Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0245/19.0BELLE |
Data do Acordão: | 06/23/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente não se desincumbiu desse ónus. III - Não pode admitir-se o recurso se o recorrente suscita a questão da legalidade do acto tributário no pressuposto de que o fundamento ao abrigo do qual foi praticado é diverso daquele que a AT realmente utilizou. |
Nº Convencional: | JSTA000P27916 |
Nº do Documento: | SA2202106230245/19 |
Data de Entrada: | 05/31/2021 |
Recorrente: | A……………. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 245/19.0BELLE Recorrente: A……………. Recorrido: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 15 de Abril de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/2ca73ba6d007dc79802586bd003e0fe0.) – que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e julgou improcedente o recurso judicial deduzido pelo ora Recorrente, ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do art. 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT), da decisão administrativa de avaliação da matéria tributável em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) por métodos indirectos e fixação da matéria tributável, para os anos de 2015 e 2017, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT –, dele interpôs recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, com conclusões do seguinte teor: «a. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Abril de 2021, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 20 de Outubro de 2020, a qual teve por base a decisão do Director de Finanças de Faro de avaliação indirecta na determinação da matéria tributável de IRS, relativa aos anos de 2015 e 2017, que fixou a matéria colectável dos Requeridos ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT; b. O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Abril de 2021 conclui no seguinte sentido: c. Considerada a factualidade dada como provada nos presentes autos – melhor elencada a folhas … do douto Acórdão sob censura e para a qual aqui se remete expressamente – é essencialmente uma a questão jurídica fundamental, eventualmente, decomponível noutras, colocada à apreciação judicial e erradamente decidida na douta decisão em apreço: em que termos deve ser aplicado o regime de tributação por métodos indirectos previsto nos artigos 87.º e seguintes da LGT; d. A regra geral no ordenamento jurídico Português é, como é sabido, a da tributação pelo rendimento real e do respeito pela capacidade contributiva, conforme resulta, desde logo, da alínea a) do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, na qual pode ler-se “O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”; e. Decorre ainda do n.º 2 do artigo 5.º da LGT que “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material”; f. Na situação em análise, estes princípios foram claramente desrespeitados; g. Por outro lado, e com o devido respeito, o douto Acórdão do Tribunal a quo também interpretou de forma incorrecta os artigos 87.º e seguintes da LGT, bem como a matéria de facto; h. Em vez de a avaliação da matéria tributável do Recorrente se realizar de forma directa, como sucede regra geral, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 81.º da LGT, foi determinada a aplicação de métodos indirectos; i. Uma vez que decorre do n.º 11 do artigo 89.º-A da LGT que “A avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”; j. O Recorrente foi sujeito a um procedimento de avaliação indirecta dos rendimentos, relativamente aos anos de 2015 e 2017, por, no entender da Autoridade Tributária, ter realizado suprimentos em montantes superiores a € 100.000,00, que não eram compatíveis com os rendimentos declarados – foi este o entendimento que justificou a derrogação do sigilo bancário e permitiu à colocação de diversas outras questões pela Autoridade Tributária; k. Contudo, nem em 2015 nem em 2017 ocorreu uma variação líquida positiva dos suprimentos; l. Ou seja, resulta dos esclarecimentos prestados, e dos documentos juntos aos autos, que em rigor, não ocorreu a situação prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º LGT, ou seja: m. Em resumo, na prática os acréscimos patrimoniais alegados pela Autoridade Tributária não se verificaram, na medida em que os valores entregues pelo Recorrente à sociedade haviam, em momento anterior, sido reembolsados por esta, pelo que não havia motivos para lançar mão do procedimento previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e no n.º 5 do artigo 89.º-A LGT; n. Ora, não estando sequer verificado o primeiro pressuposto – a existência de acréscimo de património ou de consumo (de valor superior a €100.000,00) evidenciado pelo Recorrente no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa, não pode considerar-se que exista fundamento para que sejam aplicados métodos indirectos, quando a regra geral em Portugal é a da tributação pelo rendimento real e de acordo com a capacidade contributiva de cada contribuinte; o. Outra solução seria sempre, no limite, inconstitucional, na medida em que atentaria contra o princípio da tributação pelo rendimento real e o princípio da proporcionalidade (ou da proibição do excesso), uma vez que permitiria, por um lado, que a Autoridade Tributária procedesse à tributação através da avaliação indirecta discricionariamente, sem a ocorrência de um dos factos legalmente previstos, designadamente, um efectivo acréscimo patrimonial; p. O valor dos suprimentos que constitui acréscimo / manifestação de fortuna é a diferença positiva entre o saldo final e o saldo inicial; q. O facto base no caso de acréscimos de património não justificados é a variação líquida positiva do património global do sujeito passivo; r. O facto base não é constituído pelos atomizados movimentos a crédito nas contas bancárias; s. Sobre o contribuinte não recai o ónus de prova sobre a origem de todos os movimentos a crédito na sua conta bancária; t. O rendimento presumido corresponde à variação positiva do acréscimo de património e despesa efectuada, determinado pela Autoridade Tributária, e não justificado pelo contribuinte. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul e mantendo-se na ordem jurídica a decisão tomada em primeira instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé». 1.2 A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da acórdão recorrido e salientando que i) não se verificam os requisitos da admissibilidade do recurso de revista, designadamente, porque o Recorrente não demonstra que a questão que pretende ver apreciada assuma importância fundamental, pela sua relevância jurídica ou social, ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e que ii) o Recorrente se alheia da fundamentação do acto tributário impugnado e do acórdão recorrido, pretendendo discutir uma questão que aí não foi relevada. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a tempestividade do recurso e a legitimidade do Recorrente, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto, após tecer diversos considerandos em torno do recurso de revista e dos requisitos da sua admissibilidade, emitiu parecer no sentido de que a revista não deve ser admitida. Isto, com a seguinte fundamentação: «[…] No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional. 1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE DIREITO 2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão recorrido e que seja repristinada a sentença da 1.ª instância, que anulou o acto impugnado, de decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos e fixação da mesma nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º e do art. 89.º-A, n.º 5, da LGT. * 2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente não se desincumbiu desse ónus. III - Não pode admitir-se o recurso se o recorrente suscita a questão da legalidade do acto tributário no pressuposto de que o fundamento ao abrigo do qual foi praticado é diverso daquele que a AT realmente utilizou. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. Custas pelo Recorrente. * Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os demais Conselheiros que integram a formação de julgamento. * |