Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:014/14
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário:I - Consistindo a liquidação em sentido estrito no apuramento do imposto devido por aplicação de uma taxa pré-definida na lei à matéria tributável, não pode deixar de concluir-se que essa liquidação só pode ser um acto consequente da determinação da respectiva matéria tributável.
II - Não sendo a liquidação do IRC um acto consequente do acto de liquidação de IVA, a anulação da liquidação deste não se repercute na liquidação do IRC.
Nº Convencional:JSTA00068821
Nº do Documento:SA220140702014
Data de Entrada:01/07/2014
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Área Temática 2:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1.
CCIV66 ART289.
CIRC01 ART1 ART3.
CIVA ART1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………., B……………., C………………., SOCIEDADE IRREGULAR, com os demais sinais dos autos, recorreram para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, exarada a fls. 78 e segs. dos autos, que julgou improcedente a oposição que deduziram à execução fiscal nº 02364200801006355, contra eles instaurada no Serviço de Finanças de Alijó para cobrança de dívida de IRC referente ao ano de 2005 e acréscimos legais, no montante global de € 20.000,81.

Terminaram as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

- A liquidação de I.R.C. em causa na execução resulta do recurso aos métodos indirectos de determinação da matéria colectável.

- No caso tal liquidação foi precedida da liquidação, por recurso aos mesmos métodos, do I.V.A.

- O I.R.C. aqui em causa resulta exactamente da correcção efectuada em sede de I.V.A.

- Tendo sido declarada anulada a liquidação de I.V.A., tal declaração estende os seus efeitos a todos os factos produzidos à sombra da liquidação anulada.

- Mesmo para quem entenda, como entende o Mmº Juiz Recorrido os efeitos do caso julgado, não pode ignorar as consequência da declaração de anulação e o seu efeito retroactivo - destruição de todos os efeitos produzidos à sombra do facto anulado.

- A Administração Tributária mesmo sem recurso à oposição, deveria, oficiosamente, ter declarado extinta a execução.

- Foi violado para além do mais o disposto no artº. 289º do C.Civil.

Nestes termos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão deve a Sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a Oposição provada e procedente e em consequência extinta a execução fiscal.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. Por Acórdão proferido a fls. 104 e segs., o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, declarando competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, no entendimento de que nele está exclusivamente em causa matéria de direito.

1.4. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso e mantido o julgado, e, aderindo à argumentação vertida no parecer do Exmº Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, limitou-se a acrescentar que «o art. 289º do C.Civil que os ora recorrentes sustentam ter sido violado pela sentença recorrida é manifestamente inaplicável ao caso dos autos pois que o mesmo se refere aos efeitos da declaração de nulidade ou anulação de negócio jurídico e nenhuma questão dessa natureza está em causa nos presentes autos.».

1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na decisão recorrida constam como assentes os seguintes factos:

1) Os Oponentes, enquanto sociedade irregular, foram alvo de procedimento inspectivo incidente sobre o exercício de 2005;

2) Deste procedimento resultaram correcções à matéria tributável de IRC e de IVA, com recurso à avaliação indirecta, no valor de € 71.148,39 e de € 25.825,82, respectivamente — cfr. doc. 1 junto com a p.i. a fls. 31 dos autos;

3) Os Oponentes apresentaram pedido de revisão, nos termos do art.º 91º da L.G.T., o qual foi indeferido — cfr. doc. 1 junto com a pi a fls. 31 dos autos;

4) Foram então emitidas as respectivas liquidações adicionais de IVA e de IRC para o ano de 2005;

5) Os Oponentes apresentaram Impugnação Judicial contra as liquidações de IVA, a qual veio a correr termos no TAF de Mirandela sob o nº 363/08.OBEMDL — cfr. doc. 2 junto com a p.i., a fls. 32 a 39 dos autos;

6) Por sentença proferida em 20.01.2011, a Impugnação das liquidações de IVA foi julgada procedente, nos termos e com a fundamentação de fls. 33 a 39 dos autos que se têm por integralmente reproduzidas;

7) Os Oponentes deduziram também Impugnação Judicial contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2005, a qual veio a ser tramitada neste TAF de Mirandela sob o nº 365/08.6BEMDL — cfr. doc. de fls. 69 ss dos autos;

8) Por sentença proferida em 12.01.2010, foi julgada procedente a excepção de intempestividade e julgada improcedente a Impugnação Judicial da liquidação adicional de IRC — cfr. doc. de fls. 69 ss dos autos;

9) Para cobrança coerciva da dívida de IRC referente ao exercício de 2005 foi instaurado, em 24.06.2008, no Serviço de Finanças de Alijó, o PEF nº 02364200801006355 — cfr. fls. 3 dos autos.

10) Os Oponentes foram citados para o Processo Executivo, tendo apresentado a presente Oposição — cfr. fls. 43 a 46 dos autos.


3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a oposição que os ora Recorrentes deduziram à execução fiscal nº 02364200801006355, contra eles instaurada para cobrança de dívida de IRC referente ao ano de 2005 e acréscimos legais, e que emerge de liquidação adicional efectuada pela Administração Tributária na sequência de uma acção inspectiva que teve por objecto o exercício do ano de 2005.
Conforme se extrai do probatório, dessa acção inspectiva resultaram igualmente correcções em sede de IVA e actos de liquidação adicional desse imposto, que foram objecto de processo de impugnação judicial que veio a ser julgado procedente com fundamento na ilegalidade do recurso à avaliação indirecta. Mais se colhe do probatório que os Recorrentes intentaram também impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, que, no entanto, foi julgada improcedente, por intempestiva.
Nesta oposição, dirigida à execução fiscal destinada à cobrança da dívida de IRC, os oponentes peticionam a extinção da execução com fundamento na anulação do acto de liquidação subjacente, anulação que radicam na decisão proferida na impugnação judicial que deduziram contra as liquidações adicionais de IVA – seja porque nela foi reconhecida a ilegalidade do recurso à avaliação indirecta que determinou as correcções da matéria tributável desse exercício, seja porque a anulação da liquidação de IVA produzirá efeitos na liquidação de IRC, na medida em que terá sido a liquidação de IVA que serviu de base à posterior liquidação de IRC.
O tribunal a quo julgou a oposição improcedente, com a seguinte argumentação:

«(…) há então que analisar a sentença proferida no Processo de Impugnação Judicial nº 363/08.OBEMDL.

Este processo teve por objecto as liquidações adicionais de IVA, referentes ao ano de 2005, sendo peticionada a sua anulação com fundamento na indevida aplicação e errada quantificação da matéria tributável por aplicação de métodos indirectos.

Este pedido de anulação das liquidações foi julgado procedente mediante sentença entretanto transitada, que anulou as liquidações de IVA impugnadas. (…)

Não obstante os fundamentos de anulação das liquidações de IVA resultarem de um juízo quanto à (não) demonstração dos pressupostos que legitimariam o recurso à avaliação indirecta por parte da Administração Tributária, os efeitos jurídicos emergentes do julgado circunscrevem-se ao objecto da causa (o acto tributário de liquidação de IVA), e relativamente às causas de pedir que determinaram a procedência do pedido que aí foi apreciado e decidido.

Quer isto dizer que, ao contrário do que pretendem os Oponentes, não se mostra possível estender os efeitos do caso julgado anulatório sob escrutínio, nomeadamente no que tange à causa de pedir que aí foi objecto de apreciação por parte do Tribunal, para outros actos, maxime à liquidação de IRC referente ao mesmo ano, e emergente do mesmo procedimento inspectivo.

Na verdade, a causa de pedir, enquanto pressuposto fáctico-jurídico do qual emerge o efeito jurídico que vem peticionado ao tribunal, naturalmente que lhe está pré-ordenada e limitada, por não possuir autonomia quanto ao efeito jurídico constante do dispositivo sentencial.

Neste enfoque, o caso julgado material surge recortado e limitado pelo efeito constitutivo emergente da sentença (a anulação das liquidações de IVA), e quanto à causa de pedir que aí resultou invocada com sucesso, sendo que o alcance da procedência da causa de pedir se mostra limitada ao efeito anulatório do acto tributário que constituiu o objecto do processo de Impugnação Judicial, não tendo qualquer efeito irradiante quanto a outros actos que não tenham constituído objecto do processo que foi objecto de julgamento.

Nesta medida, o que foi decidido na impugnação judicial das liquidações de IVA não tem quaisquer efeitos jurídicos ao nível da subsistência da liquidação de IRC relativa ao ano de 2005, nem da sua execução coerciva, decorrido que se mostre o período de cobrança voluntária, liquidação de IRC esta que se mostra inclusivamente consolidada, pela improcedência da Impugnação Judicial nº 365/08.6BEMDL que contra essa mesma liquidação foi intentada pelos Executados, mas sem sucesso, atenta a caducidade do direito de agir que aí foi apreciada e decidida, sendo que não poderá ser apreciada em sede de Oposição a legalidade concreta da liquidação, por tal não resultar legalmente permitido pelo art. 204º, nº 1, do CPPT.

De resto, e como é salientado com toda a propriedade pelo Digno Magistrado do Ministério Público, em rigor, para além da diferente natureza do tipo de tributação em sede de IRC e de IVA (no primeiro tributa-se o rendimento, enquanto que no segundo, é o consumo que é sujeito a tributação), os factos tributários na origem da tributação são também distintos posto a tributação do rendimento das pessoas colectivas assentar no lucro real, enquanto que a tributação em sede de IVA, assenta nas operações económicas (transmissões e prestações de serviços).

Pelo que - incluso - em cada uma das áreas de tributação, estão em causa distintas matérias tributáveis.

Assim, e porque a liquidação de IRC relativa ao ano de 2005 se mantém juridicamente válida e vigente, subsiste a obrigação tributária que subjaz à execução fiscal.

Razão por que improcede a presente Oposição.»

Os Recorrentes insistem que a anulação das liquidações de IVA, abrangendo retroactivamente todos os factos consequentes dessa liquidação, repercutiu os seus efeitos na liquidação do IRC subjacente à execução em causa, por esta liquidação resultar da mesma correcção levada a cabo em sede de IVA, e isto independentemente da extensão dos efeitos do caso julgado, por ter sido a liquidação de IVA que serviu de fundamento à posterior liquidação de IRC, e aduzem que a sentença viola, além do mais, o disposto no art. 289º do Código Civil.
A questão que se coloca neste recurso é, pois, a de saber se, resultando da mesma acção inspectiva e relativamente ao mesmo exercício, correcção da matéria tributável que origine liquidações adicionais de IVA e de IRC, a anulação das liquidações adicionais de IVA projecta, ope legis, os seus efeitos na liquidação adicional de IRC.

Vejamos.

Importa, desde já, sublinhar que da leitura das conclusões das alegações de recurso resulta evidente que os Recorrentes confundem o procedimento de apuramento da matéria tributável com o acto final de liquidação do tributo e, a partir daí, assentam toda a sua tese no contágio dos efeitos anulatórios, num axioma viciado nos respectivos pressupostos.

Com efeito, depois de partirem das premissas de que o IRC foi apurado com recurso a métodos indirectos de determinação da matéria tributável, tal como o IVA, e de que a liquidação de IVA precedeu a liquidação de IRC, concluem que foi aquela liquidação que deu causa a esta, ou seja, e em última análise, que a liquidação de IRC é um acto consequente da liquidação de IVA.

Ora, desde logo, consistindo a liquidação (em sentido estrito) no apuramento do imposto devido por aplicação de uma taxa pré-definida na lei à matéria tributável, não pode deixar de se concluir que essa liquidação só pode ser um acto consequente da própria determinação da matéria tributável.
E se é certo que uma mesma actividade económica pode ser alvo de mais do que um tributo, é também indubitável que cada tributo obedece a regras próprias de incidência objectiva, evidenciadas pelos distintos factos tributários que nelas são contemplados, e que delimitam, em cada tributo, a matéria a tributar.
É neste quadro que consensualmente se entende que no IRC se tributa o rendimento e que o IVA incide sobre o consumo (cfr. arts. 1º do CIVA e 1º e 3º do CIRC). Com efeito, uma mesma operação económica pode ser tributada em IVA e gerar IRC, por se consubstanciar na transmissão de um bem e criar um rendimento: o IVA incide sobre o valor da transmissão, enquanto o IRC incide sobre o rendimento obtido.

O que significa que o IVA e o IRC têm campos de aplicação totalmente díspares e estanques entre si.
Daí que, uma liquidação de IRC nunca poderia ter por base ou ser uma consequência de uma liquidação de IVA, ainda que essas liquidações respeitem ao mesmo exercício.
E também não se detecta em que medida é que a circunstância de as liquidações de ambos os tributos terem decorrido da determinação da matéria colectável por métodos indirectos pode ter a virtualidade de unir os seus destinos. Nem os Recorrentes o explicam, apesar de exararem nas conclusões do recurso que tal efeito se produziu.
Cumprirá referir que o art. 289º do Código Civil, respeitando aos efeitos da declaração de nulidade e da anulação dos negócios jurídicos, não tem aplicação no caso em apreço, desde logo porque não está em causa qualquer negócio jurídico.
Impõe-se, pois, concluir que a anulação da liquidação do IVA nenhuma repercussão pode ter na liquidação de IRC e, por conseguinte, a sentença recorrida, que assim decidiu, julgando a oposição improcedente, terá de manter-se na ordem jurídica.
Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações do recurso.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 2 de Julho de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.