Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01887/17.3BEPRT
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23767
Nº do Documento:SA12018102201887/17
Data de Entrada:10/03/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……. intentou, no TAF do Porto, contra o Município do Porto, a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Director Municipal da Presidência da Câmara Municipal do Porto e Presidente do Conselho de Administração da Domus Social EM, de 01/08/2017, que decidiu a resolução do arrendamento apoiado correspondente à casa…….., da entrada …….., bloco...... , da Rua …………., Porto.

Aquele Tribunal, por sentença de 05/02/2018, indeferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte manteve.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O TAF indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Director Municipal da Presidência da Câmara Municipal do Porto e Presidente do Conselho de Administração da Domus Social EM, que resolveu o contrato de arrendamento de que o Requerente era arrendatário com uma fundamentação de que se destaca:
“….
Alega o requerente que, a não se suspender a eficácia do acto de resolução do arrendamento, e atendendo aos factos do impetrante se encontrar a cumprir pena de prisão, do seu cônjuge se encontrar desempregado e de os seus filhos ………. e ………. padecerem de problemas de saúde graves, se produzirão prejuízos de difícil reparação, porquanto, conforme disse, o agregado familiar será “obrigado a residir na rua”’ - cfr. pontos 6, 12, 14 e 15 do probatório.

Em conformidade, como alegado pelo requerente e atenta a factualidade provada, julgo preenchido, no caso concreto, o requisito do periculum in mora, na vertente dos prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
…..
No caso concreto, entende-se não ser provável a procedência da pretensão que será formulada no processo principal, nem manifesta a ilegalidade do acto suspendendo.
De facto, ao requerente vem imputada a violação do contrato de arrendamento social, com dois fundamentos: a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública e a mora no pagamento da renda.
Ora, resultou provado que o requerente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo resultado provado na competente acção penal que aquele prosseguiu a conduta ilícita naquela habitação, bem como, resultou provado que o requerente entrou em mora no pagamento de rendas - cfr. pontos 3, 4 e 5 dos factos provados.
Ambas as situações, em rigor, são passíveis de configurar fundamentos de resolução do arrendamento apoiado, nos termos das disposições conjugadas do artigo 25°, n.º 2, da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, e que é aplicável ao caso dos autos por força do preceituado no seu artigo 39.°, n.º 2, alínea a), e do artigo 1083°, n.º 2, alínea b), e n.º 3 do Código Civil (CC).”

O TCA manteve essa decisão pela seguinte ordem de razões:
“….
Voltando ao caso concreto, resulta da sentença supra transcrita que o Tribunal a quo analisou os elementos carreados para os autos tendo concluído, fundada e acertadamente, pela inexistência de vícios quanto ao acto impugnado. E a ser assim, concluiu que não é provável que a pretensão anulatória do ora Recorrente venha a ser julgada procedente no processo principal, não se verificando assim um dos pressupostos exigidos legalmente para a adopção da medida cautelar requerida, que, como salientado pelo Senhor Juiz, são de comprovação cumulativa.
Na verdade, como ressalta da sentença, o Requerente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo resultado provado na competente acção penal que aquele prosseguiu a conduta ilícita na sua habitação. Resulta claramente do probatório a prática de factos ilícitos que estão na base da cessação da ocupação. Essa prova plena é constituída pela decisão judicial condenatória proferida pelo Tribunal Criminal do Porto, no qual o aqui Recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, decisão que transitou em julgado.
Resulta expressamente do art.° 1083°/2/b) do CC, conjugado com o art.° 25° da Lei 81/2014, de 19 de dezembro, que é fundamento de resolução do contrato de arrendamento “a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.
Assim, tendo o Recorrente utilizado a sua habitação para a prática dos actos delituosos, pelos quais foi condenado com trânsito em julgado, e sendo este um dos fundamentos invocados pelo Recorrido no seu despacho que determinou a cessação do arrendamento, obviamente que a acção principal está destinada a soçobrar.
Deste modo, é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal, pelo que, ao abrigo do disposto no art.° 120°/1 do CPTA, tinha de ser indeferida a requerida providência.”

3. A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique quebrar-se aquele entendimento.
Desde logo, porque as instâncias decidiram convergentemente e fizeram-no com uma fundamentação jurídica clara e convincente, razão pela qual se não justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.
Depois, porque tendo sido considerado provado que o Recorrente utilizava a sua habitação para a prática dos actos delituosos, designadamente a venda de droga – tendo nela sido apreendidas uma balança de precisão para pesagem de droga e 3 embalagens de cocaína de 52,284 grs. - pelos quais foi condenado numa pena de prisão, com trânsito em julgado, e sendo este um dos fundamentos invocados de resolução do arrendamento tudo leva a crer que as instâncias decidiram acertadamente quando consideraram que a acção principal estava votada ao insucesso. Ademais, aqueles decisivos factos não são susceptíveis de serem questionados nesta sede (art.º 150.º/3 do CPTA).
Finalmente, encontrando-nos numa fase liminar e provisória, onde se faz uma apreciação sumária do requisito fumus boni iuris, não se justifica admitir a revista para que essa questão seja tratada com uma profundidade que aqui não é exigida, visto essa apreciação estar reservada para a acção principal.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.