Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02009/18.9BALSB
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
VÍCIO DE FORMA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, que não se deve ter por verificado se o acto de liquidação for anulado em consequência da anulação, por falta de fundamentação, do relatório de inspecção que lhe serviu de base.
Nº Convencional:JSTA000P26431
Nº do Documento:SAP2020093002009/18
Data de Entrada:01/29/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:LABORATÓRIO A………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A Directora-geral da Autoridade Tributária vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n.º 671/2017-T, proferida pelo Centro de Arbitragem Tributária, para uniformização de jurisprudência por considerar que esta decisão colide com o decidido no acórdão de 4 de Outubro de 2013, processo n.º 01215/12, proferido por este Supremo Tribunal, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber são devidos juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º n.º 1 da LGT em virtude da anulação de acto tributário por falta de fundamentação do relatório de inspecção que lhe serviu de base, foram decididas diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.
2) Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, quer no Acórdão fundamento quer no Acórdão recorrido a empresa impugnante (que doravante se denominará de A.) foi objecto de uma acção de inspecção.
3) Tais acções de inspecção, em ambos os casos, determinaram, a final, correcções à matéria colectável.
4) Assim, em ambos os casos subjacentes a Ac. recorrido e a Ac. fundamento, as liquidações que foram objecto de impugnação judicial e arbitral foram emitidas na sequência dessas correcções, determinadas em sede de acção e elaboração de Relatório Inspectivo.
5) E, em ambas as situações, o Tribunal apreciando tais liquidações considerou que estavam inquinadas de vício de falta de fundamentação, porquanto o de Inspecção em que se basearam não deixava antever as razões pelas quais se procedeu a tais correcções e consequente liquidação.
6) Assim, tendo concluído pela procedência do vício de falta de fundamentação das correcções procederam, seguidamente, o Ac. arbitral recorrido e o Ac. fundamento à análise do pedido de atribuição de juros indemnizatórios calculados sobre o imposto pago e até ao reembolso integral da quantia devida e fundado no n.º 1 do art. 43.º da LGT.
7) Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que, quer o Acórdão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão de saber se eram devidos tais juros na sequência da anulação da liquidação por vício de forma, falta de fundamentação das correcções determinadas na sequência de procedimento inspectivo, pedido este formulado pelo impugnante nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT.
8) E, deste modo, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisaram a questão de direito de saber se, na sequência da anulação de liquidação por vício de forma são devidos juros indemnizatórios nos termos daquele dispositivo legal.
9) Contudo, o Acórdão fundamento e o Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.
10) Assim, enquanto para a decisão arbitral recorrida foi considerado existir tal direito, já para o Acórdão fundamento, pelo contrário, não existe tal direito porquanto, "o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT pressupõe que no processo se determine que na liquidação "houve erro imputável aos serviços" entendido este como o "erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputável à Administração Fiscal", que não se deve ter por verificado se o acto de liquidação for anulado em consequência da anulação, por falta de fundamentação, do relatório de inspecção que lhe serviu de base."
11) Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão fundamento e da decisão arbitral recorrida, não ocorreu qualquer alteração legislativa susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.
12) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma situação de facto, da anulação da liquidação, por falta de fundamentação do RIT que esteve na base das correcções e da subsequente liquidação, foi entendida e decidida de forma diferente quanto ao direito, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, à atribuição de juros indemnizatórios decorrentes de tal anulação, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está, antes pelo contrário, de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
13) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts 152.º n.º 1 do CPTA e 27.° n.º 1 al. b) do ETAF.
14) Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que são devidos juros indemnizatórios na sequência da anulação de uma liquidação por se ter considerado que o RIT enfermava de falta de fundamentação quanto às correcções efectuadas fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 43.º n.º 1 da LGT e 61.º n.º 5 do CPPT, aos factos.
15) Na verdade, como se refere no Ac. do STA de 11/04/2009, proferido no processo 0665/09: "Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a ilicitude da relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas.
Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, com base no facto de ter ocorrido a anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, por deixar de existir o suporte jurídico da transferência da quantia paga para o erário público, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária." Destaques nossos.
16) Donde, tendo em conta que na génese da anulação da liquidação está um vício de forma, consubstanciado na falta de fundamentação, e não propriamente um erro de facto ou de direito, tal anulação não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação.
17) Pelo que, o pagamento de juros indemnizatórios não pode ser exigido e atribuído, como o fez o Ac. arbitral recorrido, pela norma do n.º 1 do art. 43.º porque não se apurou ter existido qualquer erro na liquidação imputável aos serviços.
18) Na previsão desta norma, apenas cabe o erro de facto ou de direito, imputável aos serviços que só pode ser determinado na apreciação e decisão dos processos de reclamação graciosa ou de impugnação judicial quando estiver em discussão a (i)legalidade de uma liquidação.
19) No caso, porque o que inquina o acto de liquidação resulta unicamente do vício de falta de fundamentação do relatório de inspecção, não podia o Ac. recorrido, salvo o devido respeito, estender os efeitos da anulação da liquidação e determinar a atribuição de juros indemnizatórios com base no n.º 1 do art. 43.° da LGT.

C) Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
Finalmente, tendo em conta que o valor do recurso é superior a 275.000,00€ vem a recorrente requerer que seja emitida pronúncia e que seja deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, uma vez que, estamos em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, não há lugar à produção de prova testemunhal e se pede que o Tribunal analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, não se justificando, pois, que a recorrente seja onerada com o pagamento de um remanescente tão elevado, cfr. art. 6.º n.º 7 do RCP.
Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência no sentido do deliberado no Acórdão fundamento, uma vez que o Acórdão recorrido fez uma incorrecta apreciação e aplicação dos artigos 43.° n.° 1 da LGT e 61.°n.º 5 do CPPT, aos factos.».


2. A recorrida contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:
«(…)
4.º Por Acórdão Arbitral de 19 de Setembro de 2018, aqui recorrido, decidiu o Tribunal Arbitral em funcionamento no CAAD “julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
Anular o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2015 8310039542 e correspondentes juros compensatórios, no valor global de € 443.889,32, bem

e suscitou o Incidente de Verificação do Valor do Recurso onde requereu, designadamente, o seguinte:
«(…)
5.º Por Acórdão Arbitral de 19 de Setembro de 2018, aqui recorrido, decidiu o Tribunal Arbitral em funcionamento no CAAD “julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a. Anular o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2015 8310039542 e correspondentes juros compensatórios, no valor global de € 443.889,32, bem como a decisão do recurso hierárquico que teve aquele como objecto;
b. Condenar no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT”.
6.º Do Acórdão Arbitral em causa interpôs a Recorrente o presente recurso para uniformização de jurisprudência, mas meramente no tocante à parte em que se decidiu "que são devidos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º n.º 1 da LGT em virtude da anulação de acto tributário por falta de fundamentação do relatório de inspecção que lhe serviu de base",
7.º Tendo, contudo, indicado como valor do processo o montante de €443.889,32, correspondente ao montante total indevidamente pago pela Recorrida, incluindo imposto, tributações autónomas e juros compensatórios, na sequência da notificação da liquidação adicional de IRC n.º 2015 8310039542, relativa ao exercício de 2013, e da Demonstração de Acerto de contas n.º 2015 00014840371.
8.º A Recorrente requereu, ainda, "tendo em conta que o valor do recurso é superior a 275.000,00€ (...) que seja emitida pronúncia e que seja deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, uma vez que estamos em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, não há lugar à produção de prova testemunhal e se pede que o Tribunal analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, não se justificando, pois, que a recorrente seja onerada com o pagamento de um remanescente tão elevado, cfr. art.º 6.º n.º 7 do RCP".
9.º Nos termos do n.º 2 do art.º 635.º do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ("CPTA"), "[s]e a parte dispositivo da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que decorre",
10.º Dispondo o n.º 4 do mesmo preceito legal que, "[n]as conclusões das alegações, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso".
11.º Em face do exposto, tendo a Recorrente limitado o objecto do recurso interposto, nas suas conclusões, à "questão referente a saber se são devidos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º n.º 1 da LGT em virtude da anulação de acto tributário por falta de fundamentação do relatório de inspecção que lhe serviu de base",
12.º Dúvidas não restam de que o recurso não abrange a totalidade do Acórdão Arbitral recorrido, na parte em que se "decide julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a. Anular o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2015 8310039542 e correspondentes juros compensatórios, no valor global de €443.889,32, bem como a decisão do recurso hierárquico que teve aquele como objecto",
13.º Pelo que transitou esta parte em julgado, conforme disposto no n.º 5 do art.º 635.º do Código do Processo Civil ex vi art.º 1.º do CPTA, que expressamente dispõe que "[o]s efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo".
14.º Assim, apenas se encontrando em causa, nos presentes autos, o Acórdão Arbitral recorrido na parte em que decidiu o “[c]ondenar no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT”',
15.º Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrida entende, assim, que o valor atribuído pela Recorrente ao recurso é incorrecto e excessivo, devendo, em consequência ser reduzido, para efeito de custas, incluindo taxa de justiça.
Vejamos:
16.º Dispõe o n.º 2 do art.ºs 12.º do Regulamento das Custas Processuais que, "[n]os recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos prevalece o valor da acção",
17.º Reportando-se o requisito atinente ao valor da sucumbência ao montante do prejuízo que o Acórdão Arbitral recorrido importa para a Recorrente, ou seja, à utilidade económica que, através do recurso, pretende a Recorrente alcançar,
18.º Sendo este valor perfeitamente determinável, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.ºs 12.º do Regulamento das Custas Processuais.
19.º Com efeito, "quando se emprega a expressão ‘determinável’ pretende-se abarcar as situações em que a sucumbência não se encontra expressa, mas em que é passível de ser obtida, através da leitura e interpretação dos elementos constantes do processo, mormente das decisões nele proferidas. Assim, no caso, a determinação da sucumbência teria de ser encontrada com base na análise das decisões que foram procedidas, não podendo o Senhor Contador inviabilizá-la com a alegação de que nos recursos apenas se tinha em vista saber se se estaria ou não perante uma situação de caso julgado" (vide Douto Acórdão proferido em 15 de Outubro de 2009, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 843-I/83-2).
20.º Assim, tendo a Recorrente interposto recurso para uniformização de jurisprudência do Acórdão Arbitral recorrido delimitado à parte em que foi condenada “no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT”,
21.º Dúvidas não restam de que o valor da sucumbência, e do presente recurso, corresponde ao valor de tais juros indemnizatórios em cujo pagamento foi a Recorrente condenada, os quais, conforme dispõe o Acórdão Arbitral recorrido, são "calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4 da LGT)",
22.º Ou seja, serão calculados sobre o montante de € 443.889,32, indevidamente pago pela Recorrida em 10 de Fevereiro de 2016, à taxa anual de 4%, nos termos previstos no n.º 4 do art.º 43.º e do n.º 10 do art.ºs 35.º, ambos da LGT, do n.º 1 do art.ºs 559.º do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
23.º Acresce que, dispondo o n.º 2 do art.ºs 297.º do Código de Processo Civil, que na fixação do valor, "quando se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos",
24.º Tais juros apenas serão calculados até à data de interposição do pedido de pronúncia arbitral, o que ocorreu em 22 de Dezembro de 2017.
25.º Em face do exposto, o montante de juros indemnizatórios seria calculado, à taxa anual de 4%, sobre o montante de € 443.889,32, desde a data do seu pagamento indevido (10 de Fevereiro de 2016) até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral que correu termos no CAAD, no processo n.º 673/2017-T (22 de Dezembro de 2017).
26.º Em consequência, o valor aqui em causa seria de €33.127,52, conforme fórmula exposta infra:
Montante indevidamente pago x dias x taxa de juro / 365 dias, ou seja € 443.889,32 x 681 dias x 4%/365 = € 33.127,52
27.º Assim, dispondo o n.º 2 do art.º 12.º do Regulamento das Custas Processuais, que "[n]os recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável", o que se verifica no presente caso,
28.º Resulta claro que o valor da sucumbência, e consequentemente do recurso, não corresponde ao montante indicado pela Recorrente, de € 443.889,32, mas antes ao valor de € 33.127,52.
29.º Em consequência, deverá o valor do recurso indicado pela Recorrente ser reduzido para o montante de € 33.127,52.
Termos em que, sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, deverá o presente incidente ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser reduzido o valor do recurso, de € 443.889,32 para € 33.127,52.
Aguarda de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, deferimento.»

3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
«Entendemos, assim, que se impõe a confirmação da jurisprudência do acórdão fundamento no sentido de que, «o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios».
E nessa medida deve o recurso ser julgado procedente e determinar-se a anulação da decisão do CAAD na parte relativa a juros indemnizatórios».


4 – As partes foram notificadas do Parecer do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto, tendo o recorrido vindo requerer o seguinte:
(…)
1.º Para concluir que alegadamente se mostram "reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência", primeira e intencionalmente, o DMMP desconsidera o julgamento constante do Acórdão Arbitral recorrido de que "[e]stá-se perante um vício de violação de lei substantiva consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária".
2.º O DMMP imputa, para o efeito, um "erro de interpretação e aplicação do disposto no citado normativo" que resulta na "incorrecção na qualificação do erro imputável à AT por parte do tribunal arbitral ao apreciar o pedido de juros indemnizatórios",
3.º Pelo que conclui que "a referida incorrecção na qualificação do erro imputável à AT por parte do tribunal arbitral ao apreciar o pedido de juros indemnizatórios, não transforma o vício de forma imputado ao acto, em vício material".
4.º Com a devida vénia, tal alegação não pode proceder.
5.º Com efeito, a Recorrente deduziu recurso do Acórdão Arbitral recorrido, nos termos do 2 do art. e 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), por entender que se verifica uma situação de oposição entre o Acórdão Arbitral recorrido e o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Outubro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 01215/12 ("Acórdão fundamento"),
6.º Delimitando o objecto do recurso à oposição quanto à questão de serem "devidos juros indemnizatórios, nos termos do art.ºs 43º nº 1 da LGT em virtude da anulação de acto tributário por falta de fundamentação do relatórios de inspecção que lhe serviu de base",
7.º Alegando, para tal, que "quer o Acórdão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão de saber se eram devidos tais juros na sequência da anulação da liquidação por vício de forma, falta de fundamentação das correcções determinadas na sequência de procedimento inspectivo, pedido este formulado pelo impugnante nos termos do n.º 1 do art. 43º da LGT" e "deste modo, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisaram a questão de direito de saber se, na sequência da anulação de liquidação por vício de forma são devidos juros indemnizatórios nos termos daquele dispositivo legal",
8.º E que "o Acórdão fundamento e o Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada".
9.º Pelo contrário, a Recorrida demonstrou cabalmente que não se verifica uma identidade de situações de facto ou de Direito entre o Acórdão fundamento e o Acórdão Arbitral recorrido, nem tão pouco se verifica a alegação da Recorrente, de que "em ambas as situações, o Tribunal apreciando tais liquidações considerou que estavam inquinadas de vício de falta de fundamentação, porquanto o Relatório de Inspecção em que se basearam não deixava antever as razões pelas quais se procedeu a tais correcções e consequente liquidação",
10.º Pois, ao contrário do que sucede no caso do Acórdão fundamento, o Acórdão Arbitral recorrido realizou um juízo expresso sobre o carácter indevido da prestação tributária em face das disposições legais substantivas, apreciando a validade da relação jurídico-fiscal subjacente à liquidação em crise nos autos do processo arbitral n.º 671/2017-T, concluindo pela existência de erros sobre os pressupostos de direito que levaram a Administração Fiscal a proceder a uma ilegal liquidação de imposto.
11.º No entanto, o DMMP parece pretender afastar tal apreciação efectuada pelo Tribunal Arbitral em funcionamento no CAAD, no processo n.º 671/2017-T, ao afirmar que o "erro sobre os pressupostos de direito', [...] foi qualificado, de forma incorrecta, pelo tribunal arbitral",
12.º Para, deste modo, concluir que, sem este juízo expressamente constante do Acórdão Recorrido, estariam "em causa nas duas decisões em confronto a anulação do acto tributário com base na falta de fundamentação do acto, reportada ao relatório dos Serviços de Inspecção que serve de suporte à fundamentação das correcções da matéria tributável, e tendo sido opostas as soluções sobre o direito a juros indemnizatórios nos dois casos, mostram-se reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência, pois estamos perante identidade da questão de direito e situações de facto substancialmente semelhantes, tendo a solução perfilhada em cada um dos casos sido oposta, a qual foi extraída no âmbito do mesmo quadro jurídico aplicável".
13.º Importa salientar que, nos termos dos n.º 2 e 3 do art.º 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, "[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo" sendo "aplicável, com as devidas adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral".
14.º Os requisitos de admissibilidade do recurso em questão, nos termos do art.º 152.º do CPTA, "são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do TCA ou do STA, ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento e o respectivo recurso tenha sido interposto, no prazo de 30 dias, após o trânsito do acórdão impugnado; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão recorrido, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Estes requisitos são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles constitui condição suficiente para não admitir o recurso de uniformização de jurisprudência".
15.º "Além destes requisitos legais, a jurisprudência, baseando-se na lógica deste tipo de recurso, formulou, logo no âmbito da LPTA, alguns princípios com ele relacionados cuja observância também se justifica no âmbito do CPTA, quais sejam: e) para cada questão em oposição deve o Recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; f) só é de admitir-se a existência de oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; g) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos (v. Acórdão do Pleno do STA de 4 de junho de 2013, Processo n.º 0753/13)" (neste sentido, vide Douto Acórdão n.º 2/2018, de 27 de Setembro de 2018, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 1493/17).
16.º Acresce que, "[n]os recursos para uniformização de jurisprudência, o Pleno do STA só pode rever a decisão do acórdão recorrido acerca de uma qualquer questão fundamental de direito após se assegurar que o acórdão fundamento a solucionou em sentido oposto." (vide Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 2 de Julho de 2009, no processo n.º 0576/09).
17.º Nestes termos, ao contrário do que parece pretender o DMMP, para que este Supremo Tribunal Administrativo afira a invocada oposição de acórdãos, não poderá, meramente, afastar-se o juízo expresso sobre o carácter indevido da prestação tributária em face das disposições legais substantivas efectuado pelo Acórdão Arbitral recorrido, através de uma mera alegação de que ocorre um eventual erro de julgamento do mesmo.
18.º No fundo, concluir, ou não, pelo alegado "erro de interpretação e aplicação do disposto no citado normativo" que resulta na "incorrecção na qualificação do erro imputável à AT por parte do tribunal arbitral ao apreciar o pedido de juros indemnizatórios" seria uma apreciação do próprio mérito do Acórdão Arbitral recorrido, antes mesmo da verificação dos requisitos de admissibilidade do próprio recurso para uniformização de jurisprudência, a qual seria inadmissível.
19.º Sobre esta matéria já se pronunciou este Venerando Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que "[p]ara averiguar da existência de oposição, o Supremo só pode ater-se ao teor das decisões alegadamente contraditórias, sendo-lhe vedada qualquer apreciação da respectiva correcção jurídica, a qual já se situa num patamar posterior àquela existência que aliás supõe verificada" (vide, por todos, Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 7 de Julho de 2010, no processo n.º 0912/09).
20.º No fundo, "o Supremo Tribunal Administrativo, nesta sede de apreciação da existência de oposição de julgados, ou seja, ainda em patamar prévio à apreciação do mérito da decisão recorrida, não pode efectuar nenhum juízo próprio sobre este. Em tal patamar ou estádio, o Supremo Tribunal Administrativo não emite qualquer juízo sobre o acerto do julgado; antes, tem de tomar este como único ponto de partida para verificar se existe ou não oposição, atendo-se exclusivamente ao teor das decisões alegadamente contraditórias" (vide, por todos, Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28 de Outubro de 2015, no processo n.º 0546/15).
21.º Acresce que, parecendo pretender o DMMP afastar a apreciação efectuada pelo Tribunal Arbitral em funcionamento no CAAD, no processo n.º 671/2017-T, ao afirmar que o "erro sobre os pressupostos de direito' [...] foi qualificado, de forma incorrecta, pelo tribunal arbitral", transparecendo, eventualmente, uma situação em que os fundamentos da decisão constante do Acórdão Arbitral recorrido se encontrariam em oposição com tal decisão,
22.º Importa salientar que, nos termos do disposto do n.º 1 do art.º 27.º do RJAT, "[a] decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo", designadamente, com fundamento na "Oposição dos fundamentos com a decisão" [cfr. alínea b) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT].
23.º Por outro lado, "[s]obre a competência do Supremo Tribunal Administrativo para se pronunciar e sindicar as decisões do CAAD em matéria tributária, já este Supremo Tribunal se pronunciou no seu acórdão datado de 16.11.2016, recurso n.º 0650/16, nos seguintes termos: 'Tal como resulta do disposto naquele artigo 25º, n.º 2 do RJAT, o recurso aí previsto só pode incidir sobre decisões que recaiam sobre o mérito da pretensão deduzido que ponha termo ao processo, ou seja, sobre decisões que tenham apreciado a bondade dos argumentos esgrimidos pelo interessado no sentido de obter a anulação do acto tributário que ataca por via do seu pedido de pronúncia arbitral, isto é, decisões que tenha, efectivamente apreciado as questões suscitadas pelo interessado e que conduzam, ou possam conduzir, em última instância, ao reconhecimento da ilegalidade do acto tributário, assim se atingindo a sua anulação.'.
Todas as questões que não contendam com o mérito da pretensão, havendo-as, devem ser colocadas ao Tribunal Central Administrativo, nos termos do disposto nos artigos 27º e 28º supra indicados",
24.º Pelo que "conhecendo este Supremo tribunal da questão colocada pelo recorrente estaria a extravasar das suas competências e a imiscuir-se no conhecimento de matéria cuja apreciação lhe está vedada, nulidade das decisões do CAAD, cfr. artigo 28º, n.º 1, al. c)" (vide Douto Acórdão de 25 de Janeiro de 2017, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0862/16).
25.º Em face do exposto, a verificar-se uma eventual oposição dos fundamentos com a decisão constante do Acórdão Arbitral recorrido consubstanciada na "incorrecção na qualificação do erro imputável à AT por parte do tribunal arbitral ao apreciar o pedido de juros indemnizatórios", tal alegada "incorrecção" teria de ser impugnada, através de acção de impugnação de decisão arbitral, a deduzir perante o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 27.º e da alínea b) do n.º 1 do art.ºs 28.º do RJAT,
26.º O que não sucedeu!
27.º Consequentemente, encontrar-se-ia este Supremo Tribunal Administrativo, nos presentes autos de recurso intentado nos termos do n.º 2 do art.º 25.º do RJAT, impedido de conhecer da mesma, por nos encontrarmos perante matéria da competência do Tribunal Central Administrativo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT.
28.ºAssim, reconhecendo o DMMP que, "[é] certo que no decisão do CAAD ao fundamentar-se o direito a juros indemnizatórios por parte do contribuinte, o tribunal aduz em prol de tal direito, a favor do contribuinte, o seguinte: «No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária e Aduaneira que, por sua iniciativa, praticou sem suporte legal, no caso, sem fundamentar a exigência de correcção nos termos que foram apontados. Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária» (sublinhado nossos)",
29.º Dúvidas não restam de que, não se verifica qualquer oposição entre o Acórdão Arbitral recorrido e o Acórdão fundamento, nem tão-pouco se verificam os requisitos legais exigidos para a invocação de tal oposição,
30.º Pois, ao contrário do que sucede com o Acórdão fundamento, o Acórdão Arbitral recorrido realizou um juízo expresso sobre o carácter indevido da prestação tributária em face das disposições legais substantivas, apreciando a validade da relação jurídico-fiscal subjacente à liquidação em crise nos autos do processo arbitral n.º 671/2017-T, concluindo pela existência de erro sobre os pressupostos de direito que levaram a Administração Fiscal a proceder a uma ilegal liquidação de imposto;
31.º Adicionalmente, tendo o Acórdão Arbitral recorrido, na sequência da determinação da anulação da liquidação em crise nos autos do processo arbitral n.º 671/2017-T, por se estar "perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária", verifica-se que há uma concordância de entendimento do Acórdão fundamento e do Tribunal Arbitral recorrido, ao determinarem que "há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois que estes pressupõem, nas termos da n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, que no processo se determine que na liquidação 'houve erro imputável aos serviços' entendido este como o 'erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal"';
32.º Neste sentido, não pode proceder a alegação do DMMP, não se devendo tomar conhecimento do recurso apresentado pela Recorrente, por não se encontrar verificada qualquer situação de oposição de acórdãos entre o Acórdão fundamento e o Acórdão Arbitral recorrido.
Termos em que, sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, não deverá tomar-se conhecimento do presente recurso por não se verificar a oposição de Acórdãos e, em consequência, ser mantido in totum o Acórdão Arbitral recorrido,
Assim se fazendo JUSTIÇA!

5 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

6 – Por decisão da Relatora, de 21 de Fevereiro de 2020, foi decidido o incidente de fixação da base tributável para efeitos de taxa de justiça, tendo sido fixada a base tributável para efeitos de taxa de justiça em € 58.535,71.


II – Fundamentação

1. De facto
Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
a) A Requerente é sociedade dominante de um Grupo de Sociedades que operam no Sector Farmacêutico, produzindo e comercializando produtos nesta área e detendo várias marcas do respectivo Sector;
b) Deste Grupo faziam parte, em 2011, a sociedade A…………, Lda.;
c) A Requerente estava então (2011) enquadrada no denominado "regime especial de tributação dos grupos de sociedades" [artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, na redação em vigor para o exercício de 2011];
d) Em 23 de Dezembro de 2009, através do denominado "Assent Purchase Agreement" a sociedade comercial Laboratório A……….., SA, adquiriu à empresa B……….., SA, a marca "….." pelo valor de € 15.600.000,00;
Proc. n.º 671/2017- T
e) Ulteriormente, a sociedade comercial A………, Lda., adquiriu a marca "….." em virtude de um aumento de capital realizado em 18-9-2010, mediante entrada em espécie pela sócia "Laboratório A………. , SA";
f) Em conformidade com a Ordem de Serviço n.º OI201500311, ordenou a Autoridade Tributária acção inspectiva interna, ao exercício de 2011, com vista à análise da declaração periódica de rendimentos do grupo no qual se insere a Requerente (cfr. cópia do Relatório de Conclusões da Acção de Inspecção, a qual fundamenta a liquidação sub judice);
g) Na sequência dessa inspecção, decidiu a Autoridade Tributária efectuar uma correcção à matéria colectável da A…………, Lda., em virtude de não ter sido acrescido para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2011 a quantia de € 2.600.000,00, referente a reintegrações e amortizações contabilizadas como custo e não aceites fiscalmente, alegadamente nos termos do art.º 34.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC;
h) Concluiu a AT que a A…………., Lda. "não acresceu para efeitos do apuramento do lucro tributável do exercício de 2011 (...), as quantias de € 2.600.000,00 (...) respeitantes a reintegrações e amortizações contabilizadas como custo e não aceites fiscalmente (...) decorrente da aquisição da marca ……. (...) tendo sido atribuído, a este activo intangível ……, o valor líquido de € 14.518.555,43";
i) Isto porque, alegadamente, "Da análise ao contrato, assinado pelo sujeito passivo Laboratório A……….., S.A. e pela empresa B……….. S.A., podemos concluir que a aquisição da marca ……, consubstancia um activo intangível sem vida útil definida, pois não é referida qualquer data limite ou restrição de utilização exclusiva da marca, para além de que não foram detetados elementos que determinem a vida útil do ativo em análise"...;
j) Concluindo no sentido de que "Não existindo assim, um limite previsível para o período durante o qual se espera que o activo gere influxos de caixa líquidos para a entidade, podemos concluir que a vida útil do activo intangível é indefinida, e não finita, conforme considerado pelo sujeito passivo, pelo que de acordo com a NCRF-6, o activo reconhecido não deve ser amortizado";
k) A Requerente e a B…………, S.A., empresa também de direito português, com sede na Rua ………., ….., em Amadora, celebraram o sobredito "Asset Purchase Agreement", com vista à aquisição, pelo valor de € 15.600.000,00, de diversos activos intangíveis, nos quais se incluíam os activos "……." relacionados com a actividade de produção, desenvolvimento, marketing e comercialização dos produtos farmacêuticos e dermoestéticos desta marca;
l) A Requerente procedeu à contabilização das realidades em questão como activos intangíveis, tendo efectuado as respectivas amortizações e considerado as mesmas como dedutíveis para efeitos fiscais, na medida em que "estamos perante activos com vida útil definida e sujeitos a deperecimento";
m) Em 31 de Agosto de 2010, a Requerente subscreveu um aumento do capital social da A……….., Lda., em espécie, no valor de € 990.000,00, consubstanciado na transferência, para esta, "dos bens que constituem a totalidade do património afecto ao ramo de actividade da sociedade contribuidora, (...) de importação, exportação, produção e comercialização de Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica e de Cosméticos" (cfr. Anexo I do Documento 4), entre os quais se incluíam os activos referidos supra, com o valor líquido de € 14.518.555,43, previamente adquiridos à B…………, S.A.;
n) Os activos em questão foram transferidos pelos mesmos valores que tinham na Requerente e que resultavam "da aplicação das disposições do Código do IRC, tal como constam do balanço preparado para o efeito pela sociedade contribuidora, à data de 30 de Junho de 2010, dando, assim, cumprimento ao regime da neutralidade fiscal previsto no Código do IRC, aplicável à operação de entrada de activos em causa";
o) Neste sentido, a A………., Lda., no exercício de 2011, adoptou o mesmo tratamento contabilístico que vinha sendo seguido pela Requerente, contabilizando as respectivas amortizações;
p) Promoveu a Autoridade Tributária as correcções em questão apenas porque, da análise ao contrato celebrado entre a Requerente e a empresa B……….. S.A., concluiu que, alegadamente, a marca "……." consubstancia um activo intangível sem vida útil definida "pois não é referida qualquer data limite ou utilização exclusiva da marca, para além de que não foram detetados elementos que determinem a vida útil do ativo em análise";
q) Nos termos da cláusula 2 do referido contrato de aquisição (Assent Purchase Agreement - cfr. Anexo 2/A do Documento 4 com o PPA), foram adquiridos diversos activos, nomeadamente:
i) "Manufacturing technology and know-how": compreendendo todo o know-how relativo à formulação dos produtos, controlo de qualidade, acondicionamento, fórmulas, registo de reclamações, avaliações, processos, tecnologia utilizada, etc.;
ii) "Registrations": compreendendo os dossiers de registo dos produtos e autorizações de comercialização;
iii) "Trademarks": compreendendo a marca "……", mas também as marcas "…..", "……", "……", "…….", "…….", "……", "……", "….", "……", "……", "……", "……", "……….", "……..", "…….", "……..", "……", "………", "……", "….." e os registos actualizados;
iv) "Marketing and promotional documents": compreendendo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, entre outros, existentes à data da transacção.
r) Neste contrato não foi prevista qualquer data limite ou restrição de utilização exclusiva da sobredita marca;
s) E nesse mesmo documento ficou garantida, sem qualquer custo adicional, a cedência de posição em todos os contratos de distribuição celebrados;
t) A Requerente notificou a Autoridade da Concorrência a respeito desta operação (cfr. cópias das referidas notificação e decisão - Documentos 5 e 6 com o PPA);
u) Foi apresentada pela Requerente, em 25 de Maio de 2016, Reclamação Graciosa contra a liquidação em crise (cfr. Documento 10 com o PPA e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), pugnando pela ilegalidade (parcial) da referida liquidação;
v) Em sede de audição prévia ao despacho que decidiu a Reclamação alegou a Requerente que do Projecto de Decisão não resultava qualquer referência, análise ou conclusão, ainda que contraditória, relativamente: (i) Ao vício de falta de fundamentação legalmente exigível que inquina o relatório de inspecção tributária; (ii) À consideração como custo fiscal da amortização dos activos intangíveis; ou ainda, (iii) Aos Pareceres emitidos pela ………. Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda. e pela …………. - SROC, S.A., que confirmam e justificam a posição da ora Requerente;
w) A Reclamação Graciosa veio a ser indeferida por despacho do Director de Finanças Adjunto (em regime de substituição), proferido no dia 16 de Dezembro de 2016 (cfr. Documento 13 com o PPA e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
x) Em consequência, apresentou a Requerente, em 25 de Janeiro de 2017, Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. Documento 14 com o PPA e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais);
y) Em 4 de Outubro de 2017, foi a Requerente notificada do despacho da Subdirectora-Geral dos Impostos, de 20 de Setembro de 2017, de indeferimento do supra referido Recurso Hierárquico (cfr. Documento 15 com o PPA que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
z) Em 1 de Fevereiro de 2016, a Requerente efectuou o pagamento das liquidações (adicional de IRC e juros compensatórios) objecto da presenta impugnação na importância global de €890.573,97 (Documento 3 com o PPA);
aa) Em 27 de Dezembro de 2017 a Requerente apresentou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A Administração Fiscal procedeu à liquidação de IRC, n.º 200764220001329, relativa ao ano de 2003, no valor de 65 783.40€;
2. Em 20.07.2007, a Impugnante foi notificada da liquidação do IRC, cuja data limite terminava em 29.08.2007;
3. Pelo ofício n.º 7572 de 08.05.2007, foi a Impugnante notificada que a curto prazo, iria ser objecto de uma inspecção, para verificação das obrigações tributárias, dos anos 2003, do IRC;
4. A acção de inspecção teve o seu início em 13.05.2007 e o seu termo em 29.05.2007;
5. A Inspecção Tributária apurou que a contabilidade da referida sociedade evidenciava irregularidades, as quais se encontram descritas no relatório de inspecção, constante de fls. 29 a 37 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. No exercício de 2003, a Impugnante procedeu a pagamentos a grupos, bandas e pessoas individuais, não residentes em Portugal, não tendo procedido às retensões na fonte de IRC, conforme o documento do Anexo I do relatório de inspecção, no valor de 57 123.89€, que aqui se dá por integralmente reproduzido, constante de fls. 37 dos PA;
7. Através do ofício n.º 11221, datado de 05.07.2007, a Impugnante foi notificada do relatório de inspecção, e advertindo que a breve prazo será notificado da liquidação pelos serviços DGCI, onde se indicarão os prazos e meios de defesa contra essa liquidação.
8. Em 08.10.2007, a Impugnante procedeu ao pagamento através do modelo 50, do valor de 10.000€ (fls. 18 dos autos)».


3. De Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso

3.1.1. Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:
1.º que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);
2.º que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);
3.º que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].
4.º que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do 281.º do CPPT).
Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:
i) as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;
ii) o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Finalmente, entende-se que os dois acórdãos estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas (e já não será assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).

3.1.2. Da leitura das alegações de recurso verifica-se que a recorrente cumpriu o ónus de identificação precisa e circunstanciada dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e que existe uma efectiva oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento no que respeita à questão do pagamento de juros indemnizatórios em caso de anulação de um acto tributário com fundamento em vício de forma, mais precisamente, falta de fundamentação do relatório da inspecção tributária. Senão vejamos.
A oposição refere-se à mesma questão fundamental de direito, uma vez que em ambos os arestos estamos perante: i) a anulação de uma liquidação adicional de IRC emitida na sequência de um procedimento de inspecção tributária, fundamentando-se essa anulação na falta de fundamentação do relatório de inspecção (verifica-se uma identidade substancial entre as questões fácticas); e ii) em ambos os casos existem segmentos decisórios e de fundamentação respeitantes à condenação no pagamento de juros indemnizatórios nos casos de anulação do acto de liquidação com fundamento em vício de forma (falta de fundamentação do relatório de inspecção tributária) e em ambos a decisão alcançada se fundamenta, também, na mesma redacção do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (existe identidade quanto ao quadro legislativo aplicado).
Com efeito, veja-se a patente contradição quando, sobre a questão dos juros indemnizatórios se decidiu-se e fundamentou deste modo no acórdão recorrido:
«A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante, proporcional, de €768.544,45, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. º 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Tal como demonstrado, a Requerente pagou, em 1 de Fevereiro de 2016, a importância global de €890.573,97.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. º 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. º 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal, no caso, sem fundamentar a exigência de correcção nos termos que foram apontados.
Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que, proporcional nos termos apontados, foi paga indevidamente (€768.544,45).
Destarte, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts.º 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (1 de Fevereiro de 2016), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. º 61.º, n.º 5, do CPPT)».

E de este outro modo no acórdão fundamento:
«7.2 Dos juros indemnizatórios
Alega a recorrente que lhe são devidos juros indemnizatórios, porquanto efectuou o pagamento do imposto em dívida.
Resulta do probatório fixado (cfr. os seus n.ºs 1 e 8) que pagou apenas 10.000 € do valor de 65.783,40 € que lhe foi liquidado, daí que o pagamento tenha sido meramente parcial.
Anulado, porém, o acto tributário por vício de forma – na parte objecto do presente recurso – não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois que estes pressupõem, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”.
É que, como tem sido afirmado por este Tribunal, o facto de o n.º 1 do artigo 43.º da LGT utilizar a expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade”, para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação (…) sendo de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios (cfr., entre outros, o Acórdão de 9 de Setembro de 2009, rec. 369/09).
Improcede, pois, nesta parte, o recurso, não sendo devidos juros indemnizatórios.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação, salvo no que respeita aos peticionados juros indemnizatórios».

E não procede nem pode proceder a alegação do Recorrido vertida no requerimento de fls. 97 do SITAF, no qual sustenta, essencialmente, que não existe identidade quanto ao quadro legislativo, uma vez que na decisão arbitral do CAAD a falta de fundamentação foi “qualificada” como “vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária”, enquanto no acórdão fundamento a mesma factualidade foi apreciada e julgada como vício de forma. Com efeito, é irrelevante o lapso da decisão arbitral na qualificação do vício da falta de fundamentação do acto tributário para efeitos de existência ou não de oposição de julgados quando a questão fáctica, como sucede aqui, é idêntica.

Por último, importa ainda sublinhar que a orientação perfilhada na decisão arbitral também não está de acordo com jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo (não se verifica, portanto, o requisito do n.º 3 do artigo 125.º do CPTA, igualmente consagrado no n.º 3 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, para a inadmissibilidade do recurso), pois quanto à questão de não serem devidos juros indemnizatórios em caso de anulação do acto tributário com fundamento em vício de forma pode consultar-se, em data posterior à do acórdão fundamento, no mesmo sentido e por todos, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso de Tributário, de 28 de Novembro de 2018 (proc. 87/18.0BALSB), em cujo sumário se pode ler o seguinte:
«O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios».
Em suma, verificados que estão todos os pressupostos da admissibilidade do recurso, importa agora conhecer da questão de fundo.

3.3. Do direito a juros indemnizatórios segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT

A questão que vem suscitada no presente recurso foi recentemente decidida pelo Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 29 de Janeiro de 2020 (proc. 2005/18.6BALSB), em sentido que aqui se reitera, pelo que nos limitamos a transcrever o que então se disse:
«[…]
Sobre as razões pelas quais o artigo 43.º, n.º 1 da LGT não abrange a atribuição de juros indemnizatórios em caso de anulação do acto tributário com fundamento em vício de forma (falta de fundamentação) já se pronunciou inúmeras vezes a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, sempre de forma unânime e reiterada, como atestam o acórdão fundamento e o último aresto referido, em sentido do qual não iremos divergir.
Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.
Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.
Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.
Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013, “[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.
É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.
[…]».
Não se conhece do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o qual ficou prejudicado pela já mencionada decisão da relatora, de 21 de Fevereiro de 2020, que fixou a base tributável para efeitos de taxa de justiça em € 58.535,71.
4. Conclusões
O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, que não se deve ter por verificado se o acto de liquidação for anulado em consequência da anulação, por falta de fundamentação, do relatório de inspecção que lhe serviu de base.

5. Decisão
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam tomar conhecimento do mérito do recurso, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral no segmento recorrido e declarar que não são devidos juros indemnizatórios.

Custas pela Recorrida calculadas sobre a base tributável fixada em € 58.535,71.
Registe-se, notifique-se e comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 30 de Setembro de 2020. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.