Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0346/15.3BALSB
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACÓRDÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23959
Nº do Documento:SA1201812130346/15
Data de Entrada:03/24/2015
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A…………., B………….. e mulher, C…………, D……….., E…………, F…………, G…………, H………….., I………… e J…………, devidamente identificados nos autos, vêm reclamar do acórdão deste STA de 04.10.18, nos termos dos artigos 615.º, 666.º e 684.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA.

1. Os ora reclamantes apresentaram as seguintes conclusões relativas à sua reclamação:

A) Nos pontos 13), 14), 60) e 62) ficou provado o seguinte:

13) Em 27 de Agosto de 1998, a K…………, SA, representada pela sua Administradora L…………., apresentara na CML um pedido de autorização para o início dos trabalhos de escavação, ao abrigo do nº 1 do artigo 18º do DL nº 445/91, de 20.11, com redacção do DL nº 250/94, de 15.10 e da Lei nº 22/96, de 26.07;

14) O pedido atrás referido foi acompanhado dos seguintes documentos: fotocópia do bilhete da administradora da K…………, S.A.; pública-forma de certidão do teor da matrícula e inscrição em vigor da dona da obra, K………., SA (fls. 9 a 14); projeto de contenção periférica provisória por parede de Berlim (fls. 17 a 50); termo de responsabilidade subscrito pela empresa e técnico responsáveis pelo projecto (As. 15), estimativa do custo das obras de escavação (fls. 16). (Al. N dos FA);

60) Da análise dos documentos referidos em 14. (alínea N) dos FA) ressalta a inexistência de qualquer projeto de escavações. (Q. 3º);

62) Não consta dos elementos referidos em 14. (alínea N) dos FA) que tenha sido apresentada, nem exigida pela CM Lisboa, qualquer planta com o faseamento das escavações, betonagens e ancoragens;

B) Da simples leitura do “Termo de Responsabilidade” referido no ponto 14) da factualidade provada, conjugada com a leitura do projecto constante de fls. 82 a 115, resulta inequivocamente a inexistência de qualquer projecto de escavação, mas tão somente a existência de um "projecto de execução de contenção periférica provisória por parede de Berlim", como expressamente afirmam os seus autores no mencionado termo de responsabilidade de fls. 79 e no próprio projecto de fls. 82 a 115;

C) Para além do termo de responsabilidade dos autores do projecto de execução de contenção periférica provisória por parede de Berlim constante de fls. 79 e referido no ponto 14) da factualidade provada, apenas foi apresentado e existe nos autos um outro termo de responsabilidade, a saber, o termo de responsabilidade da autora do projeto de arquitetura, conforme resulta do provado no ponto 8);

D) O próprio recorrente Município de Lisboa reconhece, nomeadamente nas conclusões 12ª a 17ª das suas doutas Alegações, que o pedido de licenciamento das obras de escavação e contenção periférica apenas foi acompanhado pelo projecto de contenção periférica provisória por parede de Berlim e respetivo termo de responsabilidade subscrito pela empresa e técnicos responsáveis, constantes do ponto 14) da factualidade provada, e que foi com base neles que as obras em causa foram licenciadas em 21 de abril de 1999, mediante a emissão da Licença de Obras nº 522, conforme resulta do provado no ponto 16);

E) Da factualidade provada, nomeadamente do provado nos pontos 13), 14), 60) e 62), resulta clara e inequivocamente que não foi apresentado no processo de licenciamento das obras de escavação e contenção periférica qualquer projeto de escavação, mas apenas um projecto de contenção periférica provisória por parede de Berlim, que não continha qualquer projeto de escavação, não se alcançando que possa subsistir qualquer dúvida de natureza terminológica a este respeito em face do provado nos referidos pontos;

F) Do douto acórdão reclamado, em particular do trecho onde se consignou:

(…) Ora, justamente, o recorrente ML sustenta em seu favor a circunstância de haver um termo de responsabilidade que o dispensava (aos seus serviços) da verificação prévia do estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, ao abrigo do já referenciado nº 5 do artigo 6º do nº 250/94. Esse termo de responsabilidade, a sua existência, consta do ponto 14) da matéria de facto assente. Portanto, e quanto ao processo de licenciamento propriamente dito, não se pode afirmar que tenha havido uma conduta ilícita e culposa do ML", parece resultar que se entendeu que a existência do projeto de escavação e respetivo termo de responsabilidade resulta do provado no ponto 14) da factualidade provada.

Todavia, tal ilação traduz-se numa manifesta alteração do que resulta provado dos pontos 13), 14), 60) e 62), bastando, para tanto, atentar que no ponto 60) deu-se expressa e inequivocamente como provado que "Da análise dos documentos referidos em 14. (alínea N) dos FA) ressalta a inexistência de qualquer projeto de escavações";

G) Por conseguinte, ao admitir que no licenciamento das obras de escavação e contenção periférica foi apresentado um projeto de escavação e respetivo termo de responsabilidade, o douto acórdão recorrido procedeu a uma alteração da matéria de facto provada nos pontos 13), 14), 60) e 62), alteração que lhe estava vedada, nomeadamente por força dos disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 150º do CPTA e do disposto no artigo 620º do CPC (ofensa de caso julgado formal), geradora da nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, nulidade que expressamente se invoca, com todas as consequências legais;

H) A admissão pelo douto acórdão reclamado de que no processo de licenciamento das obras de escavação e contenção periférica foi apresentado projeto de escavação e respetivo termo de responsabilidade teve uma influência decisiva no exame e na decisão do recurso;

I) Desde logo porque, ao admitir que no processo de licenciamento das referidas obras foi apresentado projeto de escavação, o douto acórdão recorrido concluiu que o recorrente Município de Lisboa, ao autorizá-las, não violou o disposto nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 18° do DL nº 445/91, de 2011, com a redacção do DL nº 250/94, de 15-10;

3) Acresce que resulta da factualidade provada, nomeadamente, do ponto 125), que a ruína e subsequente necessidade de demolição do prédio dos autos foi causada pelas obras de escavação e contenção periférica, que, para além de terem sido executadas sem o imprescindível projeto de escavação, foram efetuadas pela empresa M……….., Lda, a qual não estava legalmente habilitada para o efeito, conforme provado em 68) da factualidade assente;

K) Pelo que se o Município de Lisboa tivesse cumprido o disposto nos n°s 1, 2 e 3 do citado artigo 18º do DL nº 445/91, na redação do DL nº 250/94, de 15 de Outubro, jamais teria autorizado e licenciado as obras de escavação e contenção periférica, por falta do projeto de escavação, impedindo, assim, que a dona da obra as tivesse executado nos termos em que o fez, provocando a ruína do prédio dos autos determinante da sua subsequente demolição;

L) Por outro lado, da admissão – à revelia da factualidade provada constante dos pontos 13), 14), 60) e 62) – de que no processo de licenciamento das obras de escavação e contenção periférica existiu um projeto de escavação e respetivo termo de responsabilidade, o douto acórdão reclamado retirou outra consequência jurídica fundamental para o exame e decisão do recurso, qual seja, a de considerar aplicável ao caso o disposto no nº 5 do artigo 6º do DL 250/94, dispensando os serviços camarários do Município de Lisboa da verificação prévia do estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis;

M) Se no douto acórdão reclamado se tivesse considerado – como se devia, face ao que resulta provado nos pontos 13), 14), 60) e 62) – que não foi apresentado no processo de licenciamento das obras de escavação e contenção periférica qualquer projeto de escavação e respetivo de termo de responsabilidade, nunca o n° 5 do artigo 6º do DL 250/94 teria sido aplicado e o Município de Lisboa dispensado da verificação prévia do estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicavas ao licenciamento de obras de escavação e contenção periférica, uma vez que a norma constante do citado nº 5 do artigo 6º só era aplicável a projetos de especialidades, sendo certo que o mero projeto de execução de contenção periférica não podia ser qualificado como projeto de especialidade, face ao disposto na alínea a) do nº 3 da Portaria nº 1115-B/94, de 15 de Dezembro”.

A final peticionam o seguinte:

“Nestes termos, vêm os reclamantes requerer a Vªs Eªs, Venerandos Juízes Conselheiros:

a) Se dignem julgar procedente, por provada, a nulidade ora arguida, declarando a nulidade do douto acórdão ora reclamado, uma vez que o mesmo, ao considerar a existência de um projeto de escavação e respetivo termo de responsabilidade no processo de licenciamento das obras de escavação e contenção periférica procedeu à alteração da matéria de facto provada, não impugnada, constante dos pontos 13), 14), 60) e 62), em particular do provado no ponto 60), onde expressamente se deu como provado o contrário, alteração que lhe estava vedada, nomeadamente por força do disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 150º do CPTA e do disposto no artigo 620º do CPC (ofensa de caso julgado formal), geradora da nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, alteração que teve consequências jurídicas fundamentais e decisivas no exame da decisão de recurso;

b) Em consequência da declaração de nulidade ora arguida, e por se verificarem todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil do Município de Lisboa, requerem a Vªs Exªs se dignem substituir o douto acórdão reclamado por outro, que mantenha na íntegra a douta sentença da 1ª instância.

Assim decidindo, será feita JUSTIÇA”.

2. Por requerimento de fls. 2332, N…………, O…………. e P…………., devidamente identificados nos autos, vieram aderir à reclamação supra mencionada.

3. Na sua resposta à reclamação apresentada, o Município de Lisboa (ML) contesta os argumentos apresentados pelos reclamantes, sustentando que estes apenas questionam a interpretação e qualificação da matéria de facto efectuada pelo acórdão agora reclamado, pugnando pela rejeição da reclamação em apreço.

II – Apreciação e Decisão da Questão

4. Diga-se, desde já, que não assiste razão aos ora reclamantes. Vejamos.

i) Os ora reclamantes fundavam parte da sua pretensão na inexistência de um projecto de escavação;

ii) Na matéria de facto provada menciona-se a inexistência de um projecto de escavação;

iii) A legislação aplicável ao caso em apreço menciona a necessidade de um projecto de escavação e contenção periférica, como projecto de especialidade único, e não de um projecto de escavação e de um projecto de contenção periférica como projectos autónomos; tal como mencionado no acórdão recorrido, trata-se de obras que estão intimamente associadas, sendo que a tecnologia de Muro de Berlim é uma técnica de contenção de escavações e que a execução da obra de contenção periférica em espaço subterrâneo implica ela própria uma escavação geral (cfr. Inês Nogueira Oliveira, Soluções de Escavação e Contenção Periférica em meio urbano. Caso de Estudo – Palácio dos Condes de Murça [tese de mestrado em Engenharia Civil apresentada no IST], Lisboa, 2012).

iv) No acórdão de que agora se reclama diz-se o seguinte:

“No que respeita à questão da instrução do processo de licenciamento, invocam os recorridos, fundamentalmente, e desde já, que o pedido de licenciamento das obras de escavação deveria ter sido instruído com um projecto de escavação e não foi, apenas ficando provado que foi apresentado um projecto de execução de contenção periférica. Admitem, contudo, alguma ambiguidade na matéria de facto provada pois, se em alguns pontos se fala em projecto de execução de contenção periférica, noutros fala-se em projecto de escavação e contenção periférica. Em todo o caso, aduzem, o termo de responsabilidade apenas menciona projecto de execução de contenção periférica provisória por parede de Berlim.
Quanto a este primeiro aspecto, não nos parece que lhe possamos dar uma grande relevância. Os próprios recorridos admitem que em alguns pontos da matéria de facto se fala em projecto de execução de contenção periférica, enquanto noutros se fala em projecto de escavação e contenção periférica. Tratar-se-á certamente de qualquer problema de natureza terminológica – daí, talvez, a tal ambiguidade assinalada pelos recorridos –, até porque as obras de contenção periférica e de escavação estão interligadas, constando de um mesmo projecto. Não se pode é, como fazem os recorridos, afirmar perentoriamente, em face da factualidade provada, que houve o licenciamento das obras de escavação sem que houvesse projecto de escavação. Nesse sentido, não se pode igualmente concluir no sentido da violação do artigo 18.º, n.os 1, 2 e 3 do DL n.º 250/94, 15.10” (negrito nosso).

5. Em face de todo o exposto pode extrair-se com clareza que o que o acórdão reclamado fez foi, abstraindo de alguma confusão terminológica que os próprios então recorridos admitiam, e tendo em conta que a legislação aplicável refere sempre, como projecto de especialidade a apresentar, o projecto de escavação e contenção periférica, admitir que o projecto apresentado era um projecto de escavação e contenção periférica. Ou seja, não se podendo afirmar que não foi apresentado um projecto de escavação enquanto projecto autónomo (que não está previsto na lei), também não se pode afirmar que o tal projecto que tanto vem classificado como projecto de escavação e contenção e como projecto de escavação não é, afinal, um projecto de escavação e contenção periférica conforme prevê a lei. Com isto, e diversamente do que dizem os ora reclamantes, não procedeu o acórdão reclamado a qualquer alteração da matéria de facto. Deve, neste sentido, improceder a presente reclamação.

Custas a cargo dos reclamantes.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2018. – Maria Benedita Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro.