Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01101/13
Data do Acordão:03/06/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECLAMAÇÃO
REFORMA DE SENTENÇA
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA000P17179
Nº do Documento:SA22014030601101
Data de Entrada:06/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1. Notificada do acórdão proferido por este STA em 15.01.2014, que constitui fls. 162 e segs., veio a recorrente Fazenda Pública pedir a reforma do mesmo acórdão, invocando a seguinte argumentação:

Na impugnação interposta pelo contribuinte foi invocado, pela FP, que a impugnação dos atos de fixação de valores patrimoniais está condicionada ao prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão previstos no respetivo procedimento de avaliação, atento o preceituado no n° 7 do artigo 134° do CPPT e 86°, nºs 1 e 2 da LGT.

E que, por isso, o n° 1 do artigo 77º, do CIMI só prevê a possibilidade de impugnação judicial do resultado das segundas avaliações.

Daí que, não exercido o direito em tempo, para suscitar uma segunda avaliação e, assim, ver discutida a legalidade dessa 1ª avaliação, caducou o direito a requerê-la.

O legislador contemplou a especificidade desta questão - que tem tantas regras e fórmulas - com um meio de recurso próprio - a segunda avaliação - como se fosse um verdadeiro recurso hierárquico necessário, prevenindo assim a possibilidade da AT, através de uma comissão isenta, reavaliar os valores encontrados na 1.ª avaliação.

Donde, como não decorre da lei, para lá da 2ª avaliação, que caiba qualquer outra forma processual para ver discutida a legalidade da 1ª avaliação, não faz sentido admitir jurisprudencialmente um “tertius genus”, à revelia do legislador e, por isso, sem qualquer suporte legal!

Nem se diga que aqui, por adesão à interpretação ampla das leis de acordo com uma nova corrente jurisprudencial, o que está em causa não é a avaliação, mas, o vício de violação de lei, reportada à atribuição de um coeficiente, quando é precisamente esse coeficiente que é parte integrante da dificuldade aritmética da avaliação e, que levou o legislador a prevenir a suscetibilidade de o fazer corrigir pela Administração, através de uma 2ª avaliação.

Na verdade, não pode o intérprete retirar da lei, por falta da segunda avaliação, a admissibilidade de um novo recurso, logo na 1ª avaliação, quando ele não foi previsto e, logo, admitido pelo legislador.

Não pode o poder judicial em contrário com os meios de defesa concebidos pelo legislador para esse instituto, como um todo, passar a admitir jurisprudencialmente que as avaliações possam ser impugnadas desde logo na 1ª avaliação, subvertendo a racionalidade do instituto - acabando com as segundas avaliações - e, não dando oportunidade à AT de, por via Administrativa, repor essa legalidade.

Ao assim decidir como decidiu e, salvo o devido respeito, cometeu o, aliás, douto acórdão reclamado, um lapso manifesto por não ter tido em conta que o legislador concebeu a 2ª avaliação - num processo especial - como parte integrante do processo de avaliação que, doutra forma não está completo para abrir a via judicial.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V Exas., deve o acórdão ora posto em causa ser reformado, no sentido acima exposto de não ser admitida a impugnação, sem a prévia 2ª avaliação.

2. Notificada a parte contrária, esta nada veio dizer quanto ao pedido de reforma.

3. Cumpre decidir.

De acordo com o disposto no artº 669º, nº 2 do CPC (atual artº 616º. nº 2) “Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

Interpretando esta norma, vem este STA entendendo que tal possibilidade de reforma, porque constitui uma exceção legal ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, é circunscrita às situações tipificadas na norma, tendo em vista o suprimento de erro de julgamento mediante a reparação da decisão pelo próprio juiz decisor nos casos em que, por manifesto lapso de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica, a sentença tenha sido proferida com violação de lei expressa ou quando constem dos autos elementos documentais ou meios de prova plena que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso.
Deste modo, e como vem sendo reiteradamente salientado pela jurisprudência a possibilidade de reforma de uma decisão judicial ao abrigo do nº 2 do artº. 669º do CPC (e do idêntico nº 2 do art. 616º do atual CPC) tem caráter de exceção, destinando-se unicamente a eliminar lapsos manifestos, erros evidentes, ostensivos, palmares, juridicamente insustentáveis e incontroversos - vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: de 24/03/2010, no proc. nº 0511/06; de 26/09/2012, no proc. nº 211/12; de 21/11/2012, no proc. nº 155/11; de 19/12/2012, no proc. nº 740/12; de 13/03/2013, no proc. nº 822/12; e de 3/07/2012, no proc. nº 629/13 (seguimos aqui “ipsis verbis” o recente acórdão de 05.02.2014 –Processo nº 0212/13)

Ora, no caso dos autos e atento o teor do pedido e sua fundamentação, verifica-se que a recorrente discorda do decidido e por isso pede que seja proferida decisão de acordo com o seu entendimento.

Porém, nada no acórdão indica ter existido lapso manifesto na decisão assumida, antes dele resultando claramente que da interpretação das normas aplicáveis se podia concluir que “in casu” era admissível a impugnação.

Com efeito, no referido acórdão ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“…Daqui resulta então que os atos de fixação de valores patrimoniais apenas podem ser impugnados depois do esgotamento dos meios administrativos destinados à sua revisão, que no caso de avaliação de imóveis, é a segunda avaliação.
Deste modo, se não for requerida 2ª avaliação ou esta for rejeitada por extemporânea, o valor da avaliação consolida-se (neste sentido, entre outros, v. os acórdãos deste STA, de 17.11.1999 – Processo nº 23.912, de 21.06.2000 – Processo nº 24.542 e de 02.04.2003 – Processo nº 2007/02).
Acontece, no entanto, que este STA tem admitido a impugnação judicial da 1ª avaliação em casos em que inexistiu previamente esgotamento daqueles meios”.

E mais adiante:

“No caso dos presentes autos, lendo atentamente a petição da recorrida verificamos que o que ela contesta relativamente à 1ª avaliação é a falta de fundamentação para aplicação do coeficiente de afetação de 0,40 relativamente à frações identificadas na petição, quando relativamente a outras frações do mesmo empreendimento e com áreas brutas privativas similares ter sido usado o coeficiente de 0,15 previsto no artº 41º do CIMI (v. artºs 12º a 35º da petição de impugnação).
Deste modo, a impugnante - ora recorrida - concluiu (v. artº 33º da petição) que a 1ª avaliação era suscetível de impugnação, não estando em causa o disposto no nº 7 do artº 134º do CPPT.
Será assim?
Afigura-se-nos que, nesta parte, a recorrida (impugnante) tem razão.
Na verdade, embora aparentemente coloque em causa o valor da avaliação, ela invoca que perante avaliação de frações de natureza idêntica e relativas ao mesmo artigo matricial, não foi fundamentada a aplicação do coeficiente afetação de 0,15 nuns casos (v. docs. de fls. 90/93) e 0,40 noutros (v. docs. de fls. 49/84).
A decisão recorrida, aliás, assim entendeu também a petição inicial, apreciando expressamente o vício de falta de fundamentação (v. fls. 122/123 da sentença).
No entanto, acabou por considerar que a avaliação se encontrava devidamente fundamentada, na medida em que as fichas de avaliação continham todos os elementos legalmente exigidos, padecendo antes de vício de violação de lei, uma vez que o coeficiente de avaliação a considerar, por força do artº 41º do CIMI, deveria ser 0,15 e não 0,40 (este o tido em conta na avaliação).
Porém, uma vez que nesta parte a decisão não foi atacada, este STA não pode dela conhecer, pois o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações.
Em face do que ficou dito entende-se que, perante o fundamento invocado, a impugnação era admissível, pelo que improcede o recurso”

Portanto, não existe qualquer razão para alteração da decisão, ao abrigo do citado artigo, uma vez que não ocorre o pressuposto em que a recorrente se baseou para o pedido de reforma.

Assim sendo, é de desatender o referido pedido.

4. Nestes termos e pelo exposto indefere-se o pedido de reforma.

Custas pela requerente com uma UC de taxa de justiça.

Lisboa, 6 de março de 2014. – Valente Torrão (relator) – Ascensão LopesDulce Neto.