Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01064/14.5BEPRT |
Data do Acordão: | 05/29/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | IRC CUSTOS PERDA DE BENS INDEMNIZAÇÃO RISCO SEGURO |
Sumário: | I - Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea j), do CIRC, na redacção em vigor em 2009, eram considerados custos ou perdas para efeitos de determinação do lucro tributável as indemnizações suportadas pelo sujeito passivo «resultantes de eventos cujo risco não seja segurável» e nos termos do art. 45.º, n.º 1, alínea e), do mesmo Código, não eram dedutíveis as «indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável». II - Atentas as regras da hermenêutica jurídica (cfr. art. 9.º do CC), não pode extrair-se das referidas normas o sentido de que as indemnizações serão custos fiscalmente relevantes na parte em que excedam os limites do seguro obrigatório, pois nem a letra da lei (que constitui o ponto de partida e o limite da actividade interpretativa) consente essa interpretação nem dos demais elementos interpretativos resulta ser essa a intenção do legislador. III - O legislador terá pretendido, numa opção legítima, proteger os terceiros, mediante a consagração de estímulos para que o sujeito passivo acautele o risco normal da sua actividade – intenção que só resulta plenamente realizada se o sujeito passivo transferir totalmente a sua responsabilidade para uma seguradora, e não apenas a que resulta do seguro obrigatório –, com a possibilidade de deduzir integralmente as despesas com o pagamento dos prémios de seguro, ao invés de confiar na álea em ordem à obtenção de lucro mais elevado. |
Nº Convencional: | JSTA000P24607 |
Nº do Documento: | SA22019052901064/14 |
Data de Entrada: | 03/25/2019 |
Recorrente: | A..............., SARL |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional de sentença proferida em processo de impugnação judicial com o n.º 1064/14.5BEPRT 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada como Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2009, na parte em que pretende deduzir, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante das indemnizações que pagou aos seus clientes pelo furto dos bens que estes lhe tinham dado em penhor, garantindo os mútuos por ela concedidos. 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I. A sentença objecto de recurso incorre no vício de erro de julgamento por incorrecta interpretação das seguintes disposições legais: artigos 23.º, n.º 1, al. j) [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: a Recorrente escreveu m) onde queria dizer j).)]; 45.º, n.º 1 alínea e), ambos do CIRC na redacção vigente em 2009; artigos 32.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 365/99 de 17 de Setembro, na redacção vigente em 2009. II. A questão central é a correcta interpretação das normas contida nas disposições referidas à actividade de prestamista na seguinte situação: tendo o prestamista transferido o risco para uma seguradora no cumprimento da obrigação legal, não o tendo feito na totalidade, mas apenas no respeito do limite mínimo exigido por lei, na verdade bem acima do mínimo, no caso de furto e de ter procedido à indemnização dos mutuários pela perda dos objectos depositados em penhor, se a parte não coberta pelo seguro pode ser dedutível como custo para efeito de determinação do lucro tributável. III. A questão NÃO está em saber se é possível deduzir como custo prejuízo resultante de risco segurável, pois não é possível, antes está em saber o que é «risco segurável», em concreto e tendo por base uma interpretação das normas pertinentes acima descritas à luz do sistema fiscal português. IV. A Recorrente, que desenvolve a actividade de prestamista, regulada pelo Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro, actividade que consiste, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 1.º do DL n.º 365/99, no exercício por pessoa singular ou colectiva da actividade de mútuo garantido por penhor, no cumprimento do estatuído no art. 32.º/1, – obrigatoriedade de o prestamista indemnizar o mutuário “[e]m caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor” – e de transferir o respectivo risco para uma seguradora, fê-lo além dos limites determinados no n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, o valor segurado foi feito multiplicando por 4 o valor das avaliações das existências e acrescendo 50%. V. Em 2009, a Recorrente foi vítima de furto, devidamente comprovado nos autos. VI. A Recorrente viu-se obrigada a pagar o valor total das indemnizações aos mutuários, relativamente à perda dos bens dados em penhor pelos mutuários. VII. Uma vez que o valor segurado não cobria a totalidade dos bens, a Recorrente viu-se obrigada a suportar o prejuízo com a parte não coberta, logo não reembolsada pela seguradora. VIII. O Tribunal a quo, confirmando entendimento da AT, considerou que o SP prestamista obrigado a transferir o risco na totalidade para uma seguradora, e entende que o mesmo é “segurável”, pelo que se enquadra na previsão do art. 46.º/1, al. e), do CIRC, não sendo dedutível como custo fiscal. IX. Tendo por base informação vinculativa solicitada pela ora Recorrente em 2009, a AT havia fundamentado a sua interpretação do seguinte modo: (1) O roubo de objectos não é “actividade normal da empresa”, pelo que não pode ser considerado “custo indispensável para a realização dos rendimentos”; (2) A semelhança com a situação sobre que recaiu o parecer 2/2007, do Centro de Estudos Fiscais, sancionado superiormente, segundo o qual: “não são aceites como custos ou perdas para efeitos de determinação do lucro tributável os valores das indemnizações pagas aos clientes atingidos pelo desvio de fundos depositados no Banco, na parte não abrangida pelo seguro”; (3) Não se conseguir provar que na situação dos valores não cobertos por seguro se está perante “um bem de risco não segurável”. X. A sentença a quo assenta em pressupostos errados por interpretação errada da Lei. Assim: XI. Que decorre dos artigos 32.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 365/99 de 17 de Setembro: que a lei não prevê a obrigação dos prestamistas indemnizarem os mutuários lesados, antes cabe às seguradoras; que os prestamistas apenas têm o dever legal de transferir na totalidade o risco. XII. Tais artigos não só não permitem essa interpretação como a afastam. A própria sentença transcreve na página 10 o artigo 32.º do DL 365/99, segundo o qual: “1- Em caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor, fica o prestamista obrigado a indemnizar o mutuário”. O número 2 do artigo 33.º do DL 365/99 (transcrito na página 9 da sentença), determina que “2- O valor do seguro a que se refere o número anterior é no mínimo o que resultar da média das avaliações efectuadas no ano anterior” ficando, pois, claro que a lei apenas impõe a transferência para uma seguradora, de um «mínimo» resultante «da média das avaliações efectuadas no ano anterior». XIII. Na interpretação e aplicação da lei a sentença omite por completo qualquer referência, sequer implícita: ao contexto sistemático dos artigos 23.º e 45.º do CIRC, nomeadamente a questão da indispensabilidade dos custos e o recurso aos princípios gerais da “constituição fiscal”, designadamente os princípios da tributação pelo rendimento real e de acordo com a capacidade contributiva (rendimento-acréscimo), e da igualdade e justiça fiscal; à questão, importante em matéria de tributação, do princípio da especialidade dos exercícios. XIV. Uma interpretação meramente literal e nos termos em que o tribunal a quo procedeu não permite um completo esclarecimento do sentido da norma quando se refere a «risco segurável». XV. Na verdade, é possível, em abstracto, segurar qualquer dos seus riscos, levando em conta quanto aos seguros comerciais por risco as disposições dos arts. 432.º a 441.º do Cód. Com. E, neste aspecto, não pode existir risco que, em abstracto, não seja segurável. Mas isso torna a norma em apreço incompreensível. XVI. A interpretação correcta do sentido de «risco segurável», quando feita recorrendo quer ao elemento gramatical quer ao espírito da lei, atendendo, portanto, aos princípios da constituição fiscal e aos elementos sistemático e lógico-racional de interpretação só pode ser a seguinte (sendo cumulativos os requisitos): é segurável o risco quando exista o dever de proceder ao seguro, na medida desse dever, e na possibilidade efectiva de o fazer. No caso foi feito o seguro e cumprida a medida do dever (além mesmo da medida). XVII. O Tribunal a quo não levou a sério o prejuízo real sofrido pela Recorrente e trata como rendimento-acréscimo o que foi perda, com violação dos princípios constitucionais referidos. XVIII. No caso em apreço, o prejuízo resultante dos furtos não é rendimento, muito menos acréscimo de rendimento, é prejuízo. XIX. Não deve haver dúvidas que os valores pagos pela Recorrente aos mutuários lesados a título de “reposição” dos objectos roubados por eles dados em penhor são “custos/gastos” quer na nomenclatura do POC (vigente à data dos factos), quer do SNC, na medida em que houve, de facto, uma “diminuição nos benefícios económicos durante o período contabilístico”, “na forma de exfluxos de activos”. XX. Quanto à “indispensabilidade dos custos”: a assunção pela Recorrente dos encargos com a indemnização na parte não coberta pela apólice foi, comprovadamente, indispensável para a Recorrente voltar a ter a confiança dos clientes e manter-se na sua actividade, desta forma podendo vir a receber novos pedidos de empréstimo com penhores, como, de resto, veio a suceder, pelo que tal montante não pode deixar de constituir um verdadeiro custo fiscal à luz da norma do art. 23.º do CIRC. Qual seria a alternativa? Não reembolsar os clientes? Só pode haver uma resposta: teria sempre que reembolsar por razões contratuais, legais, de boa gestão, e de sobrevivência do negócio. XXI. A propósito da indispensabilidade dos custos e com pertinência para o presente caso, entre outros: - Acórdão de 12/03/2015 do TCA-Norte, Proc. 00005/04.2BEPNF (Rel. Vital Lopes); Acórdão de 09/12/1998, do TCA-Sul, Proc. 00400/97 (Rel. Jesus Gomes Correia); Acórdão de 02/07/2002, do TCA-Sul, Proc. 6540/02 (Rel. Francisco Rothes). XXII. Significa isto que serão de considerar como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. XXIII. Já no âmbito da Contribuição Industrial, cujo código que tinha disposição paralela – o art. 26.º – a AT vinha recusando que o valor das mercadorias ou valores em dinheiro furtados pudessem ser considerados como “custos de exercício”. Mas já então esse critério merecia a crítica de VÍTOR FAVEIRO, que escrevia: XXIV. “A Administração Fiscal vem seguindo o critério geral de não aceitar, como custos ou perdas, o roubo ou o extravio de mercadorias, e, portanto, o seu abatimento ao inventário das existências. Trata-se, porém, de um entendimento manifestamente errado, enquanto critério geral uniforme, porquanto se a existência de mercadorias é havida como um valor positivo porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material de tais unidades, seja a que título for, e desde que comprovada em termos razoáveis, não pode deixar de ser havida como realidade que “foi indispensável suportar para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora” Noções Fundamentais de Direito Fiscal, 1986, II volume, pág. 603 (sublinhado da Requerente). XXV. A ratio legis do art. 45.º, n.º 1, al. e) do CIRC é também a de garantir a observância do princípio da especialização dos exercícios nos casos em que exista um hiato temporal entre o pagamento das indemnizações aos lesados pelo segurado e o respectivo ressarcimento pela seguradora, e isso não foi levado em conta na sentença. XXVI. O Tribunal a quo cita o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20 de Junho de 2006, tirado no processo 01138/06, para concluir que: «O referido acórdão determina, com meridiana clareza, que as indemnizações a título de furto são aceites como custo desde que o risco não seja segurável». Porém, além de não haver semelhança com o caso em apreço na sua configuração concreta, é óbvio e não se discute que as indemnizações a título de furto são aceites como custo desde que o risco não seja segurável, pois o que importa é saber se, em concreto, o risco era segurável. XXVII. A terminar, uma referência ao Parecer n.º 2/2007 do Centro de Estudos Fiscais, de 15/01/2007, usado pela AT no ponto 8 da Informação vinculativa constante do processo instrutor e que consubstanciou o acto impugnado ora recorrido. Pois, importa dizer que por decisão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/01/2014, Proc. 0815/11 (Rel. Francisco Rothes) foi dada como improcedente a posição da AT e dada razão ao Banco recorrente. NESTES TERMOS e nos mais de direito doutamente supridos por V.exas., Deve o recurso ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida e, em consequência, anulando-se a (auto)liquidação de IRC do exercício de 2009, ordenando-se o reembolso dos valores pagos de IRC, derramas, juros compensatórios, e determinando-se que a AT pague à Recorrente juros indemnizatórios, tudo nos termos do pedido na petição inicial nos autos». 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] Nos termos do estatuído no artigo 23.º do CIRC consideram-se como custos fiscais ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. 1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu como assentes os seguintes factos: «1. A Impugnante é uma sociedade que se dedica à “concessão de empréstimos garantidos por penhor, no caso, artigos em ouro, prata e relógios. Como consequência da actividade principal de prestamista, dedica-se à venda de ouro em segunda mão adjudicado em “leilão” promovido pelo próprio, quando os mutuários não resgatam os artigos e deixam de pagar os juros. Uma parte existência assim adquirida é afecta ao comércio a retalho (artigos usados em ouro, prata, joalharia e relógios) possuindo para o efeito uma ourivesaria, a restante é vendida quase em exclusivo a um único cliente” – cfr. Relatório de Inspecção Tributária [RIT], a fls. 20 do PA apenso; 2. Em 2009 a Impugnante foi alvo de “furtos às suas instalações e, não obstante possuir seguro de responsabilidade civil obrigatório – porque os valores segurados eram inferiores aos valores dos bens dados em penhor pelos mutuários – teve de indemnizar estes últimos pela respectiva diferença” – cfr. projecto de despacho, a fls. 90 do PA apenso; 3. Em 11 de Junho de 2012 iniciou-se um procedimento inspectivo à Impugnante, para os anos de 2008 e 2009 – cfr. RIT, a fls. 19 do PA apenso; 4. No âmbito do procedimento referido em 3 foram identificadas situações passíveis de correcção, que a Impugnante corrigiu “através da entrega das respectivas declarações de substituição de IRC, IVA e guias de pagamento do Imposto do Selo, para os períodos de imposto de 2008 e 2009” – cfr. RIT, a fls. 21 do PA apenso; 5. No dia 7 de Dezembro de 2012 foi pago o valor de € 77.804,79, referente ao documento 2012.1811339, respeitante a IRC do ano de 2009 – cfr. Nota de Cobrança de IRC, a fls. 60 do PA apenso; 6. Em 10 de Abril de 2013 foi apresentada a reclamação graciosa 3190201304001184, que foi indeferida por despacho de 7 de Abril de 2014 – cfr. despacho, a fls. 100 do PA apenso; 7. A presente acção deu entrada no dia 9 de Maio de 2014 – cfr. comprovativo de entrega de documento, a fls. 2 do suporte físicos dos autos». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Apesar da exiguidade da matéria de facto dada como assente, nos autos está em causa a possibilidade de aceitar como custo fiscal, para efeitos de determinação do lucro tributável da ora Recorrente relativamente ao ano de 2009, a diferença entre os montantes por ela pagos aos seus clientes a título de indemnização pelos bens móveis furtados e que detinha em penhor no âmbito da sua actividade de prestamista – à data regulada pelo Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro (Este diploma foi revogado pelo art. 41.º do Decreto-Lei n.º 160/2015 de 11 de Agosto, que veio estabelecer um novo regime jurídico da actividade prestamista.), que, no n.º 2 do seu art. 1.º a define como o «exercício por pessoa singular ou colectiva da actividade de mútuo garantido por penhor» –, e o montante que a esse título foi pago pela seguradora para quem tinha transferido, parcialmente, o risco que para ela advinha do furto desses mesmos bens. Artigo 32.º 1- Em caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor, fica o prestamista obrigado a indemnizar o mutuário. Obrigação específica de indemnizar 2- A indemnização referida no número anterior é a que resultar do valor da avaliação do objecto, deduzida do valor em dívida à data da ocorrência e acrescida de metade do valor da avaliação. Artigo 33.º 1- A responsabilidade de indemnizar prevista no artigo anterior é obrigatoriamente transferida para uma companhia seguradora. Seguro obrigatório 2- O valor do seguro a que se refere o número anterior é no mínimo o que resultar da média das avaliações efectuadas no ano anterior. 3- O valor a que se refere o número anterior durante o 1.º ano de actividade é fixado por indicação do prestamista. 4- Anualmente deve ser feita prova da renovação do seguro e do pagamento do respectivo prémio junto da Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência. 5- A entidade seguradora comunica à Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência a rescisão do contrato de seguro».), a cobertura por ela contratada com a seguradora não assegurou o pagamento da totalidade das indemnizações que teve de suportar pelo furto ocorrido no ano de 2009. Assim, a ora Recorrente teve de suportar as indemnizações na parte em que o risco não estava coberto pelo contrato de seguro. É essa parte que sustenta dever ser considerada como custo fiscalmente dedutível para efeitos de apuramento lucro tributável. A AT discorda, porque entende, em síntese, que estamos perante um risco segurável, motivo por que, se a ora Recorrente não diligenciou por contratar um seguro que assegurasse a cobertura total do risco, não pode agora pretender que seja relevado como custo para efeitos fiscais a parte das indemnizações que teve de suportar. Ou seja, como acima adiantámos, a sorte do recurso joga-se em torno da interpretação que for feita das normas da alínea j) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC e da alínea e) do n.º 1 do art. 42.º do mesmo Código. Enquanto a sentença e a AT entenderam que não há dúvidas de que o risco por furto é um risco segurável, o que exclui a possibilidade de a verba em causa ser relevada para efeitos da determinação do lucro tributável, a Recorrente sustenta que o sentido a conferir à expressão risco segurável é o de que «é segurável o risco quando exista o dever de proceder ao seguro, na medida desse dever, e na possibilidade efectiva de o fazer». Assim, se bem interpretamos as alegações da Recorrente, esta considera que as indemnizações por ela suportadas, na medida em que excedem a cobertura proporcionada pelo contrato de seguro obrigatório, devem ser deduzidas como custo. Vejamos, pois, qual a melhor interpretação. 2.2.2 DO SENTIDO DA EXPRESSÃO CUJO RISCO SEJA SEGURÁVEL 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea j), do CIRC, na redacção em vigor em 2009, eram consideradas custos ou perdas para efeitos de determinação do lucro tributável as indemnizações suportadas pelo sujeito passivo «resultantes de eventos cujo risco não seja segurável» e nos termos do art. 45.º, n.º 1, alínea e), do mesmo Código, não eram dedutíveis as «indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável». II - Atentas as regras da hermenêutica jurídica (cfr. art. 9.º do CC), não pode extrair-se das referidas normas o sentido de que as indemnizações serão custos fiscalmente relevantes na parte em que excedam os limites do seguro obrigatório, pois nem a letra da lei (que constitui o ponto de partida e o limite da actividade interpretativa) consente essa interpretação nem dos demais elementos interpretativos resulta ser essa a intenção do legislador. III - O legislador terá pretendido, numa opção legítima, proteger os terceiros, mediante a consagração de estímulos para que o sujeito passivo acautele o risco normal da sua actividade – intenção que só resulta plenamente realizada se o sujeito passivo transferir totalmente a sua responsabilidade para uma seguradora, e não apenas a que resulta do seguro obrigatório –, com a possibilidade de deduzir integralmente as despesas com o pagamento dos prémios de seguro, ao invés de confiar na álea em ordem à obtenção de lucro mais elevado. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente (cfr. art. 527.º do CPC). * Lisboa, 29 de Maio de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo. |