Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0583/10
Data do Acordão:01/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
IRC
MÉTODOS INDICIÁRIOS
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I. O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.
II. Não é, todavia, possível proceder-se à anulação parcial do acto, se o vício judicialmente reconhecido resulta de, na fixação da matéria colectável por métodos indirectos, a AT ter presumido uma margem de lucro que o Tribunal entendeu excessiva, ou insuficientemente demonstrada, pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, escolher a margem de lucro ajustada ao caso e proceder à correspondente liquidação.
Nº Convencional:JSTA00066756
Nº do Documento:SA2201101120583
Data de Entrada:07/05/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPCI63 ART5.
CPTRIB91 ART145.
LGT98 ART100.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC287/05 DE 2005/09/27.; AC STA PROC1973/02 DE 2003/03/26.
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES - IN FISCALIDADE N78- PAG63.
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 2ED PAG397.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Publica recorreu, para o Tribunal Central Administrativo Sul, da sentença que, proferida pelo TAF de Loulé, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A… e B… (sociedade irregular) contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2000.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
1° - Ditou o Meritíssimo Juiz recorrido a procedência da impugnação sub judice, em que se pede a anulação total da liquidação.
2° - Em apoio do seu veredicto invoca que a Administração Tributária não podia desconsiderar a redução em 0,5 do rácio da rentabilidade do pessoal R18, proposta pelo seu perito no procedimento de revisão, tendo em vista a obtenção de acordo.
3° - Acontece que, o fundamento da anulação vale apenas em relação a uma parte do acto tributário, pois o erro em causa não afecta a existência de toda a matéria colectável.
4° - Pelo que, o acto tributário não devia ter sido anulado na totalidade mas apenas na parte correspondente à matéria colectável inquinada de ilegalidade.
5° - Na verdade, quando o vício do acto tributário apesar de consistir numa violação de lei, apenas se refere à medida do imposto, deve o tribunal proceder à anulação parcial da liquidação.
6° - Pois, o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
7° - É esta a jurisprudência que tem predominado e que certamente mais uma vez vai ser estabelecida por V. Exas., ao decidir esta questão.
8° - Com efeito, entre outros, o STA em Ac. de 27-09-2005 assim o entendeu.
9° - Nesta conformidade, a douta decisão do tribunal a quo violou o artigo 100º da Lei Geral Tributária, que admite poder a sentença do juiz fiscal assumir um de dois conteúdos: anulação total ou parcial dos actos tributários.
Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença.
1.3. Contra-alegou a recorrida, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
1ª - A douta sentença recorrida deu provimento à impugnação judicial intentada pela recorrida, por ter entendido que a margem de lucro aplicada à matéria colectável para efeitos de liquidação do imposto IRC/2000 não se encontrava devidamente fundamentada;
2ª - Daí que tenha anulado a liquidação do imposto impugnado, na sua totalidade, já que não lhe cabia, não só escolher a margem de lucro que melhor se adaptasse à actividade comercial da impugnante, mas também proceder a nova liquidação.
3ª - Por isso a douta sentença recorrida não violou qualquer norma de natureza tributária substantiva ou processual e muito menos o art. 100º da LGT, cuja normatividade não se aplica ao caso “sub judice”.
Terminam pedindo que seja negado provimento ao recurso e se confirme a sentença recorrida.
1.4. Os autos foram remetidos ao TCA Sul, que, por douto acórdão de 18/5/10 (fls. 180-182) se declarou incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por versar apenas matéria de direito.
1.5. Subidos os autos a este STA, ordenou-se a notificação do MP, tendo o Exmo. PGAdjunto emitido Parecer no sentido do não provimento do recurso, fundamentando-se no seguinte:
“A questão objecto do presente recurso consiste em saber se o acto tributário deveria ser anulado na totalidade ou apenas na parte correspondente à matéria colectável inquinada de ilegalidade.
Alega a recorrente que quando o vício do acto tributário se referir à medida do imposto, apesar de consistir numa violação de lei, deve o tribunal proceder à anulação parcial da liquidação.
Afigura-se-nos que não lhe assiste razão e que o recurso não deve proceder.
É certo que a liquidação do imposto constitui por natureza um acto divisível, pelo que é susceptível de anulação parcial.
É isso que resulta implícito do comando do art. 100º da LGT e tem vindo a ser afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e de que se podem ver, como exemplo, os acórdãos de 26.03.2003, rec. 1973/02, de 25.05.2004, rec. 018048, e de 22.09.1999, rec. 24101, todos in www.dgsi.pt.
Não assim porém quando, como no caso dos autos, tenha ocorrido a fixação da matéria colectável por métodos indiciários e a Administração Fiscal tenha presumido uma margem de lucro que o Tribunal entendeu excessiva, ou insuficientemente demonstrada.
Nestes casos, como se sublinha no Ac. STA de 27.09.2005, rec 287/05, in www.dgsi.pt, deve anular-se totalmente o acto “pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, escolher a margem de lucro ajustada ao caso e proceder à correspondente liquidação”.
1.6 Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2 - Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes (corrigida agora a sequência das alíneas H) e sgts., por esta estar duplicada na sentença):
A) — A Impugnante é uma Sociedade irregular, enquadrada em IVA a partir de 1998-02-04, no Regime Normal Trimestral. Dispõe de Contabilidade Informatizada, cf. fls. 29 do processo administrativo apenso.
B) — A Administração Fiscal, em cumprimento da Ordem de Serviço Externa nº 15 452 de 11/06/2003, emitida pela Direcção de Finanças de Faro, entre 05/04/2004 e 24/05/2004, procedeu a inspecção à actividade da Impugnante e elaborou o relatório que constitui fls. 25 e segs. do processo administrativo apenso, donde resulta com interesse para a decisão:
« (…)
IV. MOTIVO E EXPOSIÇAO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1) Da análise aos elementos de contabilidade do S.P. verificaram-se diversas irregularidades na escrita dos anos de 2000, 2001 e 2002, nomeadamente, ausência de escrituração correcta da conta 12 — Bancos, quando tem ao dispor desde 1999 inclusive, máquina de pagamento automático para os serviços prestados no restaurante “…”. Efectua pagamentos por meio de cheques a diversas entidades, como seja o pagamento de IVA periodicamente, sem que se verifiquem as reconciliações bancárias correspondentes. Também se verificam ausências de diversos registos de apuros diários “ZZZ”; bem como, incompatibilidades entre os inventários finais de cada ano e as saídas de mercadorias em stock. Em especial, no ano 2000 quase não se notam as aquisições de géneros hortícolas ou peixe fresco, produtos essenciais na actividade desenvolvida.
2) Em face do exposto, em 20 de Abril de 2004, o S.P. foi notificado das dúvidas levantadas durante a análise efectuada, onde se solicitava os devidos esclarecimentos. As respostas às questões levantadas não obtiveram bastante satisfação, por não serem esclarecedoras, sendo que, no essencial admitiam mesmo as suas irregularidades, como se verifica pelos anexos 1 e 2.
3) Deste modo, pela exposição dos factos, estamos convictos de que o S. P. não terá declarado a totalidade das compras e respectivos proveitos, o que consequentemente se traduziu numa redução de impostos.
4) Concluí-se que estamos perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável em sedes de IRC e IVA, pelo que, perante esta impossibilidade se procede à realização da avaliação indirecta nos termos da alínea b) do art. 87º da L.G.T. Com efeito, a alínea a) do art. 88° da L.G.T. refere que a impossibilidade directa e exacta da matéria tributável pode resultar da insuficiência de elementos de contabilidade ou, irregularidades na sua execução. Factos que se verificam na presente apreciação.
5) Nos termos do nº 1 do art. 52º do CIRC estão reunidas as condições necessárias e suficientes para a determinação do lucro tributável por métodos indirectos.
V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.
1) Pelos motivos expostos no capítulo anterior, mediante os rácios de IRC da Unidade Orgânica (08 do Distrito de Faro), indicadores estatísticos por sector de actividade, para os anos de 2000; 2001 e 2002, naqueles que se coadunam com a actividade desenvolvida pela empresa, “C…” CAE: 055301, temos o R18 — PESSOAL que permite avaliar com bastante segurança os valores individuais declarados pelo S.P., no que se refere ao Volume de Negócios, mostrando-se estes valores muito abaixo dos que nos são dados pela aplicação dos rácios da Unidade Orgânica:

R-18Média p/ Unid. Org.Média p/ Unid. Org.Média p/ Unid. Org.
Exercício200020012002
R. PESSOAL 4,48 3,89 3,90
Nota R18 = Volume de negócio/ custos com o pessoal

ANO200020012002
VOLUME NEGOCIOS DECLARADO152.171,43210.134,87359.661,68
CUSTOS COM O PESSOAL58.432,6774.705,12110.482,60
R PESSOAL2.602,813,26

ANO200020012002
VOLUME DE NEGOCIOS PRESUMIDO261.778,36290.602,92430.882,14
CUSTO COM O PESSOAL58.432,6774.705,12110.482,60
R 18 R PESSOAL4.483,893.90

2) Pelos motivos antes referidos, calculam-se os custos da mercadoria vendida e mercadoria consumida C.M.V.M.C., a partir do Volume de Negócios presumido por métodos indirectos, aplicando a margem bruta das vendas M.B.V. declarada pelo contribuinte:
V.N. - C.M.V.M.C./V.N. = %


ANO200020012002
V.N.(DECLARADO)152.171,43210.134,87359,661,68
C.M.V.M.C. (DECLARADO)77.193,9289,255,33170.000,76
M.B.V.0,490,580,53

ANO200020012002
V.N. (PRESUMIDO)261.1778,36290.602,92430.882,14
C.M.V.M.C. (PRESUMIDO)133.506,97122.053,23201.514,61
M.B.V.0,490,580,53

3) Com os valores de Volume de Negócios e Custo da Mercadoria Vendida e Mercadoria Consumida calculados nos pontos 1) e 2) que antecedem, aceitam-se os “Outros Proveitos” e “Fornecimentos e Serviços Externos” declarados e procede-se ao apuramento da Matéria Tributável de cada ano, conforme Demonstração de Resultados:
DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS


ANO200020012002
VOLUME DE NEGÓCIOS (PRESUMIDO)261.778,36290.602,92430.882,14
OUTROS PROVEITOS19.513,45412,58472,61
TOTAL DOS PROVEITOS281.291,81291.015,50431.354,75
C.M.V.M.C. (PRESUMIDO)133.506,97122.053,23202.514,61
OUTROS CUSTOS68.713,9277.158,54125.604,16
F.S.E.23.477,2126.344,0948.545,94
TOTAL DOS CUSTOS225.698,10225.555,86376.664,71
ACERTO ENTRE O RESULT. LIQUIDO
DO EXERCICIO DECLARADO NA MOD 22
E DECLARAÇÃO ANUAL- 16,58
RESULTADO LIQUIDO DO EXERCICIO55.577,1365.459,6454,690,04
ACRESCIMOS E DEDUÇÕES
(Q.7 MOD 22)4.697,18
LUCRO TRIBUTÁVEL55.577,1365.459,6459.387,22

4) Correcção a efectuar:

ANO200020012002
LUCRO TRIBUTARIO DECLARADO2.283,2417,789,4920.680,61
LUCRO TRIBUTARIO PRESUMIDO55.577,1365.459,6459,387,22
CORRECÇÃO AO LUCRO TRIBUTÁVEL53.293,8947.670,1538.706,61

5) Com base na correcção efectuada ao valor do Volume de Negócios (SERVIÇOS PRESTADOS) há que proceder à correcção da base tributável de IVA, a qual será corrigida no mesmo montante da correcção efectuada e na proporção dos valores declarados pelo contribuinte em cada trimestre, consequentemente liquidada à taxa de 12%, conforme Lista II anexa ao CIVA no seu ponto 3.1- Prestações de Serviços de Alimentação e Bebidas:

200020012002
Serviços Prestados Declarados152.171,43210.134,87359.661,68
Serviços prestados Presumidos261.778,36290.602,92430.882,14
Valor da Correcção109.606,9380.468,0571.220,46

REPARTIÇÃO POR PERÍODO DE IMPOSTO
(CORRECÇÃO EFECTUADA)

PeríodoBase tributávelImposto taxa 12%
00 03T15.265,271.831,84
00.06T27.007,183.240,87
00 09 T45.299,705.435,97
00 12 T22.034,782.644,18
TOTAL109.606,9313.152,86
---------------------------------------------------------------------------
01 03T11.467,691.376.13
01 06T19.009,662.281,16
01 0931.497,553.779,71
01 12T18.493,152.219.18
TOTAL80.468,059.656,18
02 03T10.777,311.293,28
02 06T15.525,651.863,08
02 09T27.732,443.327,89
02 12T17.185,062.062,21
TOTAL71.220,468.546,46

(...)
IX DIREITO DE AUDIÇÃO
Em 3 1/05/2004, foi o sujeito passivo notificado do projecto de relatório a fim de, querendo, exercer o direito de audição previsto no art. 60º da Lei Geral Tributária. Em 09/06/2 004, veio o sujeito passivo exercer o direito de audição por escrito, tecendo uma série de considerações, nomeadamente, apontando os esclarecimentos que já tinha dado anteriormente como resposta à notificação efectuada durante a inspecção, mas que considerámos insuficientes para uma quantificação directa e exacta da matéria tributável. Convém ainda esclarecer que o rácio dos custos com o pessoal serviu apenas para presumir o novo volume de negócios e que a partir daí nos baseamos nas margens de lucro sobre as vendas declaradas pelo sujeito passivo nos vários exercícios para determinar o novo custo das mercadorias vendidas e consumidas e consequentemente o novo lucro tributável, cálculos que não foram perfeitamente entendidos como se percebe no penúltimo ponto do exercício do direito de audição.
Assim, os fundamentos ora apresentados não se consideram relevantes ou suficientes para alterar os pressupostos que levaram à determinação do lucro presumido no projecto relatório, pelo que, o mesmo se deverá manter, passando a relatório final.
À consideração superior,
D. E. Faro, 16/06/2004»
C) — Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu, em 25/06/2004, o seguinte parecer (fls. 25 e 26 do processo administrativo apenso):
Feita a inspecção externa, procedeu-se ao apuramento dos lucros tributáveis de IRC dos exercícios de 2000, 2001 e 2003 com recurso a métodos indirectos, com os fundamentos previstos na alínea a) do art. 52º do CIRC e com os critérios previstos no nº 1 do art. 90 ° da L.G.T. e art. 54º do CIRC, devendo os referidos lucros fixar-se respectivamente, em; € 55.577,13, € 65.459,64 e € 59.387,22.
Decorrente da aplicação dos métodos indirectos, apurou-se IVA em falta nos termos do art. 84º do C.I.V.A. nos montantes de € 13.152,86 para 2000, € 9.656,18 para 2001 e € 8.546,46 para 2002.
Não foi levantado auto de notícia em virtude de ter sido entregue o pedido de redução das coimas.
Notificado o Sujeito Passivo para exercer o direito de audição nos termos do art. 60º da LGT e RCPIT, veio exercê-lo por escrito conforme se encontra comentado no ponto IX do presente relatório, contudo, não foram apresentados novos elementos susceptíveis de produzir alterações aos projecto de relatório»,
D) — Sobre o relatório e parecer a que se referem as antecedentes alíneas, recaiu o seguinte despacho (fls. 25 do apenso):
«Concordo.
Proceda-se como se propõe.
2004.0 7.05»
E) — A Impugnante foi notificada, em 30/07/2004, dos “Actos de Fixação e Decisão, Resultantes do Relatório de Inspecção Tributária”, cf. fls. 21 a 23 do processo administrativo apenso.
F) — A Impugnante requereu a revisão da matéria tributável, em 27/08/2004, cfr. fls. 82 e segs. destes autos.
G) — Em 24/09/2004 os peritos reuniram, não tendo chegado a acordo, cfr. fls. 101 destes autos.
H) — O perito indicado pela Impugnante apresentou o laudo que constitui fls. 109 e segs. destes autos, donde resulta com interesse para a decisão:
«1. Reuniram os peritos nomeados, quer pela administração tributária quer pelo contribuinte, nos termos e para os fins previstos no art. 92° da L.G.T.
2. O debate contraditório entre os pontos, consistiu em argumentação técnica diferenciada, mas onde, desde já se realça, primou a mais elevada correcção.
3. Do debate em causa e de harmonia com o nº 1 do art. 92° da L.G.T. — objectivo visando o estabelecimento de um acordo — o perito da administração tributária, acolheu, como bons, os argumentos relatados no pedido de revisão nos pontos 88 a 90.
4. Em face deste acolhimento, apresentou, uma nova proposta de tributação, que se consubstancia, na redução do rácio R 18 — volume de negócios / custos com o pessoal, em aproximadamente 0,5, depois de actualizado.
5. Por outras palavras, considerou, na sua proposta de tributação, os seguintes indicadores
R18
2000 = 3,90, 2001 = 3,38 e 2002 = 3,34
em substituição dos inicialmente propostos (relatório da inspecção tributária), de:
2000 = 4,48, 2001 = 3,89 e 2002 = 3,90
6. como consequência desta proposta, o volume de negócios e o lucro tributável presumidos, passariam para os seguintes montantes:

2000
2001
2002
Volume de negócios
227.887,41
252.503,30
369.011,88
Lucro tributável
38.970,57
43.361,86
26.595,98

7. Obviamente, que, para efeitos de IVA aplicar-se-ia a mesma metodologia e o mesmo volume de negócios presumido.
8. A proposta referida nos pontos anteriores, não teve o acolhimento do perito nomeado pelo contribuinte, uma vez que este considera que, de uma forma geral, os pressupostos da tributação indirecta enfermam do vício de falta de fundamentação suficiente, e que;
9. em relação ao exercício de 2001, se está, perante uma ausência total de fundamentação objectiva dos pressupostos da tributação indirecta.
10. É que, em todo o processo da inspecção tributária, não é relatado objectivamente qualquer anomalia em relação ao exercício de 2001.
11 A “fundamentação” expressa no relatório relativamente a 2001, baseia-se numa extrapolação de outros exercícios, com total subjectividade, sem qualificar nem quantificar tudo o que relata, senão vejamos as transcrições seguintes;
12. “Em especial, no ano de 2000 quase se notam as aquisições de géneros hortícolas ou peixe fresco, produtos essenciais na actividade desenvolvida”, ou
13. “bem como, incompatibilidades entre os inventários finais de cada ano e as saídas de mercadorias em stock”;
14. trata-se de relatar factos, sem qualquer objectividade, desconhecendo-se, se se aplica a todos os exercícios e a que tipo de produtos se está a referir, não relatando sequer quais as incompatibilidades encontradas, com excepção a Whisky;
15. Mas, até mesmo neste produto, ficamos sem saber, se as incompatibilidades encontradas, foram em relação a todas as marcas ou apenas a algumas delas, e se está em causa ou não o exercício de 2001;
16. Ficamos, ainda, sem conhecer, a dimensão das incompatibilidades, o que prejudica claramente a defesa apresentada;
17. Não é certamente igual, como pressuposto da avaliação indirecta faltarem no stock 4, 40, 400 ou 4000 garrafas de Whisky.
18. Objectivamente nada foi relatado em relação ao exercício de 2001;
19. Questionou-se, o ponto 58 do pedido de revisão:
“Quais os fundamentos constantes do relatório para o exercício de 2001? Quais os fundamentos que permitem tributar este exercício por avaliação indirecta?”
20. Em sede comissão, continuamos a questionar tudo o que está relatado nos pontos anteriores, sem que, até à presente data, nos fosse indicado ou respondido ao ponto anterior.
21. É que a fundamentação é hoje, entendida como um imperativo constitucional (268°, nº 3 da C.P.R.), o qual determina:
“...os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem os direitos e interesses legalmente protegidos”,
22. Sublinha-se, que o art. 77° da L.G.T. alarga o âmbito de aplicação do dever de fundamentação a todos os actos tributários, e
23. em termos genéricos, pode afirmar-se que o dever de fundamentação, corresponde à obrigação de expor as razões de facto e de direito, que motivaram, a tomada da decisão por parte da administração tributária, exposição essa que deve permitir ao seu destinatário compreender, na sua globalidade, a decisão tomada;
24. ainda, muito recentemente — acórdão do T.C.A. de 1 0/12/2003 — recurso n° 06737/02, pode ler-se:
“... de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro ... em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação”, e ainda
25. “Daí a necessidade de que o acto resulte em comunicação clara — i.e., não indistinta, confusa, dubitativa, obscura, ou ambígua -, congruente i.e. — que se traduz num processo lógico, coerente e sensato, justificativo e com aptidão por si para sustentar o acto ---“
26. Será que a fundamentação utilizada dos pressupostos de avaliação indirecta, relativamente ao exercício de 2001, expressa o relatado no recurso em causa?
27. É nossa convicção que não!
28. É nossa convicção que estamos perante um vício, susceptível de por si próprio de anular toda a tributação proposta.
29. O contribuinte, mantêm, na sua essência, tudo o que foi relatado no seu pedido de revisão, nomeadamente, nas matérias relacionadas com rácios, margens e dever de fundamentação;
30. No entanto, e tendo em atenção o objectivo primordial deste tipo de pedido de revisão (nº 1 do art. 92° da L.G.T.), ou seja, o estabelecimento de um acordo, propõe, a semelhança do ocorrido em sede de comissão:
i) Exercícios de 2000 e 2002
Tributação proposta pela perita nomeada pela administração tributária, relatada a pontos 5 a 7 deste laudo, em sede de IRC e IVA;
ii) Exercício de 2001
Anulação total da tributação indirecta em sede de IRC e de IVA.
Carvoeiro, 2004/10/
O Perito nomeado pelo contribuinte»
I) — O perito indicado pela Administração Fiscal apresentou o laudo que constitui fls. 103 e segs. destes autos, donde resulta com interesse para a decisão:
«O sujeito passivo em referência apresentou pedido de revisão ao abrigo do art. 91° da Lei Geral Tributária, da matéria tributável de IRC e IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002 nos montantes de 55.577,13 Euros, 65.459,64 Euros, e 59.387,22 Euros, respectivamente, bem como de IVA nos montantes de 13.152,86 Euros, 9.656,18 Euros e 8.546,46 Euros, respectivamente para os mesmos anos, fixada por métodos indirectos.
Com vista ao estabelecimento de um acordo nos termos da Lei (n°s. 3 e 4 art. 92° LGT), reuniram os peritos, da Administração Tributária, …, e do sujeito passivo, … em 24 de Setembro de 2004, na Direcção de Finanças de Faro, tendo apreciado e discutido em debate contraditório oral todos os elementos existentes no processo de tributação. Considerando os argumentos invocados pela representação das partes, não foi possível estabelecer qualquer acordo, pelo que, para os fins previstos no nº 6 do art. 92° da LGT, o perito da Administração Tributária atrás identificado, lavra o presente “Laudo”, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 — No decurso da acção inspectiva foi feita notificação ao sujeito passivo para que fossem explicadas as seguintes questões:
1-1 Quais os lançamentos contabilísticos, nos anos de 2000 e 2001 (até ao dia 17/08/2001), correspondentes aos recebimentos efectuados através do terminal ‘POS’,.
1-2 Ausência de contabilização na conta “bancos” dos movimentos efectuados naquele terminal, bem como dos cheques emitidos.
1-3 Nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 aquisições mensais de diversas garrafas de Whisky, cujos apuros diários, discriminados por famílias ou géneros na máquina registadora, não reflectem as suas saídas, pelo que deveriam constar dos inventários, em stock em 31/12 de cada ano.
1-4 A falta de ZZ nos dois estabelecimentos, … em 2000 e … em 2002.
1-5 Falta de comprovativos de compra de peixe fresco e géneros hortícolas (que fazem parte de quase todos os pratos da ementa).
2 - O sujeito passivo cumpriu a notificação, contudo as respostas dadas não esclareceram as dúvidas colocadas, afirmando até que “relativamente a 2001 descurou a sua actividade, levando a que documentos exigidos pela contabilidade ficassem por entregar”.
3 - As referidas questões constituíram os fundamentos para aplicação de métodos indirectos na determinação do lucro tributável de 2000, 2001 e 2002.
4 - Ao analisar e discutir e pedido de revisão, propus ao perito do sujeito passivo, manter os pressupostos e critérios (pontos W e V do relatório) mas baixar em 0,5 o rácio da rentabilidade do pessoal R18, para compensar o facto da sala de refeições exigir mais empregados devido à sua configuração. Ao mesmo tempo refiz os cálculos, os quais junto em anexo.
5 - O perito do sujeito passivo manifestou a intenção de aceitar a proposta caso fosse anulada a tributação indirecta do ano de 2001 porque, segundo a sua opinião, não existe no relatório fundamentação explícita para a correcção efectuada àquele ano.
6 - Perante tal posição considerei não ser possível estabelecer acordo porque entendo que a fundamentação a que fiz referência nos pontos 1.1 a 1.5 diz respeito aos exercícios 2000, 2001 e 2002, pelo que se devem manter inalteradas as correcções que determinaram as matérias tributáveis de IRC e IVA reclamadas.
Faro, 14 de Outubro de 2004»
J) — Em 18/10/2004, o Director de Finanças de Faro proferiu a decisão de fls. 70 dos autos que aqui se dá por inteiramente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«Os contribuintes supra identificados vêm, ao abrigo do Art. 91º da Lei Geral Tributária, reclamar da matéria tributável de IRC e do IVA, dos anos de 2000, 2001 e 2002 nos montantes de: 55.577,13, 65.459,64 e 39.387,22 euros, respectivamente, bem como de IVA 13.152,86, 9.656,18 e 8.546,46 euros, respectivamente, para os mesmos anos, fixada por métodos indirectos.
Iniciado o procedimento da revisão com a reunião do perito indicado pelo sujeito passivo e do perito de administração tributária, não foi possível obter acordo previsto no nº 1 do art. 92° da LGT, pelo que cumpre decidir nos termos do nº 6 da mesma disposição legal, o que se faz com os seguintes fundamentos:
- Dão-se aqui por integralmente reproduzidos e como fazendo parte integrante da presente decisão todos os documentos que constituem o processo base, designadamente o relatório do exame à escrita e seus anexos, a petição apresentada pelo reclamante, o direito de audição prévia facultado e previsto no art. 60º da LGT e RCPIT e os laudos elaborados pelos peritos das partes, derivados do debate contraditório já aludido.
O perito indicado pelos contribuintes, após várias considerações, sustenta não concordar com a posição assumida pela Administração Fiscal, no que diz respeito à determinação da matéria tributável por aplicação de métodos indirectos, pois os mesmos enfermam do vício de falta de fundamentação. No entanto, e tendo em vista que o pedido de revisão tem por finalidade o estabelecimento de um acordo, propõe o perito indicado pelos contribuintes, para os exercícios de 2000 e 2002, a tributação proposta pelo perito da administração tributária, relatada nos pontos 5 a 7 do se laudo, em sede de IRC e IVA e para o exercício de 2001, a anulação total da tributação em sede de IRC e de IVA.
O perito da administração tributária, mantém inalterados os pressupostos e critérios que determinaram as matérias tributáveis de IRC e IVA reclamadas por métodos indirectos, visto que, a argumentação invocada no laudo pelo perito indicado pelos reclamantes, não trouxe para a discussão, quaisquer elementos que o contrariasse, nem que servisse de base a qualquer correcção dos valores fixados. O perito de administração tributária, na análise e discussão do pedido de revisão, propôs ainda baixar o rácio da rentabilidade do pessoal R18, para servir de compensação pelo facto da sala de refeições exigir mais empregados, tendo para tal, refeito os cálculos e assim indicou como base para o estabelecimento de um acordo e fixação da matéria tributável de IRC e IVA, respectivamente, em:
200020012002
IRC28.970,57 euros43.361,86 euros26.595,98 euros
IVA9.085,91 euros5.084,21 euros1.122,02 euros
No entanto, apesar de o perito dos contribuintes ter manifestado a intenção de aceitar a proposta para ao anos de 2000 e 2002, pretendia contudo, que fosse anulada a tributação indirecta do ano de 2001, visto no seu entender, não existir no relatório, fundamentação explícita para a correcção efectuada àquele ano (2001).
Nestes termos, e uma vez que não foi estabelecido acordo, tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, mantenho a fixação do rendimento de IRC, para os anos de 2000, 2001 e 2002 nos montantes de: 55.577,13 euros, 65.459,64 euros e 59.387,22 euros, respectivamente e do IVA, para os anos de 2000, 2001 e 2002 nos montantes de: 13.152,86 euros, 9.656,18 euros, 8.546,46 euros, respectivamente.»
K) — Em 21/10/2004, a Administração Fiscal notificou à Impugnante a decisão de fixação da matéria tributável, cfr. fls. 113 a 116 dos presentes autos.
L) —Em 27/12/2004, a Impugnante foi notificada nos termos seguintes (fls. 23 dos autos):
«(...) ..., Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa - Algarve, mando o TAT 1, Sr. …, que notifique A… e B…, NIPC ..., com sede … 8400- …, da Demonstração de Liquidação de IRC nº 2004 8310027258, do ano 2000, na importância de 21.695,37 € (vinte e um mil seiscentos e noventa e cinco euros e trinta e sete cêntimos), em anexo, bem como, para efectuar no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da presente notificação, o pagamento na Tesouraria de Finanças, da importância de 21.597,91 € (vinte e um mil quinhentos e noventa e sete euros e noventa e um cêntimos) respeitante a IRC do ano 2000, liquidados pelos Serviços Centrais do IR, conforme Nota de Compensação nº 2004 12522755 e de 97,46 € (noventa e sete euros e quarenta e seis cêntimos) respeitante a IRC do ano 2000 conforme nota de compensação nº 2004 13097083, em anexo. (…)»
M) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 26/04/2005, cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos presentes autos.
3. Enunciando como questões a decidir na impugnação as de saber se:
- estavam reunidos os pressupostos legais para a AF lançar mão dos métodos indirectos para determinar o IRC liquidado;
- a ser esse o caso, os valores assim determinados são erróneos ou excessivos,
a sentença concluiu pela procedência da impugnação por considerar que, embora a AT tenha logrado fazer a prova da ocorrência dos pressupostos para o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, a impugnante também logrou, apesar disso, provar o invocado erro, por excesso, na quantificação assim operada.
Discordando, a recorrente Fazenda Pública, sustenta que a sentença enferma de erro de julgamento, por violação do disposto no art. 100º da LGT, dado que, se o vício apontado ao acto tributário consiste numa violação de lei mas apenas se refere ao quantum, à medida da obrigação, à prestação tributária individual, então o tribunal deve proceder apenas à sua anulação parcial. E como na sentença recorrida se considerou estarem verificados os pressupostos legais para a determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos e apenas se considera existir erro num dos elementos considerados na determinação da matéria tributável (o rácio de rentabilidade do pessoal R18, o que só afecta parte do cálculo daquela), nenhum obstáculo existe então a que a liquidação seja somente anulada na parte que corresponde à matéria tributável erradamente determinada, pelo que ao anular na totalidade a liquidação, a sentença recorrida violou o disposto no citado art. 100º da LGT.
A questão a decidir no presente recurso é, portanto, a de saber se a sentença recorrida sobre deste erro de julgamento que lhe vem imputado, rectius, saber se o acto tributário deveria ser anulado na totalidade ou apenas na parte correspondente à matéria colectável inquinada de ilegalidade.
Vejamos.
4. À luz do que anteriormente se dispunha nos arts. 5º do CPCI e 145º do CPT e do que actualmente se dispõe no art. 100º da LGT, a admissibilidade da anulação parcial do acto tributário de liquidação do imposto vem sendo aceite consensualmente pela jurisprudência do STA e pela doutrina, quer apelando à divisibilidade, por natureza, do acto de liquidação (cfr., entre outros, os acs. do STA, de 9/7/1997, rec. 5874; de 22/9/1999, rec. 24101; de 16/5/2001, rec. 25532; de 26/3/2003, rec. 1973/02; de 27/9/2005, rec. 287/05), quer apelando à natureza de sentença de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando-se, quanto a este aspecto, quer razões que se prendem com os princípios processuais, como o princípio da economia processual ou o princípio da oficialidade, para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária (cfr. Saldanha Sanches, anotação ao citado ac. do STA, de 16/5/2001, rec. nº 25532, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, pgs. 63 e ss.) quer, ainda, fazendo apelo a razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação, num sistema de administração executiva como o nosso, no qual os limites à plena jurisdição de um tal contencioso só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa (cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª ed., pag. 397).
Assim, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo só nessa parte, deixando-o subsistente no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.
Mas há casos em que tal anulação parcial da liquidação não é, porém, possível.
É o que se passa, por exemplo, quando a AT tenha calculado a matéria colectável por métodos presuntivos, supondo uma determinada margem de lucro, e o juiz concluir pela inexistência de razões bastantes para a opção por essa margem de lucro, ficando, por isso, na “dúvida quanto à quantificação efectuada”. Nesta situação, não lhe resta senão anular totalmente a liquidação (cfr. o referido aresto do STA, de 26/3/03, rec. 1973/02).
No caso presente, a recorrente Fazenda sustenta que, uma vez que na sentença se invoca que a AT não podia desconsiderar a redução em 0,5 do rácio da rentabilidade do pessoal R18, proposta pelo seu perito no procedimento de revisão, tendo em vista a obtenção de acordo, então, o fundamento da anulação vale apenas em relação a uma parte do acto tributário, pois o erro em causa não afecta a existência de toda a matéria colectável e, assim, o acto tributário não devia ter sido anulado na totalidade mas apenas na parte correspondente à matéria colectável inquinada de ilegalidade.
Carece, porém, de razão legal.
Na verdade, refere a sentença o seguinte:
«Quanto aos critérios utilizados para cálculo dos valores presumidos de venda, resulta do ... (…)
Do exposto resulta que a Administração Fiscal considerando que o formato da sala de refeições do restaurante “…” exigiria um maior número de empregados do que o usual na actividade de restauração e tendo em vista a possibilidade da obtenção de acordo, decidiu baixar o referido rácio R18 em aproximadamente 0,5%. O rácio inicialmente previsto de 4,48 para o ano de 2000, passou para o valor de 3,90.

Ano de 2000Rácio 4,48Rácio 3,90
IRC55.577,1338.970,57 €
IVA13.152,869.085,91 €

A Administração Fiscal, tendo em vista a obtenção de acordo com a Impugnante e considerando o formato da sala de refeições, reduziu o R18 em 0,58 e correspondentemente reduziu a matéria colectável de 55.577,13 para 38.970,57.
Porém, o acordo acabou por se não concretizar e a Administração Fiscal desconsiderou por completo a redução que antes havia considerado.
O acordo não se concretizou, mas o formato da sala de refeições continuou a ser o mesmo.
Assim, não podia a Administração Fiscal, em face da justificação apresentada para baixar o rácio — considerando que o formato da sala de refeições do restaurante “…” exigiria um maior número de empregados — dar o dito por não dito e manter o rácio resultante do relatório de inspecção.
Termos em que o presente impugnação tem que proceder.»
Desta fundamentação resulta claro que a sentença anulou o acto de liquidação porque considerou demonstrado ter ocorrido erro na quantificação da matéria tributável. E porquê? Porque a AT não podia proceder ao apuramento da matéria tributável com base no rácio R18 constante do relatório de inspecção, uma vez que, se para efeitos de acordo e com fundamento no formato da sala de refeições aceitara baixá-lo em aproximadamente 0,5%, então, apesar de o acordo não se ter concretizado, as razões fundamentadoras da redução do rácio se mantinham.
Ora, independentemente da apreciação da bondade da decisão quanto à ocorrência, ou não, do apontado erro de quantificação (questão que não vem suscitada no recurso e da qual, portanto, não há que conhecer) o certo é que da transcrita fundamentação também não resulta afirmação no sentido de que a AT logrou fazer prova de que aquele é, de facto, o rácio que efectivamente releva e decorre dos elementos recolhidos na acção de inspecção, nem que o contribuinte haja feito prova de que é aquela a margem do erro de quantificação por si invocado. Nem tais factos vêm, aliás, provados: o que se julgou provado foi que o que consta dos laudos dos respectivos peritos, ou seja, que o perito da AT, tendo em vista um acordo, propôs ao perito do sujeito passivo manter os pressupostos e critérios mas baixar em 0,5 o rácio da rentabilidade do pessoal R18, para compensar o facto da sala de refeições exigir mais empregados devido à sua configuração e que o perito do contribuinte manifestou a intenção de aceitar a proposta caso fosse anulada a tributação indirecta do ano de 2001.
E mais se provou que por decisão de 18/10/2004, do sr. Director de Finanças de Faro, foi mantida a fixação do rendimento de IRC, para o ano de 2000, no montante de 55.577,13 euros, visto não ter sido «estabelecido acordo, tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos» (cfr. al. I do Probatório).
Daí que, salvo o devido respeito, não se possa concluir que nos autos ficou demonstrado um erro de quantificação correspondente apenas àquela diferença no mencionado rácio R18 e que, por isso, bastaria deduzir a diferença daí resultante à matéria tributável anteriormente proposta no relatório da fiscalização para suprir aquele erro de quantificação.
Ao contrário, pois, do que a recorrente alega na Conclusão 3ª do recurso, o erro em causa não pode deixar de afectar a totalidade da matéria colectável, pois, como se exara no referido aresto do STA, de 26/3/03, rec. 1973/02, «Quando (…) a Administração Fiscal tenha calculado a matéria colectável por métodos presuntivos, supondo uma determinada margem de lucro, e o juiz concluir pela inexistência de razões bastantes para a opção por essa margem de lucro, ficando, por isso, na “dúvida quanto à quantificação efectuada”, não lhe resta senão anular totalmente a liquidação.
É que, num caso como este, o juiz não fica a saber e, consequentemente, não pode definir (mesmo admitindo que tanto lhe é permitido) qual a margem de lucro correcta. Nada mais faz senão dizer que é excessiva – ou insuficientemente demonstrada – a margem utilizada pela Administração. E, portanto, tem que anular o acto, para que a Administração volte a calcular a matéria colectável (presumindo, se assim o entender, uma margem de lucro mas, desta vez, alicerçada em fundamentos mais sólidos), procedendo à liquidação a partir daquela a que então chegue. Ao juiz não compete, em nenhum caso, substituir-se à Administração no apuramento da matéria colectável e na elaboração da sequente liquidação».
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Alfredo Madureira.