Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0412/17
Data do Acordão:07/06/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
RECLAMAÇÃO
Sumário:Não se justifica admitir recurso de revista de decisão do TCA que em conferência e sem prévia decisão do relator deferiu reclamação de despacho que não admitiu um recurso.
Nº Convencional:JSTA000P22124
Nº do Documento:SA1201707060412
Data de Entrada:04/03/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LAGOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………….. recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 16 de Fevereiro de 2017, que julgou procedente a reclamação deduzida pelo MUNICÍPIO DE LAGOA, tendo como objecto um despacho que não admitiu o recurso interposto de decisão proferida na 1ª instância.

1.2. Não fundamenta especialmente a admissibilidade da revista alegando, todavia, que terá ocorrido manifesto erro de julgamento.

1.3. A entidade recorrida pugna pela não admissão do recurso além do mais por estarmos perante uma situação pontual que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídica e sem revestir uma importância fulcral do ponto de vista social.

2. Matéria de facto

Os factos e ocorrências processuais sublinhados pelo TCA Sul, no acórdão recorrido, foram os seguintes:

“(…)

Conforme resulta dos autos, por requerimento datado de 25 de Setembro de 2015, o aqui reclamado veio alegar, em síntese, de forma genérica, incumprimento da sentença proferida em 19 de Setembro de 2012, transitada em julgado.

Por despacho proferido em 30 de Outubro de 2015 foi fixada sanção pecuniária compulsória no montante diário de 10% do salário mínimo nacional, por cada dia de incumprimento, aos Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, B……………, Vice-presidente da Câmara Municipal de Lagoa, C…………….., e Vereadores, D………….., E………., F…………., G………. e H…………

Entretanto, em data não localizada, mas seguramente posterior ao referido despacho de 30 de Outubro de 2015, o Município de Lagoa veio informar o seguinte: “Apesar de estarmos perante factos que não se relacionam com a matéria discutida nos autos principais, para obviar a outras interpretação e, o aqui réu, procedeu a depósito autónomo, à ordem do processo a seguir identificado, no valor de € 12.367,91 relativo a prestações não pagas – meses de Janeiro a Dezembro de 2014 e Janeiro a Novembro de 2015 – vide documentos.

Em 20 de Novembro de 2015, o Município de Lagoa deu entrada de recurso do despacho proferido em 30 de Outubro de 2015, que não veio a ser admitido pelo Tribunal a quo – despacho reclamado de 9 de Março de 2016.

Insurge-se o aqui reclamante contra o entendimento do Tribunal a quo de que mostrando-se verificada a não execução da sentença (de 19-9-2012) e não tendo sido interposto recurso da mesma não há lugar ao recurso interposto (do despacho de 30/10/2015).

(…)”.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O despacho objecto de reclamação junto do TCA não admitiu o recurso da decisão de 30 de Outubro de 2015, através da qual o TAF de Loulé condenou o Presidente, Vice-presidente e vereadores da Câmara Municipal de Lagoa em sanção pecuniária compulsória.

O fundamento do recurso radicava na circunstância dessa ter sido proferida com preterição do contraditório.

Perante a não admissão do recurso houve reclamação dessa decisão para o TCA Sul.

Este Tribunal em conferência deu razão ao reclamante “com a consequente admissão do recurso”.

Nas alegações para este STA o recorrente considera, no essencial, que ocorreu uma nulidade por ter havido julgamento da reclamação em conferência, desviando-se assim da tramitação legal, nos termos da qual a reclamação deveria ter sido apreciada pelo relator, com possibilidade de reclamação deste despacho para a conferência. Considera ainda ter ocorrido a nulidade por o TCA não ter apreciado a ilegitimidade activa do Município para recorrer do despacho de 30-10-2015; que houve conhecimento do mérito; que foi indevidamente condenado em custas e ter havido violação do caso julgado.

3.2. A decisão objecto deste recurso de revista traduziu-se, como decorre do exposto, não admitiu o recurso de uma decisão que condenou várias entidades numa sanção compulsória. O acórdão deferiu a reclamação desse despacho e admitiu o recurso.

A primeira objecção do recorrente radica na circunstância da decisão do TCA Sul ter sido proferido, desde logo e sem prévio despacho do relator, decidida em conferência.

Julgamos, todavia, que não se justifica submeter ao STA, em recuso excepcional de revista, o julgamento desta questão. É verdade que, nos termos do art. 643º, 4, do CPC a reclamação do despacho que não admita o recurso é decidida pelo relator, sendo a sua decisão impugnável, nos termos do art. 652º, 3 do mesmo diploma legal. Ou seja, da decisão do relator a parte que se considere prejudicada pode requerer que sobre a matéria recaia um acórdão. Contudo, a lei não comina expressamente com nulidade a circunstância de ser, desde logo, proferido acórdão. Daí que, a tramitação seguida só configura uma nulidade processual se o acto omitido possa “influir no exame ou na decisão da causa” (art. 195º, 1, do CPC). Ora, perante a decisão já proferida pela conferência, não se vê, no presente caso, em que medida a falta de uma prévia decisão do relator possa influenciar a decisão da reclamação.

Por outro lado ver nesta situação concreta, uma nulidade processual e impôr ao relator a elaboração de nova decisão e que a conferência volte a pronunciar-se traduziria uma verdadeira inutilidade, uma vez que tanto o relator, como a conferência já se pronunciaram sobre o caso. Mais: o TCA Sul – face à arguida nulidade do seu acórdão e após ordenada a baixa dos autos para sobre a mesma se pronunciar- entendeu que não existir qualquer irregularidade ou nulidade, apenas admitindo poder haver decisão diversa quanto a custas por não haver nos autos menção de que o recorrente beneficiasse de apoio judiciário. Ou seja, perante a posição claramente assumida pela conferência não tem razão de ser admitir um recurso de revista para apreciar a eventual nulidade de ter havido decisão em conferência antes de uma prévia decisão do relator.

As demais questões suscitadas também não justificam a admissão da revista excepcional, como vamos ver.

Alega o recorrente que o TCA Sul não se pronunciou sobre a falta de legitimidade do Município de Lagoa para recorrer do despacho de 30-10-2015. É verdade o que alega, só que esse fundamento de inadmissibilidade do recurso não fora invocado no despacho reclamado e, portanto, o TCA Sul, sobre o mesmo nada disse. Não existe assim a nosso ver erro manifesto ou grosseiro do TCA em nada dizer relativamente quanto a tal questão.

Alega ainda o recorrente que o TCA Sul conheceu do mérito do recurso, o que não é verdade. O TCA Sul, em rigor, apenas entendeu que o fundamento de inadmissibilidade do recurso invocado no Despacho que o não admitiu não era exacto. Saber se esse despacho deve ou não manter-se na ordem jurídica é questão que ainda não foi apreciada. Não ocorreu assim, também neste aspecto, qualquer erro manifesto ou grosseiro, pois a decisão recorrida nada decidiu quanto ao mérito.

Alega ainda que foi condenada indevidamente em custas, por litigar com benefício do apoio judiciário. Não se justifica admitir revista neste ponto, uma vez que o TCA Sul referiu que não constava dos autos tal qualidade, quando proferiu a decisão. Quer isto dizer que a condenação em custas não prejudicará o benefício de apoio judiciário nos termos em que este lhe for concedido. Portanto, este aspecto da questão também não justifica o apoio judiciário.

Finalmente pretende o recorrente a extensão do caso julgado da decisão que condenou em sanção compulsória. Todavia, esta questão não foi decidida pelo acórdão recorrido. Recorde-se que o que está em causa é apenas saber se é recorrível uma decisão que condenou várias entidades em sanção compulsória, sem prévio contraditório (era este o fundamento do recurso). Saber se um eventual caso julgado se sobrepõe à preterição do contraditório é uma questão sobre o mérito do recurso admitido pelo TCA Sul. Daí que tal alegação seja incuclendente para efeitos de admissão da presente revista.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do invocado apoio judiciário e nos termos em que este lhe tenha sido concedido.

Lisboa, 6 de Julho de 2017. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.