Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01120/17
Data do Acordão:11/09/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22507
Nº do Documento:SA12017110901120
Data de Entrada:10/16/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:FED PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A…………. foi condenado pelo Plenário do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, na pena de 9 meses de suspensão e multa de 1,5 UC e, inconformado, recorreu dessa decisão para Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) pedindo a revogação daquela decisão e a sua absolvição.
O TAD concedeu parcial provimento ao recurso reduzindo a pena de suspensão de 9 para 6 meses e a de multa de 1,5 UC para 1,2 UC.

A FPF recorreu para o TCA Sul sustentando as seguintes questões:
- a incompetência do TAD para decidir o recurso da decisão do Conselho de Disciplina da FPF visto o arguido ter, também, recorrido para o Conselho de Justiça da FPF e este ter decidido esse recurso, decisão que deveria ser a única a prevalecer.
- a nulidade do Acórdão do TAD, por falta de fundamentação.
- e erro de julgamento do TAD ao reduzir a pena aplicada e ao rejeitar o pedido de isenção de custas.

O Recorrido contra alegou pugnando pela manutenção da decisão do TAD.

O TCA concedeu parcial provimento ao recurso revogando o Acórdão do TAD no segmento em que reduziu a pena disciplinar de suspensão de 9 para 6 meses e condenou recorrente e recorrido nas custas na proporção de 1/10 e 9/10, respectivamente. Para tanto, e em resumo, considerou:
- Estabelecendo o art.º 205.º/2 da CRP a prevalência das decisões dos Tribunais sobre as decisões de qualquer outra autoridade e tendo o TAD afirmado a sua competência exclusiva para conhecer do recurso do Conselho de Disciplina da FPF, o seu Acórdão impunha-se ao Acórdão proferido pelo seu Conselho de Justiça. Daí que, sendo impossível configurar um conflito positivo de competência, improcedesse esta questão prévia.
- Por outro lado, Acórdão do TAD não era nulo por falta de fundamentação por esta sanção só poder ser aplicada quando se verificasse uma absoluta falta de motivação e tal não ocorrer in casu.
- No tocante à medida da pena, considerou que esta era apenas “sindicável quanto aos aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa ….”Ora, no caso em apreciação não se pode considerar que a aplicação da pena de suspensão de 9 meses consubstanciasse uma violação ostensiva do princípio da proporcionalidade.” E isto porque:
“- a culpa do recorrido é elevada, pois o mesmo actuou com dolo directo e sendo certo que não se provou qualquer atitude persecutória do árbitro assistente n.º 1 para com o mesmo;
- as exigências de prevenção geral assumem algum relevo, dado que, embora a agressão não tenha provocado marca na cara do árbitro assistente n.º 1, a verdade é que o comportamento é grave tendo em conta os graves efeitos que a infracção pode potenciar, nomeadamente a colocação em causa da autoridade do árbitro e árbitros assistentes - base essencial do desporto de competição - e a violência entre os demais participantes no fenómeno desportivo;
- as exigências de prevenção especial não são despiciendas, visto que, por um lado, o pedido de desculpas à equipa de arbitragem foi acompanhado da negação da prática da agressão - ou seja, tal pedido de desculpas é de nula ou, pelo menos, diminuta relevância, pois o recorrido não pediu desculpas pela agressão - e, por outro lado, o recorrido é um jogador impulsivo, com antecedentes disciplinares por agressão a jogador, não se pode considerar que a pena concretamente aplicada (9 meses de suspensão) - que corresponde a 1/4 do limite máximo (3 anos) - se consubstancia numa violação intolerável do princípio da proporcionalidade.

Assim sendo, deverá o acórdão arbitral ser revogado no segmento em que considerou desproporcionada a pena de 9 meses de suspensão e a reduziu para 6 meses, pois a verdade é que o mesmo não demonstra nem aponta qualquer erro grosseiro ou manifesto em que tivesse incorrido o Conselho de Disciplina da FPF, ao fixar tal pena de suspensão, ou seja, limita-se a contrapor o seu próprio entendimento ao que foi seguido por tal órgão da FPF, quanto à adequação da pena a aplicar.”

Finalmente, e no tocante à isenção de custas, considerou que a FPF, no recurso para o TAD, interveio “não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do Acórdão do respectivo Conselho de Disciplina … “E, porque assim, a actuação da FPF não se encontrava isenta de custas prevista no art.º 4.º/1/f) do RCP.

Notificado desse Acórdão o Autor veio (1), em requerimento autónomo, arguir a nulidade do processo a partir do momento em que devia ter sido, e não foi, notificado do parecer do M.P e (2) interpor esta revista onde suscitou as seguintes questões:
- A nulidade do processo por não ter sido notificado do parecer emitido pelo M.P.
- A determinação da competência do TAD, visto ser essencial aos órgãos da administração da justiça desportiva conhecer qual a verdadeira extensão dos poderes que lhes são atribuídos. Impondo-se, designadamente, apurar se cabe ao TAD apenas um papel fiscalizador da conformidade das decisões dos órgãos disciplinares das federações desportivas, ou se tem o poder de analisar ex novo a matéria de facto e de direito relevante para a decisão da causa e proferir um novo juízo sobre o caso.
- O erro de julgamento traduzido no facto do TCA ter alterado a medida concreta da pena que o TAD considerou adequada sem se ter provado a existência de erro grosseiro ou manifesto nessa decisão.
- A proporcionalidade da pena visto o período de tempo de suspensão que lhe foi aplicado ser de extraordinária relevância, na medida em que o impede de exercer a sua actividade profissional, com a qual garante o seu sustento e o da sua família.
- Finalmente a violação do princípio da igualdade uma vez que o Conselho de Disciplina, numa situação idêntica, puniu jogador …….. com apenas 2 meses de suspensão.

O TCA pronunciou-se sobre a alegada nulidade processual nos seguintes termos:
- É jurisprudência do STA considerar que as nulidades processuais conhecidas pelo interessado apenas com a notificação da sentença estão sujeitas ao mesmo regime das nulidades desta, devendo ser arguidas no recurso que dela for interposto. Daí que o requerimento deduzido pelo Autor suscitando, isoladamente, a referida nulidade seja inadmissível.
- E, no tocante à mesma nulidade invocada nesta revista, considerou que ela só seria operante se pudesse ter influência na decisão da causa. O que não ocorria uma vez que o M.P. pronunciou-se no seu parecer “sobre as questões suscitadas pela FPF na alegação de recurso …. relativamente às quais A………… teve oportunidade de se pronunciar na contra alegação.” Daí que concluísse pela sua inexistência.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Como já se referiu a admissão da revista só pode ter lugar em casos excepcionais em que haja necessidade de reponderar as decisões do TCA por estar em causa «a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
Ora, apesar da importância jurídica e social da problemática tratada nesta revista não parecer de grande relevância, certo é que duas das questões nela suscitadas têm importância jurídica e social suficiente para que a revista seja admitida, atenta a repercussão que tem na opinião pública e na vida pessoal do atingido a decisão de suspensão de jogadores profissionais de futebol.
- A primeira é a de apurar qual a verdadeira natureza do TAD e se o mesmo pode ser considerado como um verdadeiro Tribunal sujeito às mesmas restrições dos Tribunais judiciais no tocante à sindicância da actividade administrativa, maxime com a relacionada com o poder disciplinar. Deste modo, é importante saber se o TAD pode apreciar a medida concreta da pena em todos os casos e não só nos de erro grosseiro e manifesto e aplicar pena diferente da aplicada pelas autoridades desportivas o que, in casu, significa saber se foi legal a redução da pena de suspensão de 9 para 6 meses operada pelo TAD.
- Por outro lado, e relacionada com essa questão, importa saber como deve ser estabelecida a articulação entre os recursos interpostos simultaneamente das decisões do Conselho de Disciplina para o Conselho de Justiça e para o TCA.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 9 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.