Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01096/13
Data do Acordão:11/19/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:LEI QUADRO
FUNDAÇÃO
FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO
TESTAMENTO
Sumário:I – Na interpretação das disposições do testamento deverá considerar-se o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, e, sendo admissível prova complementar, não poderá ter qualquer efeito a vontade do testador que não tenha naquele contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (cfr. art. 2187º, nºs 1 e 2 do CC).
II - A “Fundação” que foi criada por uma pessoa colectiva pública, ainda que esta lhe tenha afectado bens legados por uma pessoa privada para esse efeito, é uma fundação pública de direito privado, para os efeitos do disposto no art. 2º, nº 1, alínea c) da Lei nº 1/2012 e art. 4º, nº 1, al. c) da LQF (classificação que compartilha com a sua instituidora, a Universidade do Porto - cfr. DL nº 96/2009).
III - Mesmo que se pudesse entender (e não pode) que a Autora foi criada conjuntamente como uma pessoa de direito privado, relevando a anterior propriedade dos bens afectados à sua criação, nada no testamento que instituiu o legado, permite concluir que se pretendeu a criação de uma fundação privada, para efeitos do previsto no art. 6º, nº 1 da Lei nº 24/2012, de 9/7, sendo como tal de aplicação imperativa as normas da LQF (nº 2 do art. 1º).
Nº Convencional:JSTA00069434
Nº do Documento:SA12015111901096
Data de Entrada:06/17/2013
Recorrente:FUNDAÇÃO INSTITUTO A...
Recorrido 1:CM
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto:RCM N13-A/2013.
Decisão:IMPROCEDENTE
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART2050 ART2244 ART2276 N1 ART2187 N1 N2 ART2068 ART2030 N1 N2 ART2079 ART2080.
L 108/88 DE 1988/09/24 ART28 N2 C.
L 67/2007 DE 2007/09/10 ART9 N1 ART13 N1 B ART15 N1.
DL 96/2009 DE 2009/04/27 ART1 N1 N2 ART2.
L 1/2012 DE 2012/01/03 ART1 ART2 N1 C.
L 24/2012 DE 2012/07/09 ART6 N1 ART1 N2 ART3 N3 ART4 N3 ART13 N5 C.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
A Fundação Instituto A………….., intentou contra o Conselho de Ministros, acção administrativa especial, nos termos dos artigos 46º e seguintes do CPTA, destinada a obter:
a) A anulação parcial da Resolução do Conselho de Ministros n.º 13-A/2013, de 28 de Fevereiro de 2013, publicada no Diário da República, I série, n.º 48, de 8 de Março de 2013,
b) A condenação do Réu a reconhecer a Autora como uma fundação privada e, consequentemente, a adoptar os actos e operações necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto parcialmente anulado não tivesse sido praticado.
Alega, em síntese, que é uma fundação de direito privado instituída em 22.10.2008 em execução do testamento da Sra. Arquitecta B…………., tendo como objecto social a “promoção cultural, científica e pedagógica, designadamente a classificação, preservação, conservação e divulgação de todo o património artístico e arquitectónico do Arq. A…………., legado pela Sra. Arquitecta B…………. à Universidade do Porto, assim perpetuando a memória do primeiro e a sua acção na promoção da arquitectura, em particular, e da arte em geral”.
A Resolução do Conselho de Ministros nº 13-A/2013, ao assumir quer a designação da Autora como “Fundação Instituto A………….. – Universidade do Porto”, quer a sua qualificação/classificação como “fundação pública de direito privado”, quer a tutela do Ministério da Educação e Ciência incorre em erro susceptível de determinar a sua invalidade parcial.
Ao qualificar a A. como “fundação pública de direito privado”, quando, conforme defende, a A. é uma fundação privada, pois foi criada em execução do testamento de uma pessoa privada, o seu património tem origem privada, não existindo influência dominante sobre a A. de exercida por qualquer entidade pública (designadamente a Universidade do Porto), o acto objecto de impugnação enferma de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito no que à situação da A. diz respeito.
Igualmente ao qualificar a A. como “fundação pública de direito privado” e ao determinar que a Autora se encontra sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência, o Réu atentou, contra o disposto tanto no art. 2º, nº 1, alíneas c) e e) e nº 2 da Lei nº 1/2012, como no art. 4º, nº 1, alíneas a) e c) e nº 2 da Lei-Quadro das Fundações, padece o acto impugnado, em relação à A. de vício de violação de lei.

O Conselho de Ministros apresentou, a sua contestação culminando esta no sentido da improcedência da acção administrativa especial.

O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer a fls. 121 a 123, no sentido da improcedência da acção.

Nos termos do art. 91º, nº 4 do CPTA, foi proferido despacho do Relator, no sentido das partes serem notificadas para, querendo, apresentarem as respetivas alegações escritas.
A Fundação Instituto A…………….. apresentou, a fls 260 e seguintes dos autos, alegações com conclusões do seguinte teor:
A. O cerne da presente acção reside na qualificação a atribuir à Autora: fundação privada, como a própria sustenta, ou fundação pública de direito privado, como defende o Réu e consta da deliberação impugnada.
B. A Autora é uma fundação privada, não se verificando, em relação a si, qualquer dos requisitos legais susceptíveis de determinar a sua qualificação/classificação como fundação pública.
C. Os bens com que a Autora foi inicialmente instituída foram oriundos, exclusivamente, do legado testamentário da Sra. Arquitecta B…………… e têm, por conseguinte, uma origem privada e não pública.
D. Ainda que prevaleça a tese do Réu de que, após a aceitação pela Universidade do Porto do Legado que lhe foi deixado pela Sra. Arquitecta B………….., os bens se tornaram públicos, o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio, mesmo assim só o segundo dos bens instituidores o jazigo teria essa natureza pública.
E. E já não o dinheiro, que foi depositado/transferido pelos testamenteiros da Sra. Arquitecta B…………… — e não, portanto, pela Universidade do Porto. F. A Universidade do Porto apenas afectou ao património inicial da Autora, dos bens que recebeu por via sucessória e que integravam o legado que lhe foi deixado pela Sra. Arquitecta B…………., o jazigo do Sr. Arquitecto A………….., com o valor de € 2.500,00.
G. O único bem com que a Universidade do Porto contribuiu para o património inicial da Autora representa cerca de 2,27% dos meios patrimoniais que integram o património financeiro inicial da Autora.
H. Bem longe, portanto, de uma “afectação exclusiva ou majoritária dos bens”, como exige o legislador para considerar existir uma “influência dominante”.
I. A Universidade do Porto não tem, por outro lado, o direito de designar ou destituir, directa ou indirectamente, a maioria dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização da Autora — essa competência pertence, em exclusivo, ao Conselho Geral.
3. O Conselho Geral não é, nos termos estatutários, controlado e muito menos dominado pela Universidade do Porto: actualmente, estando todos presentes, terão de votar 7 dos 9 membros do Conselho Geral para que o Conselho de Administração possa ser eleito, sendo que, dos 9 membros, apenas 3, para além do Reitor, são Professores Universitários no activo.
K. A designação dos membros do Conselho de Administração exige uma maioria qualificada de três quartos dos membros do Conselho Geral para que o Conselho de Administração seja eleito.
L. O acto que qualificou a Autora como “fundação pública de direito privado" e que determinou que a Autora se encontra sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência, enferma de erro quanto aos pressupostos de facto e atenta contra o disposto tanto no art.º 2.º, n.º 1, alíneas c) e e), e n.° 2, da Lei n.º 1/2012, como no art.º 4.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, da Lei-Quadro das Fundações.

O Conselho de Ministros apresentou as suas contra-alegações reiterando o que expôs e pediu na sua contestação.
Insistindo em que a Autora é uma fundação pública segundo todos os critérios legais alternativos para essa qualificação.
E em que a presente acção deve ser considerada improcedente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Os Factos
Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1 – No dia 9 de Junho de 1993 a Sra Arquitecta B…………… outorgou um testamento pelo qual legou à Universidade do Porto “para património e instalação da sede e serviços do “Instituto Arquitecto A……………”, a criar no seu âmbito, em homenagem e perpetuação da memória do seu pai, e que terá como finalidades principais promover a preservação, conservação e divulgação do património arquitectónico deixado pelo Arquitecto A……………., instalar e pôr em funcionamento um Museu ……….. no prédio da Praça do ……….. (…), sendo este legado estabelecido com as cláusulas de absoluta e exclusiva afectação aos mencionados fins dos referidos prédios (…)” – cfr. doc. 6 junto com a p.i., a fls. 47 a 52 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 – A mesma Testadora completou o indicado testamento, em 24.08.1993, legando à Universidade do Porto outros bens, «para integração no património do “Instituto Arquitecto A……………”» - cfr. doc. 6, fls. 52 verso a 55.
3 - Em execução da referida disposição testamentária foi, por deliberação do Senado da Universidade do Porto, de 22 de Março de 1994, e nos termos do art. 10º dos Estatutos da Universidade do Porto e do art. 28º, al. c), da Lei nº 108/88, de 24/9, apresentada proposta de criação do Instituto Arquitecto A………….. e emitida a respectiva autorização tutelar pelo Despacho nº 24/SEES/94, de 6/5.
4 - O Instituto Arquitecto A………….. foi inicialmente criado como uma unidade orgânica da Universidade do Porto não equiparada a faculdade, conforme dispunha o art. 8º, nº 3, dos Estatutos da Universidade do Porto.
5 - Em 22 de Outubro de 2008, pelo Reitor da Universidade do Porto, intervindo em nome e representação, na qualidade de Reitor, da Universidade do Porto, em execução do testamento da Sra. Arquitecta B………….., foi instituída uma fundação, denominada “Fundação Instituto Arquitecto A…………….”, a aqui Autora - cfr. doc. nº 1 junto com a p.i., a fls. 25 a 27 dos autos que aqui se dá por reproduzido.
5O objecto social da Autora consiste na “promoção cultural, científica e pedagógica, designadamente a classificação, preservação, conservação e divulgação de todo o património artístico e arquitectónico da Arq. A…………., legado pela Sra. Arquitecta B…………… à Universidade do Porto, assim perpetuando a memória do primeiro e a sua acção na promoção da arquitectura, em particular, e da arte em geral”, competindo-lhe ainda desenvolver as actividades constantes das alíneas a) a h) da escritura pela qual foi instituida – cfr. o indicado doc. 1.
6 - A Autora foi, inicialmente, dotada com o património constituído pelos seguintes bens:
1) A quantia de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros) em dinheiro;
2) O jazigo do Arquitecto A…………, no cemitério da …….., n.º ….., ……, a que foi atribuído o valor de € 2.500,00 - cfr. docs. 1, fls. 26 e 3, fls. 37.
7 – Da escritura de instituição da “Fundação” consta que esta se regerá pelos estatutos constantes do documento complementar anexo, junto a fls. 28 a 35 dos autos, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 – Os Estatutos da Fundação foram alterados por escritura de 17.11.2011, alterando-se a redacção do respectivo art. 12º, nº 1, respeitante à composição do Conselho de Administração – cfr. docs. 4 e 5 juntos com a p.i., fls. 38/39 e 40 a 46 (Estatutos)
9 - A Autora foi reconhecida pelo membro do Governo competente por despacho de 10 de Julho de 2009, publicado no Diário da República nº 139, de 21 de Julho de 2009 - cfr. doc. 2, junto com a p.i., que aqui se dá por reproduzido.
10 - Os testamenteiros - Srs. Drs. C……………. e D…………… – elaboraram “Nota sobre a Fundação Instituto Arquitecto A……………”, em data desconhecida, junta como doc. 7, a fls. 56 a 58, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual concluem que: “A Senhora Arquitecta B…………….. quis constituir uma pessoa colectiva privada e, para isso, disponibilizou o seu enorme património – pelo que contraria a sua vontade testamentária qualquer desvio a essa incontornável destinação.
11 – Na sequência dos resultados do censo a todas as fundações, nacionais e estrangeiras, que prossigam os seus fins em território nacional, determinado pela Lei nº 1/2012, de 3 de Janeiro, o Conselho de Ministros, através da Resolução nº 79-A/2012, de 25/9, resolveu, designadamente:
a) Aprovar os projectos de decisão final e a listagem de fundações constantes dos anexos I e II àquela resolução;
b) Determinar que os projectos de decisão final fossem notificados aos interessados nos termos do Código do Procedimento Administrativo para, em audiência prévia, se pronunciarem por escrito e no prazo de 10 dias úteis.
12 – Nos termos da Resolução nº 79-A/2012, a Autora surge com a designação “Fundação Instituto Arquitecto A………….. – Universidade do Porto”, sendo qualificada como “fundação pública de direito privado”, encontrando-se enquadrada no âmbito da tutela do Ministério da Educação e Ciência.
13 – Em Setembro de 2012 a A. foi notificada, para, em sede de audiência prévia, se pronunciar sobre o projecto de decisão final, nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 5º da Lei nº 1/2012, de 3/1 – cfr. doc. 9 junto com a p.i., fls. 63 e 64.
14 – A Autora apresentou, naquela sede, oposição à sua qualificação como fundação pública de direito privado – cfr. docs. 10 e 11 juntos com a p.i., fls. 65 e 66 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15 – Através da Resolução do Conselho de Ministros nº 13-A/2013, de 28/2, publicada no DR, 1ª Série, nº 48, de 08.03.2013, foram aprovadas, na sequência dos resultados do censo às fundações, nacionais e estrangeiras, que prossigam os seus fins em território nacional, as decisões finais constantes dos anexos I e II à referida resolução, mantendo tanto a designação da Autora como “Fundação Instituto Arquitecto A…………… – Universidade do Porto”, como a sua qualificação como “fundação pública de direito privado”, e a tutela do Ministério da Educação e Ciência.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

3. O Direito
Na presente acção administrativa especial a A. pede a anulação parcial da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 13-A/2013, na parte em que qualifica a A. como “fundação pública de direito privado”, colocando-a sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência. Pede igualmente a condenação do Réu a reconhecer a A. como uma fundação privada.
Imputa ao acto impugnado erro nos pressupostos de facto e de direito, por não se verificarem os pressupostos que permitam classificar a A. como fundação pública, devendo ser qualificada como fundação privada, já que foi criada em execução do testamento de um particular, tendo o seu património origem privada e não existindo influência dominante sobre a A. por parte de qualquer pessoa pública, mormente pela Universidade do Porto (UP), que não afectou um único bem ao património da A., nem tem direito de designar ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização da A., competência essa que pertence ao Conselho Geral.
Alega ainda que ao qualificar a A. como “fundação pública de direito privado” e ao determinar que a Autora se encontra sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência, o Réu atentou, contra o disposto tanto no art. 2º, nº 1, alíneas c) e e) e nº 2 da Lei nº 1/2012, como no art. 4º, nº 1, alíneas a) e c) e nº 2 da Lei-Quadro das Fundações (LQF), pelo que padece o acto impugnado, em relação à Autora, de vício de violação de lei.

Vejamos então:
Conforme resulta do probatório a Sra Arquitecta B…………. por disposição testamentária legou à Universidade do Porto “para património e instalação da sede e serviços do “Instituto Arquitecto A…………….”, a criar no seu âmbito, em homenagem e perpetuação da memória do seu pai”, para prossecução dos fins ali indicados, determinados bens.
Portanto, os bens foram legados à UP com o encargo de os destinar ao fim indicado no testamento – a criação do “Instituto Arquitecto A…………..” -, legado que a UP aceitou, adquirindo, em conformidade, o domínio e posse dos bens da herança que a testadora designou, desde o momento da abertura da sucessão (cfr. art. 2050º do CC).
Em cumprimento do encargo decorrente da aceitação do legado (cfr. arts. 2244º e 2276º, nº 1 do CC), a UP, por deliberação do Senado, criou o Instituto Arquitecto A………….., inicial­mente como uma unidade orgânica da Universidade do Porto não equiparada a faculdade, mediante autorização da tutela, nos termos do disposto no art. 28º, nº 2, al. c) da Lei nº 108/88, de 24/9, pelo despacho 24/SEES/94.
Posteriormente, por escritura pública de 22.10.2008, foi criada a “Fundação Instituto Arquitecto A…………….”, pela Universidade do Porto.
Defende a A. que a testadora teria querido que a legatária UP criasse uma fundação privada.
Na interpretação das disposições do testamento deverá considerar-se o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, e, sendo admissível prova complementar, não poderá ter qualquer efeito a vontade do testador que não tenha naquele contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (cfr. art. 2187º, nºs 1 e 2 do CC).
Ora, das disposições testamentárias e seu contexto não resulta, tendo em conta os critérios do referido art. 2187º do CC que a testadora tenha querido que a legatária criasse uma fundação privada. Desde logo, a designação que a testadora indicou de “Instituto Arquitecto A…………….”, ainda para mais a criar no âmbito de uma pessoa colectiva de direito público, a Universidade do Porto, não inculca a ideia de que se pretendeu criar uma entidade privada.
Do contexto do testamento o que se retira é a vontade da testadora de, em homenagem e para preservar a memória do seu Pai, conservar e divulgar o património artístico e arquitectónico deixado pelo Arquitecto A……………, criando um museu e dignificando os edifícios que haviam sido construídos sob projecto arquitectónico do mesmo. Foram apenas estes fins culturais e científicos os visados pela testadora ao legar à UP, através de um instituto a criar no seu âmbito, um determinado acervo patrimonial, nada se retirando do texto e contexto do testamento que a testadora tenha querido a instituição de uma fundação privada.
O Instituto criado em execução das disposições testamentárias, foi-o como uma unidade orgânica da Universidade do Porto não equiparada a faculdade, conforme dispunha o art. 8º, nº 3 dos Estatutos da Universidade do Porto, pelo que assumiu a forma de pessoa colectiva pública dotada de autonomia administrativa e financeira.
No entanto, por escritura pública de 22.10.2008, a Universidade do Porto veio a instituir formal e substancialmente a A., em cumprimento do encargo testamentário, determinando um conjunto de finalidades a prosseguir, com respeito por aquele encargo, dotando-a com os bens constantes da mesma escritura que foram adquiridos por via sucessória (tendo o primitivo Instituto sido extinto e criada a fundação – cfr. art. 20º da p.i.). Ou seja, a Fundação foi instituída por uma pessoa colectiva pública, com afectação exclusiva de bens legados por um privado, sendo reconhecida em 10 de Julho de 2009.
É certo que dos estatutos da A. consta que se trata de uma pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos (cfr. art. 1º, nº 1 dos Estatutos).
À data da respectiva criação não havia qualquer impedimento legal a que uma pessoa colectiva pública, como era o caso da UP, instituisse uma fundação privada (cfr. arts. 9º, nº 1, 13º, nº 1, al. b) e 15º, nº 1 da Lei nº 67/2007, de 10/9). Actualmente a própria Universidade do Porto, nos termos do DL nº 96/2009, de 27/4, transformou-se numa fundação pública com regime de direito privado, instituída pelo Estado (cfr. arts. 1º, nºs 1 e 2 e 2º do referido diploma).
No entanto, a Lei nº 1/2012, de 3/1 veio determinar a realização de um censo dirigido às fundações nacionais ou estrangeiras que prosseguissem os seus fins em território nacional com vista a avaliar o respectivo custo/benefício e viablidade financeira e decidir sobre a sua manutenção ou extinção, bem como sobre a continuação, redução ou cessação dos apoios financeiros concedidos e manutenção do estatuto de utilidade pública (cfr. art. 1º).
Definiu, para os efeitos nela previstos, nos termos do respectivo art. 2º, nº 1, alínea c): “«Fundações públicas de direito privado» as fundações criadas conjuntamente por uma ou mais pessoas coletivas públicas e por pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, não detenham uma influência dominante sobre a fundação;
(…) e) «Fundações privadas», as fundações criadas por uma ou mais pessoas de direito privado.”. E nos termos do seu nº 2: “Considera-se existir «influência dominante» nos termos do número anterior sempre que exista: a) Afetação exclusiva ou maioritária dos bens que integram o património inicial da fundação; ou
b) Direito de designar ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização da fundação”.
Por sua vez, a Lei nº 24/2012, de 9/7, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações (LQF) e alterou o Código Civil, prescreve no seu art. 6º, nº 1 o seguinte: “As alterações ao Código Civil e o disposto na lei-quadro das fundações, aprovada em anexo à presente lei, aplicam-se às fundações privadas já criadas, em processo de reconhecimento e reconhecidas, salvo na parte em que forem contrárias à vontade do fundador, caso em que esta prevalece.
O art. 1º, nº 2 da LQF estabelece que: “As normas constantes da presente lei-quadro são de aplicação imperativa e prevalecem sobre as normas especiais atualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte expressamente da presente lei-quadro.
O art. 3º, nº 3 diz que: “Para efeitos da presente lei-quadro, consideram-se:
a) «Instituição» ou «criação», a atribuição de meios patrimoniais à futura pessoa coletiva fundacional;
b) «Fundador» ou «instituidor», a entidade que realiza a atribuição de meios patrimoniais à futura pessoa coletiva fundacional; (…)”.
Sobre os tipos de fundações prevê-se no art. 4º, o seguinte:
1 – As fundações podem assumir um dos seguintes tipos:
a)«Fundações privadas», as fundações criadas por uma ou mais pessoas de direito privado, em conjunto ou não com pessoas coletivas públicas, desde que estas, isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante;
(…)
c) «Fundações públicas de direito privado», as fundações criadas por uma ou mais pessoas coletivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante sobre a fundação.
2 – Considera-se existir «influência dominante» nos termos do número anterior:
a) A afetação exclusiva ou maioritária dos bens que integram o património financeiro inicial da fundação; ou,
b) Direito de designar ou destituir a maioria dos titulares do órgão de administração da fundação.
O nº 3 deste art. 4º contempla que em caso de persistirem dúvidas sobre a natureza privada ou pública da fundação prevaleça a qualificação resultante da pronúncia do Conselho Consultivo, nos termos do art. 13º, nº 5, alínea c) da LQF, que não terá sido emitida.
Ora, como se viu os bens legados pela Sra Arquitecta B…………. destinaram-se à criação do “Instituto Arquitecto A………….”, erigido no âmbito da UP, conforme o desejo manifestado pela testadora nos seus testamentos. Tornou-se, portanto, a legatária UP credora dos legados a favor dela dispostos nos testamentos, podendo aqueles ser constituídos por valores, bens ou objectos (cfr. arts. 2030º, nºs 1 e 2 e 2068º do CC).
Por sua vez, os testamenteiros tinham o encargo de cumprir o legado a favor da legatária Universidade do Porto, o que fizeram, nomeadamente, através da entrega à UP da quantia de €1.000.000,00, que representa parte do património inicialmente destinado ao Instituto (em cumprimento do legado) e que foi directamente entregue quando da instituição pela Universidade do Porto da “Fundação Instituto Arquitecto A……………”.
Com efeito, esta foi a forma de cumprimento dos legados acordada entre a legatária credora (a UP) e a devedora, a herança, esta representada, no caso, pelos testamenteiros (cfr. arts. 2079º e 2080º do CC).
É, pois, este crédito da legatária Universidade do Porto, um bem de uma entidade pública, que lhe adveio por efeito do legado, sob a forma acordada entre aquela credora e os devedores, traduzindo-se a quantia de € 1.000.000,00 num valor naquele incluído.
Assim, a “Fundação” foi instituída com património totalmente proveniente de uma entidade pública - a Universidade do Porto -, embora tal património tenha sido por ela adquirido pela instituição do legado a seu favor, pela Arquitecta B…………… (uma pessoa privada), tendo, transitoriamente pertencido ao acervo da herança da Sra Arquitecta (cfr. nº 3, als. a) e b) do art. 3º da LQF).
Tanto assim é que os Estatutos da Fundação prevêem no respectivo art. 28º que, em caso de extinção da Fundação, o seu património será sempre afecto à prossecução dos fins previstos nos Estatutos, sendo, para tanto, entregue à UP ou a instituições, no respectivo âmbito, “que garantam o cumprimento dos desígnios ou vontade expressos pela testadora, aos quais não se pode eximir”.
Ao que acresce que, mesmo que se pudesse entender (e não pode) que a Autora foi criada conjuntamente como uma pessoa de direito privado, relevando a anterior propriedade dos bens afectados à sua criação, já vimos que nada no testamento que instituiu o legado, permite concluir que se pretendeu a criação de uma fundação privada, para efeitos do previsto no art. 6º, nº 1 da Lei nº 24/2012, de 9/7, sendo como tal de aplicação imperativa as normas da LQF (citado nº 2 do art. 1º).
Por outro lado, de acordo com o critério da “influência dominante” previsto no art. 2º, nºs 1, alínea c) e 2, alínea b) da Lei nº 1/2012 e art. 4º, nº 1, al. c) e 2, alínea b) da LQF, também há que classificar a Fundação como pública, atendendo à composição e poderes do Conselho Geral (cfr. arts. 9º e 11º dos Estatutos).
Com efeitos, o Conselho Geral, embora não tenha um número limite de membros, é presidido pelo Reitor da Universidade do Porto (ou por um vice-reitor por ele designado), por três professores ou investigadores por ele designados, e, por arquitectos de reconhecida competência e individualidades do meio cultural ou artístico e do mundo empresarial, estas duas últimas categorias cooptadas por proposta do primeiro e segundos e por estes aprovados por maioria simples, nos termos prescritos no art. 9º dos Estatutos da Fundação. E tem as competências previstas no art. 11º dos Estatutos, nomeadamente, designar o presidente do Conselho de Administração e designar os membros do Conselho Fiscal (cfr. art. 11º, nº3, al. e) e 21º, nº 1).
Termos em que, tendo sido criada por uma pessoa colectiva pública, ainda que esta lhe tenha afectado bens legados por uma pessoa privada para esse efeito, a Autora é uma fundação pública de direito privado, para os efeitos do disposto no art. 2º, nº 1, alínea c) da Lei nº 1/2012 e art. 4º, nº 1, al. c) da LQF (classificação que compartilha com a sua instituidora, a Universidade do Porto - cfr. referido DL nº 96/2009).
Pelo exposto, o acto impugnado não padece de erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação de lei, improcedendo, consequentemente, a acção.

Nestes termos, acordam em julgar a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos.
Custas pela autora.

Lisboa, 19 de Novembro de 2015. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Jorge Artur Madeira dos Santos.