Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0392/13.1BEVIS 0810/17
Data do Acordão:09/26/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:TAXA
PROMOÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
RESERVA DE LEI
REGIME GERAL
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
Sumário:I - Quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário.
II - Ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. O elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem.
III - A distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica.
IV - Deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar.
V - Partindo, pois, da qualificação jurídicas das denominadas taxas como contribuições financeiras a sua criação pelo governo não enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois, a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não impede o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender a regulamentação criada pelo Governo.
Nº Convencional:JSTA000P23641
Nº do Documento:SA2201809260392/13
Data de Entrada:06/29/2017
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO, I.P.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu
. de 28 de Março de 2017


Julgou improcedente a impugnação deduzida.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……., Lda. veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo n.º 392/13.1BEVIS, por si instaurado, de impugnação judicial contra o ato de autoliquidação da taxa de coordenação e controlo e da taxa de promoção, referentes ao mês de abril de 2013, no montante de 28.124,94 €, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1.O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário, relativo à taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção alegadamente devida ao Instituto da Vinha e do Vinho, referente ao mês de Abril de 2013.

2.O D.L. n.º 94/2012, de 20 de Abril introduziu dois novos tributos: a taxa de coordenação e controlo e uma nova taxa de promoção.

3.A taxa de coordenação e controlo incide sobre os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional, incluindo os expedidos ou exportados para fora do território nacional, bem como os vinhos e produtos vínicos produzidos noutros territórios que sejam comercializados em Portugal, constituindo receita do IVV pelo «desempenho das funções relativas à coordenação geral e ao controlo do sector vitivinícola».

4.A nova taxa de promoção incide sobre os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional, sendo as respectivas receitas afectas ao financiamento dos apoios à promoção (apoio financeiro ao desenvolvimento de acções de promoção e informação relativas ao vinho e produtos vínicos produzidos em Portugal), dispondo o IVV da possibilidade de utilizar até 5% do produto desta taxa para suportar despesas com a promoção do vinho e produtos vínicos portugueses.

5.No que concerne à taxa de coordenação e controlo não é possível identificar a existência de um serviço individualizável, prestado pelo IVV, desde logo pela abstracção e generalidade inerentes à expressão “coordenação geral e controlo”.

6.A manifesta falta de bilateralidade da taxa de coordenação e controlo, a qual é lançada sobre os produtos sujeitos à respectiva disciplina – o vinho e os produtos vínicos -, a título puramente unilateral revela que a mesma não passa de um verdadeiro imposto.

7.A corroborar este facto, note-se que estamos perante uma prestação, por parte do IVV, de uma utilidade indivisível, que vem a ser a prossecução do interesse público na coordenação e controlo daquele sector.

8.Tratando-se de um imposto, a mesma só poderia ter sido estabelecida por uma lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo no uso de autorização legislativa (cf. n.º 2 do art. 103.º e al. i) do n.º 1 do art. 165.º da Constituição da República Portuguesa), pelo que a taxa de coordenação e controlo encontra-se ferida de inconstitucionalidade.

9.O Decreto-Lei 94/2012 foi emitido pelo Governo, sem prévia autorização parlamentar, conforme expressamente decorre da parte final do respectivo preâmbulo, em que se confirma que a emissão do Decreto-Lei em questão foi realizada «nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição».

10.As normas que instituem a taxa de coordenação e controlo são, sem margem para dúvidas, organicamente inconstitucionais, por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República para a respectiva criação.

11.Relativamente à nova taxa de promoção, também não é possível estabelecer uma bilateralidade individualizada entre o serviço prestado e os sujeitos passivos da mesma taxa, pois as ditas actividades de promoção são “de carácter genérico do vinho português”.

12.Para além da actividade chamada de “promoção”, financiada pela taxa ora em análise, importa ainda, nos termos já mencionados, a realização das acções de informação e educação sobre o consumo de produtos vínicos.

13.Ora, nessa parte da taxa de promoção, a bilateralidade da taxa em relação aos agentes económicos do sector a ela sujeitos, mais do que difusa, é manifestamente inexistente, razão pela qual, é manifesta a inconstitucionalidade orgânica deste novo tributo instituído pelo Decreto-Lei n.º 94/2012, aqui se invoca, com as demais consequências legais.

14.Sem prescindir,

15.A douta sentença de que se recorre julgou, e bem, que os tributos criados Decreto-Lei n.º 94/2012, não configuram verdadeiras taxas.

16.Todavia, em vez de as considerar verdadeiros impostos, julgou que seriam contribuições financeiras a favor de um ente público, cuja criação respeitaria a Constituição da República.

17.A recorrente não prescinde, insista-se, da qualificação dos tributos em apreço como verdadeiros impostos, no entanto, caso se venha a considerar que os mesmos são contribuições financeiras, como julgou o Tribunal a quo, considera, ao contrário do decidido na douta sentença agora em crise, que a criação das mesmas viola a Constituição da República, designadamente o disposto na al. i) do n.º 1 do respectivo artigo 168.º.

18.Com efeito, a criação de contribuições financeiras exige sempre, enquanto não for publicado o regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas previsto na al. i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República, a intervenção da Assembleia da República, quer através de uma Lei, quer através de uma autorização legislativa concedida ao Governo.

19.Até à data, ainda não foi ainda aprovado o «regime geral das contribuições financeiras» e o Decreto-Lei n.º 94/2012 não foi precedido de uma qualquer autorização legislativa, pelo que a criação destes tributos viola a exigência de reserva de lei formal, prevista no referido preceito da Constituição da República.

20.As normas que criaram a taxa de coordenação e controlo e a taxa de promoção encontram-se feridas de inconstitucionalidade orgânica, o que se invoca para todos os efeitos legais.
21.Assim, não se poderá manter a douta decisão de que se recorre, pois a criação dos tributos em apreço viola a Constituição da República, designadamente a al. i) do n.º 1 do por manifesta violação do artigo 165.º da Constituição da República.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

O recorrido INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO, I.P., em suporte da decisão recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído:

a)O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu pela manutenção das autoliquidações da "taxa de coordenação e controlo" e da "taxa de promoção" devidas ao IVV, aqui Recorrido, relativas ao período mensal de Abril de 2013.

b)Como resulta da Lei e reconhece o Tribunal a quo, o IVV é o instituto público que se encontra incumbido da missão de coordenar e controlar a organização institucional do sector vitivinícola, auditar o sistema de certificação de qualidade, acompanhar a política comunitária e preparar as regras para a sua aplicação, bem como participar na coordenação e supervisão da promoção dos produtos vitivinícolas.

c)Do conjunto de actividades e serviços que a mesma envolve, beneficiam e são delas causadores todos os operadores do sector vitivinícola, entre eles, a '…………..', hoje 'A……..', ora Recorrente.

d)Por ser obrigada por Lei a prestar os mais diversos e completos serviços, também a Lei estipulou a forma de financiamento do IVV, sendo esta, fundamentalmente, a cobrança de taxas pelas prestações que realiza, nos termos do novo regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril.

e)As taxas, possuindo natureza comutativa constituem instrumentos especialmente aptos a associar os encargos que se exigem dos contribuintes à provocação ou aproveitamento de prestações públicas determinadas, razão pela qual o mencionado diploma de 2012 procedeu a uma reestruturação do regime anterior de taxas devidas ao IVV que vinha de 1997, reforçando a compatibilidade do regime das referidas taxas para com o direito da União Europeia e fazendo reflectir na legislação nacional a reforma da organização do sector vitivinícola ocorrida a nível europeu.

f)As duas taxas criadas em 2012 respeitam a actividades e que eram anteriormente financiadas através de uma outra taxa, então denominada apenas por "taxa de promoção", prevista no Decreto-Lei n.º 119/97, de 15 de Maio.

g)Com o destacamento da actividade de coordenação e controlo de entre as actividades financiadas, até aqui, pela "taxa de promoção", com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril, a nova "taxa de promoção" vê o seu escopo e o seu âmbito de sujeição reduzidos, precisando-se a sua ratio no que respeita ao destino dado às receitas obtidas com a respectiva cobrança e tornando-se mais fiel à sua denominação.

h)Em face da improcedência de todas as acções judiciais já apresentadas e decididas pelos nossos Tribunais Superiores, vem procurar fazer renascer a obsoleta discussão a propósito da distinção entre as taxas e os impostos, insistindo, contra as todas as evidências, que a "taxa de promoção" e a "taxa de promoção" configurariam tributos unilaterais, sujeitos à reserva de Lei da Assembleia da República.

i)Na sequência dessa vetusta discussão jurisprudencial e doutrinária, hoje é a própria Lei Fiscal a estipular que a prestação de serviços é um dos objectos próprios de incidência tributária - cfr. artigo 4.º n.º 2 da LGT.

j)No caso da "taxa de coordenação e controlo", esta visa compensar o IVV pelo desempenho das funções relativas à coordenação e controlo do sector vitivinícola já que é este instituto que garante o controlo e a certificação dos produtos comercializados pela Impugnante, que representa os seus interesses junto das instituições europeias, que lhe assegura que o sector vitivinícola se encontra deviamente controlado e ainda a coordenação e a correcta atribuição dos apoios à promoção dos produtos por si comercializados.

k)No caso da "taxa de promoção", esta é estabelecida para financiar acções de promoção genérica de vinhos e produtos vínicos no quadro de procedimentos organizados pelo IVV, das quais beneficiam inevitavelmente os produtos da Impugnante, que são em grande parte exportados, na medida em que reforçam a notoriedade e a percepção dos vinhos nacionais como produtos de qualidade.

l)As taxas em crise são verdadeiras taxas, comutativas e bilaterais, que visam ressarcir o IVV dos serviços prestados ao sector de que a ora Recorrente directamente beneficia, pelo que improcedem as suas alegações no sentido da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril, que as criou.

m)Mesmo que assim não se entenda, é de rejeitar liminarmente a tese de que as referidas taxas se subsumem à categoria dos impostos pois que, como sublinhou o Tribunal a quo "não pode dizer-se que as receitas angariadas com as taxas de coordenação e controlo e de taxa de promoção se destinam a financiar prestações públicas indeterminadas, o que relevaria para qualificá-las como um imposto, porquanto, na verdade, e como já se referiu, antes se destinam a financiar uma actividade continuada de coordenação e controlo e de promoção e informação relativas a vinhos e produtos vínicos" - cfr. sentença recorrida, p. 18 (cit.).

n)Considerando-se, na linha do que fez o Tribunal a quo - e mesmo que erroneamente como se entende -, que a "taxa de coordenação e controlo" e a "taxa de promoção" são, pelo carácter difuso/potencial das prestações que constituem a sua contrapartida, contribuições financeiras, sempre terá que concluir-se igualmente pela inexistência da alegada inconstitucionalidade orgânica do Diploma do Governo que as cria e regulamenta.

o)Na norma contida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP coexistem dois tipos distintos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abarca todos os seus elementos essenciais, tais como a respectiva incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes; e outro, relativo às taxas e contribuições financeiras, que abrange apenas a criação dos respectivos regimes gerais.

p)Como sublinha o Tribunal a quo "a Constituição não reconhece que as contribuições financeiras devam equivaler aos impostos para efeitos de reserva de lei parlamentar, visto que não subordinou uns e outras ao mesmo controlo parlamentar. O que ali ficou estabelecido foi, pelo contrário, que o regime constitucional das contribuições financeiras seria, naquele aspecto, semelhante ao das taxas: num caso como no outro, só constituiria matéria reservada da Assembleia da República o respectivo regime geral, podendo aquela transferir para o Governo a disciplina da matéria" - cfr. sentença recorrida, p. 21 (sublinhado nosso, cit.).

q)O Tribunal Constitucional também já se pronunciou especificamente em matéria de contribuições financeiras, no que respeita à eventual inconstitucionalidade orgânica da sua criação pelo Governo, quando desprovido de autorização parlamentar para o efeito; e fê-lo em sentido idêntico ao que vem fazendo relativamente às taxas, i.e., afirmando a legitimidade de o Governo estabelecer o regime de contribuições financeiras individualizadas sem necessidade de para tal estar autorizado pela Assembleia da República.

r)Neste sentido, é claro o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 19 de Novembro, no qual pode ler-se que "Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao acto de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime, onde esta não existe.[…] Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respectivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais".

s)Por tudo o exposto improcedem também as alegações da ora Recorrente quanto à inconstitucionalidade orgânica das normas que criam as taxas em crise, ainda que as mesmas se subsumam à categoria das contribuições financeiras, pelo que andou bem o Tribunal a quo, ao considerar totalmente improcedente a impugnação apresentada, devendo, por isso, ser mantida a sentença recorrida.

Requereu que não seja concedido provimento ao presente recurso.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

A decisão recorrida suportou-se nos seguintes factos que enunciou:
A. A impugnante é uma sociedade comercial armazenista que opera ao nível das trocas comerciais de vinho e aguardente a granel.

B. Em 30/05/2013, a impugnante procedeu à autoliquidação da taxa de promoção referente ao mês de abril de 2013, no montante de 28.124,94 €. - cfr. fls. 26 dos autos.

C. Através do ofício com a referência S-IVV/2014/1498, datado de 14/04/2014, a impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da taxa de coordenação e controlo e de promoção relativa ao mês de abril de 2013, acrescida de juros - cfr. fls. 132/133 dos autos.

D. Em 09/10/2012, a Comissão Europeia, no âmbito do procedimento de averiguação da compatibilidade da anterior taxa de promoção com o Direito Comunitário comunicou à Representação Permanente de Portugal o seguinte:
"Os serviços da Comissão tomam nota de que as autoridades portuguesas:
- estimam que os auxílios atrás mencionados são abrangidos pelo Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis e que, consequentemente, não é necessário continuar com a recuperação.
- informam da publicação do Decreto-Lei 94/2012 de 20 de abril de 2012 que estabelece duas taxas distintas: uma primeira para a coordenação e controlo aplicada a todos os vinhos comercializados em Portugal; e uma segunda para a promoção do vinho aplicada apenas aos vinhos produzidos no país. Os serviços da Comissão lembram às autoridades portuguesas que tem a obrigação de notificar este regime a fim de determinar a sua compatibilidade com o direito da União Europeia". - cfr. fls. 27 dos autos.

E. Em 23/10/2012, o I.V.V., I.P. enviou à Comissão Europeia carta, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
[…]
Assunto: Revisão do regime português de apoio à promoção genérica do vinho e dos produtos vínicos - enquadramento à luz das regras de minimis do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão
Exma. Senhora:
As autoridades portuguesas recebem com especial agrado a carta de V. Exa. do passado dia 9 de outubro de 2012, referência ARES (2012) 1185309, com a indicação de que não é necessário proceder à recuperação dos apoios a que se refere a Decisão da Comissão de 20 de julho de 2010, no proc. SA 16527 (C 43/2004).
Através da carta de 18 de maio de 2012, as autoridades portuguesas informaram a Comissão da publicação do Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril, que revoga o Decreto-Lei n.º 119/97 e que substitui a taxa de objecto da Decisão de 20 de julho de 2010 por duas taxas distintas: a taxa de coordenação e controlo, que se destina a financiar a actividade do Instituto da Vinha e do Vinho, IP ("IVV") e que é cobrada sobre todos os vinhos e produtos vínicos comercializados em Portugal, e uma taxa, que retoma a designação de taxa de promoção, que é afecta ao financiamento de apoios à promoção e à qual estão sujeitos apenas os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional.
As autoridades portuguesas vêm por este meio informar a Comissão que é seu intuito enquadrar os apoios genéricos à promoção do vinho e dos produtos vínicos, a conceder a partir das receitas provenientes da cobrança da nova taxa de promoção, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 94/2012, nas regras do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis.
Assim, na medida em que os apoios à promoção genérica do vinho e dos produtos vínicos a conceder nos termos do Decreto-Lei n.º 94/2012 não preenchem todos os requisitos do n.º 1 do artigo 107.º do Tratado, não constituem auxílios de Estado, pelo que não é necessário proceder à sua notificação nos termos do artigo 108.º do Tratado.
As autoridades portuguesas informam igualmente que se encontram implementados ao nível interno os procedimentos adequados, designadamente junto do Registo Nacional de Auxílios de Minimis, para assegurar o respeito pelos limites a que se refere o artigo 2.º do artigo 3.º do referido Regulamento.
As autoridades portuguesas permanecem à disposição da Comissão para todos os esclarecimentos adicionais que se afigurem úteis ou necessários. - cfr. fls. 74/75 dos autos.

Questão objecto de recurso:
1. Natureza jurídica taxa de coordenação e controlo e da taxa de promoção – taxa/imposto e consequente inconstitucionalidade constantes do DL n.º 94/2012, de 20/04
2. Ausência de regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
1.Natureza jurídica taxa de coordenação e controlo e da taxa de promoção – taxa/imposto
As questões em discussão neste recurso foram já apreciadas e decididas em sentido que merece o nosso total acordo em recente acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em 4 de Julho de 2018, no processo 01102/17 que, por economia de meios passaremos a seguir de perto.
A sentença recorrida confrontada com a posição da aqui recorrente de considerar como verdadeiros impostos as “taxa de promoção” e a “taxa de coordenação e controlo” constantes do DL n.º 94/2012, de 20/04 e, nessa medida, organicamente inconstitucional veio a considerar estar em face de contribuições financeiras, circunstância qualificada pela recorrente como erro de julgamento.
Como se analisa no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado «(…) o critério de distinção entre o imposto e a taxa assenta, essencialmente, na bilateralidade ou na unilateralidade: a taxa é bilateral, com um sentido de sinalagma que supõe uma contrapartida prestacional administrativa específica, que não existe no imposto.
Ou seja, (…), a taxa consubstancia-se numa prestação pecuniária e impositiva devida a uma entidade que exerça funções públicas, em contrapartida de uma prestação dessa entidade, provocada ou utilizada pelo sujeito passivo; e a prestação da entidade pública há-de consistir (na tipologia consagrada na LGT, na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) na prestação de um serviço público, na utilização privativa de bens do domínio público e na remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. (Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, Editora Encontro da escrita, 4ª ed. 2012, pp. 70/71, anotação 4 ao art. 3º.) A taxa e o imposto (…)ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. Relação sinalagmática essa que, como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n° 365/03, de 14/7/2003, «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.
Ora tendo em conta que as referidas taxas em discussão se apresentam são tributos bilaterais e comutativos, destinados a compensar o IVV pelos serviços diretamente aproveitados ou causados pela impugnante falece a sua qualificação como imposto esvaziando a discussão sobre a possibilidade de enfermar o DL n.º 94/2012, de 20/04 de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que não criou qualquer imposto e, por isso não desrespeitou a reserva de lei quanto à criação de impostos.
2. Ausência de regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas


A sentença recorrida considerou que a “taxa de promoção” e a “taxa de coordenação e controlo” constantes do DL n.º 94/2012, de 20/04 tinham a natureza jurídica de contribuições financeiras previstas no n.º 3 do art.º 4.º da Lei Geral Tributária dado estarmos em presença de uma prestação pública dirigida a um grupo de pessoas que, neste caso se dedicam à actividade vitivinícola, e que dela beneficiam ou podem beneficiar pelo que o legislador entende que devem contribuir para o financiamento específico da entidade pública que disponibiliza tal prestação pública em vez de recolher da generalidade dos cidadãos tais meios de financiamento. Ora o IVV por força do artigo 23.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de Janeiro, tem por missão coordenar e controlar a organização institucional do setor vitivinícola, auditar o sistema de certificação de qualidade, acompanhar a política comunitária e preparar as regras para a sua aplicação, bem como participar na coordenação e supervisão da promoção dos produtos vitivinícolas. Destas actividades beneficia a recorrente em termos que se não equiparam aos demais cidadãos que desenvolvem outras actividades, pelo que o financiamento do IVV, pelo menos em parte, é obtido das contribuições financeiras consubstanciadas nas referidas taxas.
A qualificação jurídica como contribuições financeiras das taxas aqui em discussão efectuada na sentença recorrida afigura-se adequada e em completa sintonia com o referenciado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que estamos a seguir de perto. «Com efeito, a LGT, depois de considerar no nº 2 do seu art. 3.º que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas», logo estabelece no n.º 3 do art. 4.º que «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são considerados impostos».
Ora, quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. Como se sublinha na sentença recorrida, citando Sérgio Vasques (O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 176.), se o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face às taxas é o pressuposto de que partem, o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade a que se dirigem. É a finalidade compensatória daquelas que permite distingui-las, designadamente, «dos impostos especiais e dos impostos consignados, figuras situadas junto à linha divisória entre os tributos paracomutativos e os tributos unilaterais», sendo que, «no caso dos impostos a angariação de receita é feita sem olhar ao modo como o produto é aplicado ou ao concreto fim a que se destina».
Também a distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, antes, «à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir.» (Ac. do T. Constitucional, nº 539/2015, de 20/10/2015, proc. n.º 27/15».
Partindo, pois, da qualificação jurídicas das denominadas taxas como contribuições financeiras impõe-se afrontar a derradeira questão suscitada pela recorrente da alegada inconstitucionalidade orgânica de específicas contribuições financeiras, por falta de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras. A questão não é nova e obteve já pronúncia do Tribunal Constitucional, acórdão n° 539/2015, de 19/11, acs. n.ºs 38/2000, de 26/01 e 333/2001, de 10/07, entre outros, no sentido de a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender a regulamentação criada pelo Governo.
Em sintonia com o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 4 de Julho de 2018, no processo 01102/17 reafirmamos que«(…) não tendo as denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, a natureza de imposto, então, face à actual redacção da al. i) do n.º 1 do art. 165º da Constituição da República Portuguesa (onde se autonomiza a categoria das “contribuições financeiras”, ao lado dos impostos e das taxas, para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal), há-de entender-se que a norma constitucional passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da AR, a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado”, configurando-se, assim, «dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (art. 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum.
Com esta alteração deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas»

A sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe vêm apontados, antes tendo feito uma correcta interpretação da lei e sua aplicação aos factos provados, a determinar a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 26 de Setembro de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes (vencido quanto à taxa de promoção nos termos do voto em anexo).


Votei vencido no acórdão tirado no recurso nº 810/17 quanto à consideração de que ocorre legalidade na tributação da taxa de promoção na consideração dos seguintes motivos:
Previamente e desde já se expressa que visto o acórdão do T. Constitucional, nº 539/2015, de 20/10/2015, proc. n.º 27/15 se aceita que na ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas e sendo imperativo que estas possam funcionar na prossecução das actividades que lhe estão cometidas transitoriamente é de presumir uma relação de bilateralidade genérica, preenchendo tal requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa actividade se pretendem atingir.
Cremos estar nesta situação a taxa de coordenação também questionada nos autos e que entendemos tal como foi decidido no acórdão ser devida porque isenta de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Já quanto à taxa de promoção a situação é completamente diferente.
Esta taxa nada tem a ver com o próprio funcionamento da entidade administrativa IVV nem se demonstra necessária para a subsistência do mesmo e atenta a sua finalidade e o facto de ser distribuída por esta entidade em 95% nos termos do D. L. 94/2012 de 20/04 a um grupo de beneficiários/candidatos (que não podem incluir entidades singulares) só muito difusamente beneficia a esmagadora maioria dos viticultores/produtores de vinho, que também, como é do conhecimento comum, maioritariamente são pessoas singulares e não se dedicam à exportação.
Não há bilateralidade e não há sinalagma e o seu verdadeiro conteúdo orgânico é o de todos os produtores de vinho pagarem uma taxa para realização de actividades de promoção de vinho efectuadas por um núcleo, necessariamente restrito, de entidades candidatas a tal actividade, elencadas na portaria 257/2013 de 13/08, as quais não vem demonstrado que tenham qualquer influência ou efeito positivo na actividade individualizada da maioria dos produtores de vinho incluindo empresas, designadamente aqueles sujeitos passivos que não se dedicam à exportação. Por isso, entendemos que o interesse colectivo de todos os produtores aqui não pode ser presumido e a existir é, efectivamente, muito remoto e difuso.
Pelo que sumariamente aqui expusemos, e ao contrário do afirmado no ac. deste STA de 4 de Julho de 2018, no processo 01102/17 a nosso ver a taxa de promoção, tem a dita natureza de imposto, pelo que, no caso concreto, face à actual redacção da al. i) do n.º 1 do art. 165º da Constituição da República Portuguesa (a norma constitucional passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da AR, a “criação de impostos e sistema fiscal (...)) então enferma o DL n.º 94/2012, de 20/04 de inconstitucionalidade orgânica.
Concluímos que se mostram acertadas as conclusões de recurso 11ª a 13ª e que o D.L.94/2012 no que respeita às taxas de promoção é organicamente inconstitucional por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República para a respectiva criação, por ter sido emitido pelo Governo, sem prévia autorização parlamentar. Impunha-se que tal taxa tivesse sido criada por uma lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo no uso de autorização legislativa (cf. n.º 2 do art. 103.º e al. i) do n.º 1 do art.º 165º da Constituição da República Portuguesa), o que não foi feito.
Por tudo o exposto concederíamos parcial provimento ao recurso.

José da Ascensão Nunes Lopes
(Juiz Conselheiro)