Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02490/17.3BELRS-S1
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
Nº Convencional:JSTA000P27923
Nº do Documento:SA22021062302490/17
Data de Entrada:06/08/2021
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 2490/17.3BELRS-S1
Recorrentes: A………… e B…………
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 Os acima identificados Recorrentes, inconformados com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 15 de Janeiro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/fbd61397f57fb74c8025865e003dad5d.) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, revogou o despacho recorrido e, declarando verificada a nulidade processual decorrente da falta de notificação à Fazenda Pública da sentença proferida nos presentes autos, decidiu «revogar o despacho recorrido, baixando os autos à 1.ª instância para que se ordene a notificação omitida à Recorrente, e posteriormente deve o processo seguir os demais trâmites legais» –, dele vieram interpor recurso de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. Por sentença datada de 03/01/2020, o Tribunal Tributário de Lisboa anulou o despacho do Director de Finanças de Lisboa, de 6/1 2/2017, que fixou adicionais rendimentos, relevantes para efeitos de IRS, nos anos de 2013 e 2014 dos Recorrentes.

B. Em representação da Fazenda Pública, a Jurista designada, apresentou requerimento ao processo onde arguiu a omissão da notificação da sentença proferida, tendo o Tribunal Tributário, por decisão datada de 17/02/2020, indeferido o peticionado.

C. Não se conformando com a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, a Fazenda Pública apresentou recurso, para a Secção de Contencioso Tributário, do TCA Sul, que por Acórdão datado de 15/01/2021, concedeu provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido.

D. Está em causa a apreciação de uma questão cuja admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 285.º do CPPT.

E. O Acórdão do TCA Sul viola o Princípio da Estabilidade da instância, previsto nos termos do art. 260.º do CPC, por ao decidir pela procedência do recurso, permitir uma “alteração das pessoas” no processo (a Coordenadora da DSCJC), sem que a mesma venha praticar quaisquer actos, mesmo após notificada, ao abrigo do art. 11.º do CPTA, nem tenha comunicado à jurista primeiramente designada o teor da decisão da 1.ª Instância.

F. O Acórdão ora recorrido viola ainda o Princípio da Igualdade de Armas, explanado no art. 6.º do CPTA e 4.º do CPC, por permitir um desequilíbrio às “partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses”, como refere o Acórdão do TCA Sul proferido em 21/09/2017, no âmbito do processo n.º 305/16.9BELSB.

G. Viola igualmente o mesmo Princípio da Igualdade de Armas, por permitir a pedido da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, a associação ao processo pela coordenadora da DSCJC no impedimento temporário da jurista designada, sendo este um meio processual que não está ao alcance de mandatários forenses nos termos do art. 5.º n.º 2 do CPPT, manifestando uma desigualdade contrária ao equilíbrio global do processo, que se pretende obter.

H. O facto de não ter sido regulado o mandato por parte do Tribunal de 1.ª Instância no exercício dos poderes previstos no art. 13.º do CPPT, implicou que os Recorrentes vissem transitado em julgado a decisão favorável de 03/01/2021, para um ano depois, em 15/01/2021, verificarem que esse trânsito em julgado, não aconteceu, em manifesta desigualdade.

I. Os Recorrentes não podem ser prejudicados por uma eventual omissão de inquisitório (pelo Tribunal Tributário) sobre os contornos do impedimento da jurista designada, que diga-se, em face da “imprescindibilidade” e do referido “impedimento” não informou dos contornos do impedimento.

J. O Princípio da Igualdade de Armas pretende impedir a diferença de tratamento, evitando “o arbítrio: tudo o que é injusto, desconexo e violador do fim.” como refere o Acórdão do TCA Sul proferido em 21/09/2017, no âmbito do processo n.º 305/16.9BELSB, o que no Acórdão recorrido não aconteceu.

K. O ora signatário, na qualidade de Advogado, para se fazer substituir nos mesmos termos, tem de passar pelo crivo do art. 140.º do CPC, que como se sabe, não aconteceria se tivesse outro mandatário associado aos autos, como tem e fez a DSCJC em representação da Fazenda Pública.

L. O Acórdão recorrido, dando oportunidade à tutela fiscal de, um ano após o trânsito em julgado poder vir exercer um direito de recurso sobre uma decisão, manifesta a violação dos arts. 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

M. O Acórdão recorrido viola ainda o Princípio da Segurança Jurídica na dinâmica de “in dubio contra fiscum”, pois na verdade, não pode dar-se por claro ou sequer presumível que qualquer impedimento alegado da jurista designada, tinha cessado.

N. Com o requerimento para associação ao processo por conta do impedimento da jurista designada, a Fazenda Pública, por intermédio da sua representação nos termos do art. 11.º n.º 1 do CPTA e art. 15.º do CPPT, trouxe ao processo o conhecimento do impedimento da jurista designada, e como se salientou correctamente em 1.ª Instância, “Cumpre ainda referir que as vicissitudes e as circunstâncias internas que motivaram o requerimento gerador da situação em apreço são de todo estranhas ao processo (e nem sequer foram especificadas)

O. Ao transmitir desse impedimento, a Fazenda Pública faz criar no processo a expectativa de que é a jurista coordenadora, que em face da ausência da jurista designada, assegura o patrocínio da Fazenda Pública.

P. A jurista Dra. C…………, primeiramente designada, não tem, nem poderia ter, os poderes para substabelecer uma vez que o despacho que a designou para o processo em causa, dispõe que a mesma se pode fazer substituir de acordo com os seus impedimentos o que não é confundível com os poderes para substabelecer, por não lhe terem sido conferidos pelo despacho que a designou, vide, um mandato strictu senso.

Q. Em bom rigor, teria de ser emitido novo despacho, que revogasse o anterior despacho de designação atribuindo o processo a outro jurista pelo que, o argumento assente na inexistência de substabelecimento, nunca deveria ter sido acolhido pelo Tribunal a quo, o TCA Sul, por não aplicável ao caso concreto.

R. Como refere Casalta Nabais, o Princípio da Segurança Jurídica, ínsito na ideia de Estado de Direito, serve como critério de ponderação em situações em que “há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado”, o que não foi feito pelo Tribunal a quo.

S. Ao decidir como decidiu, o Acórdão ora recorrido ignorou a violação dos deveres deontológicos e de cooperação a que estava adstrita a Coordenadora da DSCJC quando, solicitando a adesão aos autos em nome da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, assume o mandato forense nos termos do art. 11.º do CPTA e 15.º do CPPT.

T. No âmbito desse mandato, foi notificada da sentença sem nunca ter informado a jurista primeiramente designada nem nunca ter informado da cessação do impedimento que informou aos autos, em manifesta violação do art. 8.º n.º 1 do CPTA que dispõe: “Na condução e intervenção no processo, os magistrados, os mandatários judiciais e as partes devem cooperar entre si, concorrendo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.

U. É a Directora-Geral da Autoridade Tributária e a Aduaneira quem detinha competência para representar em juízo a Fazenda Pública, e in casu, foi a própria que requereu, pela pessoa da Coordenadora da DSCJC, que fosse dado o acesso à segunda por impedimento da jurista designada para o processo.

V. Ditam os deveres deontológicos de informação e conhecimento dentro da própria divisão que coordena, que a mesma informasse a jurista designada, o que nunca aconteceu, facto é alheio aos Recorrentes.

W. Não pode recair sobre os ombros dos Recorrentes, que as vicissitudes internas da DSCJC ponham em causa a posição processual que adquire, porque a bem ver, a sentença transitou em julgado.

X. Não ter existido coordenação interna, não obstante o volume de trabalho que se acredita existir, não pode ser imputado aos Recorrentes ou a estes prejudicar.

Y. Se a situação inversa, o Advogado que fosse citado no processo e não tivesse intervenção principal, tinha o dever de informar de imediato o colega ao abrigo do art. 111.º do EOA – o mesmo dever a que estão adstritos os representantes da Fazenda Pública ao abrigo do art. 8.º e 11.º do CPTA.

Z. Não houve nulidade por falta de notificação a que se refere o art. 195.º do CPC uma vez que a sentença foi regularmente notificada na coordenadora da DSCJC, a quem foi concedido a associação aos autos a pedido da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, quem tem competência para designar juristas.

AA. Como resulta claramente do requerimento apresentado pela Coordenadora da DSCJC, datado de 17/11/2019, é a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que solicita a atribuição do referido acesso do Chefe de Divisão de Contencioso e da Jurista/Coordenadora.

BB. Ao manter-se a decisão ora recorrida restaria aos contribuintes, no que toca ao contencioso tributário, conhecer que à Fazenda Pública é permitida a substituição de mandatários, a preclusão de prazos pelo substituto, e ainda assim, permitir-lhes, extemporaneamente, o direito ao recurso.

CC. Entendem pelo exposto os Recorrentes, que a sentença foi correctamente notificada na pessoa da Senhora Coordenadora da Direcção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, reitera-se, por ter sido conferido poderes para acesso ao processo pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, por ausência da jurista designada, nos exactos termos do disposto no art. 11.º n.º 2 do CPTA.

DD. A notificação da sentença produziu de forma válida os efeitos a que tendia, porque observou o disposto no art. 40.º n.º 1 corpo e al. b) do CPPT e 247.º n.º 1 do CPC, devendo por isso o presente ser dado procedente por provado, revogando-se o Acórdão do Tribunal a quo, e por conseguinte, mantendo-se a decisão da 1.ª Instância.

PEDIDO

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ordinário ser dado procedente por provado, revogando-se o Acórdão do Tribunal a quo, e por conseguinte, mantendo-se a decisão da 1.ª Instância datada de 17/02/2020».

1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.3 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no sentido de que «[a]o Ministério Público não compete emitir Parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de o Recurso de Revista ser admitido».

1.4 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista [cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

2.2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.2 O CASO SUB JUDICE

2.2.2.1 O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no art. 285.ºdo CPPT do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, concedendo provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogou o despacho por que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu o pedido de que a sentença proferida nos autos fosse notificada na pessoa da Jurista designada para representar a Fazenda Pública no presente processo com o fundamento, em síntese, de que a sentença fora notificada na pessoa da Jurista coordenadora da Direcção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, a qual, antes da prolação da sentença, requereu que lhe fosse permitido o acesso aos autos, na ausência temporária da Jurista designada.
Para revogar o referido despacho, o Tribunal Central Administrativo Sul considerou, em síntese, que i) do facto de ter sido autorizado o acesso ao autos à referida Jurista coordenadora – bem ou mal – não significa «que estamos perante uma “substituição temporária”, descurando-se as regras jurídicas em matéria de representação em juízo e as competências para a designação de juristas», que ii) de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 11.º do CPTA, a designação para proceder à designação de juristas como representantes em juízo no âmbito dos processos de contencioso administrativo, tributário e aduaneiro, competia, no caso, ao Director de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, no uso de poderes delegados pela Directora-Geral da Autoridade Tributária, nos termos do Despacho n.º 5546/2016, de 13 de Abril, publicado em Diário da República n.º 80, Série II, de 26 de Abril de 2016 (https://dre.pt/application/file/a/74255288.) e que iii) a Jurista coordenadora, apesar daquele seu pedido de autorização de acesso aos autos, não substituiu a Jurista nomeada como representante no processo, nem tinha poderes para determinar essa substituição.
Em consequência, concluiu o acórdão recorrido que se verificava a nulidade processual por omissão da pertinente notificação da sentença, que só poderia ser validamente efectuada na pessoa da Jurista designada como representante no processo, motivo por que revogou o despacho do Tribunal Tributário de Lisboa e ordenou que os autos regressassem à 1.ª instância, a fim de aí ser ordenada a notificação omitida e os autos prosseguirem com os demais termos.

2.2.2.2 Em ordem a demonstrar a verificação dos requisitos de admissibilidade da revista, os Recorrentes limitaram-se a invocar que «a decisão do TCA Sul viola a lei substantiva e, salvo melhor opinião, princípios estruturantes do Direito, que não podiam ser ignorados ou entendidos desta forma», «[p]elo que se mostra necessário o presente recurso, para que se pronuncie este colendo tribunal sobre a melhor aplicação do Direito, nos termos do art. 285.º do CPPT», pois da interpretação adoptada pelo Tribunal Central Administrativo Sul resulta uma «manifesta injustiça, pois que dar prevalência à legalidade formal em detrimento da justiça material, viola o escopo de protecção conferido pela norma do art. 4.º do CPC, aplicável ex vi o art. 2.º do CPPT» e a violação dos princípios da estabilidade da instância, da igualdade de armas, da segurança jurídica e dos deveres deontológicos de cooperação.
Salvo o devido respeito, a questão jurídica não se encontra suficientemente delimitada e também não foi demonstrada a verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso.
Na verdade, sendo certo que das alegações dos Recorrentes resulta que estes discordam do entendimento adoptado pelo Tribunal Central Administrativo Sul quanto à questão de saber se a jurista nomeada como representante em juízo pode ou não considerar-se substituída pela jurista coordenadora, que pediu acesso aos autos, esse invocado erro de julgamento, por si só, não constitui uma questão jurídica.
Seja como for, ainda que se admita que a questão jurídica seja a da indagação das formalidades a que fica sujeita a substituição do representante em juízo da AT, lidas as alegações de recurso, verificamos que a alusão aos requisitos específicos de admissibilidade da revista foi efectuada por mera invocação de que «[e]stá em causa a apreciação de uma questão cuja admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 285.º do CPPT».
Os Recorrentes não alegam e, por isso, não podem demonstrar, por que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. A referida afirmação por eles efectuada, de natureza conclusiva e não concretizada, não serve para que se possa considerar que se desincumbiram do ónus da demonstração dos requisitos da admissibilidade do recurso.
Recorde-se que a invocada necessidade de admissão do recurso para melhor aplicação do direito lhes exigiria a alegação, ou de que há «possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas», ou de que, «por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável», era «objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema». Quanto ao primeiro termo da alternativa, nada foi alegado pelo Recorrentes; quanto ao segundo, apesar de invocarem o manifesto erro de direito em que incorreu o Tribunal Central Administrativo Sul, a verdade é que a tese sufragada no acórdão recorrido foi justificada de modo plausível, não patenteando erros lógicos ou jurídicos manifestos.
Finalmente, recorde-se que o invocado erro de julgamento, por si só, não justifica a admissibilidade da revista, recurso que não constitui um modo de impugnar qualquer decisão proferida por um Tribunal Central Administrativo, mais um grau de recurso que o legislador tenha posto à disposição da parte, mas, ao invés, um modo de trazer à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto órgão de cúpula da jurisdição tributária, uma concreta questão relativamente à qual estejam verificados os requisitos acima enunciados.
Assim, porque não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 285.º do CPPT, o recurso não pode prosseguir.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pelos Recorrentes.


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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os demais Conselheiros que integram a formação de julgamento.

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Lisboa, 23 de Junho de 2021. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.