Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02/10.9BEPRT
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:INCOMPETÊNCIA HIERÁRQUICA
Sumário:Suscitando o recorrente questão de facto da qual pretende extrair consequências jurídicas, o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, sendo, por isso, competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo e não o Supremo Tribunal Administrativo - artigos 26.º do ETAF e 280.º n.º 1 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P26959
Nº do Documento:SA22021011302/10
Data de Entrada:11/06/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............., S.A
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1- RELATÓRIO
1.1. A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), invocando o disposto nos artigos 279.º, 280.º e 282.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………., S.A., identificada nos autos, e anulou a liquidação de Imposto de Selo na parte concernente à verba 10.3 da TGIS e condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito a favor da Impugnante.
1.2. A Recorrente concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
“I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida da decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico n.º 35/2009, interposto contra o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa n.º 3387-05/400120.6, “do ato de Liquidação de Imposto de Selo da verta 10.ª da Tabela Geral do Imposto de Selo, que incidiu sobre a hipoteca voluntária constituída por escritura de 15 de abril de 2005”, no valor de € 58.272,00, pela ocorrência de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
II. Para assim decidir, entendeu o Tribunal a quo, em síntese que “…a hipoteca é materialmente acessória do contrato de abertura de crédito e que foi constituída em simultâneo com o contrato principal – no mesmo documento - temos de concluir que se encontram reunidos os pressupostos para a exclusão da garantia constituída do âmbito de incidência do Imposto do Selo da verba 10.3 da TGIS.”
III. E, julgando pela procedência da ação, determina “…a anulação do ato de liquidação de Imposto de Selo na parte concernente à verba 10.3 da TGIS, com a restituição do montante indevidamente pago.” E, bem assim, o consequente direito ao recebimento dos peticionados juros indemnizatórios.
IV. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento - de direito e de facto -, pelas razões que passa a expender.
V. Para se aferir da legalidade da tributação em sede de Imposto de Selo, da hipoteca constituída pela Impugnante, impõe-se proceder à análise prévia das normas jurídicas aplicáveis.
VI. Estabelece o n.º 1 do artigo 1º do Código do Imposto de Selo (CIS) que o imposto de selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros papéis e outros factos previstos na Tabela Geral anexa ao Código. Por seu lado, a verba 10 da Tabela Geral prevista no CIS (TGIS) prevê a incidência do imposto sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente, entre outros, e ao que nos interessa, a hipoteca, excecionando, porém, quando tais garantias sejam materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente, sobre o respetivo valor, em função do prazo das mesmas, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato, aplicando-se a taxa de 0,6% às “Garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos”, como dispõe a verba 10.3 da Tabela.
VII. Ora, no caso vertente, foi constituída hipoteca voluntária para garantia do Contrato de Abertura de Crédito celebrado em 15.04.2005, no 2º Cartório da Secretaria Notarial de Matosinhos, com o Banco …………… SA, onde se concede um aumento do montante do contrato de abertura de crédito celebrado em 14.05.2001, no valor de € 9.712.021,08, ascendendo em consequência o montante máximo a € 34.212.021,08.
VIII. Este novo aditamento ao contrato é celebrado nos termos e condições da escritura pública que o formalizou e do respetivo documento complementar, vide fls.5 a 15 e 16 a 26 do processo de reclamação graciosa apenso ao processo administrativo.
IX. No mesmo instrumento notarial para garantia do bom e pontual pagamento, é constituída hipoteca voluntária sobre um imóvel - terreno para construção -, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Ramalde sob o artigo 7847, vide fls. 9/10 do processo de reclamação e, bem assim, das responsabilidades decorrentes do aumento do montante máximo da abertura de crédito celebrada, até ao montante de € 9.712.021,08; dos juros remuneratórios, à taxa de 4,5625%, e, em caso de mora, dos respetivos juros à taxa anual de 4%, a título de cláusula penal, estimados em € 1.329.332,89 e € 1.165.442,53, respetivamente; das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco venha a suportar para assegurar o cumprimento das cláusulas da escritura pública.
X. Em 20.04.2005 ocorre a utilização integral do financiamento adicional de € 9.712.021,08, concedido pela instituição bancária, em 14.05.2005, bem como de um montante adicional anteriormente concedido, de € 281.000,63, por meio de crédito em conta à ordem titulada pela Impugnante da quantia de € 9.993.021,71, conforme cópia do documento bancário, vide fls. 29 do processo de reclamação graciosa. Por conseguinte, o Banco …………… procedeu à liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 59.958,13, devido pela utilização do crédito, correspondente a 0,6% do valor utilizado, nos termos da verba 17.1.3 da TGIS, vide cópia da nota de débito a fls. 30 do processo de reclamação.
XI. Das normas transcritas decorre que sobre as garantias das obrigações, designadamente a hipoteca, incide Imposto de Selo, salvo se tais garantias forem (i) materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na TGIS e (ii) constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente, caso em que não há lugar a tributação em sede deste imposto.
XII. No que concerne ao sentido do requisito da “acessoriedade material” para o funcionamento desta exclusão tributária, referem António Campos Laires e Jorge Belchior Laires, in Código do Imposto de Selo Anotado e Comentado, Alda Editores, 2000, pág. 131, que a mesma pressupõe a “existência de uma efetiva ligação entre obrigação garantida e garantia prestada, quer exista quer não uma acessoriedade em sentido formal, entendendo-se esta como a inserção daqueles atos no mesmo instrumento ou titulo. Assim segundo pensamos não deverão beneficiar desta exclusão as garantias que, ainda que constituídas no mesmo documento ou título de um contrato especialmente tributado pela Tabela, garantam as obrigações decorrentes de um outro contrato celebrado pelas partes intervenientes.”
XIII. O requisito da “acessoriedade material” significa, assim, uma verdadeira dependência causal da garantia face à obrigação garantida, surgindo a primeira como consequência da segunda, existindo enquanto a segunda existir e reduzindo-se à medida que a obrigação garantida se vai reduzindo. O sentido do requisito da “simultaneidade” não levanta problemas de maior ao nível da sua interpretação, sendo entendimento pacífico que ele se verifica quando a garantia e a obrigação garantida nascem na mesma data, ainda que sejam constituídas ou formalizadas em documentos distintos.
XIV. Entre os contratos especialmente tributados na TGIS consideramos que se inclui o denominado de abertura de crédito, um contrato consensual por via do qual um operador bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias.
XV. Da abertura de crédito não nasce para o creditado um simples direito de crédito à celebração de novo contrato; dela brota desde logo um direito potestativo do creditado sobre o creditante. Logo que aquele exerce esse direito através do saque por conta do crédito, o creditante não fica apenas obrigado a celebrar um (novo) contrato de mútuo, mediante a emissão de uma (nova) declaração de vontade; fica antes obrigado desde logo a entregar a quantia contra ele sacada, nos termos contratados, i. e., os atos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efetuado.
XVI. In casu, a abertura de crédito, que mais não é do que um contrato de mútuo, cujo prazo decorre desde a assinatura do contrato pelas partes até ao dia 31.12.2019, e cujo reembolso deverá ser amortizado integralmente em quinze prestações anuais e postecipadas de acordo com o calendário acordado.
XVII. E, sendo o mútuo “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade» - cf. artigo 1142.º do Código Civil, prevendo a verba 17.1 da referida Tabela, a tributação da utilização de crédito, em virtude da concessão de crédito a qualquer título.
XVIII. Por seu turno, a hipoteca é uma garantia especial das obrigações que “confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”, podendo garantir obrigações futuras ou condicionais - cf. artigo 686.º do Código Civil). Já o reforço ou aumento da garantia implica, sempre, a celebração de um novo contrato ou instrumento em momento posterior ao nascimento da obrigação garantida, pelo que, nos termos da verba 10 da TGIS, a garantia será tributada por não se verificar o requisito da simultaneidade.
XIX. Aceitando-se que em 14.05.2005, foi lavrada escritura de Alteração a Contrato de Abertura de crédito e Contrato de Hipoteca pela qual, através dos seus representantes, a Impugnante, se confessa devedora da quantia de € 9.993.021,71, e constitui hipoteca a favor do Banco …………….. para garantia do bom e pontual pagamento, do financiamento e de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do Banco para assegurar o cumprimento das cláusulas da escritura pública, com o limite máximo de € 200.000,00.
XX. Que em 20.04.2005 ocorre a utilização integral do financiamento adicional de € 9.712.021,08, concedido em pela escritura – outorgada a 14.05.2005 -, bem como, bem como de outros montante adicionais anteriormente concedido, vide cópia do documento bancário de fls. 29 do processo de reclamação;
XXI. Após subsumidos os factos ao direito aplicável, temos que a hipoteca foi constituída em simultâneo com a constituição da obrigação garantida respetiva - o contrato de abertura de crédito -, em que a Impugnante figura como devedora, existindo acessoriedade formal entre ambas as obrigações, porquanto são ambas tituladas pela mesma escritura pública.
XXII. Verifica-se, ainda, que o denominado contrato de abertura de crédito foi celebrado por anos e 1 mês, não tendo sido fixado prazo para a hipoteca. E, ainda que na escritura, não é fixado o montante máximo garantido pela hipoteca, tendo o registo sido feito pelo valor correspondente ao crédito concedido e respetivos acessórios, nos termos do artigo 693.º do Código Civil.
XXIII. Não obstante a coincidência de valores entre o crédito concedido na escritura acrescido dos acessórios e o montante máximo da garantia, a hipoteca não se limita a garantir aquele crédito concedido na data da escritura, mas também o pagamento de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do Banco credor, seja qual for a sua natureza, de onde resulta inequívoco que as partes previram a constituição de obrigações futuras, as quais não se mostram constituídas em simultâneo com a hipoteca.
XXIV. Trata-se, de hipoteca genérica ou global, sem prazo, na medida em que garante o cumprimento de qualquer obrigação presente ou futura perante o respetivo credor, mas que obedece a parâmetros objetivos de determinabilidade, na medida em que o objeto da obrigação deverá estar contido no valor máximo garantido constante do registo. A hipoteca global “caracteriza-se por garantir uma dívida que não está determinada ab initio, sendo apenas determinado o montante máximo que assegura. As obrigações garantidas podem ter a mais variada natureza e não é limitado o seu número: pode ser abrangida pela hipoteca toda e qualquer obrigação, desde que integrável num dos critérios de globalização convencionados e desde que caiba na quantia máxima constante do registo e do título constitutivo” .
XXV. Assim, à medida em que vai sendo paga a dívida relativo ao contrato de mútuo, a hipoteca não se reduz pois garante outras obrigações da impugnante para com o mesmo credor. De igual modo, uma vez paga a totalidade daquela dívida, a garantia da hipoteca constituída não se extingue - cf. alínea a) do artigo 730.º do Código Civil -, só assim não acontecendo se o credor renunciar à hipoteca - cf. alínea d) do artigo 730.º do mesmo diploma.
XXVI. Nesta conformidade, a sorte da hipoteca não depende das obrigações da Impugnante enquanto mutuária no âmbito do contrato celebrado, não existindo uma ligação causal entre ambas, porque deixando estas de existir, podem aquelas manter-se para garantir outras obrigações.
XXVII. A hipoteca estaria, sim, excluída de tributação, se apenas visasse garantir as obrigações decorrentes do denominado contrato de abertura de credito que, como se deixou escrito, mais não é do que um contrato de mútuo, assim como o estariam eventuais reforços da mesma para a garantia de outras obrigações.
XXVIII. Conclui-se, pois, que não apenas falta a acessoriedade material entre a hipoteca constituída e o contrato em causa em causa mas que também inexiste a necessária simultaneidade no que concerne às demais obrigações que a hipoteca visa garantir, sendo ambos requisitos essenciais da sua exclusão de tributação em sede de Imposto do Selo. E, foram estes os pressupostos que serviram de base à liquidação de Imposto de Selo controvertida.
XXIX. Temos então que a incidência objetiva do Imposto de Selo verifica-se sobre realidades distintas, individualizadas nas verbas 10 e 17.1, por um lado, a garantia da concessão de crédito à reclamante concretizada na constituição de hipoteca voluntária, que como in casu, não estipula qualquer prazo -perante garantias sem prazo, a taxa do imposto a aplicar é a de 0,6 % - cf. verba nº 10.3 da TGIS -, como, aliás, consta da liquidação impugnada,
XXX. por outro, a utilização do crédito concedido através do contrato de abertura de crédito bancário, que ocorre em momento ou momentos posteriores à celebração do contrato - a operação de crédito se realiza quando o crédito é utilizado, surgindo então a obrigação de imposto relativa a esse facto.
XXXI. Assim sendo, não se verifica a inexistência parcial do facto tributário nem tampouco a dupla tributação alegada pela reclamante, sendo a atuação da AT conforme à lei e ao entendimento que dali decorre, justificando-se a manutenção da liquidação efetuada.
XXXII. A douta Sentença recorrida os princípios e as disposições legais supracitadas.

Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.”

1.3. A Recorrida contra-alegou concluindo do seguinte modo:
“A) A Fazenda Pública recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 24 de Abril de 2012, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, anulou o acto de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre a hipoteca voluntária constituída no dia 15 de Abril de 2005, e ordenou a restituição à Recorrida da quantia indevidamente paga por esta, acrescida de juros indemnizatórios.
B) Nas suas Alegações de Recurso, a Recorrente indica que o valor do acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado é de € 58.272,00. Porém, resulta do Doc. 4 da p.i. de Impugnação Judicial - cuja veracidade não foi questionada pela Recorrente nos Autos -, que o valor liquidado a título de Imposto do Selo, nos termos da verba 10.3 da Tabela Anexa ao Código do Imposto do Selo, foi de € 74.440,78 (setenta e quatro mil quatrocentos e quarenta euros e setenta e oito cêntimos).
C) Na douta sentença, o Tribunal a quo considerou que, no caso em apreço, "a hipoteca é materialmente acessória do contrato de abertura de crédito e que foi constituída em simultâneo com o contrato principal - no mesmo documento - tendo, assim, concluído que se encontravam "reunidos os pressupostos para a exclusão da garantia constituída do âmbito de incidência de Imposto de Selo" (Cf. sentença de fls... dos Autos).
D) A Recorrente entende que a hipoteca constituída pela ora Recorrida não é materialmente acessória do contrato de abertura de crédito celebrado pela Recorrida e que também “inexiste a necessária simultaneidade no que concerne às demais obrigações que a hipoteca visa garantir”, justificando-se, desse modo, a manutenção da liquidação de Imposto de Selo e, consequentemente, a revogação da sentença recorrida (cf. Alegações de recurso apresentadas em 12 de Junho de 2012).
E) Ora, a Recorrente apenas podia concluir como concluiu se tivesse contestado nas suas Alegações os factos dados como provados na Sentença recorrida — o que manifestamente não sucedeu.
F) É que, é evidente a contradição entre o afirmado pela Recorrente e o que foi dado como provado pelo Tribunal a quo. Na verdade, contrariamente ao que advoga a Recorrente, não foi provado nos Autos que a hipoteca foi constituída "para garantia do bom e pontual pagamento, do financiamento e de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do Banco para assegurar o cumprimento das cláusulas da escritura pública".
G) Pelo contrário, o que o Tribunal a quo deu, efectivamente, como provado -reproduzindo o teor da escritura pública junta como DOC. 2 da p.i. - é que a garantia se destinava a assegurar o bom e pontual pagamento de" todas e quaisquer responsabilidades até ao limite de nove milhões setecentos e doze mil e vinte e um euros e oito cêntimos de capital assumidas ou a assumir pela sociedade A……………. perante o Banco emergentes do contrato de abertura de crédito" (cf. ponto A) do capítulo III da sentença recorrida — o sublinhado é nosso).
H) Assim, mesmo que assistisse alguma razão à Recorrente — o que é infirmado pela prova junta aos Autos - deveria a Recorrente ter impugnado a decisão sobre a matéria de facto, especificando os pontos concretos que considerava incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo, que impunham decisão diversa, tal como impõe o artigo 685.0-B, n.0 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
I) Não o tendo feito deverá, desde logo, ser negado provimento ao Recurso apresentado pela Recorrente, posto que, como arás se indicou foi dado como provado na sentença recorrida que a hipoteca foi construída para garantir o bom e pontual pagamento — até ao limite de € 9.993.021,71 - das responsabilidades assumidas pela Recorrente emergentes do contrato de abertura de crédito.
J) Sem prejuízo do exposto, o certo é que o invocado nas Alegações da Recorrente não tem qualquer substância.
K) De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, este imposto incide "sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral". Por sua vez, indica a Verba 10 da TGIS, que se encontram sujeitas a Imposto do Selo as "garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na Tabela e sejam constituídas, simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente".
L) Das referidas disposições legais decorre que estão excluídas do âmbito de incidência deste imposto as garantias que: (i) sejam materialmente acessórias de contratos especialmente tributados; e (ii) sejam constituídas em simultâneo com a obrigação garantida, ainda que em instrumento diferente.
M) Ora, como bem decidiu o Tribunal a quo que o facto de o valor ter sido creditado na conta da Recorrida em data diversa da da celebração do contrato de abertura de crédito não invalida que a constituição da hipoteca tenha que se considerar como simultânea do contrato de abertura de crédito, ou melhor dizendo, das obrigações assumidas pela Recorrida no mesmo contrato.
N) No que se refere, em concreto à acessoriedade da hipoteca, também bem decidiu o Tribunal a quo, posto que, como se afirmou na sentença recorrida, "a referida hipoteca foi constituída para garantia de todas e quaisquer responsabilidades até ao limite de 9.712.021,08 € de capital assumidas ou a assumir pela impugnante, emergentes do contrato de abertura de crédito e sucessivos aditamentos, dos juros remuneratórios e das despesas judiciais e extrajudiciais" (o sublinhado é nosso).
O) Assim, como bem salientou o Tribunal a quo, a "hipoteca não se destina apenas a assegurar a disponibilização do capital, mas sobretudo a sua utilização efectiva, pois, só nesse momento nasce para a impugnante a obrigação de reembolso da quantia creditada e dos respectivos juros".
P) No Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, da DSIMT esclarece-se que "A hipoteca tem natureza acessória quando existe um direito de crédito associado à sua sorte: a noção de acessoriedade exprime então a conexão temporal entre a garantia e o crédito garantido. Assim, quando exista acessoriedade e caso o crédito se extinga ou reduza, a garantia termina ou diminui. (….) Não existe acessoriedade quando a hipoteca vise garantir não só as responsabilidades emergentes de um contrato de empréstimo, mas também as responsabilidades já assumidas ou que venham a ser assumidas pelo mutuado junto da instituição de crédito e emergentes de quaisquer outras operações bancárias.
Q) Ficou provado nos Autos que a hipoteca constituída pela recorrida se destinava a garantir as obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito e sucessivos aditamentos, dos juros remuneratórios e das despesas judiciais e extrajudiciais, pelo que não é manifesta a sua acessoriedade.
R) Não se trata, por isso, como pretende a Recorrente, de uma hipoteca geral. Existe, com efeito, uma ligação causal entre a hipoteca e as obrigações assumidas pela Recorrida no âmbito do contrato de abertura de crédito, posto que a hipoteca foi, constituída, precisamente para garantir o bom e integral pagamento dessas mesmas obrigações, em particular, da obrigação de pagamento das prestações estabelecidas quantia objecto do contrato de abertura de crédito e respectivos juros.
S) E nem se diga, como invoca a Recorrente que "inexiste a necessária simultaneidade no que concerne às demais obrigações que a hipoteca visa garantir, sendo ambos requisitos essenciais da sua exclusão de tributação em sede de Imposto do Selo".
T) Na verdade, não existem outras obrigações garantidas que não as decorrentes do contrato de abertura de crédito e que se encontra expressamente previstas na cláusula 7.ª da escritura outorgada entre a Recorrida e o Banco ……………., SA. em 15 de Abril de 2005 (cf. Doc. 2 da p.i.).
U) Por último, refira-se que também quanto ao requisito da simultaneidade entre a constituição da hipoteca e a constituição da obrigação garantida, elucida o Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, da DSIMT, que "A constituição simultânea opera quando forem comuns as datas do contrato principal e do contrato de prestação de garantia".
V) Ora, como bem verificou o Tribunal a quo, tendo a garantia sido constituída na mesma escritura do contrato de abertura de crédito, tal requisito não pode deixar de ter-se por verificado.
W) Dito isto, na situação subjudice, verificavam-se todos os pressupostos de que dependia a exclusão de incidência de Imposto do Selo aquando da constituição da hipoteca a favor da entidade mutuante, pelo que se impunha — como fez o Tribunal a quo - a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo, praticado no 15 de Abril de 2005, na parte correspondente à hipoteca, por erros sobre os respectivos pressupostos de facto e de direito.
X) Em face do exposto, deverá, portanto, por ausência de fundamento, ser negado provimento ao Recurso da Fazenda Pública e ser confirmada a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA E SER CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO NO DIA 24 DE ABRIL DE 2012.”

1.4. O Juiz Desembargador relator, por decisão sumária, declarou o Tribunal Central Administrativo Norte incompetente em razão da hierarquia para o conhecimento do recurso e competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, por entender que o recurso envolvia apenas a apreciação de matéria de direito.

1.5. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

1.6. A questão que, desde logo, cumpre decidir é a da exceção de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do objeto do recurso, sobre a qual as partes foram chamadas a se pronunciarem antes de proferida a decisão acima referida do Tribunal Central Administrativo Norte.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:




























3- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Uma vez que o presente recurso se encontra dirigido ao Tribunal Central Administrativo Norte e este se declarou incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento, declarando como competente o Supremo Tribunal Administrativo, importa começar por apreciar se, efetivamente assim é, sabido que a infração das regras de competência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT.

A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem competência para conhecer dos recursos interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância que se fundamentem exclusivamente em matéria de direito - artigos 26.º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), e 280.º, n.º 1 do CPPT.

Se o recurso versar matéria de facto, ou matéria de facto e de direito, a competência para dele conhecer cabe ao Tribunal Central Administrativo – artigos 38.º, alínea a) do ETAF e 280.º, n.º 1 do CPPT.

Para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, em princípio, haverá que atentar apenas no teor das conclusões da alegação do recurso, pois são elas que definem o objeto e delimitam o seu âmbito - artigo 635.º, n.º 4 do CPC - não afastando a jurisprudência deste Tribunal a hipótese de se confrontar as conclusões com a própria substância das alegações do recurso, nomeadamente se nestas se afrontar expressamente a factualidade que suporta a decisão – acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no processo 01571/19.3BEPRT.

Suscitada qualquer questão de facto pelo recorrente fica afastada a competência do Supremo Tribunal Administrativo e definida a competência do Tribunal Central Administrativo para conhecer do recurso.

Não compete ao Supremo Tribunal Administrativo avaliar a relevância, pertinência ou acerto da discussão da matéria de facto para a questão de direito a dirimir, pois tal juízo envolveria uma antecipação da solução de direito para a qual não tem competência.

De acordo com a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo o recurso tem por fundamento matéria de facto sempre que é pedida a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida, ou quando o recorrente diverge das ilações de facto que dela se devam retirar, ou invoca como fundamento da sua pretensão factos que não têm suporte na decisão recorrida – cf. entre muitos, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no processo 01571/19.3BEPRT.

Ora, da análise das conclusões das alegações de recurso resulta, tal como defendeu a Recorrida nas suas contra-alegações, que a Recorrente põe em causa o decidido pelo Tribunal a quo no que respeita à acessoriedade da hipoteca relativamente ao contrato de abertura do crédito com base num facto que não consta do probatório.
O Tribunal recorrido considerou que “a hipoteca é materialmente acessória do contrato de abertura de crédito” e que foi constituída em simultâneo com o contrato principal - no mesmo documento - tendo, assim, concluído que se encontravam “reunidos os pressupostos para a exclusão da garantia constituída do âmbito de incidência de Imposto de Selo”. A Recorrente entende que a hipoteca constituída pela ora Recorrida não é materialmente acessória do contrato de abertura de crédito celebrado pela Recorrida uma vez que “Não obstante a coincidência de valores entre o crédito concedido na escritura acrescido dos acessórios e o montante máximo da garantia, a hipoteca não se limita a garantir aquele crédito concedido na data da escritura, mas também o pagamento de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do Banco credor, seja qual for a sua natureza, de onde resulta inequívoco que as partes previram a constituição de obrigações futuras, as quais não se mostram constituídas em simultâneo com a hipoteca” (conclusão XXIII) – negrito nosso. Afirmação reforçada nas conclusões seguintes ao alegar que se trata “… de hipoteca genérica ou global, sem prazo, na medida em que garante o cumprimento de qualquer obrigação presente ou futura perante o respetivo credor” (conclusão XXIV) – negrito nosso; e que “à medida em que vai sendo paga a dívida relativo ao contrato de mútuo, a hipoteca não se reduz pois garante outras obrigações da impugnante para com o mesmo credor. De igual modo, uma vez paga a totalidade daquela dívida, a garantia da hipoteca constituída não se extingue…” (conclusão XXV) – negrito nosso; e ainda que Nesta conformidade, a sorte da hipoteca não depende das obrigações da Impugnante enquanto mutuária no âmbito do contrato celebrado, não existindo uma ligação causal entre ambas, porque deixando estas de existir, podem aquelas manter-se para garantir outras obrigações.” (conclusão XXVI) – negrito nosso; e, por fim “A hipoteca estaria, sim, excluída de tributação, se apenas visasse garantir as obrigações decorrentes do denominado contrato de abertura de crédito” (conclusão XXVII) – negrito nosso.
Acontece que do probatório não consta que a hipoteca tenha sido constituída para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do Banco credor, seja qual for a sua natureza, apelando a Recorrente à consideração de factos materiais que estão para além da interpretação de normas ou princípios jurídicos, com o intuito de deles extrair consequências jurídicas relevantes no sentido da legalidade da liquidação impugnada, o que leva a concluir-se que o recurso não tem por fundamento, exclusivamente, matéria de direito.

O que determina, por um lado, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo para dele conhecer e, por outro, a competência para esse efeito da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte – artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29/12.

E existindo no processo decisões divergentes sobre a questão de competência, prevalece a decisão do tribunal de hierarquia superior - n.º 2 do artigo 5.º do ETAF.

4. DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em declarar este Supremo Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer deste recurso.

Sem custas.

Após trânsito, remeta o processo ao Tribunal Central Administrativo Norte (n.º 1 do artigo 18.º do CPPT).

Diligências necessárias.
Lisboa, 13 de janeiro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.