Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01040/20.9BEBRG
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:SERVIÇOS
MINISTÉRIO DA SAÚDE
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
CONCURSO PÚBLICO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SEGURANÇA
ADJUDICAÇÃO
CONTRATO
CONTRA-INTERESSADO
CONDENAÇÃO
Sumário:I - No caso dos autos e para efeitos do art. 285º do CT o contrato coletivo de trabalho não impõe a transferência dos trabalhadores da anterior prestadora de serviços para a futura prestadora dos mesmos, nem da natureza da atividade a exercer – vigilância - resulta ser necessário qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.”.
II - Não ocorrendo transmissão do estabelecimento não há lugar à transmissão da posição de empregador.
III - A justificação do preço mais competitivo com o benefício de pagamento de somente metade da TSU pelo recurso à contratação de jovens “à procura do 1º emprego e desempregados de longa duração” releva para efeitos de se considerar que não foram violados os arts. 1º-A nº 2 e 70º nº 2 f) do CCP após alteração do DL nº 111-B/2017.
IV - O que não significa que o interessado não tenha de demonstrar a viabilidade de obter, efetivamente, esse benefício, justificando, assim, o valor apresentado e o cumprimento das normas, devendo o júri solicitar o respetivo «esclarecimento» pois é ele que deve «assegurar», logo na formação do contrato, que o operador económico respeita as pertinentes normas.
V - Não ocorrendo qualquer pedido de justificação de eventual preço anormalmente baixo nem tendo sido esse o fundamento de exclusão da então autora não pode neste momento o tribunal entrar no seu conhecimento já que, a apresentação de proposta de preço anormalmente baixo não pode ser excluída automaticamente, mesmo quando resulte objetiva e inequivocamente das peças do procedimento pelo que a situação não é a do art. 163º nº5 do CPA.
Nº Convencional:JSTA00071492
Nº do Documento:SA12022060901040/20
Data de Entrada:04/20/2022
Recorrente:SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, EPE
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DO MÉDIO AVE, E.P.E. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART1º-A N2 ART70º, Nº2, AL.F) (C/ ALTS. INTRODUZIDAS PELO DL Nº111-B/2017)
CCP ART71º Nº3
CPA ART 163º, Nº5
Legislação Comunitária:DIRETIVA 2014/24/UE ART 69º, Nº1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO:

1. SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE (SPMS) vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA do acórdão do TCAN, de 14.01.2022, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença proferida no TAF do Porto, em 7.10.2021, que julgara procedente a ação administrativa de contencioso pré-contratual intentada por A………. Lda, (A…….) contra a ora Recorrente, e que tinha por objeto a anulação da decisão de exclusão da proposta que apresentara no concurso público para prestação de serviço de vigilância e segurança humana para o CHMA [Centro Hospitalar do Médio Ave] – unidades de Famalicão e de Santo Tirso, bem como da deliberação proferida em 08.07.2020 pelo Conselho de Administração da ora Recorrente, que adjudicou o contrato à proposta apresentada pela contra-interessada B………….., SA para prestação de serviços entre 01.08.2020 e 31.12.2021, requerendo ainda a condenação da R. a admitir a proposta apresentada pela então A., bem como a sua ordenação em primeiro lugar e à adjudicação do contrato.

2. Para tanto, alegou em conclusão:

“A. A questão a decidir no presente recurso é a de saber que destino dar a uma proposta de um concorrente cujo preço se veio a concluir, na sequência de esclarecimentos, ser insuficiente para garantir o cumprimento de vinculações legais e regulamentares de natureza laboral que lhe são aplicáveis.

B. Esta questão jurídica fundamental cumpre qualquer dos requisitos de admissão do recurso de revista previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.

C. Desde logo, porque a questão decidenda enunciada é de natureza controversa, que ultrapassa as fronteiras do caso concreto e é suscetível de se repetir com grande frequência, pelo que a admissão do presente recurso é “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, uma vez que está em causa, no acórdão recorrido, a interpretação dos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP baseada na jurisprudência dos tribunais superiores.

D. A temática do sentido e alcance da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º como fundamento de exclusão de propostas tem diversas implicações e ramificações, mostrando-se delicada, difícil e complexa, além de ter sido densificada de modo muito relevante pela jurisprudência.

E. Por outro lado, importa ainda balizar e definir os termos em que a mais recente alteração promovida à Lei da Segurança Privada, em torno da proibição da contratação com prejuízo operada pelo seu artigo 5.º-A, bem como a alteração empreendida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto ao artigo 1.º-A do CCP impactam na interpretação que os Tribunais têm vindo a sufragar da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º após a entrada em vigor dessas alterações, em especial à luz das disposições contidas nos artigos 18.º, n.º 2 e 69.º, n.º 3 da Diretiva 2014/24/EU.

F. Este Venerado Tribunal não teve, até ao momento, oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria atendendo ao novo quadro legislativo em vigor, de modo a que as várias instâncias que se têm vindo a pronunciar sobre esta questão façam uma correta interpretação jurisprudencial do problema em causa.

G. Por força da convenção coletiva de trabalho aplicável, a Recorrida, caso fosse adjudicatária, estava legalmente obrigada a contratar os trabalhadores que exerciam anteriormente funções no CHMA com as mesmas condições (nomeadamente, relativas à retribuição aplicável, à antiguidade ou à categoria profissional) que haviam tido até aí, aplicando-se, consequentemente, o regime legal da transmissão de estabelecimento instituído pelo artigo 285.º do Código do Trabalho, com os fundamentos e pelas razões supra alegados.

H. Em todo o caso, ainda que inexistisse uma disposição semelhante à do artigo 285.º do Código do Trabalho, a verdade é que a obrigação de contratação dos trabalhadores que exerciam funções no CHMA, com as mesmas condições, decorre muito claramente da CCT AES.

I. O que determina que não era possível à A………… desatender na formação (e justificação) do seu preço à obrigação de assegurar a integração dos trabalhadores do operador económico cessante que se encontravam afetos ao serviço. Mas, tendo afirmado que pretendia “contratar vigilantes que estejam em situação de primeiro emprego e de desempregados de longa duração”, confessou que não iria cumprir o disposto no artigo 14.º da CCT, ou seja, que não iria cumprir as vinculações legais ou regulamentares que lhe são aplicáveis.

J. Ao não ter assim considerado, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 285.º do Código do Trabalho e do artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do CCP.

K. O Tribunal incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 71.º, n.º 4, alínea f) do CCP e do artigo 69.º, n.º 3 da Diretiva 2014/24/EU porque assume um entendimento do qual resulta a privação da entidade adjudicante do exercício do dever de sindicar o preço apresentado pela Recorrida e, concluindo pela sua insuficiência para assegurar o cumprimento de normas legais e regulamentares em matéria social e laboral, excluir a proposta.

L. Sendo imperativo registar que o referido artigo 69.º, n.º 3 da Diretiva estabelece um dever vinculado de exclusão nos casos em que a entidade adjudicante conclua que o preço apresentado se mostra insuficiente para assegurar o cumprimento de normas sociais e laborais, de tal maneira que qualquer interpretação do direito nacional que obvie o cumprimento desse dever será inevitavelmente desconforme com o Direito da União Europeia.

M. Embora o Tribunal tenha recusado conhecer da verificação de base legal bastante para a exclusão da proposta à luz do artigo 70.º, n.º 2, alínea e) do CCP, ou seja, com fundamento no preço anormalmente baixo da proposta da Recorrida, a instrução do procedimento evidencia de forma muito sólida que o preço apresentado pela Recorrida deve ser qualificado como anormalmente baixo, não tendo sido acionado o respetivo regime legal porque o júri do procedimento entendeu, desde logo, estarem verificados os pressupostos para a exclusão da proposta com fundamento na violação de normas legais imperativas caso o contrato viesse a ser celebrado.

N. O Tribunal incorreu em erro de julgamento por violação da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º, do artigo 5.º-A, n.ºs 1 e 2, alínea b) da Lei da Segurança Privada e do artigo 1.º-A, n.º 2 do CCP, por um lado, porque entendeu que a sindicância dos deveres previstos nos dois últimos preceitos apenas deve fazer-se na fase de execução contratual (o que contraria claramente o teor daqueles preceitos) e, por outro lado, porque contribui para a aplicação de uma jurisprudência pretérita que ignora as alterações legislativas ocorridas ao CCP e à Lei da Segurança Privada, que tem subjacente a ideia de que às entidades adjudicantes não eram legalmente atribuídas competências para a fiscalização do cumprimento de normas de natureza laboral e social e de que a entidade adjudicante não está habilitada a excluir uma proposta com base na alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º quando o concorrente declare pretender recorrer a mecanismos de apoio à contratação, vendo-se obrigada a tomar em linha de conta nesse juízo fatores de índole empresarial ou financeira.

O. Tendo o legislador europeu e, posteriormente, o nacional introduzido as duas normas mencionadas no sentido de impedir a adjudicação de propostas que estivessem nessa circunstância, sendo também precisamente por isso que a sindicância dos deveres instituídos pelo artigo 1.º-A, n.º 2, do CCP deve fazer-se logo na fase de formação do contrato e não apenas na fase da sua execução, como parece resultar do acórdão recorrido.

P. Por outro lado, existindo atualmente uma norma – o artigo 5.º-A da Lei 34/2013 – que proíbe expressamente a contratação com prejuízo na área da segurança privada, e devendo o conceito de “prejuízo” ser interpretado da forma supra alegada, sempre que o preço apresentado se mostre inferior aos respetivos custos de execução, a proposta será ilegal por violar “vinculações legais”, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º.

Q. Tendo sido esse o caso da proposta apresentada pela A……… e ao não ter assim considerado, o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por violação artigo 5.º-A, n.ºs 1 e 2, alínea b) da Lei da Segurança Privada e da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º e do artigo 1.º-A, n.º 2, ambos do CCP.

R. Por último, o conteúdo decisório do ato impugnado nunca poderia deixar de ser o de exclusão da proposta da Recorrida, porquanto ainda que não se considerasse estar demonstrada a violação de normas legais e regulamentares sempre se impunha concluir que o preço apresentado é anormalmente baixo e os esclarecimentos apresentados se mostram manifestamente inaptos a demonstrar a credibilidade e suficiência do preço indicado.

S. Esse dever imperativo de exclusão resulta claro e incontornável do disposto no artigo 69.º, n.º 3 da Diretiva 2014/24/EU, sendo reconhecido pela generalidade da doutrina internacional que se pronunciou sobre o tema.

T. De tal modo que no caso dos autos, tendo resultado do procedimento que o preço apresentado pela A……… se mostra insuficiente para garantir o cumprimento de normas sociais e laborais, não há como fugir à conclusão que a exclusão da proposta era a única decisão juridicamente admissível e compatível com o Direito da União Europeia.

U. Nestes termos, sempre teria de ser afastado o efeito anulatório do ato impugnado, nos termos do artigo 163.º, n.º 5 do CPA, determinando essa circunstância, irremediavelmente, a incorreção do entendimento propugnado pelo Acórdão recorrido.

V. Procedendo o segmento do recurso referente à anulação da decisão de exclusão da proposta da Autora, cai necessariamente por terra, em consequência, a condenação da entidade demandada a readmiti-la e adjudicá-la.

W. No entanto, ainda que tal segmento não merecesse provimento, sempre a decisão de condenação da entidade demandada a readmitir e a adjudicar a proposta da Autora teria de ser revogada.

X. Isto porque, atendendo à evolução doutrinária e jurisprudencial, nacional e europeia, torna-se claro que também por esta via devem ser excluídas propostas cujo preço proposto seja abaixo dos custos sociais e laborais a incorrer com a execução das prestações a contratar ou relativamente às quais haja suspeita de anomalia e em que o esclarecimento prestado não seja apto a dilucidá-la.

Y. Não podendo, portanto, a Entidade Demandada ser privada do exercício do poder/dever de sindicar o preço apresentado pela Autora e, concluindo pela sua anomalia e pela (mais que provável) insuficiência dos esclarecimentos, excluir a proposta com esse fundamento.

Termos em que deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente, e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, julgando-se a ação totalmente improcedente...

3. A………, L.DA. apresentou as respetivas contra-alegações, concluindo:

“A. Vigorou uma corrente jurisprudencial em Portugal que defendia que a entidade adjudicante não tem a obrigação de se pronunciar/fiscalizar a forma como os concorrentes organizam as suas propostas, de tal forma que estes podem até assumir que aquele contrato não dará lucro e, por isso, podem apresentar preços abaixo dos chamados preços de mercado. (Por todos, o Acórdão do STA de 12/03/15, Processo n.º 0657/15)

B. Com a publicação das Directivas de 2014 a com a mais recente jurisprudência do TJUE, reforçou-se o entendimento que a contratação pública deve servir para a prossecução de políticas secundárias e que, para o interesse público, não basta fazer-se “o melhor negócio possível”, sendo igualmente relevante o cumprimento das práticas laborais, sociais ou ambientais.

C. Aqui chegados, importava que o legislador nacional, através da última alteração ao CCP, acautelasse a protecção das entidades adjudicantes contra as propostas não sérias.

D. E em consequência, foram aditadas 2 alíneas ao n.º 4 do art.º 71.º do CCP, incluindo nos critérios justificativos de preços anómalos a racionalidade e fiabilidade dos preços e custos apresentados e a demonstração do cumprimento da legislação obrigatória (que pode levar á exclusão – art.º 70.º, n.º 2).

E. Por outro lado, o legislador nacional foi obrigado a aditar um art.º 1.º - A, n.º 2, prevendo que há uma obrigação transversal a todo o procedimento que impende sobre a entidade adjudicante de fiscalizar o cumprimento normativo das propostas, em todos os domínios, mesmo que o preço não esteja abaixo do limiar da anomalia; quer na fase da formação do contrato, quer durante a sua execução! [11 Em transposição do regime inserto, mormente, nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art. 69.º da Directiva n.º 2014/24/UE e das als. d) e e) do n.º 2 do art. 84.º da Directiva n.º 2014/25/UE, regime esse que contem um leque exemplificativo mais vasto que o que derivava das anteriores Directivas - cfr. n.º 1 do art.º 55.º da Directiva n.º 2004/18/CE e n.º 1 do art.º 57.º da Directiva n.º 2004/17/CE.]

F. Ora, num determinado procedimento pré-contratual, cabe à entidade adjudicante assegurar o cumprimento de todas as normas em vigor, garantindo que a prestação de serviço se faça no estrito cumprimento das normas constantes na Lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

G. E a Autora teve o cuidado de demonstrar que o preço constante na sua proposta, cuja diferença nem sequer é significativa face ao preço da proposta apresentada pela empresa a quem se propõe a adjudicação (cerca de 7%) é suficiente para, ao contrário do que sustenta a Recorrente (mas não prova), cobrir com os custos mínimos dos encargos sociais resultantes da execução do contrato que se visa celebrar.

H. E, por isso, o valor mencionado de 8,09€ a praticar por cada hora de trabalho é um preço de referência a que a Autora recorreu para a elaboração da proposta e que é até um preço superior ao praticado em contratos similares e celebrados nesse ano de 2020 com a Recorrente, nos valores de 7,20€ e 7,24€ para os Centros Hospitalares de Barcelos e Póvoa de Varzim-Vila do Conde.

I. Inexistiu assim prova e demonstração factual no procedimento de que o preço constante da proposta da Autora implique ou acarrete um qualquer incumprimento por parte da mesma daquilo que são as suas obrigações e vinculações legais/contratuais, quer face a entidades públicas ou privadas, quer face aos seus trabalhadores.

J. De tal forma que o contrato celebrado nesse mês com o Centro Hospitalar do Médio Ave manteve o mesmo preço e não deu lugar a qualquer incumprimento contratual!

L. Note-se que o valor que separou a proposta da Exponente da B…….. deriva, numa parte, da diferença da TSU e, noutra parte, de um preço mais competitivo por parte da Autora.

M. Em tudo o mais, as propostas em confronto assentam nos mesmos pressupostos, não se vislumbrando em que medida a referida diferença em que se cifrou a divergência dos valores das propostas permita validamente fundar um juízo claro, necessário e inequívoco de incumprimento daquilo que são as obrigações/vinculações legais em sede de custos da Autora e que o mesmo também não ocorra com a própria proposta da B……… quanto a ter também ela que dar cumprimento/observância aos mesmos custos/encargos obrigatórios.

N. Como refere o TCAN: “Frise-se que para além dos custos fixos/impostos legal, administrativa e contratualmente, uma empresa defronta-se com uma gama muito variada de custos variáveis que não estão fixados ou taxados de forma alguma e em que entram fatores que se prendem com capacidades de organização e de gestão detidas ou não, com capacidades comerciais e de negociação, pelo que não poderemos deixar de ter em consideração esta realidade no juízo concreto que importa fazer quando haja de se aferir se a situação em questão preenche ou não a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP.”

O. Em conclusão, os factos constantes no procedimento não permitiram nunca à entidade adjudicante alegar e provar que existia um risco de incumprimento daquilo que são as estritas vinculações e obrigações legais por parte da Autora.

P. A opção tomada pela Autora de recorrer aos benefícios resultantes da contratação de jovens ou desempregados de longa duração deve ser enquadrada dentro da sua liberdade de organização, enquanto entidade empresarial que actua num mercado concorrencial e que visa o lucro.

Q. E Pese embora as entidades adjudicantes devam evitar as propostas que manifestamente demonstrem, pelos valores que apresentam, ser incapazes, sequer, de custear os encargos salariais, no caso sub judice, a proposta da Autora/Recorrida não só demonstrou que este contrato não implicou “receber” qualquer trabalhador da empresa transmitente, como, mesmo que tal acontecesse, estava resguardada por uma verba extra que lhe permitia fazer face a esta despesa.

R. É consensual na jurisprudência e na doutrina o entendimento pelo qual – embora exista um poder-dever das entidades adjudicantes em garantir que as propostas cumpram com as normas laborais, ambientais ou sociais – só podem decidir pela respectiva exclusão se:

i) Exigirem aos concorrentes os devidos esclarecimentos (art.º 70.º, n.º 3 do CCP);

ii) Após esses esclarecimentos, concluírem, sem margem para dúvidas, que estão perante uma proposta cuja execução levará inevitavelmente ao incumprimento contratual.

S. Pese embora a Apelante insista que o montante proposto pela Recorrida não é suficiente para pagar todos os valores previstos legalmente e nos contratos colectivos aplicáveis, como vimos, não só não logrou apoiar esta sua conclusão em qualquer facto que justifique a legalidade da exclusão desta proposta, como não solicitou os devidos esclarecimentos à Autora/Recorrida; em violação do n.º 3 do art.º 70.º do CCP.

T. Quanto à prova de incumprimento, e ao facto de a Autora ter previsto o recurso à obtenção de benefícios fiscais, não só a Lei não proíbe tal possibilidade, como até estimula as empresas a contratar jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração – são as chamadas políticas secundárias em matéria social que a contratação pública deve seguir, nos termos dos art.º s 20.º e 67.º da Directiva 2014/24/UE e dos art.º s 54.º - A e 75.º, n.º 2, alínea d) do CCP.12 [12Este entendimento foi reiterado pelo STA em Acórdão de 16/12/2015, Processo n.º 1047/15: “I- A al. f), do nº 2, do art.º 70.º do CCP prevê apenas a exclusão de propostas, cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares imperativamente aplicáveis ao contrato em si mesmo e já não às relações do concorrente com outras entidades terceiras e estranhas ao contrato. II - Não viola o disposto no nº 1 do art.º 56.º e, alínea c) do n.º 2 do art.º 70.º ambos do Código dos Contratos Públicos, a proposta apresentada pelo concorrente que apresente redução do preço proposto com fundamento na atribuição de apoios à contratação que não se encontre documentalmente justificada, desde que o caderno de encargos ou o programa do concurso não o exijam. III - A redução do preço proposto fundada na atribuição de apoios à contratação, constitui um risco que recai única e exclusivamente sobre a concorrente adjudicatária, situando-se na sua esfera de liberdade de organização empresarial e de risco ou estratégia de gestão.”]

U. Por isso, a proposta de decisão do Exmo. Júri acobertada pela entidade adjudicante e defendida em alegações de recurso, caminha em contramão às mais recentes orientações em matéria de contratação pública; porquanto penaliza uma proposta que aposta exactamente no apoio aos jovens e aos desempregados!

V. Em conclusão, como bem decidiu o Acórdão recorrendo e no seguimento da extensa jurisprudência citada, os factos constantes no procedimento não permitem que o Exmo. Júri alegue e prove existir um risco de incumprimento daquilo que são as estritas vinculações e obrigações legais por parte da Autora.

X. A seguirmos a tese da Apelante, então nunca a proposta da contrainteressada conseguiria suportar todas as obrigações legais, na medida em que de um valor global de 609.069,12€, prevê 607.160,70€ só em custos salariais, o que significa que, para todos os demais custos, apenas estão reservados 1.908,42€!!!

AA. POR OUTRO LADO, também não pode a Apelante assumir, de antemão, que o regime legal da transmissão do estabelecimento implica sempre a transferência automática dos trabalhadores.

BB. PRIMEIRO, porque nem sempre os trabalhadores aceitam essa transmissão – tal qual aconteceu no contrato celebrado entre a Autora e o CHMA – em que nenhum trabalhador da B………. (contrainteressada) “passou” para a Autora.

CC. SEGUNDO, porque nem sempre ocorre a transmissão de uma “unidade económica”, conforme tem vindo a ser o entendimento da jurisprudência.

DD. TERCEIRO, porque o vínculo legal dos trabalhadores não tem de ser exclusivamente operado através de um contrato de trabalho, podendo ocorrer sobre a forma de contrato de prestação de serviços.

EE. Quarto, como bem decidiu o Acórdão recorrendo, há que analisar o regime legal decorrente da Convenção Colectiva de Trabalho em vigor e qual o entendimento sufragado pela jurisprudência acerca das condições exigíveis para existir uma verdadeira transmissão de estabelecimento.

FF. Acresce que não pode exigir-se aos concorrentes que façam prova que já apresentaram os pedidos de isenção parcial do pagamento da TSU, porquanto estes pedidos só têm lugar após a celebração do contrato de trabalho com os trabalhadores abrangidos.

GG. E exigir aos concorrentes que contratassem os vigilantes em momento anterior à adjudicação do contrato seria impor-lhes a assunção de vínculos contratuais e custos manifestamente desproporcionais que podiam vir a tornar-se desnecessários e incomportáveis – pondo até em causa a viabilidade económica dos concorrentes.

HH. Como refere Pedro Fernández Sanchez: “A decisão de exclusão com base na alínea f) do n.º 2 do art.º 70 do CCP tem de inserir-se num contexto de cumprimento da liberdade da iniciativa privada e da liberdade dos concorrentes em conformar a sua proposta”.

II. A inaceitabilidade da proposta, como adianta Margarida Olazabal Cabral, só pode reconduzir à ilegalidade da proposta no caso de se comprovar cabalmente que os encargos com o pessoal são inferiores ao mínimo constante da convenção colectiva de trabalho. 13 [13 Cfr., O Concurso Público nos contratos administrativos, Almedina, 1997, p. 184.]

JJ. Na medida em que, e na esteira de Pedro Fernández Sanchez, em obra publicada em 2020: “A exclusão por fundamento no art.º 70.º, n.º 2, alínea f) do CCP, só actua se a entidade adjudicante tiver absoluta confiança, por base nos elementos constantes na proposta, que os custos cuja satisfação é exigida pelas normas jurídicas aplicáveis ao contrato que se visa celebrar, não podem ser cobertas pelo preço proposto”.

LL. E em igual sentido, em Direito dos Contratos Públicos, 4.ª edição, Livraria Almedina, do ano de 2020, Pedro Gonçalves, (pp. 955 e ss) citando o art.º 57.º, n.º 4, alínea a) da Directiva 2014/24/EU, este Autor, transpondo para a legislação nacional, precisa que, para que opere uma exclusão com este fundamento, a entidade adjudicante tem de ter a convicção que, na execução do contrato, o contratante vai certamente desrespeitar as obrigações legais.

MM. ACRESCE o facto de o Júri não ter solicitado à Autora, conforme exige o art.º 70.º, n.º 3 do CCP, os esclarecimentos acerca do preço da proposta, previamente à decisão de exclusão.

NN. Pois bem, refere Pedro Gonçalves, in ob. cit. que uma proposta de custo anormalmente baixo não pode ser excluída sem antes ter sido dada oportunidade ao concorrente de justificar a sua proposta – cfr. o art.º 71.º, n.º 3 do CCP.

OO. No mesmo sentido veja-se Jorge Andrade da Silva, que refere que “Este dever de audiência prévia [pedido de esclarecimentos sobre a justificação do preço (ou custo) anormalmente baixo] será o regime aplicável mesmo se o concorrente tinha elementos para saber – e, porventura sabia – que a sua proposta é de preço anormalmente baixo, dado a revogação da alínea d) do nº 1 do art.º 57º que obrigava a proposta, nessa situação, a ser instruída com os documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do procedimento. Assim, face ao novo regime, a apresentação de proposta de preço anormalmente baixo não pode ser excluída automaticamente, mesmo quando resulte objetiva e inequivocamente das peças do procedimento – e, por isso, o concorrente não possa ignorar – e não venha acompanhada de elementos justificativos”.

PP. Ainda no mesmo sentido, Ana Sofia Alves, que considerando o quadro legal introduzido pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2016, resume as linhas de força daquele quadro da seguinte forma:

“a) A previsão expressa do exercício de contraditório sobre a qualificação do preço como anormalmente baixo nos casos de determinação casuística pela entidade adjudicante: «o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar a decisão de exclusão de uma proposta com essa justificação, solicitando previamente ao respectivo concorrente que preste esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos constitutivos relevantes da proposta» (cfr. art.º 71.º, n.º 3, do CCP, também aplicável no caso do preço abaixo dos custos).

QQ. Por outro lado, o TJUE já se pronunciou diversas vezes sobre a questão em causa, considerando que o regime impõe o afastamento de quaisquer automatismos no tratamento das propostas que se afigurem de valor anormalmente baixo ou de preço abaixo dos custos legais, sendo inaceitável qualquer situação que retirem aos concorrentes que hajam apresentado propostas particularmente baixas a possibilidade de provarem que essas propostas são sérias, concluindo que se impõe, nesses casos, um processo preciso, detalhado e contraditório de verificação das propostas, que analise os seus pressupostos e aprecie a pertinência das explicações fornecidas. Só depois se pode decidir e, eventualmente, rejeitar as propostas em questão.

RR. Como determinou o Tribunal de Justiça no Acórdão Slovensko, de 29/03/12, Processo C – 599/10:

“Importa lembrar que, nos termos do art.º 55.º da Diretiva 2004/18, se, para um determinado contrato, houver propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa, a entidade adjudicante, antes de as poder rejeitar, «solicitará por escrito os esclarecimentos que considere oportunos sobre os elementos constitutivos da proposta».

Decorre claramente destas disposições, redigidas em termos imperativos, que o legislador da União exige à entidade adjudicante que verifique a composição das propostas que apresentem um caráter anormalmente baixo, impondo-lhe, para o efeito, a obrigação de solicitar aos concorrentes que apresentem as justificações necessárias (v., neste sentido, Acórdão de 27/11/01, Lombardini e Mantovani, C-285/99 e C-286/99, Colet., p. I-9233, n. os 46 a 49).

Por conseguinte, a existência de um debate contraditório efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do procedimento de análise das propostas, para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma exigência fundamental da Diretiva 2004/18, com vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas.”

E diz mais:

“Por outro lado, o efeito útil do art.º 55.º, n.º 1, da Directiva 2004/18 implica que cabe à entidade adjudicante formular claramente o pedido dirigido aos candidatos em causa, de modo a estes poderem justificar plena e utilmente a seriedade das suas propostas.”

O que no caso em apreço não aconteceu!!

SS. E no mesmo sentido, o art.º 69.º, n.º 1 da Diretiva 2014/24/EU vem determinar que “as autoridades adjudicantes exijam que os operadores económicos expliquem os custos indicados na proposta, sempre que estes se revelem anormalmente baixos para os serviços a prestar”.

TT. Acresce que “a autoridade adjudicante avalia as informações prestadas consultando o proponente” e “só pode excluir a proposta no caso de os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos custos propostos.”

UU. No caso em apreço, os esclarecimentos solicitados nem sequer permitiram ao Autor/Recorrido fazer prova do preço proposto!!

VV. Nas palavras de ANA SOFIA ALVES: “Constitui causa de exclusão de uma proposta a apresentação de um preço (ou custo) anormalmente baixo se decorrer das justificações apresentadas que esse preço se explica pelo não cumprimento das obrigações laborais, sociais e ambientais relevantes.”14 [14 “Alterações ao regime do preço anormalmente baixo”, in Ebook CEJ, Contratação Pública, Abril de 2018, p. 74.]

XX. PELO QUE não podia o Júri sustentar que “não consegue determinar a conformidade legal desta prestação no que se refere aos custos mínimos para assegurar a prestação do Serviço”.

TERMINANDO

ZZ. Conforme melhor descrito em sede de alegações, é extremamente difícil apurar quais os cálculos para obtenção dos custos que devem ser os custos /vinculações “legal e regulamentarmente aplicáveis”.

AAA. É mister reconhecer a impossibilidade de contabilizar os custos ao cêntimo, bem como a necessidade de admitir certa margem de erro marginal, podendo existir demasiadas condicionantes que podem colocar em crise os cálculos, devido, vg, a diferenças (i) de fórmulas adoptadas, (ii) das condições comerciais de cada concorrente e (iii) de eventuais condições dos concorrentes que permitam a redução de custos legalmente exigíveis (como, vg, dispensa de pagamento de contribuições à Segurança Social ou outros benefícios públicos). (neste sentido, o recente Acórdão de 17/16/21, TCA Sul, Processo n.º 132/19.1BESNT).

BBB. Esta complexidade, na opinião da Recorrida, deve levar as entidades adjudicantes a excluir as propostas por violação das obrigações legais face á insuficiência do preço apresentado, apenas e só:

i) Após a prestação de esclarecimentos por parte dos concorrentes que não sejam satisfatórios a justificar o preço apresentado;

ii) Quando essa violação é certa e objectiva e a diferença de valores com as demais propostas é flagrante!

CCC. Daí que os Autores citados, como PEDRO FERNÁNDEZ SANCHEZ, PEDRO GONÇALVES ou ANA SOFIA ALVES utilizem expressões como “absoluta confiança na insuficiência do preço proposto” (…) “certeza objectiva” (…) “absoluta segurança” (…) “sem margem para dúvidas que o cocontratante vai certamente desrespeitar as obrigações legais” (…) “a referida violação das normas legais há de ressaltar de imediato da proposta apresentada” (…) entre outras menções que significam que a convicção da entidade adjudicante tem de ser muito forte para levar à exclusão de uma proposta com esta justificação legal – circunstância que, como se provou e foi confirmado pelas duas instâncias que já se pronunciaram, não existiu!!

DDD. E também quanto à exigibilidade da solicitação prévia dos esclarecimentos: JORGE ANDRADE DA SILVA refere-se a um “dever de audiência prévia” (…); ANA SOFIA ALVES à “solicitação prévia obrigatória, por escrito e em prazo adequado, dos esclarecimentos” (…); o Acórdão Slovensko à “existência de um debate contraditório efectivo entre a entidade adjudicante e o concorrente”; o art.º 55.º, n.º 1 da Directiva 2004/18 ao “dever da entidade adjudicante em formular claramente um pedido dirigido aos candidatos, de modo a que possam justificar a seriedade das suas propostas”, (…); o art.º 68.º, n.º 1 da Directiva 2014/24/EU refere que “as autoridades adjudicantes devem exigir aos operadores económicos que expliquem os custos das propostas (…) e só pode haver lugar à exclusão da proposta no caso de os meios fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos custos propostos”.

EEE. E no caso em apreço, esses esclarecimentos não foram solicitados à Autora/Recorrida, incumprindo-se assim o disposto no art.º 70.º, n.º 3 do CCP. (...)”

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 24.02.2022.

5. O Ministério Público foi notificado nos termos e para efeitos dos art.s do artigo 146º, n.º 1.º e do artigo 147º, nº 2 do CPTA, em 21.04.2022.

6. Sem vistos (art. 36º, nºs 1, al. c) e 2 CPTA), cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto fixada pelas instâncias.


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MATÉRIA DE DIREITO

1.Está aqui em causa a aferição da validade da anulação da decisão de exclusão da proposta que a autora apresentara no concurso público para prestação de serviço de vigilância e segurança humana para o CHMA [Centro Hospitalar do Médio Ave] – unidades de Famalicão e de Santo Tirso, bem como da deliberação proferida em 08.07.2020 pelo Conselho de Administração da ora Recorrente, que adjudicou o contrato à proposta apresentada pela contra-interessada B…………, SA para prestação de serviços entre 01.08.2020 e 31.12.2021, requerendo ainda a condenação da R. a admitir a proposta apresentada pela então A., bem como a sua ordenação em primeiro lugar e à adjudicação do contrato.

A recorrente aponta à decisão recorrida erro de julgamento por violação dos artigos 1º-A, nº 2, 70º nº 2, alínea f) e 71) ambos do Código dos Contratos Públicos e 5º-A nºs 1 e 2, alínea b) da Lei de Segurança Privada, 285º do Código do Trabalho, em especial à luz das disposições contidas nos artigos 18.º, n.º 2 e 69.º, n.º 3 da Diretiva 2014/24/EU referindo que, face aos referidos preceitos, a jurisprudência na qual se baseou a decisão recorrida para julgar procedente a presente ação de contencioso pré-contratual deve ser objeto de outra análise.

2. Não podemos esquecer que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações.

O artº 72º do CCP permite que o júri do procedimento possa pedir aos concorrentes esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º (nºs 1 e 2).

No caso sub judice, o júri, face ao invocado pela B………., ficou com dúvidas relativamente ao cumprimento do quadro legal aplicável quanto à retribuição mínima dos vigilantes a disponibilizar pela Autora aquando da efetiva execução do contrato, considerando que a Autora apresentou um preço global insuficiente para garantir o pagamento dos custos mínimos com remunerações de trabalho dos seus colaboradores e que a adjudicação dos serviços a esta empresa resultaria na violação da legislação em vigor, mormente do art.º 5.º - A da Lei n.º 34/2013, de 16-05, tendo, em face disso, formulado a questão a esclarecer nos seguintes termos: “No âmbito da pronúncia apresentada pelo concorrente B………, expliquem a forma como chegaram ao valor final da proposta, nomeadamente a fórmula de cálculo do valor mensal.”

A autora respondeu esclarecendo que a divergência entre o cálculo do valor global efetuado por si, para apresentação do valor da proposta e o cálculo do valor mensal efetuado pela B…….OM reside na Taxa Social Única, já que, para executar o serviço, pretende contratar vigilantes que estejam em situação de primeiro emprego e desempregados de longa duração, para poder o usufruir da dispensa parcial do pagamento da contribuição para a Segurança Social, pelo que o valor mensal da TSU que vai pagar corresponderá a metade do regime geral que é de 23,75%, conforme o art.º 6.º da Portaria n.º 112-A/2019, de 12 de Abril.

Contudo, aquando da exclusão da proposta foi diretamente invocado que os valores apresentados na proposta da A………. de 8,09 € para todas as tipologias de horário e serviço, não se coadunava com a legislação em vigor, pois que os mesmos não refletem as diferenças de hora diurna e noturna que são pagas ao trabalhador neste setor, o que traduz em falta de transparência na proposta apresentada.

E não deixa de ser verdade que consta da proposta da autora que esta vai pagar o mesmo preço ao trabalho diurno e ao noturno, o que em si constitui uma violação da lei não obstante já em sede de contencioso administrativo a concorrente A………. vir invocar que utiliza um valor médio de referência, e que não deve suscitar quaisquer dúvidas ao júri, porque prova no quadro com indicação dos encargos salariais que remete, que a soma dos valores pagos mensalmente em encargos com os trabalhadores é suficiente para cobrir aqueles que são os valores mínimos legais.

Pelo que, não se impunha com absoluta necessidade qualquer clarificação e inerente justificação de um valor que estava perfeitamente identificado.

Ora, a decisão de 1ª instância entendeu que “Nesta medida, à Autora não era exigível esclarecer aquilo que não lhe foi perguntado, designadamente a justificação do valor/ hora praticado ser o mesmo, quer se tratasse de trabalho diurno ou noturno, razão pela qual não podia o júri do concurso fazer apelo a esse argumento, que como se retira do pedido de esclarecimentos formulado, não constituiu objeto desse pedido.”

E, a 2ª instância em sede de recurso não se pronunciou sobre esta questão nem vem invocada qualquer nulidade com este fundamento, sendo que é esta a decisão que aqui está a ser sindicada, apenas relevando e que aqui estão em causa os vícios invocados relativamente à decisão aqui recorrida e são, por isso esses, que aqui cumpre conhecer.

3. Alega a recorrente que, por força da convenção coletiva de trabalho aplicável, a recorrida, caso fosse adjudicatária, estava legalmente obrigada a contratar os trabalhadores que exerciam anteriormente funções no CHMA com as mesmas condições (nomeadamente, relativas à retribuição aplicável, à antiguidade ou à categoria profissional) que haviam tido até aí, aplicando-se, consequentemente, o regime legal da transmissão de estabelecimento instituído pelo artigo 285.º do Código do Trabalho, com os fundamentos e pelas razões supra alegados.

E que, ainda que inexistisse uma disposição semelhante à do artigo 285.º do Código do Trabalho, decorre da CCT AES a obrigação de contratação dos trabalhadores que exerciam funções no CHMA, com as mesmas condições.

Conclui que não era possível à A………… desatender na formação e justificação do seu preço a obrigação de assegurar a integração dos trabalhadores do operador económico cessante que se encontravam afetos ao serviço não podendo, por isso, dizer que pretendia “contratar vigilantes que estejam em situação de primeiro emprego e de desempregados de longa duração”, sob pena de violação do artigo 14.º da CCT e de , com isso, resultar que não iria cumprir as vinculações legais ou regulamentares que lhe são aplicáveis.

A este propósito diz-se na decisão recorrida:

“São notórias as diferenças de redação entre a cláusula 14º do primeiro contrato coletivo de trabalho e a cláusula 14º-A do segundo contrato coletivo de trabalho, dado que, se na referida cláusula 14º nº 4 a transmissão dos contratos de trabalho surge consagrada com um carácter de obrigatoriedade, cumpridos, nomeadamente os requisitos previstos no nº 1, o mesmo não sucede na cláusula 14º-A do segundo contrato coletivo de trabalho em que tal transmissão aparece como uma possibilidade, como denuncia o uso da expressão “é lícita a transferência dos trabalhadores abrangidos da empresa cessante para aquela à qual foi adjudicado o novo contrato de prestação de serviços (adjudicatário).”, pelo que a questão da obrigatoriedade da A. – ora Recorrida – assumir a posição de empregadora dos trabalhadores da antiga prestadora dos serviços de vigilância, passa pela análise dos nºs 1 e 10 do artigo 285º do Código do Trabalho, que ora se recordam:

“1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.” (...)

10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no sector público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.”

De acordo com o nº 1 apenas se transmite para o adquirente a posição de empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores no caso de transmissão da titularidade de empresa, estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, importando determinar se a alteração da posição de adjudicatário para a prestação de serviços de vigilância em apreço consubstancia a transmissão de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, importando para tal chamar à colação o acórdão proferido pelo S.T.J. em 06 de Dezembro de 2017, no âmbito do Proc. 357.13.3.TTPDL.L1.S1., do qual se transcreve o seguinte sumário:

“I – Para se verificar a transmissão de uma empresa ou estabelecimento e, consequentemente, ter aplicação o regime jurídico previsto no art. 285.º, do Código do Trabalho de 2009, quanto aos seus efeitos, importa verificar se a transmissão operada tem por objeto uma unidade económica, organizada de modo estável, que mantenha a sua identidade e seja dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma atividade económica, ou individualizada, na empresa transmissária.

II – Não ocorre uma situação de transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.”

Acórdão do qual se transcreve, igualmente, o seguinte trecho: (....)

“3.3. O conceito nuclear inserido nesta Diretiva, conforme resulta da sua análise, não é tanto o de transferência/transmissão de empresa, mas sim o de “transferência de uma entidade económica” – cf. a alínea b), do nº 1, do seu art. 1º.

Conceito que reencontramos explicitado no art. 285.º do Código do Trabalho, no seu n.º 5, com a noção aí consagrada de “unidade económica”, como o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

Reproduzindo na nossa ordem jurídica o citado art. 1.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva no 2001/23/CE, de 12 de Março, em consonância com o entendimento da Jurisprudência do TJUE, segundo o qual é considerada como tal a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta nos mesmos termos: “como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

Asserção vertida claramente no atrás citado Acórdão do TJUE, de 09.09.2015, com a seguinte narrativa:

«Segundo jurisprudência constante, a Diretiva 2001/23 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na aceção dessa diretiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma».[13]

Sendo considerado como elemento determinante dessa definição e reconhecimento de unidade económica, pela Jurisprudência Comunitária, a autonomia de parte da empresa ou do estabelecimento transmitidos.

Podendo ler-se, a este propósito, no Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado no Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007, que o Tribunal de Justiça acentuou a necessidade de a unidade económica manter a sua própria identidade no seio do transmissário, o que se revela pela prossecução de um objetivo próprio.[14]

Identidade a aferir pelo conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória – cf. nº 5, do art. 285º, do Código do Trabalho de 2009.

Importa, assim, avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade, se se mostra dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica.

Neste sentido se expressou igualmente o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão desta Secção, de 26.09.2012[15], quando se sintetizou nos seguintes termos, no final do ponto 3.2.: «Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

É, contudo, essencial que a transferência tenha por objeto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».

É neste fluxo Jurisprudencial que João Reis navega quando tece as seguintes considerações [16]:

«O critério decisivo é, pois, o da preservação da identidade económica transmitida. De acordo com a noção acolhida, para verificar se há transmissão, o primeiro passo é indagar se o objeto transmitido constitui uma unidade económica estável, autónoma e adequadamente estruturada, e o segundo é aferir se tal unidade económica mantém a sua identidade própria, o que deve ser visível no exercício da atividade prosseguida ou retomada. Em primeiro lugar, é necessário averiguar se existe uma unidade económica suscetível de transferência.

Digamos que, à semelhança da pessoa humana, é preciso que tal entidade seja "um ser vivente". Isto implica uma estreita conexão entre dois aspetos: entre a transmissão de um complexo de bens e relações jurídicas e o exercício atual (ou próximo) da empresa. Portanto, a transferência de um estabelecimento que já não esteja em atividade, ainda que seja constituído por um complexo de bens potencialmente capaz para o exercício da empresa, parece não constituir transferência de estabelecimento para efeitos da diretiva.» [fim de citação]

No caso em apreço, importa atentar que o mais recente dos contratos coletivos de trabalho não impõe a transferência dos trabalhadores da anterior prestadora de serviços para a futura prestadora dos mesmos, sendo que, matéria de facto apurada, e da natureza da atividade a exercer – vigilância - não resulta ser necessário qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.”, pelo que não ocorrendo transmissão do estabelecimento não há lugar à transmissão da posição de empregador, pelo que improcede o invocado erro de julgamento quanto aos efeitos jurídicos da transmissão de estabelecimento.”

Aderimos a esta posição veiculada na decisão recorrida de que não se impõe, no caso sub judice, a transferência dos trabalhadores da anterior prestadora de serviços para a futura prestadora dos mesmos e de que, por isso, não ocorre a violação do art. 285º do CT.

Desde logo o regime legal da transmissão do estabelecimento não implica necessariamente a transferência automática dos trabalhadores já que nem sempre os trabalhadores aceitam essa transmissão.

Na verdade, analisando o regime legal decorrente da Convenção Coletiva de Trabalho em vigor e atendendo às condições exigíveis, para existir uma verdadeira transmissão de estabelecimento temos de concluir que a mesma não ocorreu no caso sub judice pelo que também não ocorreu transmissão da posição de empregador, e por isso não foi violado nem o art. 285º do CT nem a CCT AES.

4. Impugna também a recorrente a decisão recorrida alegando que a proposta da então autora devia ter sido excluída, como o foi, pela insuficiência dos esclarecimentos, já que nos termos do artigo 1.º-A, n.º 2, do CCP e artigo 5.º-A da Lei 34/2013, é na fase de formação do contrato e não apenas na fase da sua execução que deve ser aferido se o preço apresentado se mostre inferior aos respetivos custos de execução, e a proposta ilegal por violar “vinculações legais”, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º.

O que aconteceria no caso sub judice por resultar do procedimento que o preço apresentado pela A…….. se mostra insuficiente para garantir o cumprimento de normas sociais e laborais, sendo a exclusão da proposta a única decisão juridicamente admissível e compatível com o Direito da União Europeia atenta a alegação de recurso a incentivos fiscais que levariam a que ao contratar vigilantes que estejam em situação de primeiro emprego e de desempregados de longa duração ficariam dispensados do pagamento parcial da contribuição para a segurança Social. Pelo que, o valor mensal da TSU não será de 23,75% mas de 11,90%.

Como se extrai do acórdão deste STA proferido no recurso 1429/20.3BELSB de 02/10/2022:

“De acordo com o aditamento feito ao CCP pelo artigo 5º do DL n.º 111-B/2017 de 31 de Agosto:

«Artigo 1.º-A

Princípios

1 - Na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação.

2 - As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional. 3-...4-...5-...”

Atenhamo-nos à jurisprudência em vigor antes da entrada em vigor deste diploma a propósito do art. 70º nº 2 al. f) do CCP.

O STA no Proc. 657/15 de 12/03/2015 diz: “(...) O que significa que está em causa a exclusão de uma proposta cuja realização do contrato implique, ele próprio, a violação de vinculações legais.

Isto é, o próprio contrato estaria adstrito a violar as referidas vinculações.

Ora, desde logo, o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação vigente e nomeadamente a legislação de trabalho que vem invocada como custos fixos a considerar na proposta.

Antes apenas significa que a mesma está disposta a ter certo prejuízo já que nada a impede de, a nível de estratégia de empresa, preferir obter um certo contrato, ainda que com algum prejuízo, até como política de marketing, de se dar a conhecer ao mercado.

Na verdade, o princípio da liberdade de gestão empresarial [artigo 61º da CRP] e da autonomia da estratégia empresarial não impede que o preço num concurso possa espelhar uma estratégia da empresa concorrente suscetível de levar à apresentação de propostas que envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem que isso determine qualquer ilegalidade, designadamente, o incumprimento das obrigações retributivas e contributivas.

O que é perfeitamente possível desde que não sejam violados outros princípios ou disposições legais suscetíveis de exclusão as propostas (nomeadamente as outras alíneas do art. 70º do CCP) e que não cumpre aqui conhecer, como vimos.

Pelo que, o preceito em causa não visa este tipo de situações, mas antes aquelas em que, à partida, e sem interferência de qualquer tipo de variante, o contrato não poderá ser cumprido sem que tal implique a violação de normas legais.

Não podemos, pois, dizer, como pretende o recorrente que o universo de obrigações a fixar pelo contrato cuja celebração se prepara para aceitar não pode ser cumprido sem violação da legalidade vigente.

Nada indicia dos autos que o adjudicatário não vá cumprir as normas relativas à legislação do direito do trabalho em vigor apenas porque a proposta de preço é inferior aos custos mínimos do trabalho inerentes à prestação de serviços em causa.

Só em relação a direitos e deveres que tenham a sua própria causa e dimensão jurídica no contrato a celebrar e não em qualquer outro título é que podemos excluir a proposta com este fundamento.

Pelo que, nada a apontar à interpretação feita ao artigo 70º, nº 2 alínea f) do CCP na decisão recorrida por não o dever ser no sentido de determinar a exclusão de uma proposta, apenas porque, no caso de sobre ela recair a adjudicação, dar origem à celebração de um contrato cujo preço seria inferior ao montante necessário para que o adjudicatário cobrisse rigorosamente todos os custos decorrentes de normas legais ou regulamentares vinculativas e aplicáveis a tal contrato.”

No mesmo sentido se pronunciou este STA no Proc. 01255/15 de 28/01/2016.

Por sua vez, no Proc. 01047/15, estipula o ac. do STA de 16/12/2015 que:

“E, aliás, como vem citado nos autos, este Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido de que a proposta pode conter preços inferiores ao custo dos encargos salariais, porquanto não é a execução de cada contrato que tem de garantir o seu pagamento, mas sim os resultados económico-financeiros de cada contraente, admitindo-se mesmo como possível que razões estratégicas empresariais, num mercado de economia aberta, de iniciativa privada e de livre concorrência, impliquem o encargo de eventuais prejuízos que o contraente tenha de suportar, desde que os encargos legalmente impostos e decorrentes do contrato em si mesmo sejam cumpridos – cfr. Ac. do STA proferido em 14/12/2013, in proc. nº 0912/12.”

E, no acórdão deste STA a que se alude no voto de vencido, Proc. 06/17 de 18/01/2018, diz-se, que:

“E, não se diga que esta interpretação está em confronto com o entendimento deste STA de que o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação vigente e nomeadamente a referida legislação de trabalho.

E que, a apresentação de uma proposta que insere medidas de apoio à contratação ainda não atribuídas e sem as quais o preço proposto é inferior ao custo mínimo que a prestação de serviços acarreta, não limita, só por si, o acesso de quem quer que seja à apresentação de propostas não se traduzindo em quaisquer acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência não violando, por isso, o princípio da concorrência.

Uma questão é a ilação a retirar pela entidade adjudicante de uma determinada justificação de preço e outra questão diferente é o cumprimento de exigências do programa de procedimento, nomeadamente uma específica justificação do preço proposto.

A consequência a tirar desta nota justificativa de preços de que vai haver ou não violação de disposições legais é uma questão diversa.

Se nesta justificação de preços o proponente diz que não vai pagar encargos legais, como é evidente, está a violar vinculações legais, mas não o estará necessariamente apenas porque apresenta um preço final que não comporta estes custos, porque tal não significa que não os vai cumprir.”

A questão que se coloca é se a justificação do preço mais competitivo com o benefício de pagamento de somente metade da TSU pelo recurso à contratação de jovens à procura do 1º emprego e desempregados de longa duração” releva ou não para efeitos de se considerar se foi violado o disposto nos arts. 1º-A nº 2 e 70º nº 2 f) do CCP após alteração do DL nº 111-B/2017 (em cumprimento da legislação e jurisprudência europeia).

Ora, a partir do momento em que o art. 70º al. f) diz que a proposta é de excluir se implicar a violação de vinculações legais ou regulamentares não viola este preceito o recurso à contratação jovem porque é um mecanismo legal.

O preceito diz que implique violação legal.

Poderia dizer-se que a apresentação pela autora/recorrida, de uma proposta com um preço mais baixo implica que não ocorre essa garantia, no sentido de que, “a priori”, não pode garantir-se o benefício de metade da TSU por eventual recurso a jovens “à procura do 1º emprego e desempregados de longa duração”.

Contudo, independentemente do regime dos novos arts. 1º-A nº 2 e 70º nº 2 f) do CCP, após alteração do DL nº 111-B/2017, (em cumprimento da legislação e jurisprudência europeia) estando provado que se preenchem os referidos requisitos, não está em causa permitir deixar passar uma situação de cumprimento duvidoso com apresentação preços insuficientes com possibilidade de se ter prejuízos.

Se 2 - As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional. “(artigo 5º do DL n.º 111-B/2017 de 31 de Agosto em aditamento ao CCP) está preenchido que o preço da proposta possa cobrir os encargos em matéria social e laboral.

O que se quis com este preceito foi assegurar, antes da celebração do contrato, que uma proposta garante o cumprimento de todas as normas legais e regulamentares quanto a encargos sociais e laborais, o que aconteceria com o mecanismo legal invocado.

O que não significa que o interessado não tenha de demonstrar a viabilidade de obter, efetivamente, esse benefício, justificando, assim, o valor apresentado e o cumprimento das normas.

Não o tendo feito deveria o júri, ter solicitado o respetivo «esclarecimento» pois é ele que deve «assegurar», logo na formação do contrato, que o operador económico respeita as pertinentes normas.

Assim, o ónus de justificar é do concorrente [operador económico] mas, se não o tiver cumprido, tem a entidade adjudicante [através do júri] o dever de lhe exigir esclarecimentos, e, assim, dar oportunidade a colmatar a omissão.

Se a concorrente comprova a viabilidade do recurso a concretos incentivos fiscais está perfeitamente identificado e assegurado o respeito pelas normas laborais.

O que não se pode dizer é que a justificação e comprovação da viabilidade do recurso a incentivos fiscais com a explicação da concreta redução a que os mesmos irão ser sujeitos implica à partida violação das vinculações legais.

Desde logo é certo que não se pode exigir aos concorrentes que façam prova que já apresentaram os pedidos de isenção parcial do pagamento da TSU, já que estes pedidos só têm lugar após a celebração do contrato de trabalho com os trabalhadores abrangidos.

Está, pois, fora de questão a exigência aos concorrentes que de que contratassem os vigilantes em momento anterior à adjudicação do contrato por tal significar a imposição da assunção de vínculos contratuais e custos que só se justificam no caso da adjudicação do contrato.

Quanto ao preenchimento dos requisitos para obter os incentivos aqui em causa, o júri deveria ter exigido tal comprovação, o que não ocorreu.

Não podemos, assim, dizer que ocorre a violação dos preceitos suprarreferidos.

5. Por fim, e subsidiariamente, a recorrente invoca que, ainda que não se considerasse estar demonstrada a violação de normas legais e regulamentares, sempre se impunha concluir que o preço apresentado é anormalmente baixo e os esclarecimentos apresentados se mostram manifestamente inaptos a demonstrar a credibilidade e suficiência do preço indicado.

Ou seja, que foi violado o artigo 70.º, n.º 2, alínea e) do CCP, já que a instrução do procedimento evidencia de forma muito sólida que o preço apresentado pela recorrida deve ser qualificado como anormalmente baixo.

Assim como o art. 69º nº3 da Diretiva 2014/24/EU.

E que o seu regime legal apenas não foi acionado porque o júri do procedimento entendeu, desde logo, estarem verificados os pressupostos para a exclusão da proposta com fundamento na violação de normas legais imperativas caso o contrato viesse a ser celebrado.

A este propósito diz-se na decisão recorrida:

“Alegou a Recorrente que os elementos instrutórios demonstram que o conteúdo decisório do ato impugnado nunca poderia deixar de ser a exclusão da proposta da Recorrida “...porquanto ainda que não se considerasse estar demonstrada a violação de normas legais e regulamentares sempre se impunha concluir que o preço apresentado é anormalmente baixo e os esclarecimentos apresentados se mostram manifestamente inaptos a demonstrar a credibilidade e suficiência do preço indicado.”.(...)

No caso em apreço, conforme resulta do infra expendido, a proposta apresentada pela Recorrida era, nos termos que resultam dos esclarecimentos por esta prestados, suficientes para comportar todos os custos laborais associados, não se apresentado a mesma como uma proposta que contivesse um preço inferior ao respetivo custo. É certo que se pode considerar que a diferença entre o valor indicado pela Recorrida como preço da proposta – 562.012,22 € o valor que a mesma assume teria que despender com os custos laborais – 555.012,58 €, diferença no valor de 6.999,64 € - cfr. item 17) dos factos apurados - se afigura escassa para prover aos demais custos atinentes com a execução do contrato, contudo o mesmo pode ser dito – de forma reforçada – relativamente à proposta apresentada pela B………., à qual viria a ser adjudicado contrato, dado que tomando como referência os cálculos apresentados pela referida concorrente os custos laborais em que qualquer concorrente teria que incorrer ascenderiam ao montante de 607.160.70 € - cfr. item 14) dos factos apurados – sendo o valor da proposta apresentada pela B………. no montante de 609.069,12 € - o que revela uma diferença no montante de 1908,42, bem inferior à apresentada pela Recorrida.

Assim, e tendo presente ter-se concluído, supra, que a proposta apresentada pela Recorrida era suficiente para cobrir os custos laborais associados à execução do contrato – face ao invocado recurso ao incentivo à contratação de jovens desempregados e desempregados de longa duração - não existindo prova nos autos de que a mesma implicasse uma contratação abaixo do custo e tendo-se considerado suficiente os esclarecimentos prestados pela Recorrida não pode o Tribunal acolher a argumentação aduzida pela Recorrente segundo a qual, face ao no 5 do artigo 163º nº 5 alínea a) do C.P.A., não se produziria o efeito anulatório decidido na sentença recorrida, improcedendo este fundamento de ataque à decisão recorrida.

No que concerne à argumentação aduzida quanto ao erro de julgamento invocado quanto ao decidido pelo T.A.F do Porto quanto à condenação da Entidade Demandada a readmitir a proposta da contrainteressada, bem como a adjudicar-lhe o contrato, não se acolhe a mesma dado que o momento – procedimental - para decidir a admissão e/ou exclusão das propostas se mostrar já ultrapassado, tendo o júri do concurso exercido tal competência, excluindo a proposta da ora Recorrida, com os fundamentos por esta questionados nos presentes autos, pelo que tendo sido decidido que o fundamento de exclusão da referida proposta padecia de vício de violação de lei e sendo o critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 74º do C.C.P. e sendo a proposta da contrainteressada a que apresentou preço mais baixo, deve manter-se a decisão do T.A.F. do Porto que condenou a Recorrente a admitir a proposta da Recorrida e a adjudicar-lhe o contrato, sendo que o poder de fiscalização que impede sobre a Entidade Demandada deverá ser exercido já não em sede de apreciação das propostas mas sim em sede de eventual execução do contrato.”

E bem.

Dispõe o art.º 69.º da Diretiva 2014/24/EU que:

“Propostas anormalmente baixas

1. As autoridades adjudicantes exigem que os operadores económicos expliquem os preços ou custos indicados na proposta, sempre que estes se revelem anormalmente baixos para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar.

2. As explicações mencionadas no n.º 1 referem-se, designadamente:

a) Aos dados económicos do processo de fabrico, dos serviços prestados ou do método de construção;

b) Às soluções técnicas escolhidas ou a quaisquer condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços ou para a execução das obras;

c) À originalidade das obras, fornecimentos ou serviços propostos pelo proponente;

d) Ao cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 18.º, n.º 2;

e) Ao cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 71.º;

f) À possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente.

3. A autoridade adjudicante avalia as informações prestadas consultando o proponente. Só pode excluir a proposta no caso de os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos, tendo em conta os elementos a que se refere o n.º 2.

As autoridades adjudicantes excluem a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18.º, n.º 2. (...)”

No mesmo sentido resulta do art. 71º nº3 do CCP que uma proposta de custo anormalmente baixo não pode ser excluída sem antes ter sido dada oportunidade ao concorrente de justificar a sua proposta.

E só pode ser excluída, caso, avaliando as informações prestadas, os meios de prova fornecidos não permitam explicar satisfatoriamente os baixos custos propostos.

Contudo, no caso sub judice, não ocorreu qualquer pedido de justificação de eventual preço anormalmente baixo nem foi esse o fundamento de exclusão da então autora.

Na verdade, havendo mais do que um motivo para excluir uma proposta, deveria o júri tê-lo invocado fazendo as diligências necessárias para o efeito.

Não o tendo feito não podemos agora entrar no seu conhecimento.

Assim, e nos termos do art.º 69.º, n.º 1 da Diretiva 2014/24/EU e art.º 71.º, n.º 3 do CCP, e considerando o quadro legal introduzido pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2016, não pode ser aqui sindicada a ocorrência ou não de preço anormalmente baixo já que, a apresentação de proposta de preço anormalmente baixo não pode ser excluída automaticamente, mesmo quando resulte objetiva e inequivocamente das peças do procedimento e não venha acompanhada de elementos justificativos, devendo a decisão de exclusão de uma proposta com essa justificação ser sempre fundamentada após a solicitação previa ao concorrente de esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos constitutivos relevantes da proposta.

E, assim sendo, não podemos concluir que estejamos perante a situação do art. 163º nº5 do CPA que refere que não se produz o efeito anulatório quando:

“ a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Não se estando perante a previsão deste preceito improcede também a alegada violação do mesmo devendo, por isso ser negado provimento ao recurso.


*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Lisboa, 9 de junho de 2022. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – José Augusto Araújo Veloso.