Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01296/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se as questões suscitadas não revestem tal relevância e tais características e se, além disso, o alegado se reconduz à invocação de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
Nº Convencional:JSTA000P22853
Nº do Documento:SA22018013101296
Data de Entrada:11/17/2017
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

RELATÓRIO
1.1. A…………………, S.A., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão que, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 08/06/2017, no processo que aí correu termos sob o nº 06066/12, e dando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida em 24/04/2012, no TAF de Sintra, na impugnação judicial da liquidação adicional de IRC nº 2009 8310017334 e da inerente aos respectivos juros compensatórios (nº 2009 00001574518), relativamente ao exercício de 2005, no valor total de € 368.233,00, julgando agora tal impugnação improcedente.

1.2. A recorrente alegou e formulou, a final, as Conclusões seguintes:
i) Vem o presente recurso interposto contra o Acórdão proferido em 8 de junho de 2017 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n° 06066/12 que correu termos no Tribunal Administrativo e Tributária de Sintra sob o mesmo número.
ii) O Acórdão recorrido, revogou a Sentença recorrida, considerando o ato tributário controvertido válido e legal.
iii) Nos termos do n° 1 do artigo 150° do CPTA, o recurso de revista para o STA é um meio reativo que depende do preenchimento de um conjunto de pressupostos taxativamente previstos.
iv) Exige-se que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
v) No que respeita à verificação dos pressupostos ou requisitos de que depende a admissibilidade de interposição do presente Recurso de Revista, tem a Recorrente a dizer que tal recurso deve ser admitido tendo em vista uma melhor aplicação do direito, sendo certo que a questão aqui colocada também se reveste de uma importância fundamental. Verificam-se, pois, ambos os requisitos previstos no n° 1, do artigo 150° do CPTA.
vi) Em primeiro lugar, o presente Recurso de Revista deve ser admitido por se afigurar claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, procurando o Recorrente uma resposta peremptória e definitiva para as seguintes problemáticas: (i) da admissibilidade da junção aos autos de documentos ao abrigo do artigo 524° do CPC; (ii) a presunção de verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes ao abrigo do artigo 75° da LGT vs ónus da prova quanto à demonstração de indícios de falsidade de faturas, ultrapassam manifestamente o limite do caso concreto.
vii) Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se aduz, sempre se dirá que o presente Recurso de Revista deverá ser admitido pelo preenchimento do requisito da importância fundamental da questão colocada, também nos termos do n° 1, do artigo 150° do CPTA;
viii) Com efeito, as questões em discussão nos presentes autos, devido à sua relevância social e jurídica, ao incidirem sobre direitos e regras de salvaguarda dos contribuintes, como sejam, a presunção de veracidade da contabilidade, revestem-se de especial importância fundamental para o seu correto tratamento jurisprudência pelas instâncias.
ix) Assim, justifica-se que a Recorrente se dirija a V. Exas., devendo o presente recurso ser admitido - e em fase subsequente apreciado - por verificação integral dos pressupostos legais previstos no n° 1, do artigo 150° do CPTA.
x) Relativamente aos fundamentos materiais do presente recurso, diga-se, desde já, que se discorda, frontalmente, do segmento decisório do Acórdão recorrido que revogou a sentença recorrida.
xi) A Representação da Fazenda Pública juntou, sob a denominação de Documento 1, três documentos, requerendo a sua junção aos autos e alegando, para o pretendido efeito, estar a coberto do disposto no art. 425° do CPC.
xii) A propósito da junção de documentos nos tribunais superiores, estabelece o artigo 651° do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524°, no caso de a junção se ter tomado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n° 2 do artigo 691º”.
xiii) No caso em apreço não ocorre nenhum dos pressupostos legais da junção de documentos supra enunciados, sendo inadmissível a requerida junção, ficando os mesmos, à cautela, expressamente impugnados, para todos os efeitos legais.
xiv) Nenhum dos documentos se destina a prova de factos supervenientes, muito menos de que o Tribunal ad quem possa conhecer, nem se encontra comprovado de que se trate de documentos supervenientes, isto é que se trate de documentos que não existissem, ou de que a Recorrida não tivesse conhecimento ou se encontrasse impossibilitada de os juntar.
xv) Tais documentos reportam-se a factos anteriores à data do encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância e, por outro lado, também decorre a sua emissão em momento anterior à referida data.
xvi) Por outro lado, não se vislumbra que a junção só se tenha tornado necessária devido ao julgamento, já que os documentos se reportam a matéria, de facto e de direito, que já era controvertida e estava em discussão nos articulados, não tendo a decisão assentado em meios de prova e na aplicação ou interpretação de regras jurídicas com que a Recorrida não pudesse contar.
xvii) Acresce, e relativamente aos documentos apresentados em sede de recurso pela Recorrida, juntamente com as respetivas alegações, serem os mesmos absolutamente inócuos e sem qualquer relevância ou força probatória por referência à matéria de facto fixada.
xviii) Assim sendo, não poderá o tribunal ad quem, seja com fundamento na al. a), seja com base nas als. b) e c) do art. 662° do CPC, proceder à reapreciação da matéria de facto com base na junção dos ditos documentos, os quais, deste modo, sempre seriam impertinentes e inócuos.
xix) A Recorrida tem vindo a demonstrar, desde o procedimento de inspeção, e comprovou em audiência de julgamento, que os serviços dos subempreiteiros foram efetivamente prestados e pagos, devendo, assim, ser aceites como custos.
xx) No que respeita à alegada falsidade das faturas, os serviços prestados pelos subempreiteiros estão visíveis nas instalações dos clientes da impugnante e a sua execução foi acompanhada pelo diretor de cada obra.
xxi) As referidas faturas dos subempreiteiros foram confirmadas pelos respetivos diretores de obras, cujas assinaturas constam das mesmas.
xxii) Só após esta validação foram efetuados os respetivos pagamentos.
xxiii) Deverão presumir-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, assim como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade e escrita - cfr. número 1 do artigo 75° da LGT.
xxiv) Esta presunção só cessa caso ser verifique algum dos factos indicados no número 2 do artigo 75° da LGT, nomeadamente: “a) caso as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; (b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações; (c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei, ou (d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89°-A.”
xxv) A AT não logrou demonstrar, como lhe competia, a verificação dos pressupostos legais que legitimavam a elisão da presunção de veracidade supra referida ou a inversão do ónus de prova.
xxvi) A AT não fundamentou, sequer, a liquidação impugnada no afastamento dos indicadores objetivos de atividade de base técnico-científica que demonstrassem a incorreção das declarações da Recorrente.
xxvii) A AT aceita que os documentos que titulam as operações sub judice são formalmente regulares, questionado apenas a ausência de estrutura dos subempreiteiros e o incumprimento, pelos fornecedores, de deveres de colaboração, declarativos e contabilísticos;
xxviii) A ausência de estrutura dos subempreiteiros, ignora a prova produzida desde o procedimento de inspeção até à audiência de julgamento (e acolhida pela sentença proferida em primeira instância), de que o recurso à subcontratação é bastante comum na construção civil, sendo igualmente frequente que as entidades subcontratadas por sua vez subcontratem outras entidades do mesmo setor, como sucede no próprio caso da Recorrente.
xxix) Por outro lado, a Recorrente não pode ser responsabilizada pelas relações que os seus subcontratados tinham com os seus próprios fornecedores, nem por aqueles subcontratados não cumprirem as suas obrigações contabilísticas e fiscais.
xxx) Para além desta mera alegação, a Recorrida não alegou ou provou em sede própria quaisquer factos que lhe permitissem por em causa a presunção de veracidade das declarações, documentos e esclarecimentos prestados pela Recorrida prevista no número 1 do artigo 75° da LGT e,
xxxi) Muito menos logrou produzir prova suficiente, nos termos do artigo 74° da LGT, para contrariar toda a prova produzida pela Recorrida quanto aos serviços prestados e custos incorridos.
xxxii) Ademais, a Recorrida cooperou totalmente com a AT, fornecendo todas as informações e documentos por esta solicitados, com exceção de cópias frente e verso dos cheques emitidos pelos fornecedores em causa.
xxxiii) A recusa em fornecer documentos sujeitos a sigilo bancário é legítima, nos termos da alínea b), in fine, do número 2 do artigo 75° da LGT, pelo que não pode ser valorada contra a Recorrida - tal como entendeu o Tribunal a quo.
xxxiv) A figura do sigilo bancário é aplicável a documentos, e não a pessoas ou entidades.
xxxv) Perante recusa legítima da Recorrente, competia à Administração Fiscal (1) solicitar autorização judicial para aceder aos referidos documentos, nos termos do n° 2 do artigo 63° da LGT ou (2) aceder directamente aos documentos, fundamentando a sua decisão e derrogando, assim, o sigilo que impede sobre os mesmos.
xxxvi) Em vez disso, a AT nada fez, demitindo-se da sua obrigação de busca da verdade material, e procurando valorar negativamente a conduta da Impugnante, como se fosse reveladora da existência de negócios jurídicos simulados.
xxxvii) A recusa em facultar documentos protegidos por sigilo bancário é legítima e não pode ser valorada contra a Recorrida nos termos da alínea b), in fine, do número 2 do artigo 75° da LGT.
xxxviii) Nos mesmos termos, não pode ser valorada contra a Recorrida o facto de não terem sido disponibilizados balancetes por centros de custos.
xxxix) Estes documentos não são de elaboração obrigatória, tendo a Recorrente, por seu lado, facultado à AT durante a inspeção todos os elementos necessários para esta pudesse validar o grau de acabamento das referidas obras.
xl) Tal facto impede que a Recorrente seja acusada de não ter colaborado com a Inspeção e, consequentemente, não pode ser afastada a presunção de veracidade prevista no número 1 do artigo 75° da LGT.
xli) Beneficiando a Recorrente da presunção de veracidade dos seus elementos, e tendo ainda demonstrado que os seus elementos fiscais e contabilísticos eram verdadeiros, incumbia sobre a AT o ónus de prova.
xlii) Por todo o exposto, cumpre impetrar V. Exas. pela admissão do presente Recurso jurisdicional de Revista e pela, consequente, revogação do Acórdão recorrido.
Termina pedindo a admissão do recurso de revista e que, apreciado o mesmo, seja revogado o recorrido acórdão do TCAS e substituído por outro que confirme a sentença proferida em 1ª instância.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
“A recorrente, A…………….., SA, veio interpor recurso ao abrigo do disposto no artigo 150° do CPTA, do acórdão do TCAS, de 08/06/2017, proferido a fls. 680/734, que julgou procedente recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgando improcedente impugnação judicial deduzida contra a LA de IRC de 2005, no entendimento de que a AT provou, indiciariamente, de molde a abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da recorrente e respetivos documentos se suporte, que os alegados serviços descritos nas faturas em causa não foram, efetivamente, prestados, não tendo a recorrente cumprido o ónus da prova do direito de deduzir os custos inerentes ao lucro tributável.
A recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos de fls. 768/773.
A recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
Vejamos, pois, se o recurso deve ser admitido.
Nos termos do estatuído no artigo 150°/1 do CPTA o recurso excecional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
É jurisprudência reiterada [(1) Acórdãos do STA, de 14 de Setembro de 2011, 16 de Novembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, proferidos nos recursos números 0387/11, 0740/11 e 0899/11disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt] da SCT deste STA que:
1. O recurso de revista excecional regulado no artigo 150° do CPTA, pelo seu carácter excecional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou que, por mor dessa questão, a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim sendo, este tipo de recurso só se justifica se estamos perante questão que é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Não é de admitir o recurso de revista excecional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida”. [(2) Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012 - P. 084/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.].
“...o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas.
Por outro lado, a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratada a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Em suma, a intervenção do STA no âmbito de um recurso excecional de revista só pode considerar-se justificada em materiais de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso.” [(3) Do acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013 - P. 0185/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.].
A recorrente alega, na conclusão VI das alegações, que pretende que o tribunal reaprecie a admissibilidade da junção aos autos dos documentos apresentados com o recurso de apelação, ao abrigo do disposto no artigo 524° do CPC e a presunção de veracidade e de boa-fé do contribuinte ao abrigo do disposto no artigo 75° da LGT vs ónus da prova quanto à demonstração de indícios de falsidade de faturas.
Todavia, da análise das conclusões da recorrente resulta evidente que esta pretende, pelo menos também, que o STA reaprecie matéria de facto, quando é certo que este tribunal não pode sindicar a factualidade apurada ou as ilações de facto tiradas pelo tribunal recorrido, atento o disposto no artigo 150°/3/4 do CPTA, tendo, apenas, competência para a reapreciação da decisão de direito, em função de toda a factualidade apurada pelas instâncias.
Na verdade, a recorrente, no fundo, coloca para resolução neste recurso, a questão de saber se a factualidade evidenciada pela AT constitui ou não indício suficiente de que as faturas em causa não correspondem às operações nelas descritas, questão esta de natureza casuística.
Ora, da factualidade apurada, o tribunal recorrido tirou a ilação de facto de que os serviços descritos nas faturas não foram, efetivamente, prestados, sendo certo que chegou à conclusão de que os documentos juntos com as alegações, apenas se limitaram a corroborar essa ilação, tirada sem necessidade absoluta desta prova documental junta em sede recurso jurisdicional.
A decisão de direito do tribunal recorrido mostra-se, absolutamente, plausível, seguindo, aliás, jurisprudência consolidada dos tribunais superiores (Entre muitas outras decisões, acórdão do PLENO da SCT do STA, de 16/11/2016, proferida no recurso n° 0600/15, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt), no sentido de que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar os custos, factualidade essa suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, cabendo, então, ao contribuinte o ónus da prova do direito de deduzir os custos ao lucro tributável.
Não se verificam, pois, em nosso entendimento, os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista previsto no artigo 150° do CPTA e atrás devidamente enunciados.
Termos em que não deve ser admitido o recurso.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do Código de Processo Civil dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante do acórdão recorrido.

3. O acórdão recorrido começou:
a) por apreciar a questão da admissibilidade dos documentos que a Fazenda Pública juntou com as alegações de recurso, tendo concluído pela respectiva admissão, com fundamento, no essencial, em que, atendendo às datas ali reportadas e ao disposto no nº 1 do art. 524º do CPC, se verifica a circunstância de «não ter sido possível a sua junção em momento anterior», sendo que «[a]s alegações escritas apresentadas pela Fazenda Pública, têm data de 25/03/11» e ela foi notificada da admissão liminar da oposição à execução fiscal em causa, «através de ofício datado de 05/03/2012», tendo, portanto, esta notificação ocorrido em momento posterior à apresentação das alegações escritas; acrescendo que «[m]esmo admitindo que a Fazenda Pública podia ter tomado conhecimento de tal petição aquando da entrada desse articulado no SF, também aqui tal se verificou posteriormente à apresentação das alegações, já que a petição tem o carimbo de entrada com data de 18/01/12», daí decorrendo que «até à apresentação das alegações escritas — (...) em 25/03/11 – a Fazenda Pública não podia, de todo, ter junto aos autos o documento que agora junta com o recurso», além de que «discutindo-se aqui, além do mais, a veracidade de prestações de serviços tituladas por facturas emitidas por diversas sociedades, em 2005, entre elas a B…………., os elementos juntos, reportando-se, também, a esse período temporal, assumem relevo para a discussão da causa e para a busca da verdade material.»
b) e apreciou, em seguida, a questão atinente a do erro de julgamento da matéria de facto, tendo, no seguimento, eliminado a al. l) do Probatório fixado na sentença de 1ª instância e aditando, todavia, as alíneas t) e u), estas “no seguimento da admissão do documento que a Fazenda Pública fez juntar às alegações de recurso».
c) e passando, em seguida à apreciação da terceira questão (saber se a sentença errou ao considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova que lhe competia quanto à demonstração de indícios de falsidade das facturas emitidas pelas sociedades e pelos demais sujeitos individuais ali indicados), o acórdão recorrido concluiu, quanto a esta questão, o seguinte:
«... há que concluir que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia – cfr. artigo 74º da LGT».
E, assim, «... tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as prestações de serviços descritas nas facturas em causa são reais, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações com materialidade.
Ónus que, definitivamente, a A………….. não cumpriu, já que não logrou, pela prova produzida, afastar os indícios ponderosos da simulação das facturas e demonstrar que são reais as transacções de bens descritas nas facturas emitidas em 2005 pela (...) e pelo (...) no montante total de € 1.135.839,36.
A análise da matéria de facto não deixa margem para dúvidas.
O Tribunal a quo, que teve em consideração a prova documental e a prova testemunhal, não considerou provado qualquer facto atinente às concretas prestações de serviços descritas nas facturas, pelos seus emitentes. A isto acresce que, também a questão dos pagamentos das facturas aos quatro identificados fornecedores ficou por provar, nos termos já expostos.
Portanto, encaminhando o raciocínio para final, deve concluir-se, com base nos indícios recolhidos pela AT, que não foi com base nas facturas aqui desconsideradas que foram prestados os serviços lá descritos, pois que os emitentes daquelas facturas não os podiam ter prestado.
Assim sendo, se as facturas não titulam a verdade das operações nelas descritas, não há como aceitar como custos fiscalmente dedutíveis os montantes nelas registados

4.1. É do assim decidido pelo TCA Sul que a recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional.
Havendo, então, que apreciar se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

4.2. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

4.3. No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Com efeito, o que a recorrente pretende é, no essencial, ver reexaminado o próprio julgamento de facto operado no acórdão recorrido e com base no qual ali se concluiu «... que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia – cfr. artigo 74º da LGT» e que, assim, «... tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as prestações de serviços descritas nas facturas em causa são reais, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações com materialidade.»
Segundo a recorrente, o acórdão errou na aplicação do direito aos factos [por errada interpretação do disposto nos arts. 524º, 651º e 662º do CPC (no que respeita à admissão de documentos com as alegações de recurso) e do disposto nos arts. 31º e 75º da LGT (no que respeita ao erro de julgamento de direito].
Porém, apesar de fundamentar a admissão da revista, quer na alegação de uma «melhor aplicação do direito» [visto que, na alegação da recorrente, se procura «uma resposta peremptória e definitiva para as seguintes problemáticas: (i) da admissibilidade da junção aos autos de documentos ao abrigo do artigo 524° do CPC; (ii) a presunção de verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes ao abrigo do artigo 75° da LGT vs ónus da prova quanto à demonstração de indícios de falsidade de faturas», questões que, na óptica da recorrente, «ultrapassam manifestamente o limite do caso concreto»], quer na alegação de que a questão «também se reveste de uma importância fundamental» [por as questões «incidirem sobre direitos e regras de salvaguarda dos contribuintes, como sejam, a presunção de veracidade da contabilidade»], a recorrente acaba por consubstanciar tal fundamentação na alegada discordância com a factualidade julgada provada e com as ilações factuais relevadas pelo acórdão recorrido no âmbito da valoração probatória dessa mesma factualidade. E ainda que se refira de forma genérica aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, a recorrente também não logra identificar qualquer questão que reúna esses requisitos, evidenciando-se das alegações apenas a sua contestação à forma como o TCAS apreciou a matéria de facto julgada provada, designadamente o juízo que formulou sobre a realidade das prestações de serviços constantes das facturas questionadas e sobre a veracidade dos respectivos lançamentos na escrita: ou seja, a recorrente não se insurge contra uma eventual incorreção ou ilegal aplicação dos invocados art. 31º e 75º da LGT: pretende, antes, discutir a matéria de facto e juízos de facto formulados no acórdão recorrido e que conduziram à improcedência da impugnação.
Não se trata, portanto, de apreciar a norma legal no campo apenas da estatuição relativa à presunção de veracidade da contabilidade ou da também alegada inversão do ónus da prova dessa veracidade, ou, sequer, no campo da estatuição relativa aos pressupostos legais legitimadores das correcções operadas pela AT, ou da aplicação do respectivo regime jurídico: trata-se, antes, de apreciar a prova efectuada e os juízos valorativos sobre ela produzidos nas instâncias (nomeadamente quanto à questão de saber se a factualidade evidenciada pela AT constitui ou não indício suficiente de que as facturas em causa não correspondem às operações nelas descritas) mas que não são sindicáveis pelo STA; aliás, também se pretende que o STA reaprecie a admissibilidade da junção aos autos dos documentos apresentados pela Fazenda Pública com o recurso para o TCAS.
Daí que, a questão suscitada no recurso se reconduza, no essencial, como sublinha o MP, a uma questão de natureza casuística (pois que da factualidade apurada, o tribunal recorrido retirou a ilação de facto de que os serviços descritos nas facturas não foram, efectivamente, prestados, considerando ainda o acórdão que a essa conclusão se chega sem necessidade absoluta daquela prova documental junta pela Fazenda em sede recurso jurisdicional, pois que os ditos documentos juntos com as alegações apenas se limitaram a corroborar tal ilação).
Acrescendo, como igualmente salienta o MP, que a decisão de direito do tribunal recorrido se mostra absolutamente plausível, seguindo, aliás, jurisprudência consolidada dos tribunais superiores (cfr., entre outros, o acórdão do Pleno do STA, de 16/11/2016, no proc. nº 0600/15), no sentido de que compete à AT provar a factualidade que a levou a desconsiderar os custos, factualidade essa susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, passando, então, a caber ao contribuinte o ónus da prova do direito de deduzir os custos ao lucro tributável.
Estamos, em suma, perante uma situação singular e com contornos factuais específicos, o que basta para afastar a excepcionalidade e, por conseguinte, a admissibilidade, da requerida revista,
E por outro lado e como se deixou exarado no acórdão do STA, de 28/5/2014, proc. nº 067/14, «…nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que compromete inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, está ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas àquela matéria de facto» (cfr., no mesmo sentido, também o acórdão do STA, de 4/9/2013, proc. nº 0995/13).

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – António Pimpão.