Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/02
Data do Acordão:05/23/2006
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR.
PRESCRIÇÃO.
CLASSIFICAÇÃO DE MEDÍOCRE.
CONHECIMENTO DA FALTA.
INAPTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES.
IMPEDIMENTO.
PENA DE INACTIVIDADE.
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
ATENUANTE ESPECIAL.
Sumário:I - O conhecimento relevante da falta para efeitos de prescrição do procedimento disciplinar é o que leva à percepção do cariz disciplinar dos factos praticados pelo agente e não o da sua simples materialidade.
II - Na situação prevista no art. 110º/2 do Estatuto do Ministério Público, só há conhecimento da falta, para efeitos de contagem do prazo de prescrição previsto no nº 2 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84, com a deliberação do Conselho Superior do Ministério Público que atribui a classificação de Medíocre.
III - O instrutor do procedimento disciplinar não é um perito, nem a ele equiparável, nos termos e para os efeitos previstos no art. 44º/1/ d) do CPA;
IV - Não se justifica a inquirição de testemunhas que foi requerida para que estas formulem juízos sobre a existência de nexo de causalidade entre factos;
V - O princípio da tipicidade das penas, plenamente válido para o direito criminal, por força do disposto nos nºs 1 e 3 do art. 29º da C.R.P, não vale, com a mesma intensidade, para as penas disciplinares, nomeadamente em relação às não expulsivas;
VI - Os n.ºs 1 dos arts. 158.º da L.O.M.P. e 183.º do E.M.P., que estabelecem que «as penas de suspensão de exercício e de inactividade são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais ou quando os magistrados forem condenados em pena de prisão, salvo se a sentença condenatória aplicar pena de demissão», contêm uma definição suficiente das condutas abrangidas pela previsão normativa, pelo que não são materialmente inconstitucionais.
VII - Os referidos arts. 158.º da L.O.M.P. e 183.º do E.M.P. são normas de natureza especial, relativamente a este Estatuto Disciplinar, pelo que afastam, no seu domínio específico de aplicação as normas deste Estatuto, que são de aplicação meramente supletiva.
VIII - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
IX - Na falta de disposições aplicáveis no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, há que fazer apelo ao regime do Código Penal para determinar o início do prazo de prescrição de infracções permanentes
X - A tardia movimentação de processos que ainda não estavam prescritos não constitui reparação dos danos provocados por longos atrasos na movimentação de processos a cargo do magistrado, que, em alguns casos conduziram a situações de prescrição do procedimento criminal e prescrição de direitos de pessoas cujos interesses o Ministério Público deveria defender.
XI - Em situações de acentuada gravidade e de desinteresse do magistrado Ministério Público pelo cumprimento dos seus deveres funcionais, que se traduziram em grande quantidade de atrasos de vários anos e meses na movimentação de processos, inclusivamente alguns de natureza urgente, justifica-se que entre as penas de suspensão e de inactividade, previstas nos arts. 158.º da L.O.M.P. e 183.º do E.M.P. para condutas desse tipo, se opte pela pena de inactividade.
XII - Não justifica uma atenuação especial, por não diminuir acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente» (arts. 161.º da L.O.M.P. e 186.º do E.M.P.), a circunstância de, depois de ter obtido uma classificação de Medíocre, um magistrado do Ministério Público ter obtido a classificação de Suficiente, por ter movimentado processos (mas não todos) que se encontravam com despachos em atraso quando foi realizada a inspecção que esteve na base da atribuição da primeira classificação.
Nº Convencional:JSTA00063220
Nº do Documento:SAP200605230957
Data de Entrada:04/06/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 3 SUBSECÇÃO DO CA PROC957/02 DE 2004/11/10.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:EDF84 ART4 ART3 N4 ART25 ART24.
CP82 ART119 N2 A ART71 N2 E.
EMP98 ART110 ART183 ART216 ART109.
CPA91 ART44 N1 G ART51.
CPC96 ART664 ART676 N1.
ETAF84 ART21 N3.
LOMP86 ART141 N1 ART151 N1 ART158.
CONST ART29 N3 ART18 N2 ART266 N2.
CCIV66 ART9 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC23334 DE 1990/03/13.; AC STA PROC28897 DE 1993/10/26.; AC STA PROC30087 DE 1992/12/02.; AC STA PROC26942 DE 1990/01/16.; AC STA PROC30705 DE 1996/07/11.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII 9ED PAG810.
EDUARDO CORREIA DIREITO CRIMINAL VOLI PAG36.
TERESA PIZARRO BELEZA DIREITO PENAL VOL1 2ED PAG73.
FIGUEIREDO DIAS DIREITO PENAL VOLI PAG159.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A…, já identificado nos autos, intentou, neste Supremo Tribunal, recurso contencioso de anulação do acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, de 19-3-2002, que confirmou o acórdão da Secção Disciplinar do mesmo Conselho que o puniu com a pena de inactividade por 12 meses.
Por acórdão de 10 de Novembro de 2004, da 3ª Subsecção, proferido a fls. 412-442 dos autos, foi negado provimento à impugnação contenciosa.
1.1. Inconformado, o impugnante recorre para o Pleno da 1ª Secção, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1) Constitui vício de violação de lei, por violação do princípio da imparcialidade ínsito no art. 6º e da norma constante na al. d) do art. 44º, ambos do CPA, a intervenção do mesmo agente administrativo nas diversas e sucessivas fases.
2) Todas as fases procedimentais (Inspecção, Inquérito e Processo Disciplinar) que conduziram à aplicação da sanção disciplinar ao ora recorrente são da autoria e responsabilidade de um único agente: o Inspector do Ministério Público, Procurador-Geral Adjunto ..., sendo portanto “anuláveis nos termos gerais” os actos em que interveio o agente impedido (cfr. art. 51º do CPA).
3) A circunstância de o agente ter sido o autor do Relatório de Inspecção sempre deveria determinar a sua não participação nem no Inquérito, nem no processo disciplinar subsequentes, porquanto estes se destinariam, entre outras dificuldades, a ponderar da bondade do teor e conclusões daquele. À semelhança dos peritos, ao autor de uma inspecção sempre deveria estar vedada a intervenção activa em qualquer outra fase processual, devendo a sua intervenção reduzir-se, se necessário, à sustentação do teor da sua “perícia”.
4) O invocado vício, ao ferir os actos de Inquérito e de processo disciplinar, inquinam, de igual forma e decisivamente, a deliberação sancionatória proferida pelo Conselho Superior do Ministério Público a qual sempre deverá ser anulada por violação dos invocados preceitos legais.
5) Ao limitar a matéria a que as testemunhas poderiam responder, quer por “a priori” as considerar ignorantes dos factos, ou por as mesmas poderem vir a dar respostas “óbvias” e “desnecessárias”, impedindo, desta forma que trouxessem ao processo o testemunho decorrente da sua convivência profissional e pessoal como o Arguido, o Instrutor pôs em causa o princípio da mais ampla defesa e condicionou o apuramento da verdade material dos factos que se encontrava Constitucionalmente e processualmente obrigado (cfr. art. 269º nº 3 da CRP e art. 179º, nº 1 da LOMP), o que gera nulidade insuprível do processo.
6) Os arts. 141º, nº 1 e 151º, nº 1 da LOMP, ou art. 170º nº 1 e 183º do Estatuto do Ministério Público, ao não preverem, expressamente, tal como fazem os arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos e agentes da Administração Central, Regional e Local, as infracções que implicam a cominação de uma e de outra pena, revestem carácter inconstitucional por violação do disposto no art. 29º nº 3 da CRP.
7) Inexiste fundamento legal que justifique a pena de inactividade imposta -, porquanto essa pena tem de basear-se em condutas dolosas e em casos de procedimento que atentem gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente da função (cfr. art. 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável);
8) A pena aplicável a comportamento que integra “negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais” é a suspensão de exercício (cfr. art. 24º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável); a aplicação da pena constitui um poder vinculado da administração, devendo o art. 138º nº 1 do Estatuto do Ministério Publico ser interpretado e integrado com os critérios subjacentes ao disposto nos arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável;
9) A fundamentação para a aplicação das penas de suspensão do exercício ou de inactividade é bem diversa, estando a primeira voltada para os casos de negligência grave ou de grave desinteresse dos deveres profissionais e a última incidindo em aspectos estruturais e ligados à dignidade da função; assim, o Acórdão recorrido, ao não considerar os critérios abstractos que levariam à aplicação da pena de suspensão, distinguindo-os dos da pena de inactividade, de acordo com o Estatuto Disciplinar carece de fundamentação bastante, vício gerador de nulidade.
10) Considerando-se como início do procedimento disciplinar a data de 28/06/1999 e sendo os factos do conhecimento da Procuradoria - Geral da República desde a data da apresentação do Relatório, datado de 11/08/1998, há muito se encontrava preenchido o prazo prescricional de curto prazo previsto no nº 2 do art. 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
11) Baseando-se o procedimento disciplinar em factos apurados no âmbito de inspecção extraordinária iniciada em 21 de Maio e concluída em 24 de Junho de 1998, cujo período abrangido é de 01/03/1995 a 28/02/1998, ao alargar o seu objecto para além de 21 de Maio de 1995, excedeu em 2 meses e 20 dias o prazo prescricional constante do nº 1 do art. 4º do mesmo Estatuto Disciplinar, nomeadamente, quando são imputados ao Recorrente a prática ou omissões de factos cuja verificação se deu para além dessa data e quando a apreciação do comportamento infractor se reporta também a período anterior àquela data.
12) Verifica-se, assim, o decurso dos prazos prescricionais previstos nos nºs 1 e 2 do art. 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aplicável «ex vi» do preceituado no art. 216º do Estatuto do Ministério Público, sendo o seu conhecimento de carácter oficioso e constituindo excepção peremptória cuja verificação conduz à extinção do procedimento disciplinar.
13) Na determinação da pena em processo disciplinar, deverá ser tomada em conta, além do mais, a conduta posterior ao facto, especialmente, quando esta seja destinada a reparar as suas consequências (cfr. art. 71º, nº 2, al. e) do Cód. Penal “ex vi” do art. 216º do Estatuto do Ministério Público);
14) Posteriormente à Inspecção que originou a sanção aplicada ao ora recorrente, foi o mesmo objecto de duas outras inspecções com a classificação respectivamente de SUFICIENTE e de BOM, facto que constitui elemento essencial a ponderar na determinação da pena a aplicar;
15) Ao decidir pela improcedência de todos os invocados vícios, o Acórdão recorrido violou o correcto entendimento e aplicação de todos os preceitos legais citados.
1.2. A autoridade recorrida não alegou.
1.3. O Exmº Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pelo improvimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
a) O Recorrente é magistrado do Ministério Público, tendo a categoria de procurador-adjunto
b) Entre 1-3-95 e 28-2-98, o Recorrente exerceu funções no Tribunal Judicial de Abrantes.
c) Em 1998, o serviço do Recorrente no referido Tribunal foi objecto da inspecção extraordinária n.º 5/98, ordenada pelo Conselho Superior do Ministério Público;
d) Em 11-9-98, o Senhor Inspector do Ministério Público que efectuou a inspecção, elaborou o relatório cuja cópia que consta de fls. 38 a 133 do processo principal, cujo teor se dá como reproduzido, em que formulou as seguintes conclusões e proposta:
O LIC. A… é um magistrado que dispõe de capacidades e de conhecimentos para um exercício normal do cargo de delegado do Procurador da República.
Iniciou funções em Outubro de 1985 na comarca de Ponte de Sôr e em Janeiro de 1990, já nesta comarca de Abrantes, onde se encontrava desde Junho de 1988, o seu trabalho foi objecto de inspecção, na sequência da qual lhe foi atribuída a classificação de BOM.
No entanto, como se verifica do relatório correspondente, o inspector adiou a conclusão dos trabalhos por três meses e meio, para lhe dar tempo para despachar os processos atrasados, também então em número avultado, e para assim "não o penalizarmos na proposta classificativa, pois globalmente lhe deparámos qualidades que haverá de pôr ao serviço da função, limando uma ou outra indecisão, desprezando um ou outro formalismo excessivo recomendando até que "a próxima inspecção fosse feita dentro de tempo não muito longo ".
E o inspeccionado veio a ser escalado em inspecção extraordinária no plano de 1998, realizando-se os trabalhos a partir de 21 de Maio do mesmo ano, tendo em considerações o período compreendido entre 1 de Março de 1995 e 28 de Fevereiro de 1998.
Nesta data o estado dos processos a seu cargo, de qualquer das áreas, era da mais generalizada das paralisações.
Só com mais de um ano de atraso, não contabilizando, por isso, os processos com atraso de menos de um ano e mais de trinta dias, havia 141 processos de inquérito, representando por isso mais de 50 % dos pendentes e com processos autuados a partir do ano de 1988.
Dentro destes havia um processo parado há mais de nove anos, outro há mais de oito anos, vinte e oito há mais de sete anos, dezassete há mais de seis anos, dezanove há mais de cinco anos e por aí adiante, conforme o mapa inserido na respectiva rubrica deste relatório.
A situação era a mesma nos processos de instrução ou nos antigos de instrução preparatória, massivamente nos processos administrativos, nos processos da jurisdição de família e menores, nos processos de inventário e falência e nos processos do foro laboral.
Estes processos vieram a ser recolocados em movimento entre a data limite fixada para a inspecção (28.02.98) e a sua execução, alguns mesmo nas antevéspera e véspera de serem presentes ao inspector, quase se podendo, por isso, acrescentar, por mor da própria inspecção.
Tudo isto com resultados calamitosos, como, nos processos de inquérito, a prescrição do procedimento criminal em muitas situações, nos processos, até de carácter urgente, da jurisdição de família e menores, a inutilidade superveniente da lide, por o decurso dos anos de paralisação ter levado a que os menores atingissem a maioridade, continuando, confrangedoramente, em dívida muitas pensões de alimentos vencidas durante a menoridade, e noutros casos, ter levado a que ficasse sem qualquer sentido a aplicação, então demasiadamente tardia e por isso extemporânea, de qualquer medida de prevenção criminal.
Do mesmo modo, nos processos do foro laboral, onde além dos generalizados atrasos, há a registar várias situações em que, por esse motivo, se deixou passar o prazo de propositura de acções emergentes de contrato individual de trabalho.
As informações do Procurador apontam para um bom técnico com "bons conhecimentos de ordem teórica e prática " e que " tem desenvolvido, no aspecto técnico-jurídico, trabalho significativo e algo perfeito", lembrando contudo uma sua característica pessoal " certa morosidade na movimentação dos processos " ou " certa morosidade nalguns casos ".
O senhor Procurador-Geral Distrital tem confirmado estas informações, acrescentando em 1996 que "das motivações de recurso elaboradas pelo inspeccionado nota-se apreciável nível técnico ”.
Da nossa apreciação também resulta um magistrado plenamente capaz, com qualidades, que, no aspecto técnico-jurídico, o podem fazer sobressair por cima.
Também, quanto a assiduidade e pontualidade, nada se apurou em seu desfavor.
Porém, ao longo dos anos, vem, sistematicamente, atrasando o serviço a seu cargo.
Como se verifica na inspecção realizada há nove anos, nas interpelações do Procurador-Geral Distrital de Évora e de novo na inspecção de que ora se trata, com paralisações generalizadas e por muitos anos dos seus processos, alguns sem movimento desde aquela primeira inspecção, com imensos prejuízos para as pessoas destinatárias da justiça e também para o prestígio dos órgãos do Estado e da magistratura que serve.
A prestação funcional ora sujeita a apreciação, dado tudo o que foi apontado, é, assim, fortemente negativa, impondo mesmo, independentemente da classificação que vier a ser atribuída, a averiguação dos factos para efeitos disciplinares. Esse carácter fortemente negativo, resultante dos atrasos e das consequências daí derivadas, não é sobrelevado pelo bom apetrechamento técnico-jurídico do inspeccionado, pela sua capacidade ou pelo bom nível geral da sua intervenção no aspecto especificamente técnico-jurídico.
Pelo seu carácter tão extremo e natureza permanente, trata-se mesmo de uma situação para a qual não se encontram explicações que possam ser alheias ao próprio inspeccionado.
Assim, por tudo o exposto, dada a avaliação extremamente negativa que fazemos da sua prestação funcional, a falta de justificação e os antecedentes, propomos que ao LIC. A… seja atribuída, pelo serviço prestado na comarca de Abrantes, no período de 1 de Março de 1995 a 28 de Fevereiro de 1998, a classificação de MEDÍOCRE.
e) O recorrente respondeu a este relatório nos termos da Resposta que consta de fls. 134 a 143 do processo principal, cujo teor se dá como reproduzido;
f) Por acórdão de 24-3-99, que consta de fls. 146 a 150 do processo principal, cujo teor se dá como reproduzido, o Conselho Superior do Ministério Público, atribuiu ao recorrente a classificação de Medíocre e determinou a instauração de inquérito, nos termos do art. 110.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público, «para avaliar a inaptidão do inspeccionado, no qual deverão ser ponderadas as situações de prescrição do procedimento criminal, de falta de promoção em processos em que relevam os interesses dos menores e a falta de patrocínio dos trabalhadores o que motivou a prescrição dos seus direitos».
g) Em, 27-4-1999, foi iniciado o inquérito determinado no acórdão referido, que foi dirigido pelo Senhor Inspector do Ministério Público que tinha levado a cabo a inspecção referida em c) e d) (fls. 160);
h) Em 18-5-1999, o Senhor Inspector que dirigiu o inquérito elaborou o relatório cuja cópia consta de fls. 164 a 175, cujo teor se dá como reproduzido, em que termina nos seguintes termos
“ propõe-se:
a. O arquivamento dos autos no tocante à eventual inaptidão profissional.
b. a instauração de processo disciplinar contra o mesmo Magistrado pelos factos referidos neste relatório e que indiciam a prática de uma infracção disciplinar, constituindo o presente inquérito a respectiva parte instrutória.
c. Para que se desencadeiem os mecanismos tendentes à apreciação desta proposta pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, remeta os autos à senhora Secretária da Procuradoria-Geral da República.”
i) Por acórdão de 23-6-1999, o Conselho Superior do Ministério Público deliberou a conversão do referido inquérito em processo disciplinar;
j) Em 15-11-1999, o mesmo Senhor Inspector que dirigiu o inquérito proferiu acusação contra o ora Recorrente, nos termos que constam de fls. 176 verso a 180, cujo teor se dá como reproduzido, em que termina concluindo nos seguintes termos:
Cometeu assim uma infracção disciplinar, conforme é definida nos arts 138 e 163 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público, respectivamente, à qual, pela negligência grave da sua conduta e pelo grave desinteresse no cumprimento dos deveres profissionais, cabe a pena de inactividade dos arts 141º n.º 1 e) e 158º da Lei Orgânica do Ministério Público e 166º n.º 1 e) e 183º n.º 1 do Estatuto do Ministério Público.
k) Em 21-12-1999, o ora Recorrente apresentou defesa, nos termos que constam de fls. 181 a 197, cujo teor se dá como reproduzido, juntando documentos e apresentando testemunhas;
l) Por despacho de 16-12-2000, cuja cópia consta de fls. 563 a 566, cujo teor se dá como reproduzido, o Senhor Inspector que dirigiu o processo disciplinar indeferiu a inquirição de três das testemunhas indicadas na defesa apresentada pelo Recorrente
m) Em 22-3-2000, depois de ter sido realizada a inquirição das restantes testemunhas indicadas, o ora Recorrente dirigiu ao Senhor Inspector que dirigiu o processo disciplinar o requerimento que consta de fls. 296 a 301, cujo teor se dá como reproduzido, em que pediu a inquirição das três testemunhas cuja inquirição havia sido recusada;
n) Por despacho de 2-4-2000, cuja cópia consta de fls. 303 a 310, cujo teor se dá como reproduzido, o Senhor Inspector que dirigiu o processo disciplinar indeferiu o pedido de inquirição referido na alínea anterior;
o) Em 30-10-2000, o Senhor Inspector que dirigiu o processo disciplinar elaborou o relatório cuja cópia consta de fls. 611 a 647, cujo teor se dá como reproduzido, em que considera provada toda a matéria da acusação e propõe a aplicação ao Recorrente da pena de inactividade pelo período de 16 meses;
p) Em 14-12-2000, o Conselho Superior do Ministério Público proferiu acórdão em que atribuiu ao Recorrente a classificação de Suficiente, na sequência de uma inspecção ao serviço do Recorrente no período compreendido entre 1-6-98 e 3-7-2000;
q) Em 30-5-2001, a Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público proferiu o acórdão cuja cópia consta de fls. 312 a 318, cujo teor se dá como reproduzido, que termina da seguinte forma:
IV – Tudo ponderado considera-se que com esta conduta duradoura e continuada o Magistrado violou, em elevado grau o dever de zelo e diligência a que estão sujeitos os funcionários públicos e os Magistrados do Ministério Público, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do Decreto-Lei 24/89 de 16 de Fevereiro e artigo 86.º da Lei 47/86 de 15 de Outubro – L.O.M.P., preceito actualmente reproduzido no artigo 108.º do Estatuto do Ministério Público – Lei 60/98 de 27 de Agosto.
E revelando a sua conduta negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais cometeu, assim, infracção disciplinar conforme é definido no artigo 138.º do L.O.M.P., actualmente prevista no artigo 163.º do Estatuto do Ministério Público.
Assim, acordam na Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público em aplicar ao Lic. A… a pena de inactividade por 12 meses prevista nos artigos 191.º, n.º 1, al. e) e 158.º da anterior L.O.M.P. e artigo 166.º, n.º l, alínea e) e artigo 183.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público.
r) Em 10-6-2001, o ora Recorrente reclamou do acórdão referido na alínea anterior para o Conselho Superior do Ministério Público, nos termos que constam de fls. 357 a 364, cujo teor se dá como reproduzido;
s) Em 19-3-2002, o Conselho Superior do Ministério Público proferiu o acórdão cuja cópia consta de fls. 366 a 380, cujo teor se dá como reproduzido, em que delibera indeferir a reclamação referida na alínea anterior e confirmar nos seus precisos termos o acórdão reclamado, e em que se escreve, além do mais o seguinte:
V – Diremos, quanto ao primeiro argumento que a pena de inactividade estabelecida pelos Arts. 166º. 1. e., 170º, 176º e 183º, do Estatuto do Ministério Público, ao encontro da correspondente sanção prevista no regime geral disciplinar da função pública – Art. 25º., do DL 24/84, de 16. I – não pressupõe, contra o entendimento do reclamante, a existência de condutas apenas de natureza dolosa.
Tal como a pena de suspensão de exercício (arts. 166º. 1. d. e 183., do Estatuto do Ministério Público) com a qual a de inactividade partilha o mesmo espaço de valoração, ambas serão aplicáveis quando o agente infractor actue (para o que aqui importa considerar) com negligência grave ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ....
Nenhuma fronteira estabelece a lei quanto à escolha de uma entre as duas penas, como seja o pretendido elemento subjectivo da infracção – o dolo ou a mera culpa!
Constituindo um poder discricionário do órgão sancionador a escolha da pena apenas poderá deparar com os limites fundados em critérios de justiça e de proporcionalidade.
Ao optar pela pena de inactividade, a Secção Disciplinar deste Conselho ponderou a gravidade extrema da conduta do reclamante quanto à sua natureza, forma e duração, quer quanto às suas consequências, considerando ser aquela a única que poderia fornecer a ajustada resposta sancionatória.
Na verdade, convém não esquecer que a matéria de facto assente – e que o reclamante acatou – retratou o serviço do Ministério Público no Tribunal Judicial de Abrantes, a seu exclusivo encargo, no período decorrente entre 1.3.95 e 28.2.98, num estado calamitoso onde pontificavam invulgares atrasos – pelo seu número e extensão, chegando a rondar os oito e nove anos de imobilização processual – em praticamente todas as áreas de intervenção (desde inquéritos até ao foro laboral, passando pelos menores e família), conforme o acórdão reclamado tão bem especifica.
Estado esse bem conhecido do arguido o qual, de resto, fora alertado no âmbito de uma inspecção antecedente para os grandes atrasos já então verificados e que motivaram a suspensão do acto inspectivo para não o penalizar na proposta de classificação!
Alerta que afinal de pouco lhe serviu uma vez que ultrapassado o escolho constituído por aquela inspecção prosseguiu pela mesma senda de continuados e acrescidos atrasos processuais (situação que nos poderia levar mesmo a conjecturar quanto à qualificação da sua conduta como meramente culposa ..!).
Grave é, portanto, a responsabilidade do arguido, bem como as consequências daí advenientes para o prestígio do Ministério Público e da imagem da Justiça em geral, bem como da sua própria idoneidade e credibilidade enquanto magistrado. Grave é ainda a sua responsabilidade no concernente aos transtornos e prejuízos para os cidadãos judicialmente expectantes e confiantes no Ministério Público e nas instâncias judiciais, como consequência quer do inevitável rol de prescrições criminais, ou de caducidade do direito de agir no foro laboral, ou ainda da frequente inutilidade do prosseguimento da lide nos casos de menores que, entretanto, o deixaram de ser.
Aspectos estes de tamanha relevância a colidirem frontalmente com a opinião reveladora de alguma inconsideração ou leviandade do reclamante quando os classifica como factualidade remota “que nenhum prejuízo concreto causou a terceiros” (sic).
Tudo a nosso ver a fundamentar a violação reiterada e em grau muito elevado do dever de zelo e de diligência – cf. Art. 3º. 4. b. e 6, do DL 24/84, de 16.1 e 108º., do Estatuto do Ministério Público – a que estava vinculado, caracterizadora de infracção disciplinar – Art. 163º., do mesmo Estatuto – inevitavelmente sancionada com a pena mais gravosa prevista pelo Art. 183º., ainda do mesmo estatuto, ou seja a pena de inactividade contida no seu limite mínimo, com a qual concordamos.
VI – Prende-se a segunda questão com a invocação de factos supervenientes, a saber os resultados de uma subsequente inspecção, condensados no acórdão deste Conselho de 14.12.00, que lhe atribuiu a notação de Suficiente os quais, por lhe serem vantajosos, deverão ser considerados na escolha e na medida da sanção aplicável.
De acordo com o disposto pelo Art. 186.º, do Estatuto do Ministério Público, “...quando existam circunstâncias... posteriores à infracção... que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente...”, a pena poderá ser especialmente atenuada, aplicando-se a de escalão inferior.
Uma vez tida como ajustada à conduta do reclamante a pena de inactividade importa considerar se aqueles novos acontecimentos constituirão, e na afirmativa em que medida, circunstâncias que diminuam de forma acentuada a gravidade do facto ou a culpa do agente. Pretende o reclamante conferir o maior ênfase ao relatório da sobredita inspecção e ao acórdão deste Conselho que sobre ele incidiu, bem como às referências elogiosas ali constantes. Refira-se porém que as qualidades do arguido no que se refere ao seu apetrechamento técnico e reais capacidades para o cabal desempenho funcional – que na verdade o recente acórdão classificativo põe em destaque – nunca estiveram em causa.
Já a esse respeito o acórdão reclamado referia “Na verdade trata-se de um magistrado com conhecimentos e capacidades evidentes para o exercício da função...” (sic). Não surpreendem por isso as novas alusões a essas mesmas boas qualidades.
Surpreendem, isso sim, as restantes menções aos inevitáveis, repetidos e em alguns casos ainda extensos atrasos processuais repartidos um pouco por praticamente todas as áreas de intervenção do Ministério Público.
Isto é, muito embora ali se mencione o esforço e os sinais positivos de recuperação encetada pelo arguido, de igual forma não deixam de também ali encontrarem acolhimento as referências às mesmas incipiências anteriormente detectadas e ainda não resolvidas, como seria de esperar, sendo certo que entre a prolação do acórdão que lhe atribuiu a notação de medíocre e o início da última inspecção decorreu cerca de um ano e quatro meses.
Tempo mais do que suficiente para imprimir rumo diverso às suas prestações, dirimindo os graves e subsistentes vícios detectados.
Nessa medida não se enxerga qualquer efeito atenuador que dos novos elementos se possa retirar, com evidentes reflexos na gravidade dos factos ou na culpa do reclamante, para eventuais ajustes da punição que lhe foi aplicada, com recurso ao disposto pelo Art. 186., do Estatuto do Ministério Público.
Punição que, sob este ponto de vista assim expurgada e sem nunca deixar de ter em conta que respeita a factos concretamente situados num determinado quadro temporal, se nos afigura ajustada e proporcional aos factos tidos como assentes e que dão corpo à infracção de cariz disciplinar atrás mencionada.
Diga-se ainda a este respeito, em jeito de remate, que a pena aplicada o foi pelo seu limite mínimo, razão pela qual também aqui não podem prevalecer as razões do reclamante ao apelar ao Art. 71. 2. e), do Código Penal, ex vi Art. 216.º, do Estatuto do Ministério Público.
De resto nunca a sua conduta, posterior ao facto disciplinarmente danoso, seria susceptível de reparar as suas consequências, ou não assentassem elas maioritariamente nas decorrentes da prescrição!
Nestes termos,
Acordam neste Conselho Superior do Ministério Público em não conceder provimento à reclamação deduzida pelo Lic. A…, assim a indeferindo;
confirmar nos seus precisos termos o acórdão reclamado.
t) O Recorrente foi notificado deste acórdão por carta registada com aviso de recepção recebida em 4-4-2002;
u) Em 4-6-2002, o Recorrente interpôs o presente recurso contencioso.
2.2. O DIREITO
No recurso contencioso, o recorrente assacou ao acto administrativo impugnado os seguintes vícios:
(i) violação de lei, por ofensa do princípio da proporcionalidade (arts. 6º e 44º/1/g) do CPA), decorrente da nomeação, para as diferentes fases processuais, do mesmo agente da Administração;
(ii) nulidade insuprível do procedimento disciplinar, nos termos do nº 1 do art. 179º da LOMP;
(iii) nulidade decorrente da falta de fundamentação bastante no que à determinação dos critérios determinantes da pena efectivamente aplicada, nos termos dos arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local e art. 138º do Estatuto do MP;
(iv) nulidade decorrente do não conhecimento da prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do art. 4º/1/2 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local;
(v) vício de violação de lei, por ofensa aos princípios da proporcionalidade – art. 5º/2 CPA – e da justiça – art. 6º CPA – na ponderação da pena efectivamente aplicada.
O acórdão recorrido julgou improcedentes os cinco vícios. O recorrente não se conforma e alega que o aresto enferma de outros tantos erros de julgamento.
Passamos a apreciar, começando, por precedência lógica, pela questão da prescrição
2.2.1. O recorrente alega que o acórdão recorrido julgou erradamente a questão da prescrição do procedimento disciplinar cujo regime está fixado no art. 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, nos termos seguintes:
Artigo 4º
Prescrição do Procedimento Disciplinar
1- O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida
2- Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses.
3- Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
4- Se antes do decurso do prazo referido no nº 1 alguns actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infracção, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto.
5- Suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.
Invoca, em primeiro lugar, a prescrição do procedimento disciplinar com fundamento no disposto no nº 1 do citado art. 4º que, relembrando, diz: “o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida”.
Do seu ponto de vista, iniciada a inspecção em 21-5-1998 teria ocorrido prescrição em relação aos factos anteriores a 21-5-1995.
O acórdão impugnado não deu razão ao recorrente, sendo que a decisão foi sustentada, em síntese, nos seguintes motivos justificativos:
(i) “a infracção por que foi aplicada ao Recorrente a pena de inactividade é de natureza permanente, pois consubstanciou-se em prolongada e grave negligência e em grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais”;
(ii) “o nº 1 do art. 4º estabelece a prescrição passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida, mas não esclarece, quanto a infracções cuja execução se prolonga no tempo, qual o termo inicial do referido prazo de prescrição”;
(iii) por isso há que fazer apelo ao regime do art. 119º/2/a) do Código Penal, cuja aplicação subsidiária está expressamente prevista no art. 216º do E.M.P., de acordo com o qual a prescrição se conta do dia em que cessar a consumação;
(iv) assim, “estando-se perante uma infracção consubstanciada por uma actuação permanente, em que a punição é aplicada pela globalidade dos factos que a integram e não por cada um dos que a constituem” que só cessou com a inspecção ocorrida em 1998, é manifesto que não ocorreu a prescrição.
Não há razão para não sufragar este entendimento. Aliás, o Recorrente, nesta parte do seu ataque à sentença, limita-se a reiterar a verificação da prescrição relativamente aos factos e omissões anteriores a 21 de Maio de 1995. Não põe em causa, nem a aplicação subsidiária do regime do art. 119º/2/a) do Código Penal, nem a natureza permanente da infracção disciplinar.
O acórdão julgou ainda improcedente a alegação da prescrição à luz do nº 2 do preceito transcrito, sendo os fundamentos da decisão, em síntese, os seguintes:
(i) a Procuradoria Geral da República é o órgão superior do Ministério Público e o seu órgão com competência disciplinar é o Conselho Superior do Ministério Público;
(ii) este é o órgão máximo dos serviços do Ministério Público e, por isso, o conhecimento relevante, referido no art. 4º/2 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, tem de reportar-se a este Conselho;
(iii) sendo este um órgão colegial, só quando os factos chegaram ao seu conhecimento enquanto tal, se poderá afirmar existir um conhecimento pelo dirigente máximo do serviço;
(iv) os elementos existentes no processo instrutor apenas permitem concluir que o Relatório da Inspecção poderá ter sido do conhecimento do Senhor Procurador-Geral da República, mas não há qualquer indício de que o Conselho, enquanto tal, ou mesmo a globalidade dos seus membros, individualmente considerados, tenham tido conhecimento daquele Relatório antes de 24-3-1999;
(v) assim é esta a data relevante para os efeitos do referido nº 2 do art. 4º;
(vi) por acórdão de 23-6-99 foi ordenada a conversão do inquérito em processo disciplinar, pelo que, mesmo sem contar com a suspensão do decurso do prazo decorrente da instauração do inquérito, nos termos do nº 5 do referido art. 4º, tem de se concluir que não decorreu o prazo de prescrição de três meses previsto no nº 2 deste mesmo artigo.
O recorrente discorda alegando que o “órgão máximo do Ministério Público é a Procuradoria - Geral e, dentro dos órgãos que a compõem, o Procurador-Geral da República; não o Conselho Superior do Ministério Público, a quem a lei confere tão só a qualidade de órgão com competência entre outras disciplinar” e que relevante para efeitos do início da contagem do prazo prescricional não é a data em que aquele Conselho delibera, mas sim a data de 11.09. 1998 em que do Relatório da Inspecção foi dado conhecimento à Procuradoria – Geral da Republica.
Vejamos.
Nos termos do disposto no nº 2 do art. 4º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84 de 12 de Janeiro, a prescrição, por não instauração do procedimento disciplinar no prazo de 3 meses, está na dependência de dois factores, a saber: que a falta seja conhecida e que esse conhecimento se reporte ao dirigente máximo do serviço.
Em relação ao primeiro elemento, de acordo com a jurisprudência deste Pleno, “o conhecimento da falta disciplinar que é relevante para efeitos da prescrição do procedimento disciplinar, é o que leva à percepção do cariz disciplinar dos factos praticados pelo agente, e não o da sua simples materialidade” (acórdão de 1990.03.13 – recº nº 23 334), ou, dito de outro modo, o que “envolve um juízo de possibilidade de que constitua infracção disciplinar” (acórdão de 1993.10.26 – recº nº 28 897).
Dito isto, porque tem relevância para a análise do caso concreto, convoquemos, o art. 110º do Estatuto do Ministério Público, cujo texto é o seguinte:
Art. 110º
1- A classificação deve atender ao modo como os magistrados desempenham a função, ao volume e dificuldades do serviço a seu cargo, às condições do trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica.
2- A classificação de Medíocre implica a suspensão do exercício de funções e a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício.
3- Se, em processo disciplinar instaurado com base no inquérito, se concluir pela inaptidão do magistrado, mas pela possibilidade da sua permanência na função pública, podem, a requerimento do interessado, substituir-se as penas de aposentação compulsiva ou demissão pela de exoneração.
4- No caso previsto no número anterior, o processo, acompanhado de parecer fundamentado, é enviado ao Ministério da Justiça par efeito de homologação e colocação do interessado em lugar adequado às suas aptidões.
5- A homologação do parecer pelo Ministro da Justiça habilita o interessado para o ingresso em lugar compatível dos serviços dependentes do Ministério.
Não interessa à economia do presente acórdão a questão de saber se o relatório da inspecção pode ser fonte de conhecimento relevante para marcar o início da contagem do prazo da prescrição em relação a factos que, em si mesmos, pela natureza da respectiva materialidade, revelem de imediato e de forma inequívoca a existência de condutas isoladas que, sem necessidade de mais indagações e independentemente da classificação de serviço sejam de qualificar, desde logo, como infracções disciplinares.
O que está em causa é uma dada materialidade associada à classificação de Medíocre.
Quando assim é o mero conhecimento do processo inspectivo não permite aquilatar do cariz disciplinar, por inaptidão, de que possa revestir-se o desempenho global do magistrado no período da avaliação. E isto, porque, de acordo com o regime legal, a notícia de um desempenho funcional qualitativa e/ou quantitativamente menos logrado, referido ao conjunto de toda a actividade desenvolvida, só passa a ter a natureza de indício de ordem disciplinar se vier a merecer a classificação de Medíocre. Na verdade, só esta classificação da materialidade relatada, e não qualquer outra, pela ponderação muito negativa que comporta, pressagia a hipótese de inviabilização da relação funcional, implica a suspensão de funções e desencadeia a realização de inquérito pré-disciplinar para indagar se o Magistrado tem ou não tem aptidão para o exercício da função. Isto é, nesta dimensão, a classificação de Medíocre é elemento constitutivo da infracção e, do mesmo passo, essencial à apreensão da censurabilidade da conduta. Portanto, no caso em apreço, só há conhecimento relevante da falta, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição previsto no nº 2 do art. 4º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo DL nº 24/84, com a deliberação do Conselho Superior de 24 de Março de 1999 que atribuiu ao Recorrente a classificação de Medíocre e determinou a instauração do inquérito (cf., neste sentido o acórdão STA de 1992-12-02 – recº nº 30 087).
Dito isto, independentemente de saber se o dirigente máximo do serviço é o Procurador – Geral da República ou o Conselho Superior do Ministério Público, é certo e seguro que, uma vez que este Conselho, por acórdão de 23 de Junho de 1999, portanto, antes de decorridos 3 meses sobre o conhecimento relevante da falta, deliberou a conversão do inquérito em processo disciplinar, não ocorreu a prescrição do procedimento criminal prevista no nº 2 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
Neste quadro, a alegação do recorrente é totalmente improcedente quanto à questão da questão do procedimento criminal.
2.2.2. Passando às exigências atinentes ao princípio da imparcialidade, o primeiro vício radicará, nos termos da alegação do recorrente, na circunstância de “nas diversas fases procedimentais que precederam (e motivaram) a decisão que aplicou ao ora recorrente a pena disciplinar de inactividade por um período de 12 meses, ter intervindo sempre o mesmo agente da administração”. Mais precisamente por ter sido o mesmo Inspector do Ministério Público nomeado para, primeiro, realizar a inspecção e sucessivamente, proceder a inquérito e instruir o processo disciplinar.
No recurso contencioso, o recorrente alegou que estava consubstanciada uma situação de impedimento e, que, por conseguinte, ocorrera violação do disposto no art. 44º/1/g) do CPA. O acórdão ora impugnado considerou que, no caso em apreço, não se verificava qualquer impedimento. Primeiro, porque “aquela alínea g) deve ser interpretada como restringindo a proibição de intervenção ao autor de uma decisão administrativa à decisão do recurso que da mesma seja interposto.” Segundo, porque “também não se verifica qualquer dos impedimentos previstos no processo penal (arts. 39º e 40º do C.P.P.) que são de aplicar aos processos disciplinares em que são arguidos magistrados do Ministério Público (arts. 167º da L.O.M.P. e art. 192º do Estatuto do Ministério Público).
O recorrente assentindo, embora, em que a situação não é enquadrável no preceituado no art. 44º/1/g) do CPA, discorda do julgado. Na sua óptica, a situação cabe na hipótese da alínea d) do mesmo preceito legal, porque (i) não é expectável que quem elaborou todo o sustentáculo de prova que determinou a instauração do processo disciplinar ao arguido seja isento e objectivo na procura e ponderação da prova que possa infirmar aquela”, (ii) “a circunstância de o agente em causa ter sido o autor do Relatório de Inspecção sempre deveria determinar a sua não participação no Inquérito e no processo disciplinar subsequentes, porquanto estes se destinariam, entre outras finalidades, a ponderar a bondade do teor e conclusões daquele” e (iii), assim, “ à semelhança dos peritos, ao autor de uma inspecção sempre deveria estar vedada a intervenção activa em qualquer outra fase processual, devendo a sua intervenção reduzir-se, se necessário, à sustentação do teor da sua “perícia”.
A respeito, tendo em conta que, nesta parte, o recorrente não invoca qualquer facto novo, mas que com apelo ao mesmo comportamento concreto da Administração – intervenção activa do Inspector nas diferentes “fases” do procedimento - reclama, tão-só, uma diversa qualificação jurídica para a situação, ainda no âmbito das garantias de imparcialidade e que, portanto, não procede à alteração da causa de pedir, (cf., acórdão STA de 1990.01.16 – recº nº 26 942, Rui Machete, “Caso Julgado” in Estudos de Direito Público e Ciência Política”, p. 151 e segs e Vasco Pereira da Silva, in “Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, pp. 187/193) o Tribunal considera, em primeiro lugar, que não está em causa uma questão nova, mas a mesma que foi apreciada no acórdão impugnado – impedimento do instrutor – a apreciar livremente segundo outra perspectiva jurídica (art. 664º C.P.Civil) e que por via disso o conhecimento desta matéria não extravasa o âmbito do recurso jurisdicional (art. 676º/1 do C.P.Civil).
Posto isto, diremos que não há razão para anular o acto com tal fundamento.
Antes de mais, porque o instrutor do processo disciplinar, enquanto tal, não actua como perito, isto é, como pessoa de formação qualificada de que a autoridade do poder disciplinar se socorre para a fixação de factos cuja percepção necessita de especiais conhecimentos técnicos ou científicos e que aquela não tem (cf., ALBERTO DOS REIS, in Código do Processo Civil, Anotado, IV, pp. 1676-171).
Depois, porque, primeiro, a enumeração do art. 44º do CPA é taxativa, sendo que as demais situações que possam pôr em causa as garantias de imparcialidade não são casos de impedimento e estão submetidas ao regime da cláusula geral do art. 48º do mesmo diploma sobre escusa e suspeição (neste sentido, ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, in “Código do Procedimento Administrativo,” 2ª ed., p. 245) e segundo, porque, não tendo o incidente sido oportunamente suscitado, “até ser proferida decisão definitiva”, (art. 49º/2 do CPA) o eventual motivo de suspeição já não pode constituir fundamento autónomo da anulação do acto (art. 51º/1 do CPA).
Deste modo, improcede a alegação do recorrente nesta parte.
2.2.3. Outra discordância do recorrente reporta-se ao julgamento da questão da nulidade insuprível do procedimento disciplinar, radicada na circunstância de o instrutor ter indeferido a audição de 3 das 9 testemunhas arroladas pelo arguido.
Na sentença recorrida, depois de se dar nota que o arguido requereu a inquirição de três Senhores Magistrados, primeiro na sua defesa e, depois em requerimento formulado já depois de expirado o prazo para apresentação daquela e que a inquirição foi indeferida pelo Senhor Inspector, concluiu-se que não se podia considerar “que as diligências fossem essenciais para apurar qualquer facto relevante para decisão que não tivesse sido já apurado ou que não pudesse ser apurado por outros meios, pelo que não ocorre a nulidade insuprível invocada”.
Esta conclusão rematou o discurso justificativo que passamos a transcrever na parte que interessa:
“(…)
Examinado o primeiro pedido de inquirição constata-se que o Recorrente pretendia a inquirição das três referidas testemunhas sobre factos que afirmara nos arts. 2º e 33º a 38º da sua defesa.
Nos arts. 33º a 38º o Recorrente referiu o excessivo movimento processual no período em causa e procurou demonstrá-lo com números dos processos movimentados e findos, tipos de processos, percentagem de acusações e indicação de processos que não estiveram em seu poder, mas sim do Senhor Procurador da República. É manifesto que não se justificava a inquirição de testemunhas para apuramento destes dados, pois eles eram detectáveis com toda a precisão, decerto maior do que a que poderia fornecer qualquer prova testemunhal, pelo exame dos processos e livros de registo do movimento processual.
Quanto ao facto referido no art. 2º, que é o de a situação de atraso nos processos derivar, essencialmente, da desorganização dos serviços do Ministério Público, da falta de escrituração de livros de registo de processos e de excessiva acumulação de serviço, trata-se de uma conclusão a retirar do exame do estado dos serviços e do movimento processual, que era do conhecimento da inspecção, pelo que não se justificaria também ouvir testemunhas, cuja função nos processos disciplinares é contribuir para o apuramento de factos e não formular juízos sobre a existência de nexo de causalidade entre eles.
Por isso, é manifesto que os depoimentos referidos, para produzir prova sobre os pontos indicados pelo Recorrente na sua defesa, não se podem considerar essenciais para a descoberta da verdade, pois todos os factos sobre que se pretendia a sua inquirição ou já tinham sido averiguados pela inspecção ou poderiam ser averiguados com mais exactidão por outros meios ao dispor do Senhor Inspector, designadamente o exame dos livros e mapas do movimento processual.
Quanto ao requerimento apresentado posteriormente, a sua intempestividade não seria obstáculo à realização das diligências requeridas, se elas pudessem considerar-se essenciais para a descoberta da verdade, o que, aliás, foi expressamente reconhecido pelo Senhor Inspector, que apreciou se se justificava ou não a realização das diligências.
No entanto é de notar, desde logo, que o próprio Recorrente não consideraria essencial para a sua defesa a inquirição das referidas testemunhas sobre os pontos que indicou neste requerimento, pois, se como tal a considerasse, decerto teria requerido anteriormente a respectiva inquirição sobre esses pontos.
Por outro lado, como bem refere o Senhor Inspector, com as diligências requeridas o Recorrente pretendia que fossem formulados juízos pelas testemunhas ou prestadas informações sobre os juízos formulados por outras pessoas sobre as causas do atraso dos processos (quesitos 1º a 4º), juízos esses que, não tendo carácter factual, não podem considerar-se essenciais para a descoberta da verdade, pois há outro elementos objectivos que podem mais seguramente do que impressões subjectivas conduzir a essa descoberta; no que concerne aos quesitos 5º a 8º, trata-se de matéria relativa ao comportamento extraprocessual do Recorrente, sobre o qual já havia sido recolhida prova favorável que o Senhor Inspector considerou suficiente”
O recorrente insurge-se contra esta decisão judicial considerando que a inquirição das três testemunhas era essencial para a descoberta da verdade e que a falta da respectiva audição pôs em causa o princípio da mais ampla defesa, condicionando o apuramento da verdade material.
Sem êxito, porém.
Como decorre do extracto transcrito, a Secção, em decisão sobre matéria de facto, cuja sindicância está vedada ao Pleno (art. 21º/3 ETAF) considerou que a inquirição requerida se reportava os factos que afirmara nos arts. 2º e 33º a 38º da sua defesa e 1º a 4º e 5º a 8º do requerimento posterior.
O art. 2º da defesa tem a ver com o facto de a situação de atraso derivar essencialmente da desorganização dos serviços e da excessiva acumulação de serviço. Os arts. 33º a 38º visam a demonstração do excessivo movimento processual e a respectiva demonstração com números relativos aos processos movimentados e findos, tipos de processos, percentagem de acusações e processos que não estiveram em poder do arguido, mas do Senhor Procurador da República. Todos estes dados são, seguramente, de percepção directa e objectiva do Instrutor. Tal como se entendeu na sentença, não se vê que ganho poderia a prova testemunhal trazer ao apuramento da existência e exactidão material de tais realidades.
Também não é essencial, mas redundante, a inquirição das testemunhas sobre a matéria dos quesitos 5º a 8º do outro requerimento de prova, relativa ao comportamento extraprocessual do Recorrente, uma vez que o Instrutor considerou que sobre essa matéria favorável havia já prova suficiente.
Outrossim se apresenta como irrepreensível o juízo da sentença recorrida no sentido de que não pode considerar-se essencial para a descoberta da verdade a inquirição de testemunhas aos quesitos 1º a 4º deste mesmo requerimento, porque votada à formulação de juízos de valor sobre as causas do atraso dos processos, sem carácter factual.
Improcede, pois, a alegação do recorrente, nesta outra parte.
2.2.4. No recurso contencioso o impugnante suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 141º/1 e 151º/1 da LOMP, ou do art. 183º do EMP, cujo texto é o seguinte:
“As penas de suspensão de exercício e de inactividade são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ou quando os magistrados forem condenados em pena de prisão, salvo se a pena condenatória aplicar pena de demissão”.
A questão mereceu na sentença recorrida a seguinte resposta:
“(…)
O princípio da tipicidade das penas, plenamente válido para o direito criminal, por força do disposto nos nºs 1 e 3 do art. 29º da C.R.P., não vale com a mesma intensidade em relação às penas disciplinares, nomeadamente em relação às não expulsivas (neste sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 282/86 de 21-10-1986, publicado no DR, I Série de 11-11-1986 e nº 664/94, de 14-11-1994).
No caso em apreço, para além de não se estar perante casos de penas expulsivas, há uma definição suficiente das condutas abrangidas pela previsão normativa, mesmo na parte que se refere à negligência e ao desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, designadamente porque essas referências a negligência e desinteresse são complementadas pelas normas em que se prevêem esses deveres.
O facto de se preverem duas penas para os mesmos tipos de condutas, deixando às entidades que aplicam a lei a possibilidade de optarem por uma ou por outra, não afecta a constitucionalidade daquelas normas.
Na verdade, a possibilidade de escolha dentre mais que uma pena a aplicar a um mesmo tipo de condutas, é adoptado generalizadamente no domínio do direito penal, em que, para além de se incluírem tipos legais para os quais se prevê, alternativamente, pena de prisão ou multa (por exemplo, os arts. 348º, nº 2, 360º, nº 3), se admite generalizadamente a possibilidade de o Tribunal substituir penas (arts. 44º, 45º, 46º, 48º, 49º, 50º, 53º, 58º e 60º do Código Penal), permitindo a quem aplica a lei uma flexibilidade que é mesmo uma exigência do princípio constitucional da necessidade (art. 18º, nº 2 da C.R.P.).
Por isso, aquela possibilidade de escolha, em vez de contrariar a Constituição, é por ela reclamada”.
O recorrente discorda, argumentando, no essencial, que:
(i) vigora em direito disciplinar, como em direito penal, o princípio de “nulla pena, sine lege”, ou seja “não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas por lei anterior” (cfr. art. 29º, nº 3 da CRP);
(ii) o normativo em causa parece deixar ao poder discricionário da actividade administrativa a escolha entre duas penas possíveis – de suspensão ou inactividade. Porém o actual texto constitucional não colhe o cariz discricionário da administração quando estão em causa direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, submetendo, pelo contrário a actuação da administração à Constituição e à lei;
(iii) os arts. 141º, nº 1 e 151º da LOMP, ou art. 170º, nº 1 e 183º do Estatuto do Ministério Público, ao não preverem, expressamente, tal como fazem os arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, as infracções que implicam a cominação de uma e de outra pena, revestem carácter inconstitucional por violação do disposto no art. 29º, nº 3 da CRP.
Apreciando, adiantaremos, que, pelas razões que de seguida se aduzem, a decisão do acórdão recorrido não merece qualquer censura.
O ilícito disciplinar está exclusivamente virado para o âmbito interno e reporta-se a normas de conduta imprescindíveis para assegurar o regular funcionamento dos diversos serviços e o eficaz desempenho das respectivas atribuições. Não serve à tutela de outros bens, mormente daqueles que têm dignidade jurídico – penal entendidos estes, nas palavras de Figueiredo Dias (Direito Penal, I, p. 114), como “concretizações de valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais e à ordenação social, política e económica”.
É, pois, na capacidade funcional do serviço como instrumento de satisfação do interesse público que as medidas disciplinares encontram a sua justificação.
Valores que impõem aos funcionários, para além dos deveres gerais ou comuns, deveres especiais variáveis, estes, com a natureza do departamento, a categoria, o cargo que exerce e as circunstâncias em que actua. É portanto um domínio no qual, face à multiplicidade e diversidade dos serviços, categorias e actividades, a tipificação, por razões de praticabilidade, sempre deixaria de fora muitos comportamentos com relevância disciplinar e que devem ser reprimidos.
Daí que, como se afirma no aresto impugnado, se entenda que o princípio da tipicidade particularmente em relação às penas não expulsivas, não vale no direito disciplinar com intensidade idêntica à que é reclamada pelo princípio da legalidade na intervenção penal (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª ed., p.810, Eduardo Correia, Direito Criminal I, p. 36, Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 1º vol., 2ª ed., pp. 73, Figueiredo Dias, Direito Penal I, p. 159, acórdãos STA de 1996.07.11 – recº nº 30705 e de 2006.02.22 – rec. nº 219/05 e acórdãos do Tribunal Constitucional nº 666/94 de 1994.12.14 e nº 384/03 de 2003.07.15).
Ponto é que o funcionário não fique à mercê de puros actos arbitrários de poder e que, apesar do amortecimento da tipicidade, se cumpram as exigências mínimas atinentes ao direito ao recurso contencioso e ao princípio da legalidade a que está submetida toda a actividade administrativa e a sancionatória em particular. Para tanto, as normas legais que prevêem penas disciplinares devem conter “uma caracterização minimamente precisa dos comportamentos a que se aplicam”, fornecer à entidade com poder disciplinar “um critério de decisão que lhe permita agir com segurança no momento de avaliar este ou aquele comportamento desviante” e possibilitar em termos razoáveis, o controlo judicial das decisões tomadas (cf, a jurisprudência constitucional supra indicada).
Ora, como se diz no acórdão impugnado, no caso em apreço “há uma definição suficiente das condutas abrangidas pela previsão normativa”. Na verdade, as penas previstas estão reportadas aos casos de negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, sendo que estes são, sem margem para perplexidade, os especiais que estão suficientemente caracterizados no Capítulo II do Estatuto do Ministério Público e os gerais de isenção, zelo, obediência, lealdade, sigilo, correcção, assiduidade e pontualidade indicados no art. 3º/4 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública Central, Regional e Local aprovado pelo DL nº 24/84, de 16 de Janeiro (aplicável “ex vi” do art. 216º do Estatuto do Ministério Público). Em complemento, a própria lei - arts. 5 a 10 do art. 3º do Estatuto aprovado pelo DL nº 24/84 - especifica em que consiste cada um destes deveres gerais
Temos, assim, que a previsão normativa, no seu conjunto, se apresenta com determinabilidade bastante para dar satisfação às exigências do princípio da legalidade e assegurar o direito ao recurso contencioso e, por consequência, não contraria a norma do art. 29º, nº 3 da Constituição.
Como também a não contraria a possibilidade que o normativo em causa abre à escolha alternativa entre duas penas possíveis. A determinabilidade mínima persiste e a opção, que permite a fixação da medida punitiva mais adequada à culpa do agente e às demais circunstâncias do caso concreto é reclamada pelo princípio constitucional da proporcionalidade (arts. 18º/2 e 266º/2 da C.R.P.).
Deste modo, improcede a alegação do recorrente, com fundamento na inconstitucionalidade da norma aplicada.
2.2.5. O Recorrente alega ainda – conclusões 7) a 9) – outro erro de julgamento dizendo que:
- inexiste fundamento legal que justifique a pena de inactividade imposta – porquanto essa pena tem de basear-se em condutas dolosas e em casos de procedimento que atentem gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente da função (cfr. art. 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável);
- a pena aplicável a comportamento que integra “negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais” é a suspensão de exercício (cfr. art. 24º do Estatuto Disciplinar (cfr. art. 24º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável);
- a aplicação da pena constitui um poder vinculado da administração, devendo o art. 138º nº 1 do Estatuto do Ministério Público ser interpretado e integrado com os critérios subjacentes ao disposto nos arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável;
- a fundamentação para a aplicação das penas de suspensão do exercício da actividade é bem diversa, estando a primeira voltada para os casos de negligência grave ou de grave desinteresse dos deveres profissionais e a última incidindo em aspectos estruturais e ligados à dignidade da função;
- assim, o Acórdão recorrido, ao não considerar os critérios abstractos que levariam à aplicação da pena de suspensão, distinguindo-os da pena de inactividade, de acordo com o Estatuto Disciplinar, carece de fundamentação bastante, vício gerador de nulidade.
Com esta argumentação o Recorrente pretende persuadir, a um tempo, que o acto punitivo é ilegal e que, por assim não ter considerado, a decisão judicial impugnada enferma de erro de julgamento, pelas mesmas razões.
Sem êxito, porém.
Esta matéria foi apreciada nos pontos 6. e 7. do acórdão da Secção, em termos que, pela sua eloquência, vale a pena recordar.
Passamos a transcrever os trechos essenciais, começando pela parte relativa à aplicação dos artigos 24º e 25º do Estatuto Disciplinar:
“O Recorrente, baseando-se nos arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, defende que a pena de inactividade só é aplicável a casos em que haja uma conduta dolosa e em casos em que a conduta atente gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente da função, e que a pena aplicável a situações de negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais é a de suspensão.
No entanto, os referidos arts. 158º da L.O.M.P. e 183º do E.M.P. são de natureza especial, relativamente a este Estatuto Disciplinar, pelo que afastam no seu domínio específico de aplicação as normas deste Estatuto, que são de aplicação meramente supletiva (art. 216º do E.M.P.)
Por outro lado, tendo de presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3, do Código Civil), a previsão cumulativa das duas penas, de suspensão e de inactividade, naquelas normas da L.O.M.P. e do E.M.P., para o mesmo tipo de condutas, não pode deixar de ser interpretada como consagrando a possibilidade abstracta de aplicação de qualquer uma delas a qualquer das condutas que se enquadrem na sua previsão”
E, mais adiante, quanto à falta de fundamentação:
(…)
Este Supremo Tribunal tem vindo a entender que a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
No caso em apreço, o acórdão recorrido contém uma extensa fundamentação da escolha da pena de inactividade, que consta do ponto V do acórdão recorrido, transcrito na alínea s) da matéria de facto.
Através dessa parte do acórdão recorrido, fica-se perfeitamente a saber quais as razões por que o Conselho Superior do Ministério Público optou pela perna de inactividade e não pela de suspensão, pelo que não pode entender-se que aquele careça de fundamentação suficiente.”
Nenhuma censura merece o acórdão. Delimitou de forma irrepreensível o âmbito de aplicação da lei disciplinar geral e da lei disciplinar especial. Lançou mão do critério da compreensibilidade do destinatário médio para aquilatar da suficiência da fundamentação da opção feita pela Administração, entre a pena de inactividade e a pena de suspensão. A bondade do critério é inquestionável face à jurisprudência firme deste STA (vide acórdãos citados) e da leitura da alínea s) da discriminação dos factos provados constata-se que o discurso fundamentador cumpre os requisitos do dever formal de fundamentação – art. 125º CPA – esclarecendo o destinatário dos motivos da decisão, com clareza e sem ambiguidades.
Deste modo, improcedem, ainda, as conclusões 7), 8) e 9) da alegação do Recorrente.
2.2.6. Este alega, por fim – conclusões 13) e 14) – que “na determinação da pena em processo disciplinar, deverá ser tomada em conta, além do mais, a conduta posterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as suas consequências (cfr. art. 71º, nº 2, al. E) do Cód. Penal “ex vi” do art. 216º do Estatuto do Ministério Público) e que “ posteriormente à Inspecção que originou a sanção punitiva aplicada ao ora recorrente, foi o mesmo objecto de duas outras inspecções com a classificação respectivamente de SUFICIENTE e de BOM, facto que constitui elemento essencial a ponderar na determinação da pena a aplicar.”
Nesta parte importa ter presente, antes de mais, que a invocada posterior classificação de “BOM”, com ser irrelevante (uma vez que a mesma só foi obtida em acção inspectiva realizada em 2004 e a legalidade do acto punitivo deve, de acordo com o princípio tempus regit actum ser apreciada em razão dos pressupostos de facto e de direito existentes à data em que foi praticado) é matéria subtraída ao poder de cognição deste Tribunal. A questão não foi conhecida no acórdão recorrido que apreciou a impugnação contenciosa e é sabido que o recurso jurisdicional versa sobre a sentença (art. 676º/1 CPC), não sobre o acto impugnado, e não se destina ao conhecimento de questões novas não apreciadas na decisão judicial.
Dito isto, convocamos o texto da sentença recorrida na parte em que decidiu pela insuficiente relevância da classificação de “SUFICIENTE” para determinar a atenuação da pena. É o seguinte:
“Quanto ao Relatório de uma inspecção posterior, em que é proposta a classificação de Suficiente, não assume relevância suficiente para determinar uma atenuação, uma vez que já foi aplicada a pena mínima prevista para a pena de inactividade.
Na verdade, uma vez assente que, em princípio, é a pena de inactividade a que é adequada à gravidade da actuação do Recorrente, só por via de atenuação especial seria possível aplicar-lhe a pena de suspensão.
Mas a possibilidade de atenuação especial está dependente da existência de atenuante que diminua «acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente» (arts. 161º da L.O:M.P. e 186º do E.M.P.) o que não é o caso da conduta que conduziu à atribuição da referida classificação.
Na verdade, das cinco classificações possíveis previstas para magistrados com a categoria profissional do Recorrente (arts. 87º da L.O.M.P. e 109º do E.M.P.) a classificação de Suficiente é inferior à classificação média, que é de Bom, pelo que a atribuição de tal classificação não indica a existência de uma boa qualidade global da prestação funcional daquele a quem é atribuída e, por isso, não pode sequer reconhecer-se à atribuição dessa classificação de serviço relevo como elemento favorável ao mesmo.
Aliás, a segunda inspecção comprovou que continuavam a existir atrasos de anos no despacho dos processos, como se vê pelo respectivo relatório.
Por isso, não havendo qualquer atenuante que justifique uma atenuação especial da pena, tem de se concluir que na determinação da pena não ocorreu violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça invocados pelo Recorrente, sendo correcta a posição assumida pelo Conselho Superior do Ministério Público”
Em presença deste segmento da sentença é indiscutível que, na decisão judicial, foi ponderada a influência da classificação de Suficiente, como facto posterior, na legalidade da pena aplicada.
E a conclusão da insuficiente relevância para determinar a aplicação da pena de suspensão decorre de um juízo correctamente formulado.
O acórdão havia considerado já, sem que se descortinem razões para dele discordarmos, que “é acentuada a gravidade da negligência da actuação do Recorrente e o desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais, que se prolongou por período invulgarmente longo, com consequências irreversíveis em vários casos, designadamente:
- com atrasos de anos e meses em 50 processos da área da jurisdição de menores, de natureza urgente, vários com atrasos superiores a dois anos;
- com atrasos que provocaram a prescrição de trinta inquéritos criminais e o arquivamento de processos tutelares derivado de os menores terem atingido a maioridade, estes com atrasos de anos;
- com perda de utilidade de processos de menores, um deles para tomada de medidas relativamente a menor em perigo que esteve parado 7 anos;
- com prescrição de créditos de trabalhadores, em 11 processos administrativos, por ter decorrido o prazo para propor acções” .
Neste contexto, assentimos com o acórdão recorrido no sentido que a ulterior classificação de Suficiente não tem peso bastante para, por si só, suavizar a gravidade da infracção e/ou diminuir o grau de censura sobre o desempenho do Recorrente, de molde a determinar, em nome da justiça ou da proporcionalidade a aplicação da pena inferior de suspensão, em vez da pena de inactividade.
E não havendo, como se diz no acórdão recorrido “prova de qualquer outra conduta posterior aos factos que serviram de suporte à aplicação da pena destinada a reparar as suas consequências” o presente recurso jurisdicional claudica também nesta parte.
Em suma: improcedem todas as conclusões da alegação do Recorrente.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Taxa de justiça: 300 € (trezentos euros).
Procuradoria: 150€ (cento e cinquenta euros).
Lisboa, 23 de Maio de 2006. Políbio Henriques (relator) - António Samagaio – Azevedo Moreira – Santos Botelho – Angelina Domingues – Rosendo José – Costa Reis – Adérito Santos – Pais Borges.