Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01043/17.0BEPRT
Data do Acordão:02/19/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGOS
INCONSTITUCIONALIDADE
ILEGALIDADE
Sumário:I - O Imposto Especial de Jogo (I.E.J.) constitui um tributo especial incidente sobre a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro de imóveis afectos à respectiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa actividade, qualquer outra tributação, nomeadamente, em sede de I.R.C. (cfr.artº.7, do C.I.R.C.). Este tributo encontra-se regulado pelo dec.lei 422/89, de 2/12 (diploma que já sofreu diversas alterações, sendo a mais recente efectuada pelo dec.lei 98/2018, de 27/11), consagrando um regime de liquidação e cobrança muito particular, já que o mesmo reveste natureza contratual, sendo doutrinariamente configurado como regime de avença, no qual a matéria colectável pode ser determinada por acordo entre o contribuinte e a Fazenda Pública.
II - O I.E.J. concretiza, segundo a doutrina, o que se pode designar por "regime fiscal substitutivo", no qual se verifica a substituição do regime geral de tributação do rendimento, aplicável à generalidade dos contribuintes, por um regime especial, o constante do mencionado dec.lei 422/89, de 2/12.
III - A "contrapartida anual" prevista no dec.lei 275/2001, de 17/10, consubstancia uma prestação de natureza patrimonial reconduzindo-se à "contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo, a concessão numa zona territorial pré-determinada".
IV - O dec.lei 422/89, de 2/12, tal como o dec.lei 275/2001, de 17/10, não enfermam de inconstitucionalidade orgânica e/ou material. (sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25624
Nº do Documento:SA22020021901043/17
Data de Entrada:12/09/2019
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A…………., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, exarada a fls.172 a 185-verso do processo, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando acto de liquidação de Imposto Especial de Jogo, relativo ao ano de 2016, na parcela referente à contrapartida anual derivada da concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim e no montante de € 3.879.752,82.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.191 a 209 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à chamada "contrapartida anual" exigida às empresas concessionárias da actividade do jogo;
2-A referida contrapartida anual está prevista e regulada no Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10 e é constituída por 50% das receitas brutas dos jogos explorados no Casino pela ora recorrente;
3-O referido Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, estabelece, também, que a referida contrapartida anual não pode ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atinja esse mínimo;
4-Essa contrapartida anual tem a natureza de um imposto, desde logo porque, ao menos em parte, é pago através das liquidações de Imposto do Jogo e, fundamentalmente, porque se trata de uma prestação definitiva, pecuniária, unilateralmente determinada, coerciva e que não corresponde a uma contraprestação específica;
5-Não obstante exista um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a recorrente para a exploração de jogos de sorte e azar, essa contrapartida anual não tem matriz contratual;
6-O contrato de concessão limita-se a reproduzir o conteúdo de actos legislativos anteriores - o Decreto-Regulamentar nº 29/88, de 3/8 e o Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10;
7-A exigência do pagamento da contrapartida anual e a sua fórmula de cálculo estão estabelecidos nos referidos instrumentos legais;
8-Além de que, repete-se o pagamento, ao menos em parte, dessa contrapartida é feita com os pagamentos do Imposto de Jogo, imposto esse previsto em acto legislativo - DL nº 422/89, de 2/12;
9-A circunstância de haver um contrato de concessão e de a recorrente ter "aceite" o pagamento de tributos, não sana as inconstitucionalidades e/ou ilegalidades dos tributos (Imposto do Jogo e contrapartida anual) já que o Estado e os particulares apenas podem validamente obrigar-se dentro dos limites que a Constituição lhes permite;
10-Aliás, o STA, a propósito da questão da competência da jurisdição fiscal, já se pronunciou no sentido de que a contrapartida é um tributo;
11-Não há, assim, qualquer impossibilidade de se apreciar as ilegalidades que a recorrente considera existirem na impugnada liquidação da contrapartida;
12-É que a referida liquidação é ilegal porque o diploma, com base na qual foi emitida tal liquidação (Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional por violação dos artºs 103°, nº 2 e 165º, nº 1, i), da Constituição da República Portuguesa;
13-É que o Decreto-Lei nº 275/2001 foi aprovado sem ser com base em qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo;
14-Acresce que, conforme referido, uma parte da contrapartida anual é paga através de pagamentos do Imposto do Jogo;
15-Ora, o Imposto do Jogo está previsto no Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, diploma esse aprovado com base na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei nº 14/89, de 30/6;
16-Porém, essa autorização legislativa é amplamente genérica, não cumprindo o requisito constitucionalmente expresso de definir com rigor e precisão, "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma" (cf., à época, o artº 168, nº 11 e, hoje, o artº 165°, da Constituição);
17-Na medida em que está em causa matéria fiscal, que é da competência da Assembleia da República, o referido Decreto-Lei nº 422/89, é organicamente inconstitucional e, portanto, ilegais as liquidações de Imposto do Jogo e, deste modo, ilegal a contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto;
18-Por outro lado, sendo, como é, a "contrapartida anual" um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real;
19-Na verdade, a "contrapartida anual" incide sobre as receitas brutas obtidas pela recorrente e o valor de tal contrapartida nunca pode ser inferior a um mínimo estabelecido na lei;
20-O que quer dizer, portanto, que a recorrente é tributada de forma completamente desligada do seu rendimento real/efectivo, podendo ocorrer, até, uma relação inversamente proporcional entre as receitas que obtém e o tributo que é forçado a suportar;
21-No limite, com a consagração de uma "contrapartida mínima" poderia a recorrente não ter qualquer receita e, não obstante, está obrigada a pagar a contrapartida;
22-Aliás, o próprio imposto de jogo que, conforme referido, "integra" a contrapartida anual, é também inconstitucional por violação desses princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real;
23-É que, como decorre do artº 85° da Lei do Jogo (Decreto-Lei nº 422/89), a tributação sobre os chamados "jogos bancados" incide sobre a receita bruta, afastando-se, assim, do lucro real e efectivo;
24-E, quanto à tributação sobre as máquinas automáticas, ela incide sobre um "capital" fixado administrativamente pelo Turismo de Portugal, IP, havendo, deste modo, uma tributação sobre meras presunções de rendimento;
25-Deste modo, a impugnada liquidação é ilegal, pelo que não pode manter-se a douta sentença recorrida.
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A entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr. fls.214 a 228 do processo físico), as quais encerra pugnando pela manutenção do julgado.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.235 a 241 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.243 e 244 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.173 a 175 do processo físico):
1-A impugnante é uma sociedade comercial anónima que, no âmbito da sua actividade, em 29/12/1988, celebrou com o Estado português, um contrato designado por concessão para exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de Póvoa de Varzim, que foi publicado no Diário da República 3.ª Série, n.º 37, de 14/02/1989 (cópia do Diário da República de fls. 127 e 128 do processo físico, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
2-Em 14/02/2001, as partes procederam à revisão e prorrogação do contrato descrito no ponto anterior, a qual foi publicada no Diário da República 3.ª série, n.º 27, de 01/02/2002 (cópia do Diário da República de fls. 127 e 128 do processo físico);
3-Por ofício com a referência SAI/2017/915, datado de 25/01/2017, o impugnado enviou à impugnante um exemplar do caderno de apuramento da contrapartida relativa ao ano de 2016 (ofício de fls. 32 do processo físico);
4-Do caderno de apuramento da contrapartida relativa ao ano de 2016 consta, designadamente, o seguinte (caderno de apuramento de fls. 31 e 33 do processo físico):

“CONTRAPARTIDA ANUAL DEVIDA PELA A………, S.A. NOS TERMOS DA ALÍNEA B) DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO DECRETO REGULAMENTAR N.º 29/88 E DO N.º 1 DO ARTIGO 5.º DO DECRETO-LEI N.º 275/2001
ANO 2016 (VAL. EM EUROS)
1. RECEITA BRUTA: 44 408 283 02 SALA DE JOGOS TRADICIONAIS - 7 242 076,00 SALA DE MÁQUINAS – 36 502 854,52 POKER – 663 352,50 VALOR CORRESPONDENTE A 50% DAS RECEITAS DE JOGO – 22 204 141,51
2. DEDUÇÕES A EFECTUAR NOS TERMOS DO ART.º 6.º DO DECRETO REGULAMENTAR N.º 29/88: 18 324 380,69
2.1 - IMPOSTO ESPECIAL SOBRE O JOGO - ALÍNEA A) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 13 882 037,24
2.2 - IMPORTÂNCIA PAGA PELA A………., S.A. PARA COMPENSAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DO S.R.I.J - ALÍNEA B) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 806 337,12 2.3 - IMPORTÂNCIA CORRESPONDENTE À COMPARTICIPAÇÃO NO PREJUÍZO DAS PISCINAS - ALÍNEA C) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 185 615,09
2.4 - ENCARGOS COM A AQUISIÇÃO, RENOVAÇÃO E SUBSTITUIÇÃO DE EQUIPAMENTO DE JOGO – 2 244 953,32 50% DOS ENCARGOS - ALÍNEA D) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 1 122 476,60
2.5 - ENCARGOS COM OS PROJECTOS DE EXECUÇÃO DE OBRAS DE MODERNIZAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO CASINO - 0,00 50% DOS ENCARGOS - ALÍNEA D) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 - 0,00
2.6 - ENCARGOS COM A AUTOMATIZAÇÃO DO SISTEMA DE EMISSÃO DE CARTÕES DE ACESSO ÀS SALAS DE JOGO E CONTROLO DAS RECEITAS E CIRCUITOS INTERNOS DE TELEVISÃO E VIGILÂNCIA - 100% DOS ENCARGOS - ALÍNEA E) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 123 104,84
2.7 ENCARGOS COM O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DEFINIDAS NO N.º 1 DO ART.º 5.º DO DECRETO-LEI N.º 275/01, DE 17 DE OUTUBRO – 444 082,83
2.7.1 - ESPECTÁCULOS (GALAS, CONCERTOS, SHOW DIÁRIO) – 635.148,73
2.7.2 - MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E DESPORTIVAS – 266 006,95
2.7.3 - PROPAGANDA NA ZONA DO ESTRANGEIRO – 2 789,20
2.7.4 - PROPAGANDA NA ZONA DO PAÍS – 785.511,19
Total – 1.689.456,07 Valor mínimo dos encargos elegíveis – 1.258.861,12 Limite: 1% x Total Receita Bruta – 444.092,83
2.8 ENCARGOS COM O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DEFINIDAS NO N.º 2 DO ART.º 5.º DO DECRETO-LEI N.º 275/01, DE 17 DE OUTUBRO – 611 561,44
2.8.1 - DESPESAS A QUE SE REFERE O N.º 1 DO ART.º 5.º - 1.689.456,07
2.8.2 - DESPESAS DE RESTAURAÇÃO - FOOD AND BEVERAGE – 630.873,83 – 1 450.303,17 2.8.3 - ENCARGOS COM PUBLICIDADE E MARKETING – 629.177,79 Total – 2.949.507,69 – 3.768.937,04
Limite – o menor entre: 3% do total da Receita Bruta – 1 332 248,49 50% dos encargos em excesso do mínimo exigível – 845.323,29 25% do acréscimo das Receitas Brutas – 811.561,44
2.9 - IMPORTÂNCIA CORRESPONDENTE ÀS ENTREGAS AO INSTITUTO NACIONAL DE FORMAÇÃO TURÍSTICA - ALÍNEA G) DO ART.º 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 689 499,28
2.10 - IMPORTÂNCIA CORRESPONDENTE AOS SUBSÍDIOS PAGOS A ENTIDADES COM RELEVÂNCIA SOCIAL - ALÍNEA H) DO ART. 6.º DO DEC. REG. N.º 29/88 – 459 666,19
3. DIFERENÇA PREVISTA NA ALÍNEA I) DO ART.º 6.º - 3 879 760,82 (…)”.

5-O impugnado procedeu à liquidação da contrapartida anual referente ao ano de 2016, da qual deu conhecimento à impugnante, através do ofício com a referência SAI/2017/1399/SRIJ/R, datado de 26/01/2017, donde consta, designadamente, o seguinte (documento de fls. 30 do processo físico):
“(…)
CONTRAPARTIDA ANUAL 2016
Receita Bruta dos jogos € 44.408.283,02
50% da receita bruta dos jogos € 22.204.141,51
Nos termos do n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato a contrapartida anual não pode ser inferior ao valor constante do mapa anexo ao D.L.275/2001, de 17/10 mínima conforme mapa anexo ao D.L. n.º 275/2001, de 17/10, actualizada a preços de 2016 (cfr. dados oficiais INE – www.ine.pt): € 25.445.433,62
Deduções à contrapartida € 18.324.380,69
Remanescente da contrapartida calculado € 7.121.052,93
(…).”
6-Em 01/02/2017, a impugnante procedeu à transferência do valor total de 7.121.074,51€, para o impugnado (factura-recibo de fls. 34 do processo físico);
7-A presente impugnação deu entrada em juízo no dia 27/04/2017 (envelope de fls. 71 do processo físico).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Nenhum outro facto foi considerado provado com interesse para a presente decisão…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal baseou-se nos elementos documentais existentes no processo físico, tal como indicados à frente de cada facto provado que, não tendo sido postos em causa, foram considerados credíveis…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida, além do mais, julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve o acto de liquidação de "Imposto Especial de Jogo", na parcela referente à contrapartida anual derivada da concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim e no montante de € 3.879.752,82 (cfr.nº.4 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a liquidação da contrapartida anual derivada da concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim reveste a natureza de um imposto. Que o dec.lei 275/2001, de 17/10, com base no qual foi estruturada a mesma liquidação, padece de inconstitucionalidade orgânica, devido a violação dos artºs.103, nº.2, e 165, nº1, al.i), da C.R.P. Que o Imposto de Jogo, o qual integra a identificada contrapartida anual, porque baseado no regime previsto no dec.lei 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), e concretamente no seu artº.85, viola os princípios constitucionais da legalidade (na sua vertente de reserva de lei), da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (cfr.conclusões 1 a 25 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo e do modo como foram legal e contratualmente definidas as respectivas contrapartidas, o que se constata é que, embora a exploração do jogo não se reconduza a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da "concessão") dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Em Portugal, os jogos de fortuna ou azar constituem um monopólio do Estado. A sua prática é circunscrita, essencialmente, aos casinos e sujeita a forte regulação, sendo explorada em regime de concessão e adjudicada a empresas seleccionadas mediante concurso público (cfr.artºs.9 e 10, do dec.lei 422/89, de 2/12).
O Imposto Especial de Jogo (I.E.J.) constitui um tributo especial incidente sobre a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro de imóveis afectos à respectiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa actividade, qualquer outra tributação, nomeadamente, em sede de I.R.C. (cfr.artº.7, do C.I.R.C.). Este tributo encontra-se regulado pelo dec.lei 422/89, de 2/12 (diploma que já sofreu diversas alterações, sendo a mais recente efectuada pelo dec.lei 98/2018, de 27/11), consagrando um regime de liquidação e cobrança muito particular, já que o mesmo reveste natureza contratual, sendo doutrinariamente configurado como regime de avença, no qual a matéria colectável pode ser determinada por acordo entre o contribuinte e a Fazenda Pública (cfr.José Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Reflexões acerca da sua admissibilidade, Coimbra Editora, 1994, 105 e seg.; Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.93 e seg.).
O I.E.J. concretiza, segundo a doutrina, o que se pode designar por "regime fiscal substitutivo", no qual se verifica a substituição do regime geral de tributação do rendimento, aplicável à generalidade dos contribuintes, por um regime especial, o constante do mencionado dec.lei 422/89, de 2/12 (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 7ª. Edição, 2012, pág.588 e seg.; Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 8ª. Edição, 1996, pág.629 e seg.; Sérgio Vasques, Os Impostos do Pecado, O Álcool, o Tabaco, O Jogo e o Fisco, Almedina, 1999, pág.87 e seg.).
No dec.lei 422/89, de 2/12 ("Lei do Jogo" que consagra o regime jurídico da exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos) existe um capítulo (VII) denominado de "Regime Fiscal" em que se aborda os aspectos mais técnicos da incidência, liquidação e cobrança do imposto especial sobre o jogo (cfr.artºs.84 a 94).
O artº.84, da Lei do Jogo, começa por estatuir que as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento do imposto especial pela actividade do jogo não sendo exigível outra tributação pela referida actividade ou outras actividades que estejam obrigadas contratualmente.
Desta estatuição retiram-se duas conclusões importantes:
1-Fica definido que actividades acessórias/secundárias desenvolvidas no âmbito do contrato de concessão como animação cultural e outras ficam também sujeitas ao I.E.J.;
2-Atribui-se isenção de outros impostos de carácter central e local, bem como dos inerentes custos de licenciamento das actividades desenvolvidas às concessionárias. Já outras actividades desenvolvidas pelas sociedades concessionárias fora do âmbito do jogo e, face às quais, não haja qualquer cláusula obrigacional no contrato de concessão para o seu desenvolvimento ficam sujeitas ao regime tributário geral, ou seja, ao I.R.C. (cfr.artº.84, nº.4, da Lei do Jogo; artº.7, do C.I.R.C.).
Mais se dirá que o imposto sobre o jogo tem tido um papel importante no desenvolvimento do turismo no nosso país uma vez que parte substancial da sua receita (imposto de receita consignada) é aplicada no sector (77,5 %). A canalização das receitas provenientes desta actividade são definidas no artº.84, nº.3, do dec.lei 422/89, de 2/12.
Por último, a abertura ao público de cada banca ou máquina de jogo implica, desde logo, o pagamento mensal do I.E.J. por parte da concessionária. Apesar da liquidação e cobrança do referido imposto ser mensal é efectuada a correspondente liquidação definitiva anual, nos termos estabelecidos no artº.85 e seguintes da Lei do Jogo, conjugados com o clausulado nos respectivos contratos de concessão concretamente celebrados.
Após esta breve introdução, incidente sobre a definição do Imposto Especial de Jogo (I.E.J.) e seu regime jurídico, no âmbito do exame do presente recurso, haverá que saber se a contrapartida a que estão obrigadas as empresas concessionárias de exploração das actividades de jogos de fortuna e azar, em regime de exclusivo territorial, tem a natureza jurídica de tributo, "maxime" de imposto, e se o acto de liquidação da contrapartida concretamente impugnado padece de ilegalidade derivada da inconstitucionalidade das normas que a instituíram, o que pressupõe saber se, como alega o recorrente, o dec.lei 422/89, de 2/12, tal como o dec.lei 275/2001, de 17/10 (diploma que autorizou a prorrogação dos prazos dos contratos de concessão das zonas de jogo do Algarve, Espinho, Estoril, Figueira da Foz e Póvoa de Varzim), enfermam de inconstitucionalidade orgânica e se as normas que instituem o pagamento da referida contrapartida violam os princípios fundamentais da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real. Ainda, se o acto impugnado, na medida em que integra o Imposto Especial de Jogo, viola igualmente os ditos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, em virtude do disposto no artº.85, da Lei do Jogo.
A chamada "contrapartida anual" exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo é composta por 50% das receitas brutas dos jogos explorados no Casino, tem um "mínimo" fixado no dec.lei 275/2001, de 17/10, mais estando prevista no nº.2, da cláusula 4ª., do Contrato de Concessão identificado nos nºs.1 e 2 do probatório supra.
Vigora neste domínio o citado sistema de concessão em que a remuneração do Estado é materializada em contrapartida financeira assente, além do mais, numa percentagem das receitas brutas das concessionárias, como sublinha João Taborda da Gama (em parecer emitido em 14/07/2016 e que veio a ser junto a outros processos em recurso nesta Secção de Contencioso Tributário do S.T.A.). Tal contrapartida financeira, ainda de acordo com o citado parecer de João Taborda da Gama, é aceite contratualmente pelas empresas concessionárias, mais consubstanciando uma receita patrimonial do Estado, que não uma receita fiscal. Por outro lado, a eventual ocorrência do facto de uma empresa concessionária, num concreto exercício anual, suportar uma contrapartida mínima superior a uma determinada percentagem das suas receitas brutas nesse ano, ou mesmo superior à totalidade dessas receitas, não é uma questão que deva ser resolvida no âmbito do Direito Fiscal, com recurso aos seus instrumentos e aos seus cânones e princípios, antes sendo uma questão que diz respeito ao conteúdo de um contrato administrativo e ao equilíbrio do seu sinalagma, tudo de acordo com o citado autor.
Avançando, as questões que são suscitadas no âmbito do presente recurso foram já objecto de análise e decisão na Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., no acórdão de 5 Dezembro de 2018 (rec.2224/13.1BEPRT), proferido em julgamento ampliado do recurso (cfr.artº.148, do C.P.T.A.; artºs.686 e 687, do C.P.Civil), e o seu teor posteriormente reiterado na jurisprudência que se lhe seguiu, designadamente, nos acórdãos de 23 de Janeiro de 2019 (rec.1037/14.8BEPRT e 1681/14.3BESNT), de 13 de Março de 2019 (rec.1046/17.5BEPRT), de 3 de Julho de 2019 (rec.2220/15.4BESNT) e de 30 de Outubro de 2019 (rec.132/13.5BESNT).
Tendo em consideração:
i)o carácter unânime da decisão prolatada em 5 de Dezembro de 2018 por este Tribunal;
ii)a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes do S.T.A. que têm sido proferidas sobre a mesma questão, algumas supra identificadas;
iii)o pouco tempo que ainda decorreu desde que este entendimento jurisprudencial foi firmado, impõe o princípio da segurança jurídica que o teor daquela decisão inicial (em julgamento ampliado) seja igualmente seguido no recurso aqui em exame.
Com estes pressupostos, contemplando o teor do acórdão de 5 de Dezembro de 2018 (rec.2224/13.1BEPRT) e do acórdão de 23 de Janeiro de 2019 (rec.1681/14.3BESNT), deve aplicar-se o disposto no artº.663, nº.5, do C.P.Civil (cfr.artº.94, nº.5, do C.P.T.A.), assim se estruturando a restante fundamentação do presente aresto através de remissão para os acórdãos precedentes e os fundamentos aí expendidos. Por outro lado,
considerando que, quer o texto do acórdão de 5 de Dezembro de 2018, quer o texto do acórdão de 23 de Janeiro de 2019, ambos da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., se encontram disponíveis, na íntegra, "on-line", na base de dados da D.G.S.I., dispensa-se a junção das respectivas cópias.
Do citado acórdão de 23 de Janeiro de 2019 (rec.1681/14.3BESNT), retira-se a seguinte passagem constante da fundamentação de direito, com a qual inteiramente concordamos e que se reproduz:

“(…) Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), não podendo essa contrapartida, incluindo a parte em que é integrada pela dita “compensação de encargos para a Inspecção de Jogos”, assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então, mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a uma taxa a dita compensação de encargos com os Serviços de Inspecção, acabando, aliás, por lhe conferir natureza de imposto, face a uma invocada “desproporção intolerável”), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas às liquidações em apreço, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica (por inexistência de autorização legislativa da AR) e inconstitucionalidade material (por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real), do DL n° 422/89, de 2/12, do DL n° 275/2001, de 17/10 e do DL nº 129/2012, de 22/06. (…)”.

Este acórdão, na vertente em que conclui que a "contrapartida anual" se integra na global contrapartida financeira prevista no contrato de concessão identificado nos nºs.1 e 2 do probatório supra, têm fundamento diferente do imposto, antes constituindo receitas de natureza patrimonial, pode considerar-se corrente jurisprudencial deste Tribunal, a qual teve, igualmente, expressão no aresto de 30 de Janeiro de 2019 (rec.1671/13.3BESNT).
Face à motivação jurisprudencial para a qual se remete, impõe-se negar provimento ao recurso.
Por último, acompanha-se, igualmente, a jurisprudência anterior quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas, mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Registe. Notifique.
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Lisboa, 19 de Fevereiro de 2020. – Joaquim Condesso (relator) – Gustavo Lopes Courinha – Aragão Seia.