Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0848/08
Data do Acordão:01/07/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:EDMUNDO MOSCOSO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
DEFESA DO AMBIENTE
ELECTRICIDADE DE PORTUGAL
CONCESSIONÁRIO
DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:I - O artº 3º, alínea a)/ii, da Lei 19/2006, de 12 de Junho, equipara a "Autoridade pública", não só os "institutos públicos", as "associações públicas", as "empresas públicas" e as "entidades públicas empresariais, mas também toda e qualquer "empresa participada" bem como toda e qualquer "empresa concessionária" que prestem serviços relacionados com o ambiente ou susceptíveis de incidência ambiental, independentemente de pertencerem (ou não) à administração indirecta do poder central, regional ou local e independentemente de exercerem (ou não) poderes de autoridade ou funções administrativas públicas.
II - Tal interpretação em nada contraria o estabelecido na Directiva 2003/4/CE, onde expressamente se prevê que as disposições nela contidas "não prejudicam o direito de um Estado-Membro manter ou introduzir medidas que assegurem um acesso à informação mais amplo" (cf. ponto 24 dos respectivos "considerandos").
III - A A..., SA, na qualidade de empresa concessionária, usufruindo de bens ou interesses pertencentes ao domínio público, é equiparada a autoridade pública, nos termos e para os efeitos do estabelecido na Lei 19/2006, estando por isso obrigada ao dever de prestar informação sobre ambiente, que a QUERCUS lhe solicitou.
Nº Convencional:JSTA00065468
Nº do Documento:SA1200901070848
Data de Entrada:11/10/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:QUERCUS-ASSOC NAC DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCA SUL DE 2008/08/11.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - INTIMAÇÃO INF CERT.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:L 226-A/2007 DE 2007/05/31 ART23.
L 58/2005 DE 2005/12729 ART3 ART61 D E ART68 ART86 N1.
L 35/98 DE 1998/07/18 ART5 N1 N3.
L 19/2006 DE 2006/06/12 ART2 ART3 A II ART4 N1 B.
CONST97 ART212 N3.
Legislação Comunitária:DIR PAR CONS CEE 2003/4/CE DE 2003/01/28 ART1.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG412 PAG413 PAG460.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA
1 – A… S.A, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, interpôs recurso de revista do acórdão do T.C.A. Sul, de 11-08-08 (fls. 491/501) que, em processo para prestação de informações e passagem de certidões, intentado pela QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da sentença do TAC de Lisboa, que decidiu no sentido de a intimar “a prestar a informação solicitada pela Quercus, pelo requerimento de 24 de Janeiro de 2008, no prazo de 10 dias”, relativa ao processo de construção e exploração da Barragem do Baixo Sabor.
2 - Em alegações e no que respeita ao mérito do recurso a recorrente enunciou CONCLUSÕES, dizendo essencialmente o seguinte:
A - Que não é uma «autoridade pública» para efeitos do disposto no artº 2º nº 2 da Directiva 2003/4/CE. E, a não aplicação desta Directiva à recorrente decorre: (i) de se tratar de uma pessoa colectiva de direito privado exercendo a sua actividade de produção de energia eléctrica ao abrigo de um contrato de concessão de uso privativo de recursos hídricos do domínio público, regulado pela Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, e pelo D-L nº 226-A/2007, de 31 de Maio, e de uma licença de produção emitida nos termos do DL nº 172/2006, de 23 de Agosto; (ii) de o Estado não deter uma participação maioritária no capital da recorrente, não exercendo igualmente qualquer controlo sob a respectiva gestão; (iii) de a recorrente, explorando embora serviços de interesse económico geral, no caso a produção de energia hidroeléctrica, não exercer funções públicas administrativas, nem estar dotada de poderes de autoridade.
B - A recorrente não é uma «autoridade pública» para efeitos do disposto no artº 3 alínea a)/ii), da Lei nº 19/2006, de 12 de Junho, uma vez que não se integra na administração indirecta, pública ou privada, do Estado.
C - Com efeito, a recorrente é uma pessoa pública de direito privado, em cujo capital social o Estado não detém uma posição maioritária e em relação a cuja gestão o Estado não exerce quaisquer direitos de controlo, que desenvolve a respectiva actividade em regime de concorrência, ao abrigo de um contrato de concessão de uso privativo, regulado pela Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, e pelo DL 226-A/2007, de 31 de Maio, e de uma licença de produção, emitida ao abrigo do disposto no DL nº 172/2006, de 23 de Agosto.
D – A concessão de uso privativo configura um modo de fruição de bens públicos, que não envolve a atribuição ao concessionário de quaisquer poderes jurídico-públicos, nem tão pouco o investem no exercício de funções públicas.
E – Por essa mesma razão, a recorrente não se acha abrangida pelo âmbito de aplicação do artº 61º do CPA, do artº 104º do CPTA, nem tão pouco da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.
F – Ainda que estejam subjacentes razões de interesse público à construção da Barragem do Baixo Sabor o que releva, no caso dos autos, é o regime jurídico ao abrigo do qual irá ser construída a barragem e exercida a actividade de produção de energia eléctrica a partir de tal barragem, sendo inequívoco que a mesma está atribuída a uma entidade de direito privado, sem envolver a atribuição de quaisquer poderes de autoridade.
G – Ainda que esteja prevista a realização de expropriações no âmbito da construção da Barragem do Baixo Sabor, nem a lei, nem o contrato de concessão de uso privativo, atribuem à recorrente a qualidade de entidade expropriante ou a incumbem da condução dos processos expropriativos, como sucede expressamente em relação às concessões de obras públicas ou serviços públicos.
H – Não faz sentido concluir, com base no decidido no Ac. STA de 27 de Janeiro de 1994, pela caracterização da recorrente como autoridade pública exercendo prerrogativas de direito público na sua relação com os utentes, pois aquele aresto, cuja doutrina nem sequer se discute, apenas incidiu sobre a actividade de distribuição de electricidade, a qual tem enquadramento jurídico completamente diverso do relativo à actividade de produção de energia eléctrica.
I – Ao considerar como obrigadas ao dever de prestar informações regulado na Lei nº 19/2006 as empresas concessionárias de uso privativo, que não se integram na Administração de um ponto de vista orgânico, nem fazem administração material, a decisão recorrida viola o disposto no artº 3º, alínea a), subalínea ii), de tal diploma, bem como o artº 104º nº 1 do CPTA, fazendo uma interpretação destas normas que é contrária ao disposto na Directiva 2003/4/CE e ao disposto nos artº 2º, 61º e 212º nº 3 da CRP, por exceder o sentido e âmbito da jurisdição administrativa e limitar desrazoavelmente a liberdade de empresa.
3 - Contra-alegou a QUERCUS (fls. 574 e sgs.), sustentando a rejeição do presente recurso por considerar que se não mostram reunidos os requisitos previstos no artº 150º para a sua admissão ou, quando assim se não entenda, a sua improcedência.
4 - Pelo acórdão interlocutório de fls. 608/613 foi decidido admitir o recurso de revista, por se verificarem os pressupostos contidos no nº 1 do art. 150º do CPTA.
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Cumpre decidir:
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5 – O acórdão recorrido deu como demonstrada a seguinte MATÉRIA DE FACTO:
A – A QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, é uma Organização Não Governamental para a defesa do ambiente - "ONGA".
B - A QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza dirigiu à A…, S.A. em 24 de Janeiro de 2008, requerimento relativo ao assunto "Pedido de acesso a documentos" com o seguinte teor:
"A QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza, com sede no Centro Associativo do Calhau, Bairro do Calhau, 1500-045 Lisboa, contribuinte fiscal n° 501 736 492 vem, nos termos e para os efeitos da Lei n° 19/2006 de 12 de Junho (que regula o acesso à informação sobre ambiente que estejam na posse de autoridades publicas ou detidos em seu nome), requerer que lhe seja facultado o acesso à documentação actualizada relativa ao processo de construção e exploração da Barragem do Baixo Sabor, nomeadamente:
(i) relativa a Relatórios sobre a implementação da legislação ambiental no que diz respeito ao projecto do Baixo Sabor;
(ii) relativa à análise custo-benefício e outras análises e cenários económicos utilizados no âmbito das medidas e actividades acima referidas;
(iii) relativa ao concurso público para a empreitada geral de construção do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor lançado pela A…, S.A.
Estando legitimada para fazer, ao abrigo do n° 1 do artigo 5° da Lei 35/98 de 18 de Julho de 1998, a QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza vem requerer o acesso a esses documentos, com a maior brevidade possível, respeitando-se o previsto no artigo 9°. n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n° 19/2006, de 12 de Junho." Cfr. documento de folhas 82 dos autos.
C - A A…, S.A. enviou com data de 1 de Fevereiro de 2008 ao Presidente da Direcção Nacional da QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza ofício, relativo ao assunto "Pedido de acesso a documentos" com o seguinte teor:
"Temos presente a sua carta datada de 24 de Janeiro de 2008, com a referência GTF2/08, que mereceu a nossa melhor atenção e nos suscita o seguinte comentário.
O direito de acesso à informação sobre ambiente previsto na Lei n° 19/2006, de 12 de Junho, deverá ser exercido junto da autoridade pública competente, de acordo com a definição constante do artigo 3° do mesmo diploma.
Ora, não pode esta empresa, no presente caso, considerar-se abrangida naquela definição. Com efeito, esta empresa não pertence à administração indirecta do Estado, das Autarquias ou das Regiões Autónomas, nem tão pouco tem atribuições competências ou exerce funções administrativas públicas ou presta serviços públicos relacionados com o ambiente." Cfr. documento de folhas 83 dos autos.
D - A A…, S.A., DPI - Direcção de Projectos e Investimentos fez publicar o "anúncio de concurso" para a "Empreitada Geral de Construção do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor" "Empreitada, por série de preços com alguns trabalhos a realizar por preço global, para a execução de todas as obras de construção civil do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor, compreendendo um Escalão de Montante, um Escalão de Jusante e todas as Obras Complementares necessárias à completa construção do Aproveitamento”. Cfr. documento de folhas 68 a 81 dos autos.
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6 – DIREITO:
Como se depreende do anteriormente referido, a QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza intentou processo visando a intimação da A…, S.A., para lhe facultar o acesso aos documentos que solicitara através do requerimento referenciado na alínea B) da matéria de facto, informação essa relativa ao processo de construção e exploração da Barragem do Baixo Sabor.
Pedido esse que acabou por ser deferido por sentença do TAF de Lisboa, que decidiu intimar a A… a prestar, no prazo de 10 dias, a informação solicitada pela Quercus no requerimento de 24 de Janeiro de 2008, relativa a relatórios, estudos análises e documentos públicos referentes à construção da Barragem do Baixo Sabor, que estão na posse da entidade requerida.
A decisão do TAF de Lisboa, acabou por ser confirmada, em sede de recurso jurisdicional, pelo acórdão do TCA sul, ora recorrido.
Para o efeito, considerou-se essencialmente no acórdão recorrido o seguinte:
“(…)
A objecção essencial da A…, S.A. para satisfazer o direito à informação é a de que as empresas concessionárias referidas no artigo 3°, ii) da Lei n° 19/2006 são apenas as concessionárias que exercem poderes de autoridade, isto é, as concessionárias que exploram o domínio público ou exercem um serviço público, com base em bens dominiais, estando excluídas do dever de prestação de informações as empresas concessionárias de uso privativo, que não se integram na Administração.
Segundo a recorrente, as empresas concessionárias a que se refere o artigo 3°, alínea a)/ii, da Lei n° 19/2006 são apenas, portanto, as concessionárias que exercem poderes de autoridade.
Efectua, assim a recorrente a redução da amplitude do conceito em causa, sem que se vislumbre qualquer base legal para tal.
Como é sabido, em matéria de Lei das Águas e Direito Ambiental, o direito de acesso à informação possui um regime específico, afastando-se do regime previsto no Cód. Procedimento Administrativo, razão pela qual o conceito de empresa concessionária deve ser interpretado tendo em conta a Directiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28.01.2003.
Desde logo se nota, também, que, segundo o disposto no artigo 2° daquela Directiva, o conceito de Autoridade Pública abrange "Qualquer pessoa singular ou colectiva que tenha responsabilidades ou exerça funções públicas e a que preste serviços públicos relacionados com o ambiente, sob o controlo de um organismo ou pessoa referidos nas alíneas a) ou b).".
Pode assim dizer-se que o legislador nacional, na transposição da Directiva em causa, quis sujeitar todos os concessionários com actividades relacionados com o ambiente, aos ditames da Lei 19/2006.
Isto mesmo entreviu a doutra sentença recorrida, ao escrever o seguinte: "Ou seja, o acesso à informação ambiental, quando a autoridade pública seja uma empresa privada concessionária, não está sujeita apenas ao regime estabelecido no artigo 2° n° 3 do Código de Procedimento Administrativo, isto é, aos actos praticados pela entidade concessionária no exercício de poderes de autoridade. Quer a Directiva n° 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, quer a Lei n° 19/2006, de 12 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna aquela Directiva, consagram um direito de acesso à informação sobre ambiente mais amplo: basta que a informação seja detida, designadamente, por uma empresa concessionária, e que a informação pretendida seja passível de ser qualificada como informação sobre ambiente, nos termos da alínea b) do artigo 3° da Lei n° 19/2006.
A sentença recorrida concluiu, portanto, a nosso ver justamente, que a Lei n° 19/2006 e a Directiva 2003/4/CE, consagram um direito de informação sobre ambiente mais amplo do que o previsto no Código do Procedimento Administrativo, sendo a informação solicitada pela QUERCUS passível de ser qualificada como informação sobre ambiente, nos termos da alínea b) do artigo 3° da Lei n° 19/2006 e o meio processual idóneo para desencadear a pretensão e previsto no artigo 104° do CPTA.
Caso contrário seria violado o disposto nos artigos 88º n° 2 e 86° n° 1 da Lei da Água, normas segundo as quais todas as pessoas singulares ou colectivas têm direito de acesso às informações respeitantes às águas originadas ou detidas por quaisquer das entidades referidas no artigo 86°. nos termos do Código do Procedimento Administrativo e da legislação em matéria de acesso ambiental (art. 88º n° 2), informações essas que são as que têm origem ou são detidas por quaisquer entidades públicas que, sob o controle de uma entidade pública, tenham responsabilidades pelo interesse público, exerçam funções públicas ou prestem um serviço público relacionado com as águas.
Trata-se de um regime especial em relação ao regime previsto que, em conjugação com o Direito Comunitário, visa reforçar o conteúdo do direito à informação ambiental, razão pela qual o conceito de concessionário não pode ser objecto de uma interpretação literal, e muito menos restritiva.
(…)”.
5.1 – Como resulta do anteriormente referido, nos presentes autos está em questão um pedido de informação solicitado à A… pela QUERCUS, que se reporta nomeadamente a relatórios sobre a implementação da legislação ambiental no âmbito do processo de construção e exploração da Barragem do Baixo Sabor ao abrigo de um contrato de concessão que a A… celebrara com o Estado Português.
Nos termos do artº 23º da Lei 226-A/2007, de 31 de Maio (que estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos), “estão sujeitas a prévia concessão as utilizações privativas dos recursos hídricos referidas na Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro”.
E, nos termos da Lei nº 58/2005, de 29/12 (Lei da Água), a "utilização privativas dos recursos hídricos do domínio público" como seja a “captação de água para produção de energia”, bem como a “Implantação de infra-estruturas hidráulicas que se destinem” à produção de energia, estão sujeitas a prévia concessão (artº 61º/d) e e) e artº 68º).
Por outro lado a gestão da água deve observar, além do mais os "princípios gerais consignados na Lei de Bases do Ambiente” (cfr. artº 3º da Lei 58/2005).
Como se salientou no acórdão recorrido, “no caso concreto, está em causa o direito de consulta relativamente a um processo relativo à construção de uma barragem, num rio que é do domínio públicoea informação solicitada pela QUERCUS tem por fim analisar a existência de potenciais violações de normas ambientais, a fim de poder, eventualmente, lançar mão dos meios judiciais e extra-judiciais ao seu alcance”, aspecto este que, aliás, não mereceu qualquer reparo por parte da recorrente.
Sendo, a QUERCUS, uma Organização Não Governamental de Ambiente ("ONGA") (cf. al. A) da matéria de facto), goza, “nos termos da lei, do direito de consulta e informação junto dos órgãos da Administração Pública sobre documentos ou decisões administrativas com incidência no ambiente”, dispondo de “legitimidade para pedir, nos termos da lei, a intimação judicial das autoridades públicas no sentido de facultarem a consulta de documentos ou processos e de passarem as devidas certidões” - (cfr. artigo 5° nºs 1 e 3 da Lei n° 35/98, de 18 de Julho).
Ou seja, resulta expressamente dos citados preceitos que à QUERCUS, enquanto ONGA assiste o direito de consulta e informação junto dos órgãos da Administração Pública no que respeita a elementos donde possam emergir eventuais efeitos com incidência no ambiente
A questão pode ser susceptível de comportar eventuais dúvidas, quando esses elementos com incidência no ambiente se encontram na disponibilidade de órgãos ou de pessoas colectivas que não integram a Administração Pública ou, mais precisamente, como sustenta a recorrente, na posse de “uma pessoa colectiva de direito privado exercendo a sua actividade de produção de energia eléctrica ao abrigo de um contrato de concessão de uso privativo de recursos hídricos do domínio público”.
Aliás, como resulta das conclusões da alegação, a recorrente insurge-se contra o decidido no acórdão recorrido argumentando que “não é uma «autoridade pública» para efeitos do disposto no artº 3 alínea a)/ii), da Lei nº 19/2006, de 12 de Junho, uma vez que não se integra na administração indirecta, pública ou privada, do Estado”, mas "uma pessoa colectiva de direito privado exercendo a sua actividade de produção de energia eléctrica ao abrigo de um contrato de concessão de uso privativo de recursos hídricos do domínio público" e, embora explore “serviços de interesse económico geral, no caso a produção de energia hidroeléctrica” não exerce funções públicas administrativas, nem está dotada de poderes de autoridade.
Assim sendo, a decisão do presente recurso passa essencialmente por apurar se a recorrente, enquanto entidade de direito privado e tendo em consideração a concreta informação ora em apreciação, relativa a matéria ambiental, está ou não sujeita ao dever de prestar essa informação, nomeadamente face ao estabelecido na Lei nº 19/2006 (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro) e que especialmente veio regular o “acesso à informação sobre ambiente, na posse de autoridades públicas ou detida em seu nome” e a estabelecer as condições para o seu exercício (artº 1º), consagrando assim um regime específico próprio, no que respeita ao acesso à informação sobre o ambiente.
Como expressamente resulta do artº 2º, a Lei nº 19/2006, de 12/06, "tem por objectivos”:
a) - Garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente detida pelas autoridades públicas ou em seu nome;
b) - Assegurar que a informação sobre ambiente é divulgada e disponibilizada ao público;
c) - Promover o acesso à informação através da utilização de tecnologias telemáticas ou electrónicas.
Visando tais objectivos ou o “direito de acesso à informação ambiental”, estabelece desde logo a Lei 19/2006, como “Medida a adoptar pelas autoridades públicas”, o dever de disponibilizarem “ao público listas ou registos de informação de ambientena sua posse ou detidas em seu nome “ou indicação onde a informação está acessível” (artº 4º nº 1/b).
Donde se depreende que, com tal lei, o legislador visou dar uma diferente dimensão ou possibilitar um maior acesso do público no que respeita ao direito às informações sobre o ambiente, bem como a sua divulgação, contribuindo assim para uma maior sensibilização dos cidadãos em matéria do ambiente (cf. ponto 1 dos “considerandos” da Directiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28.01.2003).
Assim sendo e perante o estabelecido nas citadas disposições, a solução a dar ao presente recurso, passa apenas por saber se a A…, tendo em consideração a concreta situação versada nos autos, deve ou não ser considerada “autoridade pública” nos termos e para os efeitos do estabelecido na Lei 19/2006.
O artº 3º da Lei 19/2006, sob a epígrafe “Definiçõesestabelece o seguinte:
“Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Autoridade pública»:
i) O Governo ou outros órgãos da administração pública central, regional ou local, bem como os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, incluindo órgãos consultivos;
ii) Qualquer pessoa singular ou colectiva que pertença à administração indirecta das entidades referidas na subalínea i) e que tenha atribuições, competências, exerça funções administrativas públicas ou preste serviços públicos relacionados com o ambiente, nomeadamente institutos públicos, associações públicas, empresas públicas, entidades públicas empresariais e empresas participadas, bem como as empresas concessionárias;
b) «Informação sobre ambiente» quaisquer informações, sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou qualquer outra forma material, relativas:
i) Ao estado dos elementos do ambiente, como o ar e a atmosfera, a água, o solo, a terra, a paisagem e as áreas de interesse natural, incluindo as zonas húmidas, as zonas litorais e marinhas, a diversidade biológica e seus componentes, incluindo os organismos geneticamente modificados, e a interacção entre esses elementos;
ii) A factores como as substâncias, a energia, o ruído, as radiações ou os resíduos, incluindo os resíduos radioactivos, emissões, descargas e outras libertações para o ambiente, que afectem ou possam afectar os elementos do ambiente referidos na alínea anterior;
iii) A medidas políticas, legislativas e administrativas, designadamente planos, programas, acordos ambientais e acções que afectem ou possam afectar os elementos ou factores referidos nas subalíneas i) e ii), bem como medidas ou acções destinadas a protegê-los;
iv) A relatórios sobre a implementação da legislação ambiental;
v) A análise custo-benefício e outras análises e cenários económicos utilizados no âmbito das medidas e actividades referidas na subalínea iii);
vi) Ao estado da saúde e à segurança das pessoas, incluindo a contaminação da cadeia alimentar, quando tal seja relevante, as condições de vida, os locais de interesse cultural e construções, na medida em que sejam ou possam ser afectados pelo estado dos elementos do ambiente referidos na subalínea i), ou, através desses elementos, por qualquer dos factores ou medidas referidos nas subalíneas ii) e iii);
c) «Informação detida por uma autoridade pública» qualquer informação sobre o ambiente na posse de uma autoridade pública e que tenha sido elaborada ou recebida pela referida autoridade;
d) «Informação detida em nome de uma autoridade pública» a informação sobre ambiente materialmente mantida por uma pessoa singular ou colectiva por conta de uma autoridade pública;
e) «Público» uma ou mais pessoas singulares ou colectivas, associações, grupos e organizações representativas, designadamente organizações não governamentais de ambiente;
f) «Requerente» qualquer pessoa singular ou colectiva que solicite informações sobre o ambiente.
É a própria recorrente que afirma ser “uma pessoa pública de direito privado, em cujo capital social o Estado não detém uma posição maioritária”, o que significa que se trata de uma “empresa participada”, que exerce a actividade – “fruição de bens públicos” - em regime de concessão (cf. cl. C) e D)).
Aliás, o “contrato de concessão” celebrado entre o Estado Português e a “A…” tem como objecto:
a) – A utilização, para produção de energia hidroeléctrica, de águas superficiais do domínio público, captadas nas albufeiras a criar pela construção das barragens que integram o aproveitamento do Baixo Sabor, designadas por Escalão de Montante e Escalão de Jusante;
b) – A utilização de terrenos a integrar no domínio público hídrico…
c) – A utilização dos terrenos do domínio privado do concedente…
d) – A construção e exploração as infra-estruturas hidráulicas e da central hidroeléctrica, bem como máquinas, equipamentos, aparelhagens e respectivos acessórios necessários à operação, exploração e manutenção e gestão dessas infra-estruturas…
A “concessão” como a define Marcelo Caetano “in” MDA, vol. I, pág. 460, “é o acto administrativo pelo qual é permitido a um particular o exercício temporário, por sua conta e risco, de um ou mais direitos exclusivos de certa pessoa colectiva de direito público, para esse efeito transferidos para o concessionário”. E acrescenta: “Assim, para que haja concessão é preciso que se trate de direitos reservados em exclusivo à Administração e de que esta transfira o exercício (conservando a titularidade) por prazo determinado ou enquanto lhe aprouver, para outrem, que procederá por sua conta e risco mas devendo observar as condições e cláusulas prescritas para a respectiva actividade”.
Estamos, por conseguinte, perante uma situação em que a A…, pretendendo “captar água no Rio Sabor, destinada à produção de Energia Eléctrica” recurso hídrico que pertence ao “domínio público” é autorizado pelo ESTADO PORTUGUÊS, através de um “contrato de concessão” à captação de água destinada à produção de energia ou, como expressamente se refere no respectivo contrato, à “utilização privativa dos recursos hídricos do domínio público destinada à captação de água para produção de energia, bem como a implantação de infra-estruturas que se destinem a este fim”.
Ou seja, estamos perante uma situação em que a A… surge, utilizando as palavras de Marcelo Caetano in MDA, Vol. I, pág. 412/413, como “instrumento de realização de interesses públicos” através da concessão outorgada pela Administração Pública, visando a exploração das coisas ou bens que fazem parte do domínio público do Estado, ficando por força da concessão investida na “função pública de desempenhar uma actividade de interesses geral” ou de interesse colectivo, por se tratar de uma entidade que, embora de direito privado, é concessionária da exploração de coisas do domínio público.
Ora, face ao que estabelece o artº 3º supra citado, é de realçar que, como se entendeu no acórdão recorrido, a alínea a)/ii, para os efeitos previstos na Lei 19/2006, equipara a “Autoridade pública”, não só os “institutos públicos”, as “associações públicas”, as “empresas públicas” e as “entidades públicas empresariais, mas também toda e qualquer “empresa participada” bem como toda e qualquer “empresa concessionária” que prestem serviços relacionados com o ambiente ou susceptíveis de incidência ambiental, independentemente de pertencerem (ou não) à administração indirecta do poder central, regional ou local e independentemente de exercerem (ou não) poderes de autoridade ou funções administrativas públicas.
Tal interpretação em nada contraria o estabelecido na aludida Directiva 2003/4/CE, onde expressamente se prevê que as disposições nela contidas “não prejudicam o direito de um Estado-Membro manter ou introduzir medidas que assegurem um acesso à informação mais amplo do que o nela previsto” (cf. ponto 24 dos respectivos “considerandos”).
Assim sendo, a recorrente, quer na qualidade de empresa participada, quer na qualidade de empresa concessionária, usufruindo de bens ou interesses pertencentes ao domínio público, é equiparada a autoridade pública, nos termos e para os efeitos do estabelecido na Lei 16/86, sendo certo que tal equiparação em nada contraria o estabelecido na constituição, nomeadamente o disposto no seu artº 212º nº 3 ao atribuir aos tribunais administrativos e fiscais competência para dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Equiparação essa que, de resto, está em consonância com o estabelecido no artº 86º nº 1 da Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro que determina que as informações sobre as águas englobam as informações que “têm origem ou são detidas por quaisquer entidades públicas ou por entidades privadas”.
Por isso, concordando com o que, a propósito, se considerou no acórdão recorrido e acima transcrito, temos de concluir no sentido de que a A…, tendo em consideração a situação em apreço, está obrigada a prestar a informação pretendida pela QUERCUS.
Daí a improcedência das conclusões do recorrente, bem como a improcedência do presente recurso de revista.
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7 - Termos em que ACORDAM:
Negar provimento ao recurso;
Sem custas.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2009. – Edmundo António Vasco Moscoso (relator) - João Manuel BelchiorAntónio Políbio Henriques.