Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0655/11
Data do Acordão:12/14/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário:I - As causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.
II - Assim as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, ou seja, antes de 01.01.2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
III - A realização de penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência da impugnação, suspendendo a execução até à decisão do pleito, determina também a suspensão do prazo de prescrição, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 49.º da LGT e 169.º, n.º 1 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P13592
Nº do Documento:SA2201112140655
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I – A Fazenda Publica, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu de 25 de Fevereiro de 2011, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por prescrição das respectivas obrigações tributárias deduzidas por A……, melhor identificado nos autos, contra a liquidação adicional de IVA e de IRS referente aos anos de 1995 a 1998, no montante de € 29.939,25.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«- Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287º, alínea e) do CPC, com relação às liquidações impugnadas de IRS e IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, por se ter verificado a prescrição;
- No caso dos autos, e de conformidade com o previsto no art.º 48º, nº. 1 da LGT, o termo inicial de contagem do prazo de prescrição, que é de oito anos, data de 01.01.1997, 01.01.1998 e 01.01.1999, para o IRS e IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, respectivamente;
- As normas sobre prescrição assumem a natureza de preceitos de cariz substantivo, implicando que se aplicam apenas para o futuro, aos factos posteriores à sua entrada em vigor, nos termos do art.º 12º, nº. 1 da LGT;
- Temos que nos socorrer do disposto no art.º 297° do Código Civil, preceito que estipula que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar;
- Salientando-se que as regras do art.º 297° do Código Civil se aplicam directamente às leis que alterem prazos e não às que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição; Daí que as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção, não sendo leis sobre alteração de prazos, não se encontram abrangidas na previsão do art.º 297° do referido diploma legal;
- Acresce que a determinação do prazo de prescrição a aplicar se faz no momento da entrada em vigor da nova lei;
- Partindo desse pressuposto, verifica-se que se aplica às dívidas objecto do presente recurso (IRS e IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998), o regime previsto na Lei Geral Tributária, uma vez que em 01.01.1999 (data da entrada em vigor da LGT), falta o mesmo tempo de prescrição relativamente ao ano de 1996 (no regime do CPT e da LGT) e menos tempo para os anos de 1997 e 1998;
- Somos de parecer que o Meritíssimo Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto no artº 297º do Código Civil, uma vez que considera que o mesmo integra uma regra de aplicação global do regime mais favorável ao devedor;
- Da factualidade dos autos decorre que: Em 03.04.2001 foi instaurado processo executivo para cobrança coerciva das dívidas aludidas, nele não se tendo verificado qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”; Em 02.05.2001 ocorreu a citação do executado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 191° do CPPT; Em 02.07.2001 foi apresentada impugnação judicial; Em 29.04.2004 foi o executado notificado para prestar garantia; Em 28.10.2005 houve a penhora de imóvel; Em 28.10.2005 foi o processo executivo suspenso ao abrigo dos arts. 52º, nº. 1 da LGT e 169º do CPPT, com produção de efeitos em 03.04.2001;
- Atentos os factos acima referenciados verifica-se que o processo de execução em vista da cobrança coerciva das dívidas foi instaurado em 03.04.2001, nele não foi efectuado nenhum pagamento nem houve adesão a qualquer plano prestacional, encontrando-se, no entanto, suspenso por prestação de garantia (penhora de imóvel), desde, pelo menos, 28. 10.2005;
- A este respeito entende a Fazenda Pública que, em conformidade com a norma do art.º 297° do Código Civil, o prazo de prescrição aplicável à situação sub judice é o previsto na Lei Geral Tributária, não o do CPT, daí resultando que a prescrição ainda não ocorreu atenta a suspensão da execução que fora instaurada, como consequência da prestação de garantia (no caso, penhora de imóvel que garante a dívida);
- Ao tempo dos factos, o prazo de prescrição aplicável era de 10 anos, contado do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, nos termos do disposto no art.º 34°, no. 1 do Código de Processo Tributário (CPT); Após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo de prescrição foi objecto de redução para 8 anos;
- A contagem do prazo de 10 anos previsto no art.º 34°, nº. 1 do CPT teve o seu início em 01.01.1997 (para o caso dos impostos de 1996), no entanto, na data da entrada em vigor da LGT (01.01.1999), mesmo que não tivessem ocorrido quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, ainda assim continuariam a faltar 8 anos para se completar o prazo de prescrição;
- O que quer dizer que, segundo a lei antiga, nunca faltaria menos tempo para o prazo se completar do que o previsto na lei nova, dessa forma concluindo-se que terá de se atender ao novo prazo de 8 anos contemplado na lei nova (no caso, o art.º 48º, nº. 1 da LGT), contado a partir da sua entrada em vigor;
- Não pode, contudo, descurar-se a existência de causas interruptivas e/ou suspensivas da prescrição que tenham influência no decurso do prazo de prescrição, sendo aplicáveis os que vêm previstos na lei em vigor no momento em que ocorreram, por força do art.º 12º, nº. 2 do Código Civil;
- Na vigência do CPT a instauração da execução interrompia a prescrição, sendo que nos termos do art.º 49º, nº. 1 da LGT a reclamação, a impugnação e a citação são factos interruptivos da prescrição, mas não a instauração da execução;
- Nos termos do art.º 49º, nº. 3 da LGT (na actual redacção da Lei nº. 53-A/2006 de 29.12), a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, contudo, a norma citada apenas entrou em vigor em 01.01.2007, razão porque apenas é aplicável se se verificarem factos interruptivos novos após a sua entrada em vigor, não prejudicando os que anteriormente tiverem ocorrido;
- Assim sendo, constata-se que anteriormente a 01.01.2007 ocorreram três factos interruptivos, todos eles relevantes para efeitos de contagem do prazo de prescrição, a saber: a reclamação graciosa, a impugnação judicial e a citação (vide entendimento de Jorge Lopes de Sousa, in “Sobre a prescrição da Obrigação Tributária”, Notas práticas, Áreas Editora, Edição de 2010);
- Há ainda que atentar ao disposto no art.º 49º, nº. 2 da LGT, nos termos do qual a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação, preceito que hoje se encontra revogado, com a entrada em vigor da Lei nº. 53-A/2006 de 29.12, em 01.01.2007;
- No entanto, a norma citada continua a ter aplicação aos factos interruptivos passados e cujo período de paragem se completou antes de 01.01.2007 – data da entrada em vigor da Lei nº 53º-A/2006 de 29.12;
- No caso apreciado temos a verificação do facto interruptivo derivado da instauração do processo de reclamação graciosa em 29.12.2000, tendo sido proferida decisão em 17.10.2001, significando que o efeito interruptivo decorrente da instauração não se transformou em efeito suspensivo por não se ter verificado paragem do processo por período superior a um ano, nos termos do art.º 49º, nº. 2 da LGT;
- Quanto ao processo de impugnação judicial, o mesmo foi instaurado em 02.07.2001, sendo que, por razões estranhas ao impugnante, esteve parado entre 14.12.2001 e 17.03.2003; Ora, à luz do disposto no art.º 49°, nº. 2 da LGT, na redacção ao tempo, a paragem do processo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se então o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação;
- Assim sendo, teríamos que retomar a contagem do prazo de prescrição a partir de 15.12.2002;
- Contudo, no âmbito da normal tramitação do processo de execução fiscal em vista da cobrança coerciva das dívidas objecto dos presentes autos, foi entretanto efectuada a citação do executado, datada de 02.05.2001;
- Salientando-se que, com a redacção da Lei nº. 100/99 de 26.07 dada ao art.º 49º, nº. 3 da LGT, a citação passou a constituir causa de interrupção da prescrição, produzindo os efeitos previstos na lei ao tempo da sua ocorrência;
- Acresce que em 28.10.2005 foi realizada a penhora de um imóvel que determinou a suspensão do processo executivo nos termos e para os efeitos dos art.º 52º, nº. 1 da LGT e 169° do CPPT;
- Ora, da conjugação do disposto nos arts. 49º, nº. 2 e 3 da LGT e 169° do CPPT, resulta que, na contagem do prazo de prescrição tem de se atender à suspensão do prazo motivado pela apresentação de impugnação judicial, uma vez que foi penhorado imóvel que suspendeu a execução fiscal;
- Devendo ser relevada a suspensão do processo apresentação de impugnação judicial e pelo facto de dívida, o que acarreta igualmente a suspensão do prazo executivo supra justificada pela os bens penhorados garantirem a de prescrição;
- Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos arts. 48° e 49° da LGT e 52° e 169° do CPPT.
II- O recorrido não apresentou contra alegações.
III-O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
“Objecto do recurso: decisão de extinção da instância de impugnação judicial por inutilidade superveniente da lide (em consequência de prescrição das obrigações tributárias)
FUNDAMENTAÇÃO
1.A determinação da lei aplicável, em caso de sucessão de leis que estabelecem distintos prazos de prescrição, resulta da ponderação do regime constante do art.297° n°1 CCivil. O art. 297° CCivil não estabelece uma regra de aplicação global do regime prescricional mais favorável ao devedor, em paralelismo com o que sucede no âmbito do direito criminal, em que se estabelece a aplicação retroactiva do regime mais favorável ao arguido (…) a determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (...) é nesse momento, com indiferença sobre o que se pode vir a passar, que se determina se é de aplicar o prazo da lei nova ou o a lei antiga; interessa o tempo que falta, em abstracto, sem ponderar a interferência de causas de suspensão ou interrupção da prescrição que possam vir a ocorrer na vigência da lei nova, só constatáveis a posteriori (Jorge Lopes de Sousa Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária 4.2.2. e 4.2.4; acórdão STA SCT 28.05.2008 processo nº 154/08)
Os efeitos interruptivos ou suspensivos de certos factos sobre o decurso do prazo de prescrição são determinados pela lei vigente na data da sua verificação (art.12° n°2 CCivil)
A reclamação graciosa, o recurso hierárquico, a impugnação judicial e a instauração da execução interrompem a prescrição (art.34° n°3 CPT)
A LGT (com início de vigência em 1.01.1999) aditou às citadas causas de interrupção a citação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo (art.49° n°1 LGT).
Na vigência da LGT (contrariamente ao que sucedia na vigência do CPT) a instauração de execução não é causa de interrupção da prescrição, apenas a citação produzindo o efeito interruptivo (art34° n°3 CPT;art.49° n°1 LGT).
O efeito interruptivo cessa se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se neste caso o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação (art.34° n°3 CPT:art.49° n°2 LGT)
O facto interruptivo produz um duplo efeito:
-instantâneo (inutilização do prazo decorrido até à sua verificação)
-suspensivo (o novo prazo, idêntico ao da prescrição primitiva, só começa a correr após a decisão final do processo administrativo; a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal ou a declaração em falhas; o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo judicial (arts.326° n°s 1/2 e 327°n°l CCivil; Jorge Lopes de Sousa Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária 3.3 pp.6/10)
A revogação do art.49° n°2 LGT (cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição) não opera quanto aos processos em que já tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por acto não imputável ao sujeito passivo (arts.90° e 91° Lei nº 53-A/2006,29 Dezembro)
Na vigência da LGT devem ser consideradas as sucessivas causas de interrupção da prescrição; a redacção actual do artº49° n°3 LGT (conferida pelo art.89° Lei nº 53- A/2006, 29 Dezembro) aplica-se apenas ao segundo e subsequentes factos com eficácia interruptiva verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma, considerando:
a)o princípio geral da aplicação das leis no tempo (art. 12° n°2 1° segmento CCivil)
b)a inexistência de carácter interpretativo atribuído pelo legislador à actual redacção do art.49° n°3 LGT, inculcando a sua natureza inovadora (acórdão STA SCT Pleno 28.05.2008 processo nº 840/07 cuja doutrina, aplicada a um caso de vigência do CPT, igualmente se aplica à LGT; Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado e comentado Volume II 2007 p198 e Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária 3.3.2.4 pp.15/16)
2.Aplicando estas considerações ao caso concreto:
As liquidações objecto de impugnação judicial resultam de IVA e IRS (anos 1995 a 1998)
O objecto do recurso restringe-se à declaração de prescrição das obrigações tributárias respeitantes apenas aos anos 1996, 1997 e 1998 (cf. texto das alegações art.5° e conclusão)
a)é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos (art.48° n°1 LGT), por confronto com o prazo de prescrição de 10 anos (art.34° n°1 CPT), em consequência de em 1 Janeiro 1999 (data do início da vigência da LGT) faltar o mesmo tempo para se completar o prazo de prescrição da lei nova (IVA e IRS ano 1996) e menos tempo para se completar esse prazo (IVA e IRS anos 1997 e 1998)
b)a apresentação de reclamações graciosas em 29.12.2000 interrompeu o prazo de prescrição;a interrupção prolongou-se até ao proferimento de decisão final em 17.10. 2001(probatório al. B)
c)a cessação do efeito interruptivo do facto anterior tem como consequência o início da eficácia do facto interruptivo posterior
d) com a cessação da eficácia da interrupção resultante da reclamação graciosa a citação efectuada em 2.05.2001 interrompeu novamente o prazo de prescrição(sem posterior cessação do efeito interruptivo, porque não ficou provado que o processo de execução fiscal tenha estado parado por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo)
e)a plena eficácia da interrupção resultante da citação impede:
-a eficácia do facto interruptivo posterior (impugnação judicial deduzida em 2.07.2001)
-a eficácia da suspensão do prazo, por motivo da suspensão da execução fiscal resultante da dedução de impugnação judicial e da penhora efectuada em 28.10.2005 (probatório als C) e D);art.49° n°4 LGT, art. 169° n°1 CPPT)
3.Neste contexto:
a) não se verifica a prescrição das obrigações tributárias controvertidas
b) deve ser apreciado o mérito da impugnação judicial, por inverificação do fundamento de inutilidade superveniente da lide que determinou a extinção da instância, se outra causa a tal não obstar
O recurso merece provimento.
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
-declaração de inexistência de prescrição das obrigações tributárias
-devolução do processo ao tribunal recorrido para apreciação do mérito da impugnação judicial, se não se verificar outra causa obstativa.
IV – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) Nestes autos impugna-se as liquidações nºs 00107597, 00107607, 00107616, 00107626, 5323521283, 5323522533, 5323523781 e 5333526795, referente a IVA e IRS dos anos de 1995 a 1998., cf. cabeçalho da petição inicial e fls.15 e 34 dos presentes autos, aqui dados por reproduzidos o mesmo se dizendo dos demais infra referidos;
B) O impugnante deduziu em 29-12-2000, reclamações graciosas, nos termos do artº 68º do CPPT, uma para as liquidações de IVA e outra para as IRS, onde foi proferida decisão em 17-10-2001, vide as duas folhas em A) e ainda respectivamente fls. 41 e 47 dos apensos constituídos pelas duas aludidas reclamações;
C) Os presentes autos foram instaurados em 02-07-2001 e, por razões estranhas à impugnante, pararam entre 14 de Dezembro de 2001 e 17 de Março de 2003, cf. fls. 1 e 64 dos presentes autos;
D) O processo de execução destinado à cobrança coerciva da quantia originada na liquidação em causa nestes autos foi instaurado no dia 03-04-2001, ocorrendo a citação do executado em 02-05-2001. Não se verificou qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus” ou qualquer plano prestacional, mas foi prestada garantia, nomeadamente com a penhora de um imóvel em 28-10-2005, cf. informação de fls.85 dos autos.
V- Quanto ao mérito do recurso
A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se padece de erro a decisão recorrida ao julgar prescritas a dívidas exequendas, referentes a IVA e IRS dos anos de 1996, 1997 e 1998, sendo certo que só em relação a elas a recorrente – Fazenda Pública – manifesta discordância com a decisão recorrida, não questionando, pois, a prescrição da dívidas de IRS e IVA referentes ao exercício de 1995 (cf. ponto 5 das alegações de recurso).
Como se vê fls. 143 e segs. (maxime a fls. 145) a sentença recorrida, interpretando o artº 297º do Código Civil como uma regra de aplicação global do regime mais favorável ao devedor, entendeu serem aplicáveis ao caso subjudice as regras que regulam o regime de prescrição no CPT, nomeadamente o seu artº 34º, desconsiderando as circunstâncias interruptivas no âmbito da Lei Geral Tributária.
Não conformada com tal decisão alega a Fazenda Pública que, no âmbito da normal tramitação do processo de execução fiscal foi efectuada a citação do executado, datada de 02.05.2001.
E que em 28.10.2005 foi realizada a penhora de um imóvel que determinou a suspensão do processo executivo nos termos e para os efeitos dos art.º 52º, nº. 1 da LGT e 169° do Código de Procedimento e Processo Tributário, concluindo que da conjugação do disposto nos arts. 49º, nº. 2 e 3 da LGT e 169° do CPPT, resulta que, na contagem do prazo de prescrição tem de se atender à suspensão do prazo motivado pela apresentação de impugnação judicial, uma vez que foi penhorado imóvel que suspendeu a execução fiscal.
E, com base nesse pressuposto concluiu que as obrigações tributárias em causa no recurso não se encontram prescritas.
Cumpre desde já referir que o recurso merece provimento, já que a sentença impugnada não faz aqui a melhor interpretação da lei.
Vejamos.
Quanto à aplicação da lei no tempo relativamente às normas que regulam a prescrição há que ter em conta o disposto no art. 297º do Código Civil.
De acordo com este normativo a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
O que significa que no caso subjudice, será aplicável, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto, o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art. 48° n°1 da Lei Geral Tributária, por confronto com o prazo de prescrição de 10 anos (art.34° n°1 CPT).
Com efeito, no que respeita ao IVA e IRS ano 1996, cujo prazo começou a correr em 1 de Janeiro de 1997 (início do ano civil seguinte aquele em que ocorreu o facto tributário), constata-se que em 1 Janeiro 1999 (data do início da vigência da LGT) faltava o mesmo tempo para se completar o prazo de prescrição da lei nova e da lei antiga.
E no que respeita ao IVA e IRS anos 1997 e 1998 faltava, segundo o regime da Lei Geral Tributária menos tempo para se completar esse prazo.
Dando, pois, por assente que será aplicável às dívidas impugnadas o prazo de prescrição de oito anos previsto na Lei Geral Tributária importa apurar se ocorreram causas de interrupção ou suspensão relevantes.
Como vem decidindo a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.
Sobre a questão esclarece Jorge Lopes de Sousa, na sua obra Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª edição, pag. 118 «a solução do problema da aplicação da lei no tempo depende do momento em que ocorrer o facto interruptivo e não eventualidade de, face às regras do artº 297º do Código Civil, ser aplicável o regime do CPT ou da Lei Geral Tributária no que concerne à duração do prazo e prescrição».
Em síntese, e como impressivamente se diz no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.01.2011, recurso 629/09, in www.dgsi., pode-se concluir que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, porquanto o art.º 297.º só manda aplicar o prazo prescricional mais curto, e não as disposições legais que regem os termos em que esse prazo se conta e tudo o mais que releva para o seu curso.
Acresce referir que as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, ou seja, antes de 01.01.2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (cf., entre outros, neste sentido, os acs. deste STA, de 20/10/2010 e 2/3/2011, nos procs. 720/10 e 1038/10, respectivamente, bem como Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 73).
No caso presente resulta do probatório que o executado, e impugnante nos presentes autos, deduziu em 29-12-2000, reclamações graciosas, nos termos do artº 68º do CPPT, uma para as liquidações de IVA e outra para as IRS, foi citado no processo de execução fiscal em 02.05.2001, e ainda que o mesmo deduziu impugnação judicial, em 02.07.2001, tendo o processo de impugnação judicial estado parado entre 14.12.2001 e 17.03.2003 por facto não imputável ao contribuinte.
Mais resulta do probatório que no processo de execução fiscal não se verificou qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus” ou qualquer plano prestacional, mas foi prestada garantia, nomeadamente com a penhora de um imóvel em 28-10-2005, cf. informação de fls. 85 dos autos.
Temos assim que, em relação a todas as dívidas tributárias, ocorreu em 29.12.2000 a primeira interrupção da prescrição por força da dedução das reclamações graciosas, com a virtualidade de eliminar todo o tempo anteriormente decorrido e obstar ao decurso da prescrição enquanto estivessem pendentes os respectivos processos (artº 49º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
E vê-se dos autos de reclamação apensos que os mesmos estiveram pendentes até 10.12.2001, sem paragens relevantes.
Posteriormente, em 02.05.2001 ocorreu nova causa de interrupção pois foi nessa data que o executado citado no processo de execução fiscal (artº 49º, nº 1 da Lei Geral Tributária, redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Junho).
Esta segunda causa de interrupção, pese embora o período anterior à primeira estivesse eliminado e não tivesse decorrido qualquer período para a prescrição, mantém a sua própria potencialidade para produzir os mesmos efeitos em relação ao período anterior (eliminação) e durante o próprio processo de execução fiscal (obstando ao decurso do prazo) Cf., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª edição, pags. 78-79.
Por outro lado há que referir que do probatório não resulta com clareza se o processo de execução fiscal esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
Com efeito na sentença faz-se uma remissão para a informação de fls. 85 mas esta nada nos diz sobre este ponto.
Porém o que esta nos diz, e foi dado como provado, é que no processo de execução fiscal não se verificou qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus” ou qualquer plano prestacional, mas foi prestada garantia, nomeadamente com a penhora de um imóvel em 28-10-2005.
E que os autos de impugnação foram instaurados em 02-07-2001 e, por razões estranhas ao impugnante, pararam entre 14 de Dezembro de 2001 e 17 de Março de 2003.
Neste contexto, embora a instauração da impugnação judicial, em 02.07.2001, constituísse um acto interruptivo da prescrição à luz do nº 1 do artigo 49.º da LGT, e esse efeito interruptivo tivesse cessado com a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável à impugnante, fazendo recomeçar a contagem do prazo de prescrição nos termos previstos no nº 2 do artigo 49.º, há que ter em conta que a realização de penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido (em 28.10.2005), aliada à pendência da impugnação, suspende a execução fiscal até à decisão do pleito e que esta suspensão determina a suspensão do próprio prazo de prescrição (artigo 169.º n.º 1 do CPPT e artigo 49.º n.º 3 da LGT).
Com efeito a paragem da execução fiscal, por motivo da suspensão requerida pelo executado, é-lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela. E, assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPPT, tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso desde 28.10.2005, o prazo de prescrição também ficou suspenso - cf. neste sentido os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 04.03.2009, recurso 160/09 e de 26.01.2011, recurso 1/11.
Daí que seja irrelevante apurar agora se o processo de execução fiscal esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte antes da data em que foi suspenso (28.10.2005).
Isto porque, contado o prazo de prescrição de oito anos aqui aplicável desde 01/01/1999 (data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária) e mesmo não contabilizando as interrupções decorrentes da dedução da reclamação graciosa e da impugnação e bem assim da citação para a execução fiscal, é manifesto que até 28.10.2005 (data em que foi suspenso o processo de execução fiscal por força do disposto nos artigos 169.º n.º 1 do CPPT e artigo 49.º n.º 3 da LGT), o mesmo ainda se não completou.
Com efeito, mesmo considerando que a impugnação esteve parada, o que fez cessar o efeito interruptivo, o certo é o prazo de prescrição deixou de correr de novo face à suspensão da prescrição.
E, assim, a sua contagem só irá recomeçar quando cessar aquela suspensão da prescrição (o mesmo sucederia se se tivesse em conta uma eventual paragem do processo de execução fiscal antes da sua suspensão).
Decorre do exposto que as obrigações tributárias objecto do presente recurso não estão prescritas, pelo que não pode manter-se a sentença que decidiu em contrário e julgou verificar-se a inutilidade superveniente da lide.
VI – Decisão:
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, julgar não prescritas as dívidas subjacentes às liquidações a IVA e IRS dos anos de 1996, 1997 e 1998, objecto do presente recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância para que, se nada mais obstar, se conheça do mérito da impugnação.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2011. – Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes – Valente Torrão.