nº 3 do art. 40º do CIRC; (iv) e que, assim não se entendendo, os donativos deveriam ser enquadráveis no art. 39º do CIRC.

3.2. Quanto a esta matéria, a sentença (considerando, embora, que as correcções estão legalmente fundamentadas e que as verbas correspondentes aos donativos em questão não são enquadráveis, em termos de custo fiscal, no âmbito do disposto no nº 1 do art. 39º do CIRC pois que tal normativo não prevê a consideração, como custo fiscal, dos donativos feitos a Fundações), veio a considerar que tais verbas são enquadráveis no âmbito da previsão do nº 2 do art. 40º do CIRC, uma vez que a Fundação em causa é detida em mais de 50% pelo Estado.
E é do assim decidido (nesta parte) que a recorrente Fazenda Pública discorda, sustentando, como se viu, que, enumerando-se no nº 1 do art. 40º do CIRC, de forma exaustiva, os donativos concedidos ao Estado, regiões autónomas e autarquias locais, ou a qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados e referindo-se o nº 2 do mesmo artigo, tão-somente, ao “Estado ou as regiões autónomas”, omitindo qualquer alusão a outras entidades públicas, então, do confronto entre o disposto entre ambos os normativos, deve concluir-se que parece resultar evidente a intenção de restringir a relevância fiscal, em matéria de custos, dos donativos concedidos às fundações previstas nesse nº 2, sendo claro que, se o legislador pretendesse alargar o número de entidades públicas ali previstas, tê-lo-ia feito expressamente, à semelhança, aliás, do procedimento adoptado relativamente aos donativos aos quais se refere o nº 1 do normativo em questão.
Ou seja, a referência ao “Estado”, contida no nº 2, cujos termos evidenciam uma contraposição manifesta com o estabelecido no nº 1 (no qual se enumeram, de forma discriminada, não só o “Estado” mas também “qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados”), visará unicamente o Estado, estritamente considerado, excluindo qualquer relevância, para os efeitos em causa, às participações provenientes de quaisquer outras entidades, ainda que públicas. E, assim, os donativos concedidos pela impugnante à Fundação Portuguesa das Comunicações não podem ser considerados custos nos termos do nº 2 do art. 40º do CIRC.
A questão a decidir prende-se, portanto, com a interpretação da norma constante do nº 2 do art. 40º do CIRC (redacção vigente em 1998), quanto à relevância como custo fiscal dos donativos concedidos a fundações em que institutos públicos e sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos ou parcialmente públicos participem em, pelo menos, 50% da dotação inicial.
Vejamos.

4.1. No entendimento da sentença, os donativos aqui questionados são enquadráveis no âmbito do disposto no nº 2 do citado art. 40º do CIRC e constituem, portanto, custo fiscal do exercício de 1998, uma vez que sendo o ICP e os CTT, à data, um instituto público e uma empresa pública, respectivamente, então, tratando-se de entidades que se integram na administração indirecta do Estado, não deixam de se englobar no conceito jurídico de Estado, e nessa medida, estar abrangidos pela previsão do disposto no nº 2 daquele art. 40º do CIRC.
Discordamos, porém, de tal conclusão.

4.2. Para efeito de determinação da matéria colectável, o art. 40º do CIRC (na redacção em vigor em 1998) dispunha o seguinte: (Este artigo foi revogado pelo art. 2º do DL nº 74/1999, de 16/3, que aprovou o Estatuto do Mecenato, em cujo art. 1º tal matéria passou, então, a ficar regulada (em termos essencialmente idênticos aos que constavam do art. 40º do CIRC), posteriormente alterado com a publicação da Lei nº 26/2004, de 8/7 (que aprovou o Estatuto do Mecenato Científico), que veio a ser revogada pelo art. 147º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12.
Entretanto, a Lei nº 53-A/2006, aditara ao EBF um novo capítulo X, sob a epígrafe «Benefícios relativos ao mecenato», integrando os então aditados arts. 56.º-C, 56.º-D, 56.º-E, 56.º-F, 56.º-G e 56.º-H. )
Artigo 40º - Donativos ao Estado e a outras entidades
«1 - São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos ao estado, regiões autónomas e autarquias locais, ou a qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados.
2 - São também considerados custos ou perdas de exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos a fundações em que o estado ou as regiões autónomas participem em, pelo menos, 50% da sua dotação inicial ou, sendo a participação inferior, desde que tal seja autorizado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro da respectiva tutela.
3 - São igualmente consideradas custos ou perdas do exercício as importâncias concedidas pelos associados até ao limite de 1/1000 do volume de vendas e/ou dos serviços prestados no exercício da actividade comercial, industrial ou agrícola aos respectivos organismos associativos a que pertençam, em vista à satisfação dos seus fins estatutários.
4 - Quando os donativos referidos no presente artigo se destinarem às entidades ou acções a que aludem a alínea a) e alínea b) do Nº 1 do artigo 39º ou aos fins referidos no Nº 3 do artigo anterior, serão considerados como custo em valor correspondente a 120% e 140%, respectivamente, do total desses donativos». (Este nº 4 tem a redacção introduzida pela Lei nº 127-B/1997, de 20/12).

4.3. No caso presente, a entidade beneficiária do donativo efectuado pela recorrente A………, SGPS, S.A. (donativo que foi desconsiderado como custo fiscal, por parte da AT) é a Fundação Portuguesa das Comunicações, uma instituição de direito privado, cuja dotação inicial foi realizada pelo ICP - Instituto das Comunicações de Portugal, pelos CTT - Correios de Portugal, S.A. e pela A………, S.A. (cfr. al. J) do Probatório).
Antes da publicação do DL nº 309/2001, de 7/12, o ICP tinha natureza jurídica de instituto público [tendo sido criado pelo DL nº 188/81, de 2/7 (Em cujos nºs 1 e 2 do seu art. 7º se dispunha o seguinte:
«1 — É criado o Instituto das Comunicações de Portugal (ICP), instituto público dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira dependente hierarquicamente do Ministro dos Transportes e Comunicações, ao qual incumbirá:
a) A gestão do espectro radioeléctrico;
b) O apoio ao Governo na coordenação, tutela e planeamento do sector das comunicações de uso público;
c) A representação desse mesmo sector.
2 — O Instituto a que se refere o número anterior reger-se-á pelo estatuto respectivo, a aprovar por decreto regulamentar dos Ministros das Finanças e do Plano, dos Transportes e Comunicações e da Reforma Administrativa.
(…)».
Posteriormente, com a publicação do DL nº 309/2001, de 7/12 (que reorganizou o sector das telecomunicações nacionais), o ICP - Instituto das Comunicações de Portugal passou a denominar-se ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (abreviadamente designado por ICP – ANACOM), cujos estatutos foram aprovados pelo mesmo DL. )].
Por sua vez, a anterior empresa pública Correios de Portugal (CTT), que fora criada pelo DL nº 49368, de 10/11/1969, (Neste DL nº 49368, de 10/11/1969 determinou-se que, a partir de 1/1/1970, “a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passa a constituir uma empresa pública do Estado, denominada «Correios e Telecomunicações de Portugal», regida pelo Estatuto constante do anexo I ao presente decreto-lei (…)”, Estatuto em cujo nº 2 do seu art. 1º se consagra que «os Correios e Telecomunicações de Portugal são dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem autonomia administrativa e financeira e têm a sua sede em Lisboa». ) viu, pelo DL nº 87/92, de 14/5, alterada a sua natureza jurídica, convertendo-se em pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, adoptando a denominação CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A. (cfr. o Preâmbulo do dito DL nº 87/92 e o nº 1 do seu art. 1º).
Já a A………, S.A. era uma sociedade anónima de direito privado, cuja composição do capital social integrava:
- acções ordinárias, detidas por qualquer accionista público ou privado;
- acções da categoria A, detidas maioritariamente pelo Estado ou por entidades que pertenciam ao sector público, conferindo poderes especiais de intervenção nas assembleias gerais da sociedade (arts. 4º e 5º nº 1 dos respectivos Estatutos, publicados no DR – III Série, nº 209/97, 2º Suplemento, de 10/9/1997, pp. 17526 (82) a (86).
Com efeito, o DL nº 277/92, de 15/12, criou (por cisão dos CTT – Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A.), a A……… S.A., ficando aquele a dedicar-se exclusivamente à prestação do serviço público de correios e tendo sido atribuído à nova sociedade anónima criada, como objecto social “o estabelecimento, a gestão e a exploração das infraestruturas e do serviço de telecomunicações, bem como directamente ou através da constituição ou participação em sociedades, o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas” (cfr. nº 1 do art. 1º do dito DL nº 277/92).
Posteriormente a firma social foi alterada para A………, S.A. e A………SGPS, S.A.

4.4. Como se disse, no entendimento da sentença, os donativos aqui questionados são enquadráveis no âmbito do disposto no nº 2 do art. 40º do CIRC e constituem, portanto, custo fiscal do exercício de 1998, uma vez que sendo o ICP e os CTT, à data, um instituto público e uma empresa pública, respectivamente, então, tratando-se de entidades que se integram na administração indirecta do Estado, não deixam de se englobar no conceito jurídico de Estado, e nessa medida, estar abrangidos pela previsão do disposto no art. 40º do CIRC.
Não sufragamos, porém, esse entendimento.
Como refere Freitas do Amaral, (Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3ª edição, Almedina, pp. 219 a 223.) na acepção administrativa, «o Estado é a pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa», sendo que, na configuração do Estado como entidade jurídico-administrativa, o que mais releva «é a orientação superior do conjunto da administração pública pelo Governo (CRP, art. 199º alínea d)), é a distribuição das competências pelos diferentes órgãos centrais e locais e é a separação entre o Estado e as demais pessoas colectivas públicas – regiões autónomas, autarquias locais, institutos públicos, empresas públicas, associações públicas» e «Não se confundem Estado e outras entidades administrativas: o interesse prático maior do recorte da figura do Estado-administração reside, justamente, na possibilidade assim aberta de separar o Estado das outras pessoas colectivas públicas que integram a Administração. Deste modo, não se confunde o Estado com as regiões autónomas, nem com as autarquias locais, nem com as associações públicas, nem sequer com os institutos públicos e empresas públicas, apesar de mais intimamente conexos com ele: todos constituem entidades distintas, cada qual com a sua personalidade jurídica, com o seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com as suas atribuições e competências, com as suas finanças, com o seu pessoal, etc.»
Ou seja, a par das atribuições estaduais que o Estado guarda para a administração directa, sob a gestão imediata dos seus órgãos e através dos serviços integrados na sua pessoa (competindo ao Governo dirigir os serviços e esta actividade da administração directa do Estado), outras atribuições há cujo desempenho, por virtude de um expediente técnico-jurídico, a lei incumbe a pessoas colectivas de direito público distintas do Estado, dotadas de autonomia administrativa e financeira, com personalidade jurídica própria, constituindo a administração indirecta do Estado, (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9ª edição, 1970, p. 183. ) ou seja, a administração directa do Estado é a actividade exercida pelos serviços integrados na pessoa colectiva Estado, ao passo que a administração indirecta do Estado, embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por outras pessoas colectivas públicas distintas do Estado, competindo ao Governo superintender e exercer a tutela sobre esta administração indirecta – cfr. art. 199º al. d) da CRP, renumeração da RC/97.
E entre as pessoas colectivas que integram a administração indirecta do Estado encontram-se os institutos públicos, com quatro espécies: os serviços personalizados, as fundações públicas, os estabelecimentos públicos e as empresas públicas. ( Cfr. Freitas do Amaral, ob. cit. pp. 137 e 320. )

4.5. Ora, retornando ao caso, por um lado, apenas o ICP - Instituto das Comunicações de Portugal, enquanto instituto público, integra o perímetro da administração indirecta do Estado, segundo a classificação doutrinária supra referida, sendo de excluir as sociedades anónimas de direito privado e de capital exclusivamente público ou parcialmente público e, por outro lado, a participação dos CTT, S.A. e da A………, S.A. no património inicial da fundação aqui em causa parece claramente maioritária, pertencendo-lhes os prédios urbanos e o material e equipamento destinado ao seu funcionamento (cf. escritura de constituição da fundação, no processo instrutor apenso, docs. de fls. 32 e 35/54).
Mas, por outro lado, mesmo que se admitisse a integração dos CTT, S.A. e da A………, S.A. no perímetro da administração indirecta do Estado, é de considerar que a melhor interpretação da norma controvertida (nº 2 do art. 40º do CIRC) aponta no sentido da relevância como custo fiscal dos donativos concedidos a fundações em que apenas o Estado (administração directa) participa na dotação inicial (na percentagem mínima de 50%), com exclusão das entidades públicas que integram a administração indirecta do Estado, designadamente institutos públicos, empresas públicas e sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos ou parcialmente públicos (caso da A………, S.A.).
Com efeito, é essa a interpretação que, desde logo, resulta do confronto entre o elemento literal dos nºs. 1 e 2 do mesmo normativo: no nº 1 o legislador adoptou uma concepção ampla de Estado conferindo relevância, como custo fiscal, aos donativos concedidos ao Estado, regiões autónomas e autarquias locais, incluindo qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados (explicitam-se, portanto, as diversas categorias de pessoas colectivas públicas, com personalidades jurídicas autónomas) ao passo que no nº 2 se referem apenas duas das categorias de pessoas já antes referenciadas no nº 1 (o Estado e as regiões autónomas), o que leva a concluir que o legislador restringiu o âmbito da previsão legal constante deste nº 2 apenas a estas duas pessoas colectivas públicas e com o sentido estrito de cada uma delas, ou seja, não terá querido referir-se, neste nº 2, ao Estado em sentido lato.
Interpretação esta que é, aliás, reforçada quando verificamos a adopção de idêntica distinção em outras normas igualmente constante do CIRC [por exemplo na al. a) do nº 1 do art. 9º do CIRC (correspondente ao anterior art. 8º), onde expressamente se discriminam, no âmbito da isenção de IRC, o Estado e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos], acrescendo, por outro lado, como bem aponta o MP, a racionalidade financeira da interpretação restritiva da norma na medida em que, constituindo os donativos receitas próprias das fundações beneficiárias, quando o Estado (na acepção estrita de pessoa colectiva de direito público) não tem participação relevante no seu património, com a consequente distanciação na condução ou supervisão das suas actividades, não se justifica o benefício da consideração dos donativos como custos fiscais, com a simétrica redução da receita fiscal do Estado.
Pelo que, neste contexto, a sentença recorrida, ao concluir pela ilegalidade das correcções relativas às verbas correspondentes ao donativo efectuado pela recorrida à Fundação das Telecomunicações (por as considerar enquadráveis no âmbito da previsão do nº 2 do art. 40º do CIRC, uma vez que a Fundação em causa é detida em mais de 50% pelo Estado), enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.
Impondo-se, por isso, a sua revogação, nesta parte que vem recorrida.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que vem recorrida e, consequentemente, julgar improcedente, também nessa mesma medida, a impugnação.
Sem custas neste STA, dado que a recorrida não contra-alegou no recurso.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.