Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0452/17
Data do Acordão:05/10/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
PRESCRIÇÃO
FACTO
EFEITO DURADOURO
Sumário:I - Os factos interruptivos da prescrição previstos no n.º 1 do art. 49.º da LGT têm dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo.
II - Assim, interrompido o prazo prescricional por força da instauração de impugnação judicial, só se inicia a contagem do novo prazo após o trânsito em julgado da decisão que puser termo a esse processo.
III - A interrupção do prazo prescricional não depende da prestação de garantia, ou da dispensa dessa prestação, nem do facto de a dívida exequenda e o acrescido estarem garantidos por qualquer outro modo.
Nº Convencional:JSTA000P21825
Nº do Documento:SA2201705100452
Data de Entrada:04/11/2017
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1474/16.3BELRA

1. RELATÓRIO
1.1 A………… (adiante Executado, Reclamante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação judicial por ele interposta ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão por que o Serviço de Finanças de Benavente recusou declarar prescritas as dívidas exequendas, provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2002.
1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, o Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«1) O Recorrente apresentou Reclamação do Despacho que indeferiu o pedido de prescrição, conforme acima se transcreveu;
2) A Fazenda Pública apresentou contestação, alegando o que consta de fls.;
3) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito;
4) O Recorrente requereu a prescrição, relativa às importâncias liquidadas de IRS do exercício de 2002, no valor total de € 7.719,30;
5) A declaração da prescrição é de conhecimento oficioso, ou seja, nem necessitaria de ser pedida pelo contribuinte, como nos diz o artigo 55.º da Lei Geral Tributária:
“A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários;
6) A sentença não considerou, por erro de direito, mas não se verificou interrupção ou suspensão no prazo de prescrição, após a citação que parece ter existido, porquanto a dívida nunca esteve suspensa, e, por que: nunca foi prestada garantia, nem oferecidos bens à penhora; também não foi feita penhora, de que o Recorrente tenha conhecimento, para garantia da dívida e acrescido; a própria penhora registada em 2008.11.20 foi recusada em 2008.12.04, o que permite conhecer que não existiu, por o conhecimento da prescrição ser de origem oficiosa, e a certidão de registo teria de constar do Processo Administrativo;
7) A penhora também não tinha o valor de garantia porque é posterior à dedução da reclamação graciosa e à dedução da impugnação judicial, tendo esta última sido feita em 16.01.2007 e a penhora constar com a data de 12.11.2008; não foi oferecida como se determina no n.º 4 do artigo 199.º do CPPT;
8) E, assim, a prescrição estaria constituída, e deve ser declarada pelo Tribunal de recurso, já que deve ser conhecida em qualquer fase processual, o que, desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
9) Tendo em conta que a reclamação graciosa foi deduzida em 06.11.2006, a impugnação judicial foi deduzida em 16.01.2007, a penhora foi feita em 1211.2008, mas cancelada em 04.12.2008, é fácil é verificar que a execução nunca esteve suspensa;
10) Por nunca ter estado a execução suspensa, já ocorreu a prescrição, conforme alegado pelo Recorrente, o que, desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí
11) Toda a dívida de IRS referente ao ano de 2002 encontra-se prescrita;
12) Mesmo considerando o facto de haver penhora de bens, cujo registo foi rejeitado, e tal penhora, mas não foi oferecida pelo executado, nem nunca foi prestada garantia;
13) Não tendo sido prestada garantia, não se verificou a suspensão da execução;
14) O requerimento atípico, a que se refere o despacho, não interrompe a prescrição, por que não consta dos factos a que se refere o n.º 1 do artigo 49.º da LGT;
15) O interesse do Recorrente é legalmente protegido, o que faz com que a decisão recorrida, seja inconstitucional;
16) A decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser revogada, nulidade, esta, que aqui, mais uma vez, se requer;
17) Daí dúvidas não existirem de que terá de ser revogada a decisão recorrida, aliás, conforme acima já se referiu;
18) O Venerando Tribunal com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos do Alegante, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem sequer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;
19) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões, deficientemente e sem qualquer cabimento, conforme acima já se alegou e explicou;
20) Deixando a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas, cometeu, pois, uma nulidade;
21) A Sentença recorrida viola:
a) O disposto nos artigos 21.º, 124.º e 125.º, do CPA;
b) Artigos 199.º, n.º 4, 21.º do CPPT;
c) O disposto nos artigos 19.º, 49.º, n.º 1, 77.º, da LGT;
d) O disposto nas alíneas b), e) e d) do actual 615.º do CPC;
e) O disposto no Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho;
f) O disposto nos artigos 13.º, 200.º, 202.º, 204.º, 205.º, 266.º, n.º 2 e 268.º, n.ºs 1, 2 e 3 da CRP.
Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser revogada e consequentemente, ser declarada a prescrição […]».
1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.5 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferiu despacho (a fls. 126) ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC) e, depois, ordenou a remessa dos autos ao tribunal ad quem.
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida. Isto, após expor detalhadamente o regime legal da prescrição das obrigações tributárias e sua evolução no tempo, com a seguinte fundamentação:
«[…]
No que concerne à alegada nulidade da sentença recorrida, pelas razões aduzidas no despacho de fls. 126, cujo discurso fundamentador se subscreve, por inteiro, afigura-se que a recorrente não tem razão.
A lei reguladora do regime de prescrição da dívida tributária é o que vigorar à data da sua constituição.
[…]
No caso em análise, ao qual se aplica o regime da LGT, temos que, contados 8 anos do prazo de prescrição, desde 01/01/2003, não ocorrendo qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição esta teria ocorrido em 31/12/2011.
Sucede que em 03/11/2006 ocorreu um facto interruptivo da prescrição, decorrente da apresentação de impugnação judicial da liquidação exequenda.
Ora, esse facto interruptivo teve o efeito instantâneo de inutilizar para a prescrição todo o tempo até aí decorrido e o efeito duradouro de obstar ao decurso do prazo de prescrição durante a pendência do processo de impugnação judicial (Sobre esta temática ver Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, páginas 61/64, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e Acórdão do STA, de 07/01/2016 - P. 01564/15, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Na verdade, o artigo 49.º/1 da LGT, no que se refere à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação, faz referência como facto interruptivo ao próprio processo, facto duradouro, e não à apresentação da peça processual que dá origem aqueles meios processuais.
Assim sendo, uma vez que a impugnação judicial foi julgada improcedente por sentença transitada em julgado, em 30/06/2016, o prazo prescricional de 8 anos só se reiniciou em 07/06/2016, pelo que, como bem decidiu a sentença recorrida, não se mostra prescrita a dívida exequenda.
A sentença recorrida, a nosso ver, não merece censura».
1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.
1.8 As questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida (i) enferma das nulidades que a Recorrente lhe assaca e (ii) fez correcto julgamento quando considerou que a obrigação tributária correspondente à dívida exequenda, proveniente de IRS do ano de 2002, não estava prescrita.
* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Compulsados os autos e com relevância para a decisão da causa, julgo provados os seguintes factos resultantes do acordo das partes nos articulados e na prova documental produzida nos autos, o que tudo se dá por reproduzido:
A) Em 3-11-2006 foi apresentada pelo ora Reclamante, a impugnação judicial que tinha por objecto a liquidação de IRS do ano de 2002, que correu termos neste Tribunal sob o processo n.º 1285/06.4BELRA (cf. petição inicial que se juntou aos presentes autos nos termos do artigo 412.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT).
B) Contra o ora Reclamante foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Benavente, o processo de execução fiscal n.º 1970200601035282 a 22-11-2006, por dívida de IRS do ano de 2002 (cf. processo de execução fiscal constante a fls. 94/114).
C) Em 20-11-2008 foi efectuado o registo da penhora do imóvel inscrito na matriz predial da freguesia de ………… sob o artigo 8603 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob o n.º 2714 da mesma freguesia (cf. processo de execução fiscal constante a fls. 94/114).
D) No âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, deu entrada um requerimento do Reclamante no Serviço de Finanças de Benavente, a 4-4-2016, requerendo que seja declarada prescrita a dívida exequenda (cf. facto que se extrai de fls. 80/81).
E) Em 19-11-2015 foi efectuada “Informação” pelo Serviço de Finanças de Benavente, no PEF n.º 1970200601035282, cujo conteúdo se extrai:


F) Em 19-11-2015 foi proferido no âmbito do PEF n.º 1970200601035282, despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças Adjunto de Benavente, com o seguinte conteúdo: “(...) Considerando a Informação que antecede que fica a fazer parte integrante do presente despacho, determino:
i) Que o processo de execução fiscal se mantenha suspenso, nos termos do n.º 1 do art. 169.º do CPP, até ao trânsito em julgado do Acórdão que recai sobre o Recurso apresentado, assim como por consequência legal, a devida suspensão da contagem do prazo prescricional;
ii) Que se remetam os presentes autos (...)” (cf. fls. 12).
G) A impugnação judicial identificada em A) foi julgada improcedente e transitou em julgado a 30-6-2016 (cf. informação constante a fls. 131)».
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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
O ora Recorrente, na qualidade de executado, reclamou ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria do despacho por que o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente lhe indeferiu o pedido de que fosse declarada prescrita a obrigação tributária correspondente à dívida exequenda, proveniente de IRS do ano de 2002.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a reclamação com a fundamentação que, resumidamente, passamos a expor:
· o prazo de prescrição aplicável é o de 8 anos, previsto no art. 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), em vigor à data do facto tributário e que, atenta a natureza do imposto que deu origem à dívida exequenda, se conta desde o termo do ano em que este ocorreu, nos termos do disposto no mesmo preceito legal, na redacção que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro;
· o prazo interrompeu-se em 3 de Novembro de 2006, com a instauração da impugnação judicial, nos termos do n.º 1 do art. 49.º da LGT;
· em 1 de Janeiro de 2007, data em que entrou em vigor a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), que revogou o n.º 2 do art. 49.º da LGT (Que dispunha: «A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação».), a referida impugnação judicial não tinha sofrido paragem por período superior a um ano por motivo não imputável ao impugnante, motivo por que o efeito interruptivo decorrente da instauração desse processo não cessou até ao trânsito em julgado da decisão judicial que lhe pôs termo;
· ao contrário do que sustenta o Reclamante, não releva no caso sub judice o facto de não ter sido prestada garantia e de a penhora efectuada no processo executivo não ser suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido e, consequentemente, para conferir à impugnação judicial efeito suspensivo da execução fiscal, a determinar a suspensão do prazo prescricional ao abrigo do n.º 4 do art. 49.º da LGT, uma vez que este prazo se mantinha suspenso por força do efeito duradouro associado à interrupção determinada pela instauração da impugnação judicial.
O Executado interpôs recurso da sentença, sustentando, por um lado, que a sentença enferma de diversas nulidades – seja por falta de fundamentação, seja por omissão de pronúncia [cfr., respectivamente, as conclusões 16) e 20) (Apesar de invocar como normas violadas as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC), não encontramos nas conclusões matéria susceptível de integrar a previsão da alínea c), que «[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».)] – e, por outro lado, que a obrigação tributária correspondente à dívida exequenda por IRS de 2002 se encontra prescrita, motivo por que a sentença recorrida, ao decidir em sentido diverso, incorreu em erro de julgamento. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende o Recorrente, em síntese, que não houve suspensão do prazo prescricional porque não foi prestada garantia nem foi efectuada penhora que garanta o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, motivo por que a execução fiscal nunca esteve suspensa e, consequentemente e na sua tese, também o prazo prescricional se não interrompeu.
Começaremos por conhecer das invocadas nulidades da sentença. Depois, se tal se justificar, i.e., se a sentença não houver de ser anulada, haverá que apreciar o erro assacado pelo Recorrente ao julgamento quanto à questão da prescrição.
Pese embora as alegações de recurso e respectivas conclusões pareçam ignorar a argumentação aduzida na sentença, dela se alheando, atento o teor da mesma e das alegações de recurso, afigura-se-nos que o Recorrente discorda da sentença, no que à prescrição concerne, porque não aceita que nesta se tenha conferido o efeito duradouro (de obstar ao início do novo prazo de prescrição) ao facto interruptivo decorrente da instauração da impugnação judicial. Ou seja, o Recorrente não questiona que o prazo aplicável à situação sub judice seja o de 8 anos, previsto no n.º 1 do art. 48.º da LGT, não questiona que o prazo se interrompeu com a instauração da impugnação judicial, não questiona que essa interrupção não se degradou em suspensão ao abrigo do n.º 2 do art. 49.º da LGT, uma vez que não põe em causa que à data em que este foi revogado (1 de Janeiro de 2007, quando entrou em vigor a Lei n.º 53-A/2006), aquele processo não tinha sofrido paragem por mais de um ano por motivo não imputável ao Impugnante. Quanto a estes aspectos, apesar de termos presente que a prescrição constitui matéria do conhecimento oficioso (art. 175.º do CPPT) – o que liberta o tribunal ad quem das amarras constituídas pelas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito do recurso (cfr. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), permitindo-lhe uma ampla reapreciação de toda a matéria pertinente para decidir a questão –, se não encontrarmos motivo que nos leve a dissentir do decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nada haverá a decidir. Se assim for, limitar-nos-emos a apreciar a argumentação do Recorrente, que considera que o prazo prescricional não se suspendeu porquanto não ocorreu suspensão da execução fiscal, uma vez que, apesar de ter sido deduzida impugnação judicial, o pagamento da dívida exequenda e do acrescido nunca esteve assegurado por prestação da garantia ou por penhora.
Concluindo, a única questão suscitada pelo Recorrente é a ínsita na conclusão e), ou seja, a de saber se, após a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que revogou o n.º 2, alterou o n.º 3 e aditou o n.º 4 ao art. 49.º da LGT, a instauração da impugnação judicial mantém o potencial de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que lhe puser termo, independentemente de haver suspensão da cobrança, para a qual seria imprescindível que fosse prestada garantia ou dispensada a prestação da mesma, nos termos do disposto nos arts. 196.º e 170.º do CPPT, ou que penhora garantisse o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, condição que não se verificou no caso sub judice.
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2.2.2 DAS NULIDADES DA SENTENÇA
A Recorrente considera que a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação, alegando que a sentença «não está fundamentada como exigem as regras referidas», e por omissão de pronúncia, alegando que a Juíza do Tribunal a quo deixou «de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, designadamente as acima expostas» [cfr. conclusões 16) e 20), respectivamente].
É manifesto que a sentença não enferma dessas nulidades, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo no despacho proferido ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 617.º do CPC.
Nada se nos oferecendo acrescentar à argumentação aí expendida, de que aqui nos apropriamos, concluímos que não se verificam as nulidades invocadas, pelo que o recurso não pode ser provido com esse fundamento.
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2.2.3 DA PRESCRIÇÃO
Como bem decidiu a sentença e concorda o Recorrente, o prazo aplicável à situação sub judice é o de oito anos, previsto no n.º 1 do art. 48.º da LGT, com início da contagem em 1 de Janeiro de 2003. O que significa que a obrigação tributária extinguir-se-ia, em princípio e na ausência de factos interruptivos e ou suspensivos da prescrição, no dia 31 de Dezembro de 2011, como decorre das regras estabelecidas no art. 279.º, alínea c), do Código Civil (CC).
Contudo, em 3 de Novembro de 2006, ou seja, antes de completado o referido prazo de prescrição, foi deduzida impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRS que deu origem à dívida exequenda, impugnação que integra um acto interruptivo do prazo de prescrição à luz do n.º 1 do art. 49.º da LGT, na redacção então vigente e que, como tal, é a aplicável (As causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 12.º do CC.).
Essa causa de interrupção – a impugnação judicial – tem dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, também um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo. Na verdade, a interrupção da prescrição, como resulta expressamente do n.º 1 do art. 326.º do CC, aplicável às obrigações, quer civis quer tributárias, significa que todo o tempo decorrido até ao acto interruptivo é inutilizado para efeitos de prescrição. Mas, relativamente às obrigações de natureza tributária, a interrupção tem também um outro efeito, dito duradouro (A regra geral para as obrigações civis é a de que o facto interruptivo apenas tem efeito instantâneo, com a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente e imediato início do novo prazo, nos termos do n.º 1 do art. 326.º do CC («A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte»). A excepção, em que, a par desse efeito instantâneo, o facto interruptivo tem também um efeito duradouro (de impedir o início do novo prazo enquanto se mantiver pendente o processo) é a situação prevista no art. 327.º, n.º 1, do CC, ou seja, quando «a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral», caso em que «o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».), quer no domínio da vigência do Código de Processo das Contribuições e Impostos (cfr. art. 27.º, § 1), quer no domínio da vigência do Código de Processo Tributário (cfr. art. 34.º, n.º 3), quer enquanto vigorou o n.º 2 do art. 49.º da LGT, que viria a ser revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro: o acto interruptivo obviava ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto se mantivesse pendente o processo que determinou a interrupção, a menos que se verificasse a «paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo», caso em que se somava «o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação» ( Para maior desenvolvimento JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 57 e segs.).
Ou seja, a eficácia do facto interruptivo prolongava-se no tempo, obviando ao imediato início de contagem de um novo prazo prescricional. Só no caso de ocorrer uma paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte, é que o facto potencialmente interruptivo passava a ter um efeito meramente suspensivo (idêntico aos das causas suspensivas), pois se limitava então a impedir o decurso do prazo de prescrição entre a ocorrência do facto e a data em que se perfizesse um ano de paragem do processo por motivo não imputável ao sujeito passivo. Na expressiva terminologia deste Supremo Tribunal Administrativo, nesse caso o efeito interruptivo degradava-se em suspensivo.
Sucede, no entanto, que a referida Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007 (art. 163.º), revogou o n.º 2 do art. 49.º da LGT, salvaguardando apenas os casos em que, nessa data, tivesse já decorrido período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (arts. 90.º e 91.º).
De tudo isto bem deu conta a sentença recorrida que, aplicando a lei aos factos, entendeu que, porque em 1 de Janeiro de 2007 o processo de impugnação judicial ainda não tinha parado por período superior a um ano, não ocorreu a referida “degradação” do efeito interruptivo em meramente suspensivo.
Assim, no caso sub judice, a cessação do efeito interruptivo – com o correspondente início do novo prazo de 8 anos – só ocorreu em 30 de Junho de 2016, com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo à impugnação judicial [cfr. factos provados sob as alíneas A) e G)].
O que significa que a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas ainda não decorreu e que a sentença, que decidiu neste sentido, com pertinente e exaustiva fundamentação, não merece censura alguma.
O Recorrente, como resulta do que acima deixámos dito, não ataca directamente a sentença, antes se limita a esgrimir o argumento de que não se verificou interrupção ou suspensão da prescrição porque a execução fiscal nunca esteve suspensa, uma vez que nem foi prestada garantia nem foi efectuada penhora.
Salvo o devido respeito, a alegação do Recorrente não é de fácil entendimento. Parece sustentar que quer a interrupção quer a suspensão do prazo prescricional só poderiam ocorrer caso fosse prestada garantia ou efectuada penhora que garantisse a dívida exequenda e o acrescido. Mas não é assim.
Recordemos os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA sobre o efeito duradouro do facto interruptivo: «[…] se tal paragem [do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo] não ocorreu até 31-12-2006, nos processos a que se aplica este novo regime, a interrupção da prescrição tem sempre o seu efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
Por outro lado, relativamente ao efeito suspensivo que estava associado ao acto interruptivo, numa primeira análise, parece que ele se manterá».
E explica porquê: «Na verdade, relativamente à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação faz-se referência, como facto interruptivo, ao próprio processo (facto duradouro) e não à sua apresentação da peça processual que dá início àqueles meios processuais.
[…] É certo que o facto de no novo n.º 4 se manter a referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação, e recurso (para além da oposição, aditada neste n.º 4, quando comparado com o equivalente anterior n.º 3) pode sugerir a interpretação de que estes factos simultaneamente interruptivos e suspensivos só têm relevância suspensiva na situação prevista no n.º 4 de estar suspensa a cobrança da dívida [Eventualmente, será esta a tese do Recorrente, se bem interpretamos as alegações de recurso].
Isto é, tendo desaparecido, com a revogação do n.º 2 do art. 49.º, a cessação do efeito interruptivo que nele se previa para os casos de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, os efeitos duradouros que o acto interruptivo produz durante a pendência do processo só terminarão com o termo do processo. Por isso, não se justificaria que, no novo n.º 4, se estabelecesse que o prazo de prescrição se suspende «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso», pois esta suspensão já estaria assegurada, independentemente de se suspender ou não a cobrança da dívida, pelo efeito que estes mesmos meios processuais têm como factos interruptivos, que agora não cessa até ao termo do processo.
Porém, a manutenção desta referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação e recurso, nos casos de determinarem a suspensão da cobrança da dívida (que é manifesto que resulta de uma intenção legislativa deliberada, pois a norma até foi reformulada, relativamente à equivalente anterior, que constava do n.º 3 do art. 49.º), explica-se pela inovação que consta da actual redacção do n.º 3 do mesmo artigo, de a interrupção ter lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar:
- o primeiro facto com efeito interruptivo produz os efeitos que produzia no domínio da redacção anterior, de eliminação do prazo decorrido anteriormente e de obstar ao decurso da prescrição, agora (com a eliminação do n.º 2) sempre, incondicionalmente, até se tornar definitiva a decisão que puser termo ao processo; [sublinhado nosso]
- os factos previstos como interruptivos que ocorram depois do primeiro, à face da nova redacção do n.º 3, não terão o referido efeito interruptivo, mas terão relevância como factos suspensivos da prescrição, desde que se verifique a condição da sua relevância a este nível, que é o processo respectivo determinar a suspensão da cobrança da dívida.
Esta interpretação é corroborada pelo próprio texto do novo n.º 3 do art. 49.º, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar», o que inculca que o regime do n.º 4, na parte que se refere aos factos qualificados pelo n.º 1 como interruptivos, tem o seu campo de aplicação nas situações em que esse efeito interruptivo é afastado pelo n.º 3» (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 69 a 72.).
Ou seja, a causa de interrupção da prescrição (a instauração da impugnação judicial) teve (a par do efeito instantâneo, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido) o efeito duradouro, de obstar a que corra novo prazo de prescrição enquanto se mantiver pendente o respectivo processo. E, para que se mantenha o efeito duradouro do facto interruptivo não é necessária a prestação de qualquer garantia (ou a dispensa da prestação da mesma) nem que a dívida exequenda e o acrescido se encontrem garantidos.
O recurso não pode, pois, ser provido, devendo manter-se a sentença recorrida, que bem equacionou e decidiu a questão.
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2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Os factos interruptivos da prescrição previstos no n.º 1 do art. 49.º da LGT têm dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo.
II - Assim, interrompido o prazo prescricional por força da instauração de impugnação judicial, só se inicia a contagem do novo prazo após o trânsito em julgado da decisão que puser termo a esse processo.
III - A interrupção do prazo prescricional não depende da prestação de garantia, ou da dispensa dessa prestação, nem do facto de a dívida exequenda e o acrescido estarem garantidos por qualquer outro modo.
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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
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Lisboa, 10 de Maio de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.