Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0822/11.7BEBRG 0202/18
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IVA
IMÓVEIS
RENÚNCIA À ISENÇÃO DE IVA
Sumário:I - O regime de renúncia à isenção de IVA nas operações relativas a bens imóveis que deriva do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto e – depois dele – do artigo 5.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, não é incompatível com as regras do direito à dedução inseridas no n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;
II - Do facto de o direito à dedução relativo a essa tributação não se exercer de forma automática e ficar dependente do prévio exercício do direito de opção a que aludem aqueles diplomas não deriva alguma limitação ao exercício desse direito e, por conseguinte, a violação do princípio comunitário da neutralidade do IVA em geral e da dedutibilidade do IVA em particular.
Nº Convencional:JSTA000P26346
Nº do Documento:SA2202009160822/11
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A…….., Lda., contribuinte fiscal n.º ……, com sede e instalações no lugar da ………, freguesia de ……, concelho de Vila Nova de Cerveira, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial das seguintes liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (“IVA”) relativas aos períodos de 2006 a 2010, e de juros compensatórios: n.º 10352362, no valor de 1.051,47€; n.º 10352364 no valor de 8.181,71€; n.º 10352366 no valor de 16.721,88€; n.º 10352371 no valor de 52,28€; n.º 10352379 no valor de 36,13€; n.º 10352372 no valor de 14.320,00€; n.º 10352380 no valor de 2.588,88€; n.º 10352378 no valor de 308,37€; n.º 10352360 no valor de 82.495,15€; n.º 10352355 no valor de 1.623,57€; n.º 10352361 no valor de 6.174,20€; n.º 10352363 no valor de 48.924,05€; n.º 10352365 no valor de 102.270,21€; n.º 10352370 no valor de 347,43€; n.º 10352353 no valor de 567,21€; n.º 10352357 no valor de 10.698,82€; n.º 10352369 no valor de 1.793,63€; n.º 10352373 no valor de 1.917,70€; n.º 10352375 no valor de 3.941,02€; n.º 10352377 no valor de 3.541,28€; n.º 10352381 no valor de 294,21€; n.º 10352385 no valor de 580,40€; n.º 10352387 no valor de 217,71€; n.º 10352396 no valor de 2.687,16€; n.º 10352399 no valor de 26,44€; n.º 10352402 no valor de 35,10€; n.º 10352403 no valor de 5.227,91€; n.º 10352354 no valor de 108,16€; n.º 10352356 no valor de 304,07€; n.º 10352358 no valor de 1.968,58€; n.º 10352394 no valor de 44.551,48€; n.º 10352376 no valor de 28.647,36€; n.º 10352374 no valor de 30.194,64€; n.º 10352368 no valor de 11.682,30€; n.º 10352359 no valor de 474.334,13€; n.º 10352367 no valor de 48,67€; n.º 10352400 no valor de 14.615,20€; n.º 10352405 no valor de 1.287,94€; n.º 10352393 no valor de 1.245,64€; n.º 10352394 no valor de 3.280,94€; n.º 10352383 no valor de 345,89€; n.º 10352389 no valor de 4.015,83€; n.º 10352391 no valor de 241,09€; n.º 10352404 no valor de 68,75€; n.º 10352401 no valor de 483,70€; n.º 10352397 no valor de 170,21€; n.º 10352382 no valor de 3.128,12€; n.º 10352384 no valor de 5.415,32€; n.º 10352386 no valor de 2.100,00€; n.º 10352388 no valor de 40.004,83€; n.º 10352390 no valor de 2.666.60€; n.º 10352392 no valor de 14.877,60€; e n.º 10352398 no valor de 222,46€.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações, que rematou com as conclusões que a seguir transcrevemos [sendo as indicações entre parêntesis da nossa lavra]: « (...)

a) A Recorrente tem por objecto as actividades de construção de bens imóveis, residência [is] e não residenciais, e de compra e venda de bens imobiliários, tendo em 1999 adquirido vários prédios rústicos nos lugar de ……… e ………, nas freguesias de …… e ….., do concelho de Vila Nova de Cerveira, que viria a transformar em terrenos para construção (prédios urbanos) integrados numa operação de loteamento concluída em 2006, tendo procedido à sua inscrição matricial.

b) Em 2007 a Recorrente iniciou a construção de uma nave industrial, em dois lotes do referido loteamento, tudo com vista à sua transmissão ou locação.

c) Em 5 de Novembro de 2001, a Recorrente entregou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira uma Declaração de Alterações de IVA (corrigida em 23 de Fevereiro de 2003), pela qual renunciou à isenção desse imposto e optou pela sua aplicação às transmissões ou arrendamentos de bens imóveis.

d) A partir daquelas datas começou a deduzir, de forma imediata, o IVA liquidado a montante.

e) No ano de 2010 a Impugnante foi objecto de uma acção inspectora externa efectuada pela Administração Fiscal aos exercícios de 2006, 2007, 2008, 2009, e 2010, em cumprimento das ornas [ordens] de serviço OI201000389, OI202000390 OI202000391, tendo o relatório da inspecção concluído, no que releva para estes recurso, ter havido falta de pagamento de IVA ao Estado referente a aquisições intracomunitárias, e dedução indevida de IVA, tendo sido propostas, no que releva para este recurso, as seguintes correcções (fls. 3/36 do relatório da inspecção tributária):

1. IVA aquisições intracomunitárias de bens (AICB’s) no montante de 158,13€, relativamente ao ano de 2007;

2. IVA em falta em aquisições de serviços efectuadas a sujeitos passivos não residentes, no valor global de 2.686,333€, relativamente ao ano de 2007;

3. IVA em falta, por deduções indevidas de imposto, por infração ao artigo 20.º, do CIVA, no montante global de 817.807,49€, relativamente aos anos de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010.

f) Na sequência das propostas de correcção referidas na alínea anterior a AT - Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira procedeu à emissão das liquidações em IVA identificadas no corpo das presentes alegações, para o qual se remete.

g) No dia 28 de Fevereiro de 2011, a Impugnante procedeu ao pagamento das quantias liquidada [s].

h) A renúncia à isenção do IVA estão [está] previstos[ta], desde logo, no artigo 13.º da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977), e nos artigos 132 a 136, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, do Conselho da União Europeia)

i) A dedução do IVA suportado exige que os bens ou serviços adquiridos se utilizem na realização de operações sujeitas, e não isentas, de IVA; este princípio do imposto está previsto no artigo 20.º, n.º 1, do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), segundo o qual para deduzir o IVA suportado é necessário que os bens ou serviços adquiridos sejam utilizados ou aplicados em actividades não isentas, o que é o caso.

j) A lei portuguesa propõe a dedução do IVA suportado no momento em que se realizem as operações de venda ou de aluguer dos bens imóveis e se renuncie, em dado momento, à isenção, tendo o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, estabelecido que nos casos de renúncia à isenção do IVA, os sujeitos passivos não podem deduzir o IVA suportado antes da outorga da escritura de transmissão ou do contrato de arrendamento dos imóveis, e o artigo 5.º, do anexo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, estabelece que a renúncia à isenção apenas opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de arrendamento do imóvel.

k) O direito à dedução imediata constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pelo legislador comunitário, - consagrado nos artigos 168.º e 169º, da Directiva IVA, tal como já estava consagrado no artigo 17.º da Sexta Directiva - pelo que deve poder ser exercido imediatamente para a totalidade dos montantes do IVA que oneraram as operações efectuadas a montante.

l) Como o TJCE (actual TJUE) por várias vezes recordou, o direito à dedução previsto nos artigos 17.°, e seguintes, da Sexta Directiva, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado; é exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, como são exemplo, entre outras, as sentenças do TJCE de 21 de Fevereiro de 2006, no assunto C-255/02, de 8 de Junho de 2000, proferida no Assunto C-400/98, de 08/06/2000, no Assunto C-396/98, e de 9 de Setembro de 2004, no assunto C-97/90.

m) No caso dos autos a norma legal portuguesa limita a dedução imediata do imposto, que se transfere de maneira necessária, já que primeiro se constrói e depois se vende ou arrenda e pode, inclusivamente, implicar a impossibilidade de deduzir, no caso de o imóvel não se vender ou arrendar (actividade empresarial falida), ou no caso de as ditas operações terem lugar depois de decorridos os prazos legais (oito anos, na melhor das hipóteses), inviabilizando assim a possibilidade de dedução do IVA, e pondo em causa o princípio da neutralidade fiscal que a legislação comunitária pretende estabelecer e proteger.

n) Resulta claro que os procedimentos estabelecidos na legislação portuguesa não permitem aos sujeitos passivos obterem uma dedução imediata e integral do imposto pago a montante, pelo que os mesmos têm de ser qualificados de desproporcionados.

o) Não só quebram, de forma indelével, a cadeia de deduções, podendo privar o sujeito passivo de parte ou de todos os seus direitos à dedução, previstos no artigo 17.° da Sexta Directiva e artigos 167.º e 168º, da Directiva IVA, o que no caso concreto causou prejuízos de elevadíssimo valor à Recorrente (cerca de um milhão de euros!!!) como aumentam a carga fiscal (como sucedeu, no caso concreto, e esteve na base das liquidações adicionais de IRC), duas realidades que são contrárias aos princípios e valores da Sexta Directiva IVA, e estão, efectivamente, muito para além dos limites do que é necessário para alcançar os objectivos de assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar fraudes e abusos.

p) A restrição ou desfasamento temporal imposto pela legislação nacional e/ou pela Administração Fiscal não encontra nenhuma justificação porque, no caso de não existir - e de, com essa inexistência, permitir a dedução imediata do IVA -, permanecem possíveis quer as fiscalizações da Administração Fiscal quer uma eventual regularização com base no artigo 20.° da Sexta Directiva e artigos 184.º e 185.º da Directiva 2006/112/CE.

q) O regime das deduções estatuído na Sexta Directiva, e na Directiva 2006/112/CE, e na Directiva IVA destina-se a libertar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas.

r) O sistema comum do IVA garante, dessa forma, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as mesmas estarem, elas próprias, como ocorre na situação concreta da Recorrente, sujeitas ao IVA

s) A Sexta Directiva, a Directiva 2006/112/CE, e a jurisprudência comunitária, estabelecem como regra geral que a exigência do IVA determina a obrigação de o pagar, por parte do prestador e, ao mesmo tempo, o direito a deduzi-lo pelo empresário cliente; IVA repercutido e IVA suportado são simultâneos, cruzam-se, sem prejuízo nem benefício financeiro para o erário público.

t) O sistema comum do IVA tem por objectivo garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA.

u) O princípio da neutralidade é um princípio estrutural do sistema comum do IVA, constituindo a característica principal, nuclear deste tributo, como corolário que é do princípio da não discriminação, comportando outros princípios em que assenta o IVA, como os princípios da igualdade de tratamento, da proibição da dupla tributação, estando subjacente a este princípio o da não distorção da concorrência, reconhecidos como os dois aspectos basilares em que assenta o sistema comum do IVA em vigor na União Europeia.

v) Por via do princípio da neutralidade que enforma o sistema comum do IVA uma pessoa (singular ou colectiva) só deve suportar o IVA se este tiver incidido sobre os bens e serviços que utilizou para o consumo privado e não para as suas actividades profissionais tributáveis.

w) Por seu turno, o princípio da dedução do imposto suportado a montante é um elemento fundamental do sistema comum do IVA; visa libertar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito das suas actividades económicas, garantindo, por conseguinte, a perfeito neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados das mesmas o imposto será neutral na medida exacta em que seja dedutivo.

x) Os artigos 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, e o artigo 5.º, do anexo do Decreto-Lei n.º 2172007, de 29 de Janeiro, violam frontalmente o artigo 20.º do CIVA, os princípio da neutralidade do IVA e o direito à dedução do IVA, e os preceitos contidos nos artigos 1.º, 168.º e 169º, da Directiva IVA, e nos artigos 2.º, 13.º e 17.º da Sexta Directiva.

y) Vigora o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito estadual que implica, desde logo, uma interpretação conforme do Direito nacional com o Direito Comunitário, bem como a supressão / reparação das consequências de um acto nacional contrário ao Direito comunitário.

z) O princípio do primado e prevalência do Direito comunitário conduz à não aplicação do direito nacional no caso concreto.

aa) Os preceitos da Sexta Directiva e os da Directiva 2006/112/CE (esta relevante para os factos posteriores à sua entrada em vigor, ou seja, 1 de Janeiro de 2007) devem ser aplicados, prevalecer sobre o Direito nacional e, como consequência, comprometer a douta sentença recorrida.

bb) Com efeito, ao decidir como decidiu, alicerçando-se em legislação nacional que viola normas de Directivas comunitárias, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 20.º, do CIVA, e os ditos princípios e normas do Direito Comunitário (o princípios da neutralidade do IVA e o direito à dedução do IVA, e os preceitos contidos nos artigos 1.º, 168.º e 169º, da Directiva IVA, e nos artigos 2.º, 13.º e 17.º da Sexta Directiva), violando a letra e espírito destas normas e os princípios estruturantes sistema comum do IVA consagrados naquelas Directivas, designadamente os princípios da neutralidade, da dedução e da proporcionalidade, gerando um vício de inconstitucionalidade por violação do princípio do primado do direito comunitário ínsito no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada.

cc) A Recorrente entende haver discrepância entre as sobreditas normas do direito interno português e preceitos da Sexta Directiva, e os preceitos correspondentes da Directiva IVA (2006/112/CE) que revogou aquela; sendo estas normas de aplicação directa, devem prevalecer sobre o direito nacional.

dd) Porque também não concorda com o decidido pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo no que respeita à questão prejudicial, no caso de não vir a ser entendido como nas alíneas y), z), e aa), supra, e tendo em conta a discrepância entre as normas do direito interno e as referidas Directivas comunitárias, e sendo que se colocam, no caso dos autos, dúvidas legítimas e pertinentes a recta interpretação ou alcance das normas de direito comunitário e das consequências dessa realidade sobre as normas de direito interno,

ee) a Recorrente requer aos Excelentíssimos Juízes Conselheiros, a suspensão da instância, e a suscitação, junto do TJUN [TJUE] - Tribunal de Justiça da União Europeia, o que se requer, da seguinte questão prejudicial, para que se decida por Acórdão vinculativo:

“Se o artigo 4.2 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, e o artigo 5.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que estabelecem que o direito a deduzir o IVA suportado na construção de imóveis não se pode exercer até que se realizem as vendas ou a locação dos imóveis concluídos, sempre que as ditas operações tenham lugar dentro do prazo de oito anos, contradizem, respectivamente, o disposto no artigo 17.1 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, e no artigo 167.º, da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, que estabelecem o direito à dedução do IVA suportado no momento em que é exigível e o princípio da neutralidade do IVA estabelecido em abas [ambas] as Directivas.”

Pediu fosse concedido provimento ao recurso, fosse revogada a decisão recorrida e fossem anuladas as liquidações adicionais, ordenando-se ainda à Administração Tributária que restitua o imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito, com todas as consequências legais.

Subsidiariamente, pediu a suspensão da instância e o reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia das questões prejudiciais de interpretação do direito da União sugeridas na alínea “ee)” supra.

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.1. Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, onde concluiu que o presente recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: «(...)

A. A Impugnante tem por objecto as actividades de construção de imóveis, residenciais e não residenciais, e de compra e venda de bens imobiliários facto não controvertido;

B. Em 1999 a impugnante adquiriu vários prédios rústicos nos lugares de ……… e ………, nas freguesias de ……. e ……., do concelho de Vila Nova de Cerveira;

C. Que viria a transformar em terrenos para construção (prédios urbanos), integrados numa operação de loteamento concluída em 2006, tendo procedido à sua inscrição matricial;

D. Essa operação urbanística (loteamento composto por 45 lotes) foi tramitada sob Processo n.º 3/02, da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, e devidamente aprovada por Licença ou Alvará de operação de Loteamento n.º 2/05, de 7 de Outubro de 2005, tendo os lotes a designação e as descrições prediais, todas da Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira;

E. Em 2007 a Impugnante iniciou a construção de uma nave industrial, em dois lotes do referido loteamento, tudo com vista à sua transmissão ou locação, - cf. PI - pontos 2 a 8 - , e RIT - Cap. III.3;

F. Em 5 de Novembro de 2001, a impugnante entregou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira uma Declaração de Alterações de IVA (corrigida em 23 de Fevereiro de 2003), pela qual renunciou à isenção desse imposto e optou pela sua aplicação às transmissões ou arrendamentos de bens imóveis – cf. docs. juntos com a PI sob os n.ºs 1 e 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G. A partir da data mencionada em F. a aqui Impugnante começou a deduzir, de forma imediata, o IVA liquidado a montante;

H. No ano de 2010 a impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa efectuada pela Administração Fiscal aos exercícios de 2006, 2007, 2008, 2009, e 2010, em cumprimento das ordens de serviço OI201000389, OI201000390 e OI201000391;

I. Em 16 de Dezembro de 2010 foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária;

J. O relatório da inspecção conclui, no que releva para estes autos, ter havido falta de pagamento de IVA ao Estado referente a aquisições intracomunitárias (fls 5/36, e seguintes, do relatório), dedução indevida de IVA (fls 10/36, e seguintes, do relatório);

K. No relatório mencionado na al. anterior são propostas, no que releva para estes autos, as seguintes correcções: (fls 3/36 do relatório da inspecção tributária):

1. IVA aquisições intracomunitárias de bens (AICB's), no montante de 158,13€, relativamente ao ano de 2007;

2. IVA em falta em aquisições de serviços efectuadas a sujeitos passivo não residentes, no valor global de 2.686,33€, relativamente ao ano de 2007;

3. IVA em falta, por deduções indevidas de imposto, por infracção ao artigo 20.º, do CIVA, no montante global de 817.807,49€, relativamente aos anos de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010;

L. Na sequência das propostas de correcção referidas na al. anterior a AT – Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira, procedeu à emissão das seguintes liquidações de IVA, e de juros compensatórios (cf. docs. juntos com a PI sob os nºs 6 a 58):
n.º 10352362 no valor de 1.051,47 €
nº 10352364 no valor de 8.181,71 €
nº 10352366 no valor de 16.721,88 €
nº 10352371 no valor de 52,28 €
nº 10352379 no valor de 36,13 €
nº 10352372 no valor de 14.320,00 €
nº 10352380 no valor de 2.588,88 €
nº 10352378 no valor de 308,37 €
nº 10352360 no valor de 82.495,15 €
nº 10352355 no valor de 1.623,57 €
nº 10352361 no valor de 6.174,20 €
nº 10352363 no valor de 48.924,05 €
nº 10352365 no valor de 102.270,21€
nº 10352370 no valor de 347,43 €
nº 10352353 no valor de 567,21 €
nº 10352357 no valor de 10.698,82 €
nº 10352369 no valor de 1.793,63 €
nº 10352373 no valor de 1.917,70 €
nº 10352375 no valor de 3.941,02 €
nº 10352377 no valor de 3.541,28 €
nº 10352381 no valor de 294,21 €
nº 10352385 no valor de 580,40 €
nº 10352387 no valor de 217,71 €
nº 10352396 no valor de 2.687,16 €
nº 10352399 no valor de 26,44 €
nº 10352402 no valor de 35,10 €
nº 10352403 no valor de 5.227,91 €
nº 10352354 no valor de 108,16 €
nº 10352356 no valor de 304,07 €
nº 10352358 no valor de 1.968,58 €
nº 10352394 no valor de 44.551,48 €
nº 10352376 no valor de 28.647,36 €
nº 10352374 no valor de 30.194,64 €
nº 10352368 no valor de 11.682,30 €
nº 10352359 no valor de 474.334,13 €
nº 10352367 no valor de 48,67 €
nº 10352400 no valor de 14.615,20 €
nº 10352405 no valor de 1.287,94 €
nº 10352393 no valor de 1.245,64 €
nº 10352394 no valor de 3.280,94 €
nº 10352383 no valor de 345,89 €
nº 10352389 no valor de 4.015,83 €
nº 10352391 no valor de 241,09 €
nº 10352404 no valor de 68,75 €
nº 10352401 no valor de 483,70 €
nº 10352397 no valor de 170,21 €
nº 10352382 no valor de 3.128,12 €
nº 10352384 no valor de 5.415,32 €
nº 10352386 no valor de 2.100,00 €
nº 10352388 no valor de 40.004,83 €
nº 10352390 no valor de 2.666.60 €
nº 10352392 no valor de 14.877,60 €
nº 10352398 no valor de 222,46 €

M. No dia 28 de Fevereiro de 2011, a impugnante procedeu, ao pagamento das quantias liquidadas, referidas na al. anterior - cf. doc. juntos com a PI sob os n.ºs 59 e 60



3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, indeferindo o pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia e julgando, no mais, não verificados os pressupostos legalmente exigidos para o exercício do direito à dedução do IVA adicionalmente liquidado, julgou totalmente improcedente a impugnação judicial das liquidações correspondentes.

Com o assim entendido não se conforma a Recorrente, por entender que a decisão recorrida se apoia em disposições que violam princípios e normas do Direito Comunitário e o disposto no próprio direito interno português.

Violam princípios e normas do Direito Comunitário, porque a recondução da renúncia à isenção ao momento em que se realizam as operações de venda e a consequente impossibilidade de deduzir imediatamente o imposto suportado a montante não é compatível nem com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade, nem com os artigos 17.º da “Sexta Diretiva IVA” (Diretiva 77/388/CEE do Concelho, de 17 de maio de 1997, e 167.º e seguintes da “Diretiva IVA” (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006), que lhe sucedeu no tempo.

Violam o direito interno português, porque um tal regime também não é compatível com o disposto no artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Daqui decorre, desde já, que todas as questões suscitadas no presente recurso estão relacionadas com a aplicação do regime de renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis.

Ora, resulta do relatório de inspeção tributária que o regime de renúncia à isenção só foi convocado para as correções a que alude o seu ponto III.3.

O que significa, desde logo, que as correções que estão em causa no presente recurso são apenas as mencionadas no ponto 3 da alínea “K)” dos factos provados, no valor de € 817.807,49 (e dos respetivos juros compensatórios).

Mas da análise do relatório de inspeção tributária também resulta que estas correções não têm todas o mesmo fundamento.

Na verdade, a inspeção tributária divide o IVA deduzido pelo sujeito passivo nos períodos em causa em dois grandes grupos, considerando, de um lado, o valor do IVA deduzido em 2006 a 2009 por ter sido suportado nos custos e despesas que «incrementam a produção» (coluna 7 do anexo 2 ao relatório) e, de outro lado, o valor do IVA deduzido em 2006 a 2010 e «relativo ao investimento financeiro» (coluna 6), «afeto aos custos dos produtos em curso que não concorrem para a variação de produção» (coluna 8) e relacionado com os «custos comuns» (coluna 9).

O IVA mencionado na coluna 7 é o que a Administração Tributária considerou poder ser deduzido apenas na condição de serem vendidos os lotes de terreno correspondentes, o sujeito passivo renunciar à isenção e serem cumpridos todos os requisitos impostos pela legislação específica.

O IVA mencionado nas colunas 6 e 8 é o que a Administração Tributária considerou não ser dedutível nem recuperável por razões que não se cruzam com o regime da renúncia à isenção.

O IVA mencionado na coluna 9 é o que a Administração Tributária considerou poder ser deduzido na proporção do valor das diferentes operações ativas, mas concluiu não haver qualquer percentagem a deduzir nos períodos em causa por o sujeito passivo não ter realizado quaisquer operações ativas nos anos correspondentes.

A Recorrente nada contrapôs à fundamentação utilizada nas correções ao valor do IVA deduzido e mencionado nas colunas 6 e 8 do anexo 2 ao relatório de inspeção tributária.

Deve, assim, concluir-se desde já que não foi invocado nenhum fundamento que ponha em causa estas correções e, por conseguinte, a decisão recorrida que confirmou a legalidade das mesmas. E, assim sendo, deve concluir-se também não pode obter provimento o recurso na parte relativa às liquidações que se suportam nestas correções.

Por outro lado, o IVA mencionado na coluna 7 e relativo ao ano de 2006, no valor de € 602.213,84 tem uma dupla composição.

De um lado, há a considerar o valor do IVA afeto aos custos/despesas que incrementam o valor dos produtos acabados e que poderá ser dedutível se e quando houver venda dos lotes correspondentes e renúncia à isenção relativamente a esses lotes (€ 578.997,07); de outro lado, há a considerar o valor do IVA afeto aos custos e despesas imputados aos lotes n.º s 43 e 44, vendidos nesse ano, que o sujeito passivo já não pode recuperar por não ter efetuado a renúncia, conforme quadro n.º 17 do relatório (€ 23.216,77).

Ora, a Recorrente nada contrapõe ao facto de não ter renunciado à isenção na venda destes dois lotes e de já não o poder fazer. Por conseguinte, não há nada na fundamentação da impugnação ou do presente recurso que contraponha ao valor das correções do IVA relativo aos períodos de 2006, na parte correspondente. E, assim, sendo o recurso nunca poderia ter provimento, também nesta parte.

Estamos, por isso, reconduzidos à parte da sentença recorrida que apreciou a legalidade das correções restantes e da parte das liquidações impugnadas que nelas se suportaram.

3.2. Tem prioridade a apreciação da questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que não se verificam os pressupostos do direito à dedução exigidos pela lei interna portuguesa. Porque só faz sentido clamar pela violação de princípios ou disposições comunitárias no pressuposto de que as disposições nacionais devam ser interpretadas num sentido que as afronte.

Assim, sendo também alegado que do Direito nacional se colhe outra interpretação, que não conflitua com o Direito comunitário, deve primeiro indagar-se qual a correta interpretação do direito nacional.

Alega, então, a Recorrente que o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto e – depois dele – o artigo 5.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, violam frontalmente o n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado [ver a conclusão “x)” do recurso] porque este dispositivo transpõe para o Direito nacional o artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Diretiva IVA – a que sucedeu o artigo 168.º da Diretiva IVA – do qual decorre que «o imposto será neutral na medida exata em que seja dedutivo» [pág. 26 das doutas alegações de recurso].

Em bom rigor, não vem aqui suscitada uma questão de interpretação de um ato normativo, mas uma questão de ordenação de atos normativos em conflito. O que está subjacente à alegação da Recorrente é que a Administração Tributária interpretou corretamente aqueles diplomas, mas não considerou a relação de hierarquia que existe entre o n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e aqueloutros dispositivos, da qual decorre que deve prevalecer o regime geral.

Deve, porém, responder-se desde já a esta questão no sentido de que não existe nenhum conflito de normas.

Do artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA resulta que o direito à dedução atua como garante da neutralidade do imposto quando os bens ou serviços tributados são utilizados para os fins das operações tributadas do utilizador ou operações com isenção completa.

Se os bens ou serviços são utilizados para os fins das operações não sujeitas ou isentas na modalidade de isenção simples, o IVA suportado a montante não é, em princípio, dedutível. Porque se não há cobrança do imposto a jusante não pode haver, em princípio, dedução do imposto a montante.

É claro que não é assim quando o sujeito passivo renuncia à isenção nos termos do artigo 12.º, n.º 5, do Código do IVA. Mas este é claramente um regime especial, isto é, um regime que já não deriva da regra geral inserta naquele artigo 20.º.

Porque é o próprio Código do IVA que manda obedecer ao disposto nas normas regulamentares especiais o exercício do direito à dedução que resulte da renúncia à isenção – n.º 7 do seu artigo 12.º.

Quer dizer, o legislador assume que, em caso de renúncia à isenção, o direito à dedução não pode exercer-se nos termos gerais. E que as regras gerais só se aplicam na parte em que se conformem com as normas regulamentares especiais.

E isto sucede, fundamentalmente, porque a renúncia à isenção suscita as complexidades técnicas e administrativas que estão na origem da própria isenção. E que justificam, por isso, a adoção de um regime especialmente calibrado para as resolver.

No caso, os artigos 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto e 5.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro (este, conjugado com o n.º 5 do seu artigo 8.º), impedem a efetivação da dedução antes da venda dos imóveis porque a renúncia à isenção só é permitida quando também o adquirente dos mesmos é sujeito passivo de imposto. Exigência que deriva ainda do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IVA.

Ou seja, a opção só é possível após o momento em que são conhecidos os adquirentes (neste sentido, ainda no âmbito do Decreto-Lei n.º 214/86, emanuel vidal lima, in «IVA – Imposto Sobre o Valor Acrescentado Comentado e Anotado», Porto Editora 2000, 8.ª Edição, pág. 243).

Na prática, isto significa que, na renúncia à isenção, o legislador só admite a dedução o imposto suportado a montante em operações relativas aos mesmos imóveis depois de se assegurar que há cobrança do imposto a jusante. Isto é, depois de se assegurar que o próprio exercício do direito à dedução de quem renuncia à isenção não atenta contra a neutralidade do imposto e que a carga tributária se mantém idêntica face ao consumo.

Do exposto deriva que a Recorrente não pode apoiar a sua pretensão no artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA.

Pelo que o recurso não pode proceder por aqui.

3.3. Passemos então à segunda questão. Que consiste em saber se um regime de renúncia à isenção que proponha «a dedução do IVA suportado no momento em que se realizam as operações de venda ou de aluguer dos bens imóveis» e impeça, assim, a sua dedução «antes da outorga da escritura de transmissão ou do contrato de arrendamento dos imóveis» [conclusão “j)”] contraria princípios fundamentais do sistema comum do IVA como «o direito à dedução imediata» [conclusão “k)”], o «princípio da neutralidade fiscal» [conclusão “m)”] ou o «princípio da proporcionalidade» [cfr. a conclusão “n)”].

Nas alegações, a Recorrente começa por observar que os artigos 13.º-C da Sexta Diretiva IVA e 137.º da Diretiva IVA, embora autorizem os Estados Membros a determinar as condições de fundo do direito de opção pela renúncia à isenção em matéria de venda e de locação de bens imóveis, lhes impõem que o façam em observância dos princípios de base do IVA, como o «princípio da dedutibilidade» e o «princípio da proporcionalidade».

De seguida, e em desenvolvimento do primeiro destes princípios, a Recorrente lembra que o direito à dedução deve poder ser exercido imediatamente para a totalidade dos montantes do IVA que oneram as operações efetuadas a montante, postulado que apoia em inúmeros acórdãos do Tribunal de Justiça que o invocam em tese geral e introdutória na análise dos problemas respetivos.

E concretiza, dizendo que é contrário ao «princípio da dedutibilidade» do IVA, como decorrência do «princípio da neutralidade» do mesmo imposto, uma limitação à dedução que a transfira de maneira necessária para depois da venda ou locação dos imóveis.

E chama a atenção para o facto de um tal sistema poder implicar a impossibilidade de deduzir, no caso de o imóvel não se vender ou arrendar ou no caso de as ditas operações terem lugar depois de decorridos os prazos legais («oito anos, na melhor das hipóteses» - segundo parágrafo da pág. 14).

No que respeita ao segundo princípio, a Recorrente entende que os procedimentos estabelecidos na legislação portuguesa estão muito para além dos limites do que é necessário para alcançar os objetivos de assegurar a cobrança exata do imposto e evitar fraudes e abusos. Que, por isso, devem ser qualificados como desproporcionados.

Em concreto, a Recorrente alega que estes objetivos podem ser alcançados através das fiscalizações da Administração Tributária e dos mecanismos de regularização previstos no artigo 20.º da Sexta Diretiva IVA e 184.º e 185.º, estes da Diretiva IVA.

Decorre, assim, do alegado pela Recorrente que a violação do «princípio da neutralidade» em matéria de IVA não tem autonomia face à invocada violação do «princípio da dedutibilidade». No fundo o que a Recorrente pretende é que o sistema de dedução do imposto instituído pela legislação nacional em caso de renúncia à isenção contraria o «princípio da neutralidade» na parte que deste se projeta no direito à dedução.

Ou seja, o que a Recorrente defende é que é incompatível com o princípio da neutralidade do IVA que o direito à dedução não possa ser exercido normalmente, sendo que por exercício normal do direito à dedução entende também o seu exercício imediato, de acordo com as regras gerais do direito à dedução.

Em resumo, estamos reconduzidos à questão de saber se é compatível com o princípio comunitário da neutralidade do IVA em geral e da dedutibilidade do IVA em particular, um regime de renúncia à isenção que implique relegar para depois da venda ou do arrendamento o exercício desse direito. E à questão de saber se, sendo admissíveis restrições ao exercício imediato de tal direito, elas devem ser consideradas desproporcionadas, tendo em conta os objetivos a atingir.

Quanto à primeira questão, importa começar por referir que resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia que, na lógica do sistema instituído pelo IVA comunitário, a dedução do IVA pago a montante está ligada à cobrança do imposto a jusante. Se os bens ou serviços adquiridos pelo sujeito passivo são utilizados para os fins das operações isentas (ou não abrangidas pelo âmbito da aplicação do IVA, não pode existir cobrança do imposto a jusante nem, por conseguinte, dedução do imposto a montante.

Ora, as operações relativas a bens imóveis estão, em princípio, isentas de IVA [vd., no âmbito da Sexta Diretiva IVA, o seu artigo 13.º-B), alíneas b) e g) e, no âmbito da Diretiva IVA, o seu artigo 137.º, n.º 1, alíneas c) e d)], pelo que o imposto suportado em bens ou serviços utilizados para os fins destas operações não pode, em princípio ser deduzido.

Só assim não sucede se, por um lado, os Estados-Membros tiverem concedido aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação destas operações e, por outro lado, os sujeitos passivos exercerem o direito de opção. Por isso, e seguindo a expressão sistematicamente utilizada pelo Tribunal de Justiça, «o direito à dedução não se exerce de forma automática neste contexto» (vd. por todos o acórdão daquele Tribunal de 12 de janeiro de 2006, no processo C-246/04, caso “Waldburg”).

Assim, se o sujeito passivo não exerce validamente a opção pela tributação, por não ter conseguido reunir os requisitos de que depende o seu exercício, incluindo os requisitos temporais, as propriedades do imposto não se alteram. O que sucede é que a cadeia de dedução cessa numa fase anterior do processo produtivo e tratando-se o operador como «consumidor final». A penalização que daí derive para a sua atividade (os prejuízos que invoca resultantes da incorporação do IVA suportado a montante) são uma decorrência necessária do regime da isenção de que, afinal, não logrou apartar-se.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça também já se pronunciou no sentido de as disposições do artigo 13.º, C, primeiro parágrafo, alínea a) e segundo parágrafo, da Sexta Diretiva não se opõem a que um Estado-Membro que tenha exercido a faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação das operações de bens imóveis adote uma regulamentação que faz depender a dedução integral do IVA a montante da obtenção prévia de aprovação por parte da Administração Tributária – Acórdão de 9 de setembro de 2004, no processo C-269/03 (caso “Kirchberg”).

Subjacente a este entendimento está a conformidade com a Diretiva de um regime interno dos Estados-membros de que resulte a impossibilidade de dedução antes do exercício válido do direito de opção. E, por conseguinte, também a sua conformidade com os princípios fundamentais que informam o sistema comum do IVA, incluindo o princípio da neutralidade.

É certo que, como foi referido no Acórdão do mesmo Tribunal de Justiça de 30 de março de 2006, no processo C-184/04 (caso “Uudenkaupungin kaupunki”), «[o] exercício desta opção não tem qualquer incidência sobre a constituição do direito à dedução» (n.º 40).

Mas, como se explica adiante no mesmo aresto, na situação em que um bem de investimento é inicialmente afetada a uma atividade isenta, que não confere o direito à dedução (que inclui a situação anterior ao exercício do direito de opção), a dedução inicial é nula e «só após ter exercido a referida opção é que o direito à dedução do contribuinte adquire um valor real que pode ser objeto de dedução» (n.º 41).

Assim, se o sujeito passivo exerce validamente a opção pela tributação, as propriedades do imposto também não se alteram apenas pelo facto de a dedução não ter sido possível antes optar e desde que seja possível depois dela, de forma a evitar a dupla tributação das despesas a montante. Porque antes da opção não há um «valor real» a deduzir.

Neste sentido, a dedução que é realizada nestas circunstâncias não deixa de ser imediata. Porque se deduz logo que há um valor a deduzir.

Observe-se, ainda, que a conformidade de um tal regime com o Direito Comunitário foi reafirmada, já no âmbito da Diretiva IVA, no já acima referido Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, no processo C-672/16, (caso “Imofloresmira”), n.º 30.

Em conclusão, deve responder-se à primeira questão no sentido de que é compatível com o princípio comunitário da neutralidade do IVA em geral e da dedutibilidade do IVA em particular, um regime de renúncia à isenção que implique relegar para depois da venda ou do arrendamento o exercício desse direito.

Quanto ao facto de o sistema assim instituído poder implicar a impossibilidade de deduzir, designadamente no caso de as operações de venda ou arredamento terem lugar depois de decorridos os prazos legais, deve retorquir-se que não releva para esta questão e não deve ser aqui considerado.

Em primeiro lugar, porque não é um problema que se relacione diretamente com a dedução «prévia», mas um problema relacionado com o limite temporal ao exercício do direito de opção. Não se trata aqui, de saber se é compatível com o IVA comunitário não se poder deduzir antes, mas se com ele é compatível não se poder deduzir depois.

Em segundo lugar, porque não releva para a apreciação da legalidade do ato impugnado. Porque não foi por essa razão que a dedução não foi admitida. E, no âmbito da impugnação judicial, o tribunal não responde a questões hipotéticas ou abstratas. Não vem ao caso saber se uma norma interna é incompatível com a Diretiva Comunitária quando aplicada a uma situação que não é a dos autos.

A resposta à segunda questão (a de saber se as restrições ao exercício imediato de tal direito devem ser consideradas desproporcionadas, tendo em conta os objetivos a atingir) deve considerar-se prejudicada pela resposta à primeira.

Na verdade, tendo o Tribunal de Justiça concluído que estas regras não têm como consequência limitar o direito de efetuar as deduções, está subjacente a este entendimento que não há, verdadeiramente, restrição ao exercício «imediato» de tal direito. E se não há restrição alguma, não pode o regime respetivo ser considerado desproporcionado.

Sempre se dirá, de passagem, que os termos em que o Tribunal de Justiça se pronunciou no processo C-269/03 não deixariam espaço sequer para questionar a conformidade de um tal regime de opção com o princípio da proporcionalidade (que – reafirme-se – já estaria implícita na conclusão de que não lesa o direito à dedução). Em primeiro lugar, admite-se ali que um tal procedimento seja necessário e adequado à verificação das condições de que depende a aprovação e a evitar casos de fraude e abuso. Em segundo lugar, considera-se que não é um procedimento desproporcionado nem mesmo quando impeça a recuperação do imposto a montante da aprovação (n.º 29).

Prejudicado fica também, o conhecimento do pedido subsidiariamente formulado de suspensão da instância para suscitar a questão prejudicial formulada na conclusão “ee)” do recurso. Na verdade, tendo-se acima demostrado e concluído que a questão dos autos tem identidade material com as já decididas nos arestos supra indicados (e que, por conseguinte, já há jurisprudência comunitária sobre essa questão), não é necessário nem pertinente o reenvio prejudicial – cfr. decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de outubro de 1997, no recurso n.º 21 012 e jurisprudência comunitária ali citada.

Pelo que o recurso não merece provimento.



4. Conclusões


4.1. O regime de renúncia à isenção de IVA nas operações relativas a bens imóveis que deriva do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto e – depois dele – do artigo 5.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, não é incompatível com as regras do direito à dedução inseridas no n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;


4.2. Do facto de o direito à dedução relativo a essa tributação não se exercer de forma automática e ficar dependente do prévio exercício do direito de opção a que aludem aqueles diplomas não deriva alguma limitação ao exercício desse direito e, por conseguinte, a violação do princípio comunitário da neutralidade do IVA em geral e da dedutibilidade do IVA em particular.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo à simplicidade da causa na parte em que vinha suscitada a compatibilidade do regime de renúncia à isenção com o Código do IVA e ao facto de a parte restante ter sido decidida com base em jurisprudência já firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, para que este Supremo Tribunal se limitou a remeter – artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

D.n.

Lisboa, 16 de setembro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.