Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0595/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23482
Nº do Documento:SA1201806280595
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:DIRECTOR NACIONAL DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:
A………… requereu, no TAC de Lisboa, contra a Sr.ª Directora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, providência cautelar pedindo a anulação do acto, de 10/04/2016 - que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento – e que lhe fosse concedida a autorização de residência temporária no nosso País bem como.
Aquele Tribunal, considerando que se encontravam reunidos os pressupostos indispensáveis à antecipação do juízo sobre a causa principal, procedeu a essa antecipação e proferiu sentença julgando a acção improcedente.
Decisão que o TCA Sul, para onde o Autor apelou, confirmou.

É desse acórdão que vem a presente revista (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Recorrente instaurou, no TAC de Lisboa, providência cautelar pedindo que lhe fosse concedida a autorização de residência temporária no nosso País e que fosse anulado o despacho da Sr.ª Directora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que indeferiu o seu pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento.
Aquele Tribunal antecipou o juízo sobre a causa principal julgando o pedido aí formulado improcedente por entender que não se mostrava preenchido o requisito enunciado no art.º 77.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 23/2007, isto é, que o Autor não provara estar em Portugal na data em que apresentou o seu pedido de autorização de residência.
Apelou para o TCA Sul, mas sem sucesso já que este negou provimento ao recurso pela seguinte ordem razões:
“O artigo 90-A da Lei n.º 23/2007 enuncia os requisitos que, cumulativamente, se devem verificar para que seja concedida autorização de residência para actividade de investimento, o primeiro dos quais é o preenchimento dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º do mesmo diploma (com excepção da al. a) do n.º 1). Um desses requisitos é a “presença em território português” (cfr. al. c) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007).
É certo que o preceito não é claro sobre o momento em que tal requisito deve ser observado, pois que nada diz sobre isso.
Mas o Decreto Regulamentar n.º 84/2007 é absolutamente cristalino nessa matéria.
Desde logo, o art.º 51, n.º 1 - inserido na Secção l - Disposições Gerais, do Capítulo lV - Autorização de residência - determina que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser “apresentado presencialmente junto da direcção ou delegação regional do SEF(Cujo teor é o seguinte: “O pedido de concessão e de renovação de autorização de residência é formulado em impresso próprio, de modelo aprovado por despacho do director-geral do SEF e assinado pelo requerente ou, quando se trate de menor ou de incapaz, pelo seu representante legal, devendo ser apresentado presencialmente junto da direcção ou delegação regional do SEF da área de residência do interessado, acompanhado, se necessário, de duas fotografias do requerente, iguais, tipo passe, a cores e fundo liso, actualizadas e com boas condições de identificação.) (sublinhado nosso).
Dúvidas não há, pois, que, ao contrário do que o recorrente pretende, a lei expressamente refere a exigência de que o pedido de concessão de autorização de residência seja presencialmente apresentado pelo requerente.
Essa exigência consta também da regulamentação dos pedidos de ARI.
Com efeito, nos termos do disposto no n.º 12 do artigo 65.º-D do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, ‘‘Os meios de prova e a declaração referidos nos números anteriores são apresentados no momento do pedido de concessão de autorização de residência, a realizar presencialmente na direcção regional do SEF competente em função do território em que a actividade de investimento é exercida” (sublinhado nosso).
Resulta de forma clara e inequívoca dos preceitos vindos de referir que a apresentação do pedido de concessão de autorização de residência deve ser feita presencialmente pelo requerente.

Concluímos, assim, que a presença do requerente em território português exigida na al. c) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, se reporta ao momento em que o pedido é apresentado, pois a entrega deste deve ser presencialmente feita por ele.

3. …. defende o recorrente que «a ilegalidade alegadamente cometida não exerceu qualquer tipo de influência sobre o conteúdo do acto, o que se conclui pelo facto de se terem assegurado todos os interesses e objectivos que a norma visa acautelar, rectius correcta identificação pessoal do recorrente e recolha de dados no âmbito da cooperação judicial».
Acontece que, a posição defendida pelo recorrente apenas se aplica às situações em que está em causa a inobservância de um trâmite legalmente previsto. …..
Ora, do que se trata aqui não é da inobservância de um mero trâmite do procedimento. Mais do que isso, a exigência da presença do requerente em território nacional no momento do pedido é, como vimos, um requisito de concessão da autorização de residência e não um mero trâmite procedimental. E porque assim é, nunca a sua falta pode qualificar-se como uma mera irregularidade susceptível de sanação.”

3. O Recorrente não se conforma com esse julgamento pelas razões que sumariou nas seguintes conclusões:
“IV. Mesmo que se admitisse a interpretação do artigo 77.°, n.º 1, alínea c) do RJEP, segundo a qual se exige a presença em território nacional no momento da submissão do requerimento, sempre estaria em causa vício não invalidante, à luz do princípio do aproveitamento do ato mormente, o disposto na alínea c), do n.º 5, do artigo 163.° do CPA:
a. Resulta provado no processo, que a única razão de indeferimento da concessão de autorização de residência foi a circunstância de o Recorrente não se encontrar em território nacional no dia da submissão do requerimento inicial para obtenção de autorização de residência. Ficou, pois, claro que, se tal requisito se tivesse cumprido, a autorização de residência teria sido concedida. O ato e concessão teria, pois, sido praticado com o conteúdo aqui pretendido pelo Recorrente: deferimento da autorização de residência.
b. Resulta, igualmente, provado que todos os fins visados pela exigência legal de presença em território nacional aquando da submissão do requerimento inicial foram alcançados com a presença posterior do Recorrente, durante o decorrer do procedimento de concessão, nas instalações do SEF, nomeadamente para entrevista e recolha de dados biométricos (devidamente autorizada pelos serviços)
c. Ademais, a susceptibilidade de sanação de qualquer vício tendente ao aproveitamento do ato em causa deverá considerar os valores axiomáticos conformadores da relação jurídico-administrativa, no Estado de Direito democrático, em particular, os princípios da boa-fé (artigo 10.° do CPA), da boa administração (artigo 5.° do CPA), da proporcionalidade (artigo 7.° do CPA) e da justiça e da razoabilidade (artigo 8.° do CPA).
d. Não resta, pois, qualquer margem para dúvidas de que a ausência do Recorrente em território nacional no dia em que o requerimento inicial deu entrada em nada afetou materialmente a verificação dos pressupostos legais necessários à concessão da autorização de residência, pelo que, tal vício não determinaria a invalidade do ato que concedesse a autorização de residência.
V. É, pois, chocante e antijurídico o resultado que conduza ao indeferimento da autorização de residência do requerente, quando resulta evidente que reúne todos os requisitos materiais para obter tal autorização, que somente lhe é negada porque não estava em território nacional no dia em que foi entregue o requerimento (que, também como se provou, só largos meses depois foi materialmente instruído, aliás, por serviços uma direção distinta daquela onde se verificou a entrega).
VI. Defende o Recorrente que o referido vício - a existir - não deve determinar o indeferimento do pedido de autorização de residência, nomeadamente, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos (com expressa consagração legal no artigo 163.°, n.º 5, do CPA) e aos princípios da boa administração (artigo 5.° do CPA) da boa-fé (artigo 10.º do CPA), da proporcionalidade (artigo 7.° do CPA) e da justiça e da razoabilidade (artigo 8.° do CPA).

4. Como se vê a única razão do indeferimento da pretensão do Recorrente foi a circunstância deste não se encontrar em Portugal no momento em que o seu pedido para obtenção de autorização de residência foi apresentado. Tudo indicando que, se tal requisito tivesse sido cumprido, a sua pretensão teria sido deferida já que não se levantaram dúvidas sobre o preenchimento dos restantes.
As instâncias entenderam, concordantemente, que o não preenchimento desse requisito era, por si só, suficiente para inviabilizar a obtenção de autorização de residência.
E, numa leitura ao pé da letra, parece que interpretaram correctamente os textos legislativos aplicáveis.
Acontece, todavia, que esse requisito não só é meramente formal como não é visível a razão da sua essencialidade a qual, de resto, não resulta directamente do diploma legal que regula esta matéria mas de diplomas regulamentares.
Deste modo, importa definir com clareza se, de facto, o deferimento do pedido formulado pelo Recorrente depende, entre outros requisitos, do mesmo serapresentado presencialmente junto da direcção ou delegação regional do SEF” e que, se tal não acontecer, a consequência inevitável dessa falta é o indeferimento daquela pretensão.
Questão cuja relevância jurídica e social é suficiente para justificar a admissão da revista.
Acresce a grande potencialidade da sua replicação e a importância dos argumentos de que o Recorrente se serviu para justificar a admissão da revista.
Nesta conformidade, tudo aconselha a que o Supremo se debruce sobre esta matéria e estabeleça definitivamente o direito.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.