Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0948/15.8BEVIS 01298/16
Data do Acordão:02/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INCENTIVOS FISCAIS À INTERIORIDADE
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de Março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução.
II - Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Nº Convencional:JSTA000P24224
Nº do Documento:SA2201902130948/15
Data de Entrada:11/23/2016
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 - RELATÓRIO
A…………., Lda, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida contra a liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2013, no montante global de € 5.472,45.
Inconformada com o assim decidido, apresentou A…………., Ldª as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«1) Resulta claramente da letra da lei que o benéfico (Art.° 43°, do EBF), visa diversos objetivos embora conexos, mas não são cumulativos, no sentido de que para obter o benefício não é necessário que a atividade na área beneficiária seja obrigatoriamente desenvolvida de modo a cumprir com todos os objetivos, sendo eles: criação de infraestruturas; o investimento em atividades produtivas; o estímulo à criação de emprego estável; e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens.
2) Nestes mesmos termos, não resulta de nenhuma das normas desde da Lei n.º 171/99, de 18.09., que seja obrigatório para usufruir do referido benefício a criação de postos de trabalho e ou existência de postos de trabalho na empresa.
3) Ademais, os elementos do Art.° 2°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03., não podem ser interpretados como condições obrigatórias, ou seja, não está previsto no Art.° 43º do EBF, nem tão pouco na letra da lei do Art.° 2°, n.º 2, que seja uma condição obrigatória para usufruir do benefício que a Recorrente tenha na área geográfica beneficiária a sua sede e direção efetiva e que disponha igualmente nessa área 75% da massa salarial ou que disponha de massa salarial.
4) O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03., considera que a atividade principal na área beneficiária é aí desenvolvida se nela possua 75% da massa salarial, trata-se desde logo de uma presunção ilidível.
5) Depois, a criação do benefício pela Lei n.º 171/99, de 18.09., não estava dependente da criação ou existência de trabalhadores, ou massa salarial, e as suas normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, previstas nos Art.ºs 7° a 11°, a Lei n.º 171/99, de 18.09., foram estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001 de 10.12., igualmente não o previam.
6) Ambos os diplomas não fazem qualquer referência como condição de acesso possuir uma massa salarial, ou a criação de posto de trabalho no seio do beneficiário para usufruir de algum dos benefícios previstos, com a exceção daqueles especificamente aplicáveis para a criação de postos de trabalho (Art.°s 9° e 10°, ambos do EBF).
7) Sem prescindir, que não pode o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03., e na Portaria n.º 1117/2009, de 30.09., criar ou alterar o referido benefício, porque violaria os princípios constitucionais da reserva de lei, pelo que a interpretação do mesmo tem de ser feita nesse sentido.
8) Donde, não se pode interpretar, no sentido de ser obrigatório para o usufruto do benefício, a criação ou possuir uma massa de trabalhadores na área geográfica, quando o âmbito dos requisitos no Art.° 43°, n.º 1, é o desenvolvimento da atividade económica de natureza agrícola, comercial e industrial e de prestação de serviços, principal na área geográfica beneficiária.
9) O que é de facto necessário, e dentro do espírito da lei, e dentro das regras gerais das normas anti abuso, que a atividade desenvolvida pela Recorrente de forma a poder usufruir com o referido benefício seja uma atividade desenvolvida dentro das áreas beneficiárias.
10) Existindo um claro cumprimento do Art.° 43°, n.º 1, al. b), ao desenvolver a Recorrente a sua principal atividade na área beneficiária, por meio de investimento na produção, transformação e comercialização de produtos agrícolas, venda de fatores de produção e consultadoria técnica e formação profissional, um dos objetivos do benefício para interioridade, porque a criação de emprego não é um requisito obrigatório.
11) Perante o exposto, não resta outra conclusão que a Recorrente afasta a presunção por se demonstrar inequivocamente que desenvolveu a sua atividade principal de acordo com o objetivo previsto no Art.º 43° do EBF, e da interpretação e análise do objetivo do referido benefício.
12) Quanto aos requisitos do Art.° 43°, n.º 2 e do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03., face às posições das partes, verifica-se que os mesmos se encontram devidamente cumpridos pela Recorrente, pelo que tem direito ao benefício previsto no Art.° 43° n.º 1, al. a), do EBF, ou seja de redução de taxa de 10%.
13) Por outro lado, resulta que a correção efetuada à coleta pela AT não está devidamente fundamentado, de modo claro e suficiente, pois a AT não fundamentou os motivos válidos para que seja impedida de usufruir da redução de taxa, quando a Recorrente exerce exclusivamente a atividade principal, mesmo sem dispor de pessoal e consequentemente sem remunerações contabilizadas, pelo que a liquidação recorrida não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser anulada por vício de violação da lei, cf. Art.º 268° da CRP, Art.ºs 124° e 125°, do CPA e Art.° 77º da LGT.
NESTES TERMOS,
Deve a decisão apreciar os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação recorrida de IRC, para que assim se faça JUSTIÇA.»

Não foram apresentadas contra alegações.
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 47 e seguintes do TAF de Viseu, que julgou improcedente a ação de impugnação judicial intentada contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2013, no valor global de € 5.472,45 euros.
A Recorrente começa por invocar que por lapso na sua petição inicial fez referência à alínea a) do n°1 do artigo 43° do EBF, quando pretendia referir-se à alínea b), o que agora retifica.
De seguida insurge-se contra a interpretação efetuada pelo tribunal “a quo” do disposto no n°1 do artigo 43° do EBE, considerando que “não é entidade empregadora nem precisa de o ser para usufruir da redução da taxa”. Para a Recorrente o que figura como requisito no n°1 do artigo 43° do EBF é o desenvolvimento, a título principal, da atividade económica de natureza agrícola, comercial e industrial e de prestação de serviços na área geográfica beneficiária.
E termina pedindo a anulação do ato tributário.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente que no decurso do ano de 2013 a impugnante tinha a sua sede no concelho de Vouzela, zona geográfica inserida no mapa das áreas do interior suscetíveis de beneficiar de incentivos à interioridade previstas na Portaria n° 1117/2009, de 30 de Setembro.
Mais se deu como assente que a impugnante tem como objeto social a produção, transformação e comercialização de produtos agrícolas, vendas de fatores de produção, consultadoria técnica e formação profissional, e no exercício de 2013 não contabilizou quaisquer gastos com pessoal, designadamente remunerações a trabalhadores, sendo a gerência não remunerada.
E que na sequência de ação inspetiva a AT considerou que a impugnante e aqui Recorrente não reunia os requisitos para gozar do benefício previsto na alínea a) do n°1 do artigo 43° do EBF, motivo pelo qual emitiu uma liquidação adicional relativa ao ano de 2013 onde apurou imposto no valor de € 5.472,45 euros.
3. Quanto à alteração da referência à alínea b) em vez da alínea a) do n°1 do artigo 43° do EBF.
Decorre dos textos legais em causa que a diferença entre a alínea a) e b) do n°1 do artigo 43° do EBF, é que no caso desta última alínea a taxa é reduzida a 10%, em vez dos 15% da primeira, e abrange apenas os casos de “instalação de novas entidades”, sendo o benefício mantido apenas durante os primeiros cinco exercícios de atividade.
Como se sabe o benefício fiscal relativo à interioridade foi revogado pela Lei nº 64-B/20 de 30 de Dezembro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2012.
Daí que dizendo o ato tributário impugnado respeito ao exercício de 2013, só podia estar em causa o benefício previsto na alínea b), pois só este era concedido durante um período superior a um ano e que nessa medida ainda assim se mantinha após e a daquele preceito, atento o disposto no n°2 do artigo 3° e n°2 do artigo 14°, ambos do EBF.
Na sentença recorrida não se levou ao probatório quaisquer elementos relativos à situação da impugnante suscetíveis de integrar os requisitos para o gozo de tal benefício, designadamente em que data a impugnante se instalou na zona geográfica beneficiária.
No relatório dos SIT que a Mma. Juiz deu como reproduzido no ponto 10 do probatório consta que a impugnante iniciou a sua atividade em 30/12/2010 e tem desde essa altura aplicado a taxa de 10% ao abrigo da referida alínea b) do n°1 do artigo 43° do EBF. Nas conclusões do relatório a AT considera que pese a revogação do artigo 43° do EBF pelo n°1 do artigo 146° da Lei n° 64-B/2011, o sujeito passivo pode continuar a gozar do benefício ao abrigo da alínea b) do n°1 até perfazer o prazo de cinco anos ali previsto. Contudo, entendeu a AT que o sujeito passivo não gozava do benefício no exercício de 2013 por não possuir massa salarial e como não tinha trabalhadores não cumpria o objetivo de “criar emprego e fixar pessoas nas áreas beneficiárias”. Conclui a AT que o sujeito passivo “não cumpre os requisitos necessários para poder beneficiar da taxa reduzida”.
Do exposto resulta que as correções efetuadas pela AT à coleta se prendem com a interpretação que é feita sobre o preenchimento do requisito previsto no corpo do artigo do exercício a título direto e principal da atividade numa das áreas beneficiárias. E mais precisamente a sua compatibilidade com os elementos concretizadores do exercício dessa atividade que o Dec.-Lei n° 55/2008 fez ao prever no n°1 do artigo 2° que “considera-se que a atividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial”.
Resulta, assim, que a fundamentação da AT subjacente às correções que deram origem ao ato tributário respeita aos requisitos previstos no corpo do artigo e não com as especificidades previstas na alínea b) e que por outro lado, atento o ano em causa a que respeitam — 2013 -, o benefício fiscal a que a impugnante se arroga só poderia estar baseado na alínea b), por entretanto ter sido revogado o artigo 43° do EBF, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2012. Afigura-se-nos, assim, que nada obsta à apreciação do recurso pese embora a sentença recorrida tenha, na apreciação da questão colocada pela impugnante e induzida em erro por esta, feito referência à alínea a) ao invés da alínea b) do n°1 do artigo 43° do EBF.
4. Quanto ao vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 43° do EBF.
Para se decidir pela improcedência da ação, entendeu o/a Mmo/a. Juiz “a quo” que «uma vez que a impugnante não detém massa salarial não preenche a condição de acesso ao benefício fiscal previstos no artigo 43°, n°1, alínea a) do EBF».
Para tanto considerou o tribunal “a quo” que a ratio dos benefícios fiscais em causa visam fixar as empresas no interior e atrair recursos humanos e investimento que possam fortalecer a base económica e social da região. E nessa medida considerando que a impugnante e aqui recorrente não detém massa salarial não preenche a condição de acesso ao benefício fiscal previsto na alínea a) do n°1 do artigo 43° do EBF, em conjugação com o disposto no artigo 2°, n°1, alínea d) e n°2 do Dec-Lei n°55/2008.
A questão que se coloca consiste em saber se o benefício fiscal previsto na alínea b) do n°1 do artigo 43°, do EBF exige que a entidade beneficiária, para além de ter a sua sede na região beneficiária tem que ter trabalhadores ao seu serviço, de forma a aferir se 75% da sua massa salarial se concentra na área dessa região.
De facto e como se alcança da sentença recorrida, o tribunal “a quo” deu como assente, que em 2013 “a impugnante não contabilizou quaisquer gastos com pessoal, designadamente remunerações a trabalhadores, sendo a gerência não remunerada”.
A questão que se coloca consiste em saber se a lei exige para a concessão do benefício fiscal previsto no artigo 43°, n°1, alínea b) do EBF, que as entidades beneficiárias tenham ou criem postos de trabalho ou se a exigência de que 75% da massa salarial esteja criada na região beneficiária só releve para efeitos de elemento aferidor do local onde é exercida a atividade principal da entidade.
Decorre da alínea b) do n°1 do artigo 43° do EBF, na redação então em vigor, que a concessão de benefício fiscal consistente na redução de 10% na taxa de IRC dependia do exercício, a título principal, de uma das atividades económicas mencionadas no corpo do artigo, designadamente “de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços” nas chamadas “áreas beneficiárias” do interior do território nacional. Ou seja, é requisito do direito ao referido benefício fiscal que a impugnante desenvolva a sua atividade principal numa das áreas do país classificada como sofrendo dos efeitos de “interioridade”.
E como decorre do n°6 do mesmo preceito legal, as referidas áreas são delimitadas de acordo com diversos critérios, os quais são concretizados em portaria do Ministro das Finanças, no caso a portaria n°1117/2009, de 30 de março.
Decorre da matéria assente na sentença que a impugnante/recorrente tem a sua sede no concelho de Vouzela, região integrada numa das áreas previstas na citada portaria, e tem por objeto atividades previstas no n°1 do artigo 43° do EBF.
Da leitura que a AT fez da legislação criada para combater o fator “interioridade” e que explicitou os fins prosseguidos com a concessão do benefício fiscal, concluiu que «apenas as empresas que efetivamente fixam pessoas nas áreas abrangidas podem fruir do benefício, não sendo condição suficiente para usar este benefício a mera deslocação da sede para uma área beneficiária, sendo necessário efetivar o combate à desertificação humana criando postos de trabalho e fixando pessoas» - cfr. relatório dos SIT, cuja proposta foi sancionada superiormente e levado ao probatório.
E foi nessa perspetiva que a AT considerou que a impugnante/recorrente não cumpria os requisitos de acesso ao benefício, pois «não tendo trabalhadores não cumpre o objetivo de criar emprego e fixar pessoas nas áreas beneficiárias». Tendo mesmo concluído que a impugnante “não situa a atividade principal nas áreas beneficiárias, uma vez que para tal deveria concentrar nessas áreas mais de 75% da massa salarial, como exige o n°2 do artigo 2° da Lei n° 55/2008, de 26/03”.
E este entendimento é sufragado na sentença recorrida, a qual realça o objetivo da legislação de “estimular o emprego e desta forma fixar os jovens”, sendo esse objetivo económico de especial importância o fundamento do benefício fiscal.
Como decorre do artigo 2° do EBF, os benefícios fiscais “são medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo considerados despesas fiscais - n°3 do mesmo preceito legal. De modo que na sua concessão está inerente o propósito de obtenção de um resultado extra-fiscal de valor superior à arrecadação da receita que se perde.
Ora, no caso concreto o legislador estabeleceu no n°1 do artigo 43° apenas uma condição para a concessão do benefício fiscal: que a entidade desenvolva a sua atividade principal numa das áreas classificadas; e no n°7 do mesmo preceito legal remeteu para diploma regulamentar “a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, … bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo...”.
Entretanto foi publicado o Dec.-Lei n°55/2008, de 26 de Março, que de acordo com o seu artigo 1°, visou estabelecer «as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 39.°-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho».
E no seu artigo 2°, n°2, veio o mesmo diploma concretizar que «a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial».
Ora, o que este preceito legal veio a concretizar foram os elementos aferidores do que o legislador entende pela expressão “entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias” utilizada na alínea b) do n°1 do artigo 43° do EBF.
E esses elementos respeitam à fixação da sede da entidade e do seu pessoal, correspondente a 75% da respetiva massa salarial, nessa região.
Entendemos, assim, que no n°2 do artigo 2° do Dec.-Lei n°55/2008, de 26 de março, não estão previstos novos requisitos relativos à concessão do benefício fiscal, mas apenas os elementos concretizadores do conceito relativo ao “sítio da atividade principal” das entidades beneficiárias previsto no artigo 43° do EBF.
Não se oferece dúvidas que um dos objetivos subjacentes à concessão do benefício fiscal é de fixar as pessoas nas regiões beneficiárias, mas não é o único nem quiçá o predominante. Por outro lado, aquele elemento aferidor — concentração de 75% da massa salarial — visa evitar a mera deslocalização da sede da empresa para obter esse benefício e assim defraudar os seus objetivos.
Estatuindo o n°1, alínea a) do artigo 43° do EBF que a concessão do benefício fiscal fica dependente do exercício direto da actividade principal da empresa uma das regiões delimitadas, o que o legislador pretende é que as empresas ali fixem a sua organização de meios. Daí que a questão que se pode colocar no caso da impugnante é a de saber qual é de facto a sua atividade principal no exercício em causa e que meios utilizou para prosseguir a mesma, designadamente se utilizou os serviços de outras empresas ou apenas os serviços dos seus gerentes e sócios não remunerados. É que se essa atividade for desenvolvida através de terceiros, então a mesma não é exercida diretamente, como exige o n°1 do artigo 43° do EBF.
Sucede que nenhum desses elementos foi explicitado na fundamentação da Administração Tributária subjacente às correções que deram lugar à liquidação impugnada.
Ora o facto de a impugnante não ter no exercício em causa nos autos encargos com pessoal não é fundamento para que não goze do benefício fiscal previsto no citado preceito legal, uma vez que a norma não impõe para a concessão desse benefício que tenha pessoal ou que crie postos de trabalho (requisitos que são objeto de outro benefício fiscal), mas sim que a atividade principal se situe em área beneficiária, o que no caso da impugnante passa apenas pela fixação da sede numa dessas áreas, uma vez que não tem pessoal.
Assim e independentemente de a impugnante reunir ou não os requisitos para a concessão do benefício, certo é que o ato tributário sindicado não pode ser mantido com a fundamentação aduzida pela AT, nem a sentença que sufragou esse mesmo entendimento (No sentido de que “no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados”, cfr. o acórdão do STA de 09/09/2015, proc. n° 115/15, e demais jurisprudência ali mencionada).
Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 43°, n°1, alínea b) do EBF, na redação em vigor à data da prática dos factos, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a ação de impugnação judicial procedente e determine a anulação do ato tributário de liquidação.»
2 - Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. A Impugnante tem como objeto social a produção, transformação e comercialização de produtos agrícolas, venda de fatores de produção, consultadoria técnica e formação profissional. — cfr. fls. 11 dos autos.
2. A Impugnante, no exercício de 2013, tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Vouzela. — facto não controvertido.
3. O concelho de Vouzela está incluído na região de Dão-Lafões, zona geográfica inserida no mapa das áreas do interior suscetíveis de beneficiar de incentivos à interioridade [Portaria n.º 1117/2009, de 30 de setembro].
4. No ano de 2013 a lmpugnante, nas declarações fiscais enviadas não inscreveu qualquer gasto a título de gastos com o pessoal, nem declarou remunerações pagas a trabalhadores. — cfr. fls. 12 do processo administrativo apenso.
5. A gerência da Impugnante é levada a cabo por dois gerentes. — cfr. certidão permanente de fls. 16/18 do processo administrativo apenso.
6. A gerência da Impugnante é não remunerada. — facto confessado.
7. Em resultado da Ordem de Serviço n.º 012015003879, a Impugnante foi objeto de uma ação de fiscalização realizada pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Viseu. — cfr. fls. 10 do processo administrativo apenso.
8. Através do ofício n.º 2014 7562 R 007138, de 17-08-2015, foi a lmpugnante notificada do projeto de conclusões do Relatório de Inspeção e respetivos anexos para, querendo, exercer o direito de audição. — cfr. fls. 40/72 do processo administrativo apenso.
9. A Impugnante não exerceu o direito de audição. — cfr. fls. 32 do processo administrativo apenso.
10. Em 09.09.2015, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 9/14 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. As conclusões do relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente — cfr. fls. 9 do processo administrativo apenso.
12. No seguimento das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2015 8310038081, referente ao exercício de 2013, no montante global de 5 472,45 €. — cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
3- DO DIREITO:
A sentença recorrida elegeu como questão a decidir a de saber se se encontra reunido o requisito previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, para que a lmpugnante possa beneficiar da taxa de IRC reduzida de 15% prevista no artigo 43°, n.º 1, alínea a) do E.B.F (no exercício de 2013).
E, considerou que no caso em apreço a Impugnante preenchia o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 de 26/03, ou seja, que a sua actividade principal se situa nas áreas beneficiárias, sendo certo que, como a própria Impugnante sempre reconheceu não detinha massa salarial e daí que uma vez que a Impugnante não detinha massa salarial entendeu que não preenchia a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43°, n.º 1, alínea a) do E.B.F, reportada a situar a sua actividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do referido Decreto-Lei n.º 55/2008, o que levou à consideração de que a presente impugnação não podia proceder.
Depois abordou a questão da falta de fundamentação do acto de liquidação invocado pela recorrente e considerou que compulsado o relatório de inspecção tributária, com base no qual foi efectuada a liquidação impugnada, verifica-se que a Administração Tributária explicitou de forma clara e suficiente as correcções efectuadas, sendo a decisão a seguinte:
“6. DECISÃO
Termos em que, pelas razões expendidas, julga-se totalmente improcedente a presente impugnação e, em consequência, mantém-se a liquidação impugnada.
Custas a cargo da Impugnante, nos termos do disposto no artigo 527°, n.º 1 e 2 do C.P.C e artigo 6.º nº 1 do R.C.P.
Registe e notifique”.
DECIDINDO NESTE STA
A impugnante, ora recorrente, imputa ao acto tributário da liquidação os vícios de falta de fundamentação e violação de lei.
Entendeu a sentença recorrida que o relatório está fundamentado de modo claro, suficiente e congruente, não padecendo do vício de fundamentação que lhe é assacado.
Vejamos: resulta do ponto 10 da matéria de facto provada que em 01.07.2015, foi elaborado o relatório de inspecção tributária, constante de fls. 9-14 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. A petição inicial apresentada, deixa claro que a impugnante percebeu porque razão a Administração Tributária considerou que não tinha direito ao benefício fiscal em causa nos autos.
E, do mesmo relatório da inspecção tributária consta que a recorrente não tem massa salarial pelo que se entende não cumprir o objectivo de criar emprego e fixar pessoas nas áreas beneficiárias, não reunindo o requisito referido no artigo 2.º 1 d) do DL 55/2008 de 26/03.
Mas, tudo visto, incluindo o teor da petição inicial considera-se que não ocorre o mencionado vício de falta de fundamentação, sendo questão diferente a da concordância ou não da recorrente com essa fundamentação, mas isso já contende com o mérito das liquidações e não com a sua fundamentação formal até porque como se disse resulta da petição inicial de impugnação judicial que a recorrente apreendeu, as razões de facto e de direito que levaram a AT a efectuar as liquidações impugnadas, o que lhe permitiu exercer em pleno os seus direitos na via judicial.
Resta apreciar se ocorre o vício de violação de lei.
A sentença recorrida supra destacada julgou a impugnação improcedente uma vez que a Impugnante não detém massa salarial não preenchendo a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do E.B.F, reportada a situar a sua actividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008 de 26/03.
Que o conceito de massa salarial implica a existência de trabalhadores próprios da Impugnante, com vínculo de contrato de trabalho, o que não sucede com os gerentes nem com prestadores de serviços.
Que falece o argumento de que, não se aplica à Impugnante o n.º 2 do artigo 2.º do DL 55/2008 porque é de aplicação a entidades com mais de uma actividade.
Que os requisitos são cumulativos: i) actividade principal se situar nas áreas beneficiárias e ii) nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.
Mas, sobre esta questão já se pronunciou, reiteradamente, este STA, em 11-10-2017, recurso 1361; em 18-10-2017, recursos 1259, 335, 390, 1267; em 25-10-2017 recurso 1239; em 16/05/2018 no rec. 0526/17 e, ainda, em 23/01/2019 no recurso 1265/16-30, sempre em sentido oposto.
Acompanha-se esta corrente jurisprudencial e a respectiva fundamentação pelo que se remete para o primeiro dos mencionados acórdãos. Nele se escreveu que:
“(…) A Recorrente não se conforma com o julgado, sustentando que o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 não pode ser interpretado no sentido de que a existência de massa salarial é condição para usufruir do benefício previsto no art.º 43º do EBF, seja porque o art.º 43º não impõe essa condição, seja porque uma tal interpretação não resulta da letra da lei.
No que lhe assiste a razão.
Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)].
A existência de massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de se concentrar, em mais de 75%, na área beneficiária.
Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução.
Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário. // Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».
Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade.
De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e, por conseguinte, os seus pressupostos não podem ser alterados por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP. Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do artigo 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Deste modo, a liquidação impugnada, que teve por fundamento a inexistência de massa salarial para efeitos de exclusão do benefício fiscal, é ilegal. E, por consequência, a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que julgue procedente a impugnação, assim ficando prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação.”.

Com esta fundamentação que se acolhe, merece provimento o recurso o que determina a revogação da sentença recorrida pois que não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008 de 26/03.
4. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato de liquidação.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, sem taxa de justiça neste STA, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019. – Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo – Aragão Seia.