Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02636/17.1BELSB
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
Sumário:Não é de admitir a revista quando o fundamento do indeferimento do pedido de suspensão de eficácia do embargo foi a inexistência de fumus boni iuris e as razões que determinaram esse indeferimento foram ponderadas e nada indica que as mesmas sejam erradas.
Nº Convencional:JSTA000P23771
Nº do Documento:SA12018102202636/17
Data de Entrada:10/01/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… intentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do despacho da Ministra da Administração Interna, de 03/10/2016, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho do director nacional da PSP, de 01/07/2016, que lhe aplicou uma pena disciplinar de 240 dias de suspensão.

Aquele Tribunal, por sentença de 28/03/2017, indeferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O TCA confirmou a decisão do TAC de Lisboa que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho do MAI, de 03/10/2016, que aplicou ao Autor a pena disciplinar de 240 (duzentos e quarenta) dias de suspensão pela seguinte ordem de razões:
“….
Compulsando a sentença recorrida verifica-se que na mesma foi considerado verificado o requisito do periculum in mora, mas foi considerado não se verificar o requisito do fumus boni iuris, nada tendo sido decidido quanto do requisito da ponderação de interesses, não decretando a providência cautelar requerida.
Por isso, vem o Recorrente recorrer da sentença recorrida quanto ao julgamento de não verificação do fumus boni iuris.
….
Não releva para este efeito a determinação de qual o regime mais favorável ao arguido, pois a determinação desse regime apenas opera de entre os normativos cujo âmbito material seja aplicável, ou seja, não releva apurar se a lei geral em matéria disciplinar … constitui ou não o regime legal mais favorável, por tais regimes não serem aplicáveis ao caso do procedimento disciplinar instaurado contra um agente da PSP, o qual é regulado por lei especial, que afasta a aplicação da lei geral, a saber, o Regulamento de Disciplina da PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20/02, com a redacção aplicável.

Por isso, não tem o Recorrente qualquer razão ao sustentar o erro de julgamento da sentença recorrida com fundamento em ser aplicável ao procedimento disciplinar instaurado contra o Requerente o disposto no n.º 6 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09 ou o n.º 5 do artigo 178.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, por tais normativos não serem aplicáveis.
2. No demais, não tem o Recorrente razão quanto aos restantes fundamentos que pretendem infirmar o julgamento quanto à não verificação do requisito do fumus boni iuris.
Dirige o Recorrente o erro de julgamento da sentença recorrida quanto à questão da falta de desconto da medida de suspensão preventiva na sanção disciplinar de suspensão, mas sem fundamento, pois a primeira consiste numa medida preventiva, sem a natureza de sanção disciplinar, pelo que, não tem por finalidade antecipar o cumprimento ou a execução de qualquer sanção disciplinar, ainda que a mesma seja de suspensão, como no presente caso.
….
Por outro lado, o Requerente não procede à necessária substanciação do pedido de violação do princípio da igualdade, por não invocar qualquer situação em que decorra um tratamento diferenciado de uma mesma e idêntica situação material por parte da Entidade Requerida.
….
3. Por outro lado, não tem qualquer sustento a conclusão do recurso que se refere à circunstância de o Requerente ter sido sancionado não pela violação de normas jurídicas, mas de um princípio jurídico, pois não obstante a epígrafe do disposto no artigo 6.º do Regulamento Disciplinar da PSP, está em causa a prática de duas infracções disciplinares pelo Requerente, pela violação dos deveres de correcção, assiduidade e aprumo, nos termos dos artigos 13.º, 14.º e 16.º do citado regime legal.
….
4. No que concerne à alegada violação do princípio da proporcionalidade, por a pena disciplinar aplicada ter sido graduada no máximo admissível, de 240 dias e não terem sido consideradas as três circunstâncias atenuantes, igualmente falece razão ao Recorrente, pois resulta da motivação do ato suspendendo, designadamente, no que respeita à medida e graduação da pena, que foram consideradas, quer as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas nas alíneas b), g) e h) do n.º 1 do artigo 52.º do Regulamento de Disciplina, quer as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas d), f) e i) do artigo 53.º do citado regime legal.
Igualmente se extrai do julgamento de facto assente na sentença recorrida que tendo sido proposta a aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva ou de demissão …. veio a ser aplicada ao arguido uma pena disciplinar menos gravosa em relação ao que havia sido proposto pelo instrutor do procedimento disciplinar, a pena de suspensão.
….
Assim, não tem sustento a invocação de que não foram consideradas as circunstâncias atenuantes ou de ter sido violado o princípio da proporcionalidade no tocante à medida da pena, por se extrair ter existido a consideração dessas circunstâncias e de ter sido aplicada pena disciplinar menos gravosa à que fora proposta pelo instrutor.
5. Por último, pretende o Recorrente pôr em crise a prova produzida a respeito da prática da infracção relativa ao dia 09/12/2012, alegando ter agido em estado de necessidade, agindo em socorro da sua mãe, o que não foi considerado na defesa apresentada.
Porém, é de entender que existiu por parte da entidade com competência disciplinar, a apreciação e a valoração dos factos, tendo sido realizada actividade instrutória, garantindo-se ao arguido do procedimento disciplinar a oportunidade de apresentar a sua defesa e de apresentar e requerer a produção de meios de prova, sem que a alegação do arguido, ora Recorrente tenha resultado demonstrada.

Nestes termos, nos termos e pelas razões antecedentes, forçoso se tem de concluir pela improcedência das conclusões do recurso, quanto ao invocado erro de julgamento da sentença recorrida, sobre a verificação do requisito do fumus boni iuris, já que este se deve considerar como inverificado, tal como decidido pelo Tribunal a quo.”

3. A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique quebrar-se aquele entendimento.
Desde logo, porque as instâncias decidiram convergentemente e fizeram-no com uma fundamentação jurídica clara e convincente, razão pela qual se não justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.
Depois, porque o Recorrente, no essencial, fundamenta a sua divergência com a decisão recorrida no facto de ter ocorrido prescrição do procedimento disciplinar visto, no caso, se aplicar o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, ou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e não, como foi decidido, o Regulamento de Disciplina da PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20/02. E que, por isso, o procedimento disciplinar já se encontrava prescrito quando foi exercido.
Todavia, encontrando-nos numa fase liminar e provisória, onde se faz uma apreciação sumária do requisito fumus boni iuris, não se justifica admitir a revista para que a mencionada questão seja tratada com uma profundidade que aqui não é exigida, visto essa apreciação estar reservada para a acção principal.
Finalmente, tudo levando a crer que mesma foi bem decidida não se justifica admitir a revista.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.