Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0126/12
Data do Acordão:02/15/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
PENHOR
PODER DISCRICIONÁRIO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - Quando o nº 5 do art. 52º da LGT permite, ainda que a título excepcional, a substituição de uma garantia por outra, essa substituição há-de abranger qualquer das garantias previstas no art. 199º do CPPT, porque todas são consideradas idóneas pela lei, na medida em que são adequadas a garantirem a suspensão da execução fiscal;
II - O nº 2 do art. 199º do CPPT, ao fazer depender a hipoteca da concordância da Administração tributária, significa maior liberdade de apreciação do pedido, que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade;
III - A partir do momento em que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, designadamente quanto à maior ou menor liquidez imediata, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT conjugado com o nº 5 do art. 52º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067415
Nº do Documento:SA2201202150126
Data de Entrada:02/03/2012
Recorrente:A..., S.A
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART52 N5
CPPTRIB99 ART199 ART255 ART46 ART251
CPC96 ART684 N3 ART685-A N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC786/11 DE 2011/09/21
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED PAG78
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I.RELATÓRIO
1. A……, SA., com a identificação constante dos autos, deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria reclamação contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria-1, de 3/11/2011, que indeferiu o pedido de substituição da garantia prestada mediante penhor do crédito do IVA pela hipoteca de três imóveis.
A Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Leiria julgou a reclamação improcedente, mantendo a decisão do órgão de execução fiscal.
2. Não se conformando com tal decisão, veio a reclamante (ora recorrente) interpor recurso, ao abrigo dos arts. 280º e 283º do CPPT e art. 26º, alínea b), do ETAF, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as Alegações, com as seguintes conclusões:
“A)- Na douta sentença recorrida foi entendido que não estando comprovada a idoneidade garantística da hipoteca voluntária dos prédios indicados em garantia para substituição do penhor do crédito de IVA, o douto despacho reclamado de indeferimento da referida substituição não enferma de ilegalidade.
B)- Contudo, a douta sentença recorrida incorreu no erro de confundir a idoneidade da hipoteca voluntária como garantia em processo de execução fiscal com a suficiência ou não dos prédios indicados em garantia.
C)- Com efeito, a hipoteca voluntária constitui uma garantia idónea como resulta do artigo 199º do CPPT, facto este aceite no douto despacho reclamado, proferido pelo Ex.mo Chefe do serviço de Finanças de Leiria-1, em 3 de Novembro de 2011.
D)- A questão de saber se o valor patrimonial dos prédios indicados em garantia ser ou não suficiente para efeitos de constituição de hipoteca voluntária compete ao órgão de execução fiscal, em sede de apreciação da suficiência ou não dos prédios indicados, matéria cujo conhecimento não se coloca nesta sede.
E) - O enquadramento da questão da substituição de garantia do penhor do crédito de IVA pela hipoteca voluntária na vertente da liquidez da garantia não tem suporte legal.
F) - Aliás, a circunstância da crise que assola o país tornar menos especulativo e competitivo o mercado imobiliário não é fundamento para justificar que daí resulte prejuízo para o credor tributário.
G)- Na verdade o que é determinante para efeitos de tributação em sede de IMI, IMT, IRS e IRC são os valores patrimoniais tributários dos prédios avaliados de acordo com as regras do IMI pelo que os referidos valores terão de ser eficazes e válidos para efeitos de prestação de garantia em execução fiscal.
H)- O douto despacho reclamado fez errada aplicação e interpretação do nº 5 do artigo 52º da LGT e do artigo 199º do CPPT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta recorrida, anulando-se o despacho de indeferimento da substituição da garantia do penhor do crédito de IVA por hipoteca voluntária de 2011, pelo Ex.mo Chefe do serviço de Finanças de Leiria-1”
3. Não foram apresentadas Contra-Alegações.
4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
II.FUNDAMENTOS
1. DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
“a) Em 28/07/2011 foi instaurada no Serviço de Finanças de Leiria-1 contra o aqui reclamante a execução fiscal nº 1384201101046888, por dívida de IRC do ano de 2008, a que acrescem juros, no valor total de € 2.004.480,47 (fls. 1 e 2);
b) Por pretender deduzir reclamação graciosa e/ou impugnação judicial a reclamante requereu a indicação do montante a garantir de forma a suspender a execução mediante a prestação de garantia (fls. 4);
c) Pelo ofício datado de 01/08/2011 a reclamante foi notificada para apresentar uma garantia no valor de € 2.510.659,95, para efeitos de suspensão da execução fiscal (fls. 7 e 8 a 10);
d) Por requerimento apresentando em 23/08/2011 a aqui reclamante apresentou como quantia de € 2.510.659,95, a substituir por garantia bancária, cuja emissão se encontrava, à data, em curso (fls. 14 a 19);
e) Em 23/11/2008 o Serviço de Finanças de Leiria-1 solicitou à DSC- Direcção de Serviço de Reembolsos-IVA o processamento da penhora do crédito de IVA até ao montante de € 2.510.659,95, como garantia do processo de execução fiscal identificado na alínea a), com o objectivo da sua suspensão (fls. 20 e 21);
f) Em 29/08/2011 a reclamante apresentou garantia bancária no valor de € 1.200.093,03, prestada pelo Banco Espírito Santo e requereu o cancelamento da penhora de crédito de IVA, no mesmo montante (fls. 27 a 29 e 30 a 31);
g) Por despacho de 02/09/2011 do Chefe do Serviço de Finanças foi determinada a suspensão dos autos de execução fiscal (fls. 33);
h) Em 12/09/2011 a reclamante requereu o reembolso do crédito de IVA, no montante de € 712.752,62, por este valor já se encontrar garantido com a garantia bancária prestada (fls. 35);
i)Em 10/10/2011 a reclamante requereu a substituição da penhora do crédito do IVA, no montante de € 1.310.566,92 pela hipoteca voluntária dos seguintes prédios: - Prédio, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5802, da freguesia de Castelo Branco, com o valor patrimonial tributários de € 199.650,00; - Terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6512, da freguesia de Fátima, com o valor patrimonial tributária de € 834.870,00; Terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7739, da freguesia de Marrazes, com o valor patrimonial de € 360.650,00 (fls. 40 a 48);
j)Em 18/10/2011, por despacho do Chefe de Finanças, em regime de substituição, foi determinada a restituição à reclamante do valor de € 712.752,62 (fls. 51 e 53);
k) Sobre o requerimento referido na alínea i) recaiu em 03/11/2011 despacho do Chefe de Finanças, em regime de substituição, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do seguinte teor «( ... ) Não obstante a hipoteca voluntária poder constituir garantia idónea para efeitos do art. 199º do CPPT, ao incidir sobre bens determinados e beneficiando assim da eficácia dos direitos reais, está ainda assim, bastante aquém da segurança transmitida por aquela outra, já que no incumprimento do devedor, nunca o credor vê a satisfação imediata dos eu crédito, mas antes, num processo mais ou menos longo, que passa pela penhora do bem e colocação à venda, lhe permitirá, caso esta se concretize e o valor de mercado permita, satisfazer (ou não) o seu crédito. Resulta assim, mesmo que houvesse concordância dos proprietários (que ficou por demonstrar) que a hipoteca pretendida revela um grau de liquidez inferior ao da garantia já prestada no processo, advindo daí uma diminuição da probabilidade da cobrança e uma qualidade da garantia, podendo pôr até em risco a satisfação do crédito. Atendendo à natureza da garantia existente, de suficiência e eficácia absoluta quanto à satisfação do crédito, não se vislumbra que, neste caso, o interesse do executado se sobreponha aos interesses do credor, desde logo porque resulta em clara diminuição qualitativa das garantias deste e em claro prejuízo deste, podendo pôr em causa a satisfação do seu próprio crédito, colidindo com o disposto na parte final do nº5 do art. 52º da LGT. Assim, e com os fundamentos invocados, indefiro o pedido quanto à substituição da garantia constituída pelo penhor do crédito do IVA pela hipoteca voluntária dos bens acima indicados.» (fls. 664ª 665).
l) Em 09/11/2011, a reclamante apresentou a presente reclamação (cfr. carimbo aposto a fls. 66 a 73).”
2. DE DIREITO
2.1. Questões a apreciar e decidir: delimitação do objecto do recurso
A ora recorrente apresentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, reclamação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria-1, de 3/11/2011, que indeferiu o pedido de substituição da garantia constituída pelo penhor do crédito de IVA por outra composta por hipoteca voluntária a constituir sobre três imóveis.
Por sentença proferida por aquele Tribunal, foi julgada improcedente a referida reclamação, mantendo-se a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria.
Para tanto, a Mma. Juíza ponderou, entre o mais:
· que era de acolher o argumento do órgão de execução fiscal, quanto à invocada redução da qualidade da garantia, “que põe em risco a satisfação do crédito, uma vez o valor patrimonial dos prédios pouco ultrapassa o valor da quantia a garantir”;
· que, como observa o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu parecer, “«(atento o período que se atravessa de dificuldade de venda de bens imobiliários, consequência da crise que assola o país, não é de supor que uma eventual venda dos imóveis em causa possa ressarcir o montante que se encontra garantido pela penhora do reembolso do IVA. E, além do mais, o valor a fixar para uma eventual venda de tais imóveis era, nos termos do nº 4 do art. 251º do CPPT, de 70% do valor patrimonial tributário dos mesmos, o que mais dúvidas inculca sobre os interesses da AF ficarem acautelados pela substituição pretendida»”.
Concluiu-se, assim, que não se mostrava “comprovada a idoneidade garantística da hipoteca voluntária dos referidos prédios, ou seja, que os prédios constituam uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos»”.
Contra este entendimento se insurge a recorrente argumentando, entre o mais que:
· A douta sentença incorreu em erro de confundir a idoneidade da hipoteca voluntária como garantia em processo de execução fiscal com a suficiência ou não dos prédios indicados em garantia, matéria cujo conhecimento não se coloca nesta sede;
· A hipoteca voluntária constitui uma garantia idónea, como resulta do art. 199º do CPPT, e foi reconhecido pela Administração fiscal, pelo que a invocada diminuição da liquidez da hipoteca em face do penhor do crédito de IVA não tem suporte legal.
Considerando o exposto, impõe-se, em primeiro lugar, delimitar o objecto do presente recurso.
No caso em apreço, resultou provado que a reclamante requereu a substituição do penhor do crédito do IVA, no montante de € 1.310.566,92, pela hipoteca voluntária de três imóveis com o valor patrimonial total de €1.395.170,00, [alínea i) da matéria dada como provada], o que foi recusado por a hipoteca revelar “um grau de liquidez inferior ao da garantia já prestada no processo, advindo daí uma diminuição da possibilidade da cobrança e uma redução da qualidade da garantia, podendo até por em risco a satisfação do crédito” [alínea k) da matéria dada como provada].
Isto, porque, na óptica da Administração fiscal, não obstante a hipoteca constituir garantia idónea para efeitos do art. 199º do CPPT, está no entanto bastante aquém da segurança transmitida pelo penhor do crédito do IVA, uma vez que em caso de incumprimento do devedor nunca o credor vê a satisfação imediata do seu crédito, estando sujeito a um processo mais ou menos longo, que passa pela penhora do bem e colocação à venda, em função do valor de mercado, enquanto que o penhor do crédito do IVA garante de forma absoluta o interesse do credor. O que significa que para a Administração fiscal o eventual risco para a satisfação do seu crédito deriva, desta forma, da menor qualidade oferecida pela hipoteca como garantia.
Temos, assim, que a Administração fiscal não põe em causa o valor patrimonial dos imóveis nem a insuficiência da garantia daí derivada, devendo dar-se razão ao recorrente quando alega que essa matéria não está em causa no presente recurso. Ao contrário do que pode parecer resultar, numa primeira leitura da sentença recorrida (parte decisória), não está em causa averiguar se os prédios urbanos dados como garantia hipotecária constituem garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos, mas sim a questão da menor eficácia oferecida pela hipoteca, como garantia, perante a liquidez imediata que caracteriza o penhor do crédito.
Assim sendo, considerando as conclusões do recorrente, que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº3, e 685º-A/1 do CPC, a questão sub judice traduz-se em saber se tem cobertura legal a recusa da substituição da garantia do penhor do crédito do IVA pela hipoteca voluntária, com fundamento no facto de esta revelar um grau de liquidez inferior, com a consequente diminuição da qualidade e segurança quanto à satisfação do crédito, em face da suficiência e eficácia absoluta oferecida pelo penhor.
2.1.1. Da admissibilidade da substituição do penhor do crédito do IVA pela hipoteca voluntária
A substituição da garantia encontra-se prevista e regulada no art. 52º da LGT, dispondo o seu nº 5 que “A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário”.
De acordo com o mencionado preceito, o legislador admite, embora com carácter excepcional, a substituição da garantia prestada, fazendo depender essa substituição da verificação de dois requisitos: a) o executado faça prova de interesse legítimo nessa substituição; b) e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.
No caso em apreço, não vem questionado o interesse legítimo invocado pelo recorrente, mas sim o eventual prejuízo para o credor derivado da menor eficácia da garantia oferecida em substituição, o que nos remete, desde logo, para as garantias que o executado pode lançar mão.
Quando, no nº 5 do art. 52º da LGT, o legislador diz que “a garantia….uma vez prestada pode ser substituída”, deve entender-se que o preceito em causa pretende possibilitar ao devedor a substituição da garantia existente numa determinada execução por outra que o executado esteja legitimamente autorizado por lei a prestar, quando tal não afecte os fins da execução.
Somos, desta forma, remetidos para o art. 199º do CPPT que, no seu nº 1, indica como idóneas a suspender a execução fiscal a “garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”. Por sua vez, no nº 2 diz que a garantia pode consistir, “a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no art. 195º do CPPT, com as necessárias adaptações.”
O art. 199º do CPPT, além de enumerar algumas garantias consideradas típicas no comércio jurídico, vai mais longe ao admitir constituir garantia idónea “qualquer outro meio” susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado.
Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”.
Considerando o exposta, podemos extrair desde já uma ilação no sentido de que quando o nº 5 do art. 52º da LGT permite, ainda que a título excepcional, a substituição de uma garantia por outra, essa substituição há-de abranger qualquer das garantias previstas no art. 199º do CPPT, porque todas são consideradas idóneas pela lei.
Por outro lado, do exposto resulta igualmente que o prejuízo para o credor na substituição não pode alicerçar-se na melhor ou menor qualidade ou eficácia das garantias em causa.
No caso em análise, não oferece dúvida que o penhor do crédito do IVA confere à Administração fiscal maior garantia, uma vez que funcionará como uma compensação antecipada, sem a necessidade de desenvolver quaisquer ulteriores procedimentos, que envolvem necessariamente a execução da hipoteca.
Porém, como vimos, a questão não pode ser vista nesta perspectiva, porque o objectivo do legislador não é dotar a Administração fiscal de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de “garantia idónea”, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista.
Ora, quando o legislador se refere à hipoteca voluntária, no art. 199º do CPPT, como um exemplo de garantia idónea, ele não ignora as particularidades desta garantia, designadamente o risco de mercado que co-envolve, em qualquer caso, a venda dos imóveis, bem como os procedimentos necessários à concretização da venda dos bens hipotecados. E, mesmo assim, valorou-a como uma garantia idónea idêntica às demais, porque igualmente adequada a cumprir os objectivos subjacentes à prestação de garantia.
Argumentar-se-á que, em relação à hipoteca, a lei fá-la depender da “concordância da administração” tributária, o que significa maior liberdade na apreciação do pedido. Mas essa maior liberdade implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, pois que aí sim poderá haver prejuízo para o credor (nº5 do art. 52º da LGT), bem como observar o princípio da proporcionalidade (Referindo-se ao poder discricionário da Administração fiscal, na interpretação e aplicação do nº 2 do art. 199º do CPPT, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21/9/2011, proc. nº 786/11, refere que “Para além da correcção da interpretação da norma e da verificação dos pressupostos da sua aplicação, que no caso não está em causa, restará sempre a observância do princípio da proporcionalidade, ou seja, do «iter» lógico seguido pela administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à aplicação da norma ao caso concreto.” ).
Por outro lado, conjugando o art. 199º do CPPT e o nº 5 (segunda parte) do art. 52º da LGT, a mera invocação do risco hipotético de mercado ou o menor grau de liquidez da hipoteca não pode consubstanciar por si só prejuízo para o credor na substituição, uma vez que se trata de risco característico da hipoteca que o legislador já ponderou ao considerá-la “garantia idónea” para suspender a execução.
A própria Administração fiscal incorre em contradição e erro de interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT quando reconhece que a hipoteca constitui garantia idónea (ponto K da matéria de facto dada como provada), mas mesmo assim recusa a substituição por o penhor lhe oferecer garantia de maior liquidez.
No caso em apreço, também não colhe o argumento da excepcionalidade da substituição, uma vez que o executado ofereceu como garantia o penhor do crédito do IVA, a título transitório e provisório (cfr. fls. 15 e 114 dos autos e ponto d) da matéria dada como provada). É verdade que se comprometeu a substituir o penhor por garantia bancária, e que, posteriormente, não conseguiu satisfazer na totalidade. Tal circunstância não impede, porém, que possa oferecer outra garantia que lhe seja menos onerosa, ponto é que daí não resulte prejuízo para a execução (nº 5, segunda parte do art. 52º da LGT).
Em suma, a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT conjugado como nº 5 do art. 52º da LGT.
E não se vislumbra que desta interpretação resulte prejuízo para a Administração fiscal e a garantia dos créditos na execução fiscal, sobretudo no momento actual de crise do mercado imobiliário.
Em primeiro lugar, a Administração fiscal goza de lata margem de discricionariedade na avaliação do valor dos bens que são oferecidos em garantia.
Em segundo lugar, a garantia “é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores” (nº 5 do art. 199º do CPPT).
Finalmente, a lei permite-lhe, em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, ordenar o reforço da mesma, nos termos do disposto no nº 9 do art. 199º do CPPT e nº 3 do art. 52º da LGT.
A Administração fiscal goza, desta forma, de lata margem de liberdade na aplicação destes mecanismos, que lhe permitem assegurar o crédito exequente, mas tem de obedecer à lei nos aspectos vinculados, não podendo na interpretação e aplicação da mesma pôr em causa as valorações que são próprias do legislador, subvertendo o sentido e alcance que o mesmo pretendeu dar às normas, em especial aos arts. 199º do CPPT e 52º, nº 5, da LGT.
A proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.
No caso dos autos, afigura-se sobretudo desadequado o indeferimento da substituição, porque a Administração fiscal, sem invocar insuficiência da garantia, mantém retido um crédito a que o executado já tem direito, apenas com o argumento da sua maior segurança e qualidade (liquidez imediata), o que significa que não há interesse público, que justifique o sacrifício dos interesses do executado.
Também aqui a Administração fiscal deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (art. 46º do CPPT), o que aponta para a necessidade da ponderação proporcionada dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles. A Administração fiscal, se achar que a garantia é insuficiente, até pode prescindir apenas de parte do penhor do crédito. O que não pode é prevalecer-se do penhor, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito, sem qualquer consideração pelos interesses legítimos do executado.
Atento o exposto, o órgão de execução fiscal no despacho reclamado incorreu, desta forma, em vício de violação de lei que determina a anulação da decisão recorrida.
A sentença recorrida que assim não entendeu não pode, por isso, ser confirmada.
III. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e, julgando procedente a reclamação, anular o despacho reclamado, que deve ser substituído por outro que não seja de indeferimento do pedido substituição da garantia com os fundamentos invocados.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.

Segue acórdão de 19 de Abril de 2012:

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Em 15 de Fevereiro, de 2012, foi proferido Acórdão de fls. 154 a 164 no qual foi “concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e, julgando procedente a reclamação, anulado o despacho reclamado, que deve ser substituído por outro que não seja de indeferimento do pedido de substituição da garantia com os fundamentos invocados”.
2. Aquando da elaboração da conta final do processo, o senhor Oficial de Justiça prestou informação de fls. 176, na qual verificou que o Acórdão de fls. 164 era omisso quanto a custas.
3. Por despacho de fls. 178, a Mmª Juíza “a quo” ordenou a devolução dos autos a este Supremo Tribunal de forma a ser suprida a omissão.
4. Cumpre decidir.
5. De acordo com o estabelecido no art. 667º do CPC, aplicável aos acórdãos por força do disposto no art. 716º do mesmo diploma, estes devem ser rectificados quanto a custas quando contiverem quaisquer inexactidões devidas a omissões ou lapsos manifestos.
É o caso dos autos.
6. Verifica-se que houve de facto um lapso por omissão de condenação em custas a parte que ficou vencida, a Fazenda Pública, como resulta claramente da redacção da decisão final, onde a seguir à parte decisória do Acórdão se escreveu apenas a data sem antes haver qualquer referência quanto a custas.
7. Nestes termos, acorda-se em condenar a Fazenda Pública em custas.

Lisboa, 19 de Abril de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.