Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0718/14
Data do Acordão:09/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
CONVITE
Sumário:I - O art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido.
II - Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, convidá-lo a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.
III - Por outro lado, o interessado poderá também apresentar novos elementos de prova no caso de ocorrer instrução e de serem colhidas pela administração informações que sejam susceptíveis de ser infirmados por esses elementos de prova.
IV - Para além disso, o dever de apresentação dos meios de prova juntamente com o requerimento inicial também claudicará no caso de a prova que o requerente pretende utilizar se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária, bastando então, para que deles se possa prevalecer, que o requerente os identifique no seu requerimento (art. 74º, nº 2, da LGT), ou se, por razões fundamentadas, for impossível juntar a prova dentro do prazo de apresentação daquele requerimento.
Nº Convencional:JSTA00068870
Nº do Documento:SA2201409030718
Data de Entrada:06/17/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART52 ART58 ART59 ART74 N1 N2.
CPPTRIB99 ART13 N1 ART45 ART48 ART114 ART169 ART170 N3.
CPC13 ART6 ART7 ART590 N2 N3.
CCIV66 ART342 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01298/12 DE 2012/12/19.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a reclamação judicial que a sociedade A……………, LDA deduziu contra o acto praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede, de indeferimento do pedido de dispensa (parcial) de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal nº 0710201201032410 e apensos, que contra si corre nesse Serviço de Finanças para cobrança de dívidas tributárias no montante total de € 169.715,61.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

A - A Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” julgou procedente a reclamação de ato do órgão da execução fiscal interposta nos termos do art. 276º do CPPT do despacho proferido em 07-11-2013, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede, no âmbito do Processo de Execução Fiscal nº 0710201301032410 e aps., que corre termos naquele Serviço de Finanças e que indeferiu o pedido de isenção parcial da prestação de garantia para efeito da suspensão da execução.

B - A douta sentença recorrida anulou o despacho reclamado, por entender que o OEF devia ter convidado a requerente a apresentar prova do requisito da falta de culpa na insuficiência patrimonial, que entendesse necessária para a decisão a proferir, e não o tendo feito incorreu em violação dos princípios do inquisitório e da colaboração/cooperação.

C - Ora, ressalvado o devido respeito com o que foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.

D - Com efeito, entende a Fazenda Pública que recai sobre o executado o ónus de provar a verificação de todos os requisitos para obtenção da dispensa de garantia e não tendo aquela juntado com o requerimento a necessária prova documental, a justificar análise e ponderação crítica, nada mais restou à Administração Fiscal que não fosse, perante os factos de que dispunha, fazer a sua interpretação conforme o direito aplicável.

E - Assim, conforme dita o nº 3 do art. 170º do CPPT, o pedido de isenção de garantia deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados, deve ser produzida com o pedido, em obediência aos interesses de prossecução da legalidade e do interesse público subjacentes à tomada de decisões de concessão de isenção da prestação de garantia e não do foro subjectivo e arbitrário da Fazenda Pública.

F - Deste modo, a prova a efectuar competia à reclamante, no momento em que apresentou o requerimento, em consonância com a jurisprudência dominante, designadamente no Ac. TCA Sul, proc. 00155/03, de 06.05.2003; no Ac. TCA Sul, proc. 00348/04, de 07.12.2004 e no Acórdão do TCA Sul de 29-11-2011, proferido no proc. 05169/11 (a título meramente exemplificativo).

G - Segue-se depois a decisão, não havendo propriamente instrução mas apenas apreciação por parte do órgão de execução fiscal dos factos invocados face à prova oferecida pelo requerente e a sua subsunção às normas aplicáveis.

H - O texto do art. 170º nº 3 do CPPT pressupõe, assim, que seja apresentada pelo executado, com o requerimento, toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados, para se dispensar a prestação de garantia. Não há assim uma nova oportunidade para tal, nem há que chamá-lo novamente para participar na formação da decisão. A ser assim, poderia haver por parte dos requerentes o recurso a manobras dilatórias que poderiam prejudicar o andamento do processo de execução fiscal.

I - A urgência do processo está patente nos curtos prazos definidos no próprio artigo 170º especificamente no nº 4.

J - Ademais, resulta dos princípios gerais da prova, designadamente do art. 342º do Código Civil, que quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.

K - E não competia à AT convidar a requerente a apresentar os meios de prova necessários, até porque o prazo para decisão de 10 dias que detém é bastante curto. Sendo um incidente o pedido da isenção da prestação de garantia do processo de execução fiscal, que tem um caráter urgente, ficando tal incidente inclusivamente dispensado de audiência prévia, conforme a jurisprudência atual do STA que vai reiteradamente nesse sentido, independentemente da natureza do ato de indeferimento da prestação da garantia (ato administrativo ou ato processual) – cfr. Acórdãos do STA de 26-09-2012, Proc. 0708/12 e de 13-03-20 12, Proc. 0288/13.

L - Ora, o pedido de dispensa de garantia apresentado pela reclamante junto do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 170º do CPPT deveria ter sido fundamentado de facto e de direito e instruído com toda a prova documental indispensável, sendo que tal não resulta do requerimento apresentado pela recorrida.

M - Ademais, não se conjetura como poderia ser a AT a carrear para os autos os elementos probatórios atinentes aos factos pessoais alegados pela reclamante, de que a prestação da garantia lhe iria causar prejuízo irreparável ou que a mesma não dispõe de meios económicos suficientes para a prestar, ou que tenha de apresentar prova do requisito da falta de culpa na insuficiência patrimonial, que entendesse necessário para a decisão a proferir, pois a reclamante encontra-se naturalmente e em regra, em melhores condições para satisfazer tal prova de harmonia com a factualidade por si alegada.

N - Assim pretendeu o legislador ao impor tal ónus probatório ao reclamante na supracitada norma do art. 170º nº 3 do CPPT, solução que se afigura como a mais acertada e por isso a escolhida pelo legislador, como ao intérprete, em todo o caso, sempre deve presumir, nos termos do disposto no art. 9º nº 3 do C.Civil.

O - Salienta-se que a douta sentença sustenta o seu entendimento no Acórdão do STA, processo 0519/13, de 15-05-2013.

P - Todavia, conforme vimos referindo, existe jurisprudência firmada em sentido distinto, como a título exemplificativo o Acórdão do STA de 26-09-2012, Proc. 708/12.

Q - E, naturalmente, o princípio do inquisitório não pode implicar para a AT o dever de se substituir ao contribuinte, nomeadamente na realização da prova, que, nos termos da lei, a ele compete efetuar, com a consequente inversão do ónus da prova.

R - Sobre a inversão do ónus da prova, pode ver-se o douto acórdão do STA, de 17-12-2008, do Cons. Jorge de Sousa, ou o douto Acórdão de 19-12-2012, Proc. 1320/12, onde se refere que é sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respetivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

S - E a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo, que é a da sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens, não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344º do CC.

T - Desta forma, entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a isenção da prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, os arts. 52º da LGT e 169º e 170º do CPPT.

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a reclamação, assim se fazendo, JUSTIÇA.


1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:

a. Apesar da sua natureza “urgente”, o procedimento relativo ao pedido de dispensa de prestação de garantia não se prefigura como desprovido de qualquer instrução procedimental administrativa.

b. Concomitantemente, a lei não excepciona desse procedimento a plena operatividade do princípio do inquisitório e demais princípios de actuação administrativa.

c. O indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia não constitui consequência automática ou liminar da incompletude dos suportes probatórios que o acompanhem.

d. A imposição de um ónus probatório não implica a anulação dos deveres inquisitórios, do princípio da colaboração e, em última análise, do princípio da cooperação processual.

e. Efectivamente, o princípio do inquisitório impõe-se num plano pré-decisório, vinculando a AT à realização de diligências e à prática de actos que se revelem necessários à decisão de mérito que lhe incumba proferir, cumprindo-se ao nível da instrução procedimental administrativa, em momento logicamente anterior ao da decisão que houver a proferir quanto aos factos e ao direito.

f. A ausência dessa instrução não pode fundar-se, em caso algum, no facto de a “prova” estar a cargo do contribuinte, pois serão precisamente esses os casos em que o dever do inquisitório assume particular densidade e relevo.

g. Enquanto que a instrução constitui um prius de apreensão dos factos marcado pelo inquisitório em que a administração tem o “dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados” (Leite de Campos e outros, LGT anotada), as regras da prova constituem um posterius relativamente a essa actividade, incluindo-se já no momento da decisão como critério desta nas situações de incerteza quanto a factos.

h. A AT apenas poderá valer-se das regras do ónus da prova quando não tenha renunciado ao inquisitório, fazendo funcionar aquelas regras em momento anterior ao da operatividade do princípio, sendo que o ónus da prova não determina um “inquisitório=zero”.

i. Bem advertiu o tribunal recorrido que não se trata de impender sobre a AT o dever de se substituir ao requerente na prova dos factos, mas de exigir à administração uma actividade mínima que poderá determinar decisão diferente da adoptada, sem alterar, anote-se, os critérios de repartição do ónus da prova.

j. Considerando que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à Administração Fiscal, também por esse motivo, convidar o recorrente a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento do recorrente.

k. No mesmo sentido milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento. A desproporção entre a irregularidade cometida pelo recorrente (não juntar os documentos sobre os factos alegados) e a consequência que lhe é associada pela Administração Fiscal é manifesta, não se revelando adequada nem proporcional.

l. Essa desproporcionalidade é atestada, à evidência, pelo objecto que integra esse procedimento, não podendo olvidar-se que a decisão administrativa que está aqui em causa refere-se a uma matéria particularmente gravosa em que a AT é chamada a pronunciar-se sobre a existência ou não de uma situação de facto susceptível de causar ao particular um “prejuízo irreparável” ou em que exista uma situação “manifesta falta de meios económicos”.

m. Não se afigura possível que num Estado de direito material possa ser vetada a possibilidade de corrigir, aperfeiçoar ou completar com elementos que a administração reconhece estarem em falta no âmbito de um processo ou procedimento com semelhante natureza.

n. O bloco normativo constituído pelos artigos 52º nº 4 e 58º da LGT e 170º do CPPT, quando interpretado no sentido de não ser admissível a existência de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de dispensa de modo a suprir as insuficiências deste quando o mesmo se encontre deficientemente instruído, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade na dimensão estruturante do Estado de direito, por violação do direito a um procedimento justo e equitativo, decorrente dos princípios constitucionais de actuação administrativa vertidos no artigo 266º, nº 2, e por violação do direito à adopção de medidas cautelares previsto no artigo 268º, nº 4, da Constituição, aqui aplicável em face da natureza da execução fiscal e da configuração procedimental-processual da dispensa de garantia.

o. Por ter feito uma interpretação conforme aos princípios, procedendo a uma adequada ponderação material do problema decidendo e das exigências de justiça que lhe estão subjacentes, a decisão recorrida não merece censura.


1.3. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, com o seguinte discurso argumentativo:
«(…)

É ao executado que pretende a dispensa da prestação de garantia que incumbe o ónus da prova dos pressupostos de que depende tal dispensa, designadamente de que não foi por culpa sua que se verificou a situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido [Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, volume III, páginas 233/235, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa. Acórdãos do PLENO da SCT do STA, de 17 de Dezembro, de 2008-P. 327/2008 e de 2012.10.17-P. 0414/12, e da SCT, de 2010.12.19-P. 0130/12, todos disponíveis o sítio da Internet www.dgsi.pt.]

Como refere o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na obra citada em nota de rodapé, páginas 234/235 “Estando-se num processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no CC, designadamente, as que constam dos seus arts. 342º e 344º (…) O essencial deste critério de repartição do ónus da prova é também adoptado no procedimento tributário, por força do disposto no art. 74º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recaia sobre quem os invoque».(…)

À face destas regras, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida, terá de considerar-se todos os factos de que depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no nº 3 do citado art. 342º do CC.

Para além disso, o texto do nº 3 do art. 170º do CCPT aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que seja apresentada pelo executado toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia.

A eventual dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a da sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus de prova, como se conclui das regras do art. 344º do CC.

E certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emanam do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no art. 20º, nº 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.

Mas, por um lado, nesta matéria não se está perante uma situação de impossibilidade de prova, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova dos factos positivos, por via da demonstração das reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.

Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficiloris sunt probationis levioris probationes admittuntur».

O que, nesta situação, se reconduzirá, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa de insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positivas da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado”.

A sentença recorrida sustenta que a AT antes de indeferir a pretensão da recorrida por falta de prova de ausência de culpa na situação de inexistência/insuficiência de bens, deveria, em cumprimento do inquisitório, notificá-la para juntar documento comprovativo da verificação de tal requisito ancorando-se no acórdão do STA de 15 de Maio de 2013, proferido no recurso nº 0519/13 [Disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.]

Antes de mais diga-se que tal acórdão teve dois votos de vencido, quanto à questão em análise, sendo que um considerou não ser de notificar o interessado para juntar os documentos enquanto o outro entendeu ser de proceder à notificação apenas por se tratar de uma situação de pedido de renovação de dispensa de prestação de garantia e não de um pedido inicial de dispensa de prestação de garantia.

Em sentido contrário decidiu, porém, o STA de 19 de Dezembro de 2012 [Proferido no recurso número 0519/13, ambos disponíveis no sitio da Internet www.dgsi.pt.]

A nosso ver é de seguir a última jurisprudência referida.

De facto, o artigo 170º/3 do CPPT é claro e expresso ao estatuir que o pedido de dispensa da prestação de garantia deve ser instruído com a prova documental necessária. Trata-se de um procedimento célere em que a pretensão deve ser resolvida no prazo de 10 dias, prazo esse incompatível com o eventual dever da AT ter de notificar o interessado para juntar os documentos, caso o não tenha feito.

Como ensina o já citado Conselheiro Jorge Lopes de Sousa «a referência à instrução do pedido com a prova documental deverá ser entendida como proibindo a apresentação de prova documental em momento posterior, designadamente que no requerimento se peça prazo para a junção de documentos posteriormente, mas não a apresentação de outros meios de prova, nomeadamente testemunhal». [Obra citada, página 233]

Ademais, a recorrida não invoca/demonstra quaisquer motivos excepcionais que a tenham impedido de juntar com o pedido de dispensa de prestação da garantia os documentos comprovativos da verificação dos respectivos requisitos, nomeadamente a ausência de culpa na situação de inexistência/insuficiência de bens.
A sentença recorrida, a nosso ver, merece censura.».

1.4. Com dispensa de vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

A) Com base na certidão de dívida de fls. 5, em 17/07/2013, foi instaurada contra A…………, Ld.ª, a execução fiscal nº 0710201301032410, para cobrança da dívida proveniente de IRC e juros, no valor global de € 169.715,61 – fls. 4.

B) Através de requerimento apresentado no dia 5/08/2013, a executada/reclamante informou ter apresentado impugnação judicial contra as liquidações das dívidas exequendas e ofereceu em garantia os bens identificados no Mapa de Amortizações, cuja cópia juntou — fls. 9.

C) A coberto do ofício nº 2037, datado de 14/10/2013, a reclamante foi notificada de que o valor necessário para garantir a dívida nos processos nº 0710201301032410 e apensos é de 734.915,99€, sendo o valor atribuído aos bens oferecidos de 261.862,80€ e para, querendo, manter a oferta de bens imóveis e móveis para garantia da dívida exequenda, reforçar a garantia prestada no valor de 473.053,19€ - fls. 74.

D) Em resposta, a reclamante apresentou o requerimento de fls. 77 a 78, que se dá por integralmente reproduzido, informando ter oferecido todos os seus bens passíveis de penhora e que não possui quaisquer outros bens; mais alegou que qualquer diligência no sentido de serem penhorados créditos ou valores fará com que a empresa deixe de ter condições de laboração e, a final, requereu a isenção parcial de prestação de garantia.

E) Por despacho de 07/11/2013, de fls. 81 a 82, que se dá por reproduzido na sua íntegra, foi indeferida pretensão da reclamante com o fundamento de que «Não foi feita prova documental pelo que não se verifica o pressuposto essencial da ausência de responsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens, sendo que o ónus de prova recai sobre quem o invoque (nº 1 do art. 74º da LGT), nomeadamente a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens».

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação que a sociedade A………….., LDA, deduziu contra o acto de indeferimento do pedido de dispensa parcial de prestação de garantia com vista à suspensão de processo de execução fiscal. Tal indeferimento alicerçou-se na falta de prova, pela sociedade requerente, do pressuposto legal de ausência de responsabilidade sua na insuficiência ou inexistência de bens para prestação de garantia.

Na reclamação que deduziu contra esse acto de indeferimento, a reclamante pediu a respectiva anulação com fundamento em deficit instrutório, dando-lhe o tribunal razão com a seguinte fundamentação:

«Não há dúvidas de que o requerente do pedido de isenção, total ou parcial, da prestação de garantia tem o ónus da prova da verificação dos pressupostos de que depende tal isenção, por força do estatuído no Art. 74º, nº 1, da LGT, (…) e, mesmo que, por estarmos no domínio de um processo judicial tributário, se considerem aplicáveis as regras civis sobre matéria de ónus probatório, o Art. 342º, nº 1, do Código Civil, estatui em idêntico sentido.

Também é certo que o princípio do inquisitório é transversalmente aplicável a todo e qualquer procedimento, como se infere da letra do Art. 59º da LGT, à semelhança do princípio da colaboração recíproca entre a administração tributária e os contribuintes, em conformidade com o estatuído no Art. 59º da LGT. Tal como já acima se referiu, mesmo que seja de entender que, por estarmos no âmbito de um processo judicial tributário, apenas são aplicáveis as regras de processo (e não as de procedimento), os arts. 13º, nº 1 do CPPT e 7º do NCPC também consagram os deveres de inquisitório e de cooperação, donde que tais princípios são sempre de aplicar no domínio do processo de execução fiscal, mormente no que tange à isenção de prestação de garantia.

Naturalmente, a observância destes princípios do inquisitório e da colaboração/cooperação não podem implicar para a AT o dever de se substituir ao contribuinte, nomeadamente na realização da prova que, nos termos da lei, a ele compete efetuar, com a consequente inversão do ónus da prova – exceto quando os elementos de prova dos factos estejam na posse da AT, caso em que tal ónus se considera satisfeito se interessado tiver procedido à correta identificação de tais elementos (Art. 74º, nº 2, da LGT).

Ora, estes deveres que impendem simultaneamente sobre o contribuinte (ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga) e a AT (inquisitório e colaboração/cooperação) têm de ser adequadamente conjugados, nomeadamente e no mínimo, nos termos previstos no art. 48º, nº 1, do CPPT, segundo o qual «A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem». (…)

Assim, na situação vertente, o OEF devia ter convidado a requerente, ora reclamante, a apresentar prova do requisito da falta de culpa na insuficiência patrimonial, que entendeu necessário para a decisão a proferir, e não o tendo feito, incorreu em violação dos sobreditos princípios do inquisitório e da colaboração/cooperação. (…)

Ora, do controlo judicial a que a decisão aqui reclamada foi sujeita resulta que a mesma deve ser anulada, por violação dos princípios do inquisitório e da colaboração/cooperação…».

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública, sustentando, em suma, que o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela sociedade executada tinha de ser, por força da lei, instruído com os meios de prova dos factos que o sustentam, particularmente com a prova dos factos relativos à ausência de culpa na insuficiência de bens; prova essa que além de representar um ónus para a requerente, respeita a factos pessoais que estão fora do alcance da actividade inquisitória da administração tributária, sendo que nem a letra da lei nem a celeridade do procedimento permitem que esta dirija convites à requerente para produzir tal prova.

Importa, antes de mais, realçar que constitui ponto assente que o ónus de prova da verificação dos requisitos legais para a obtenção da dispensa (total ou parcial) de garantia incumbe à executada/requerente, inexistindo qualquer divergência nesta matéria, posto que na sentença recorrida também assim se julgou. Com efeito, perante o disposto no art. 74º, nº 1, da LGT, é inquestionável que é sobre a parte que pretende usar esse benefício, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições ou pressupostos legais de que ele depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

E a Recorrente também não dissente do entendimento, vertido na sentença, de que é sobre a administração tributária que impende o dever de, em sede probatória, fazer uso dos elementos que sejam do seu conhecimento, desde que os mesmos sejam expressamente apontados e identificados pelo requerente, nos termos definidos pelo art. 74º, nº 2, da LGT.

A única questão que a Recorrente coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se a sentença incorreu em erro na interpretação e aplicação do regime legal ínsito nos arts. 52º da LGT e 169º e 170º do CPPT, na medida em que julgou que no respectivo procedimento a administração tributária devia ter dirigido convite à requerente para apresentar prova da materialidade relativa à falta de responsabilidade na sua insuficiência patrimonial, em obediência aos princípios do inquisitório e da colaboração e cooperação entre a administração tributária e os contribuintes.

O pomo da discórdia situa-se, pois, não na questão do ónus probatório, mas na questão da instrução do procedimento, mais concretamente na amplitude dos deveres de inquisição e de colaboração e cooperação entre a administração tributária e a contribuinte.

Vejamos.

É incontroverso, face à norma contida no art. 170º nº 3 do CPPT, que o requerimento de dispensa de prestação de garantia tem de conter a exposição das razões de facto e de direito que o fundamentam e de ser acompanhado dos meios probatórios que o suportam, isto é, tem de ser feita a imediata apresentação dos meios de prova pelo requerente. Como se deixou salientado no acórdão proferido pelo STA em 19/12/2012, no processo nº 1298/12, «No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o nº 3 do artigo 170º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (…), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.».

Trata-se, indubitavelmente, de um princípio de preclusão procedimental dirigido ao executado que pretende obter a aplicação do benefício da dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, na medida em que define a fase ou o momento procedimental em que ele deve alegar os factos e apresentar os respectivos meios de prova, colaborando com a administração no sentido de evidenciar que se encontram preenchidos relativamente a si os pressupostos que a lei exige para a aplicação desse regime, sob pena de os mesmos não ficaram demonstrados e de ele perder, assim, a oportunidade de obter o benefício.

Princípio que acolhe interesses de eficiência, celeridade e economia procedimental, prevenindo o arrastamento de um procedimento que é da estrita iniciativa do interessado e que assume carácter célere e urgente, em que ao requerimento se segue imediatamente a decisão (no prazo de dez dias), não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de imediato em face das razões de facto e de direito invocadas no requerimento e da prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse. Na verdade, o curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda e do acrescido.

O que traduz uma opção legislativa perfeitamente razoável de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que não comporta, a nosso ver, um ónus desproporcionado, atenta a natureza e finalidade deste procedimento.

O indeferimento imediato do pedido por total ausência de requerimento probatório representa, no fundo, um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, na medida em que o requerente não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e na medida em que é ele quem está em melhores condições para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada. Para além de que não pode esquecer-se a reciprocidade do dever de colaboração que Lei Geral Tributária estabelece (art. 59º) e que exige também ao contribuinte que coopere activamente com a administração no sentido da descoberta da verdade, dever que não pode deixar de ser lido em conjugação com o princípio geral relativo ao ónus da prova: cabendo-lhe o ónus de invocar e demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos para ser dispensado da prestação de garantia, cabe-lhe o dever de apresentar os meios de prova que permitam dar por verificados esses requisitos, sob pena de a sua inércia probatória e de o non liquet que daí resulta ter de ser resolvido contra si.

O que não significa que a administração tributária não deva, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar-lhe esclarecimento de dúvidas e solicitar-lhe elementos de prova adicionais ou complementares. Todavia, tal dever deve ser interpretado em termos hábeis, pois a investigação oficiosa pressupõe, no mínimo, que tenham sido alegados factos e oferecidos meios de prova que não ditem o indeferimento liminar e imediato do pedido. Se o requerente omite completamente a apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou a dirigir convite ao requerente para apresentar a prova que ele completamente omitiu.

A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova num momento procedimental determinado, ficando a parte interessada negligentemente à espera do convite que a administração estaria obrigada fazer-lhe ou à espera do resultado das diligências probatórias que ela estaria obrigada a encetar oficiosamente e que, no âmbito de pedidos de dispensa de garantia, contendem até com factos pessoais que estão fora do alcance da actividade inquisitória da administração.

Deste modo, e visto que, em princípio, ao requerimento se segue a imediata decisão, é inquestionável que o legislador quis instituir um procedimento célere e urgente em que, salvo casos excepcionais, a prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia seja logo junta com o requerimento inicial sob pena de indeferimento imediato do pedido por falta de demonstração desses factos constitutivos. Todavia, pode e deve haver uma fase de instrução no caso de o requerente ter apresentado alguma prova; ou melhor, pode e deve existir uma actividade de averiguação por parte do órgão decisor com vista à determinação da verdade material que a prova apresentada pelo requerente pretende afirmar, pois tal proibição constituiria uma afronta ao princípio da investigação que informa o procedimento tributário (art. 58º da LGT) e que traduz o poder/dever que a administração tem de esclarecer autonomamente os factos sujeitos à sua apreciação, com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, só limitada pela existência de princípios como a da economia processual e da razoabilidade.

Porém, o exercício desses poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se para demonstrar os factos que invocou e cujo ónus probatório lhe assiste, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.

E existindo instrução e sendo aí colhidas informações e dados susceptíveis de infirmar os elementos documentais apresentados pelo requerente, este não pode deixar de ser deles notificado, atento o princípio do contraditório que igualmente informa e estrutura o procedimento tributário – art. 45º do CPPT – tendo o direito de, no exercício desse contraditório, juntar documentos que possam, por sua vez, debilitar ou derrubar os elementos colhidos pela administração, assim se temperando o aludido princípio da preclusão com os princípios do inquisitório, do contraditório e da imparcialidade.

A observância dos princípios do inquisitório e da cooperação não implicam, pois, para a administração, o dever de se substituir ao contribuinte na articulação dos factos e na apresentação da prova que, nos termos da lei, a este compete invocar e apresentar num procedimento célere da sua estrita iniciativa; todavia, tal não significa que a administração não deva, à luz desses princípios, empenhar-se em criar condições para poder vir a proferir uma decisão de mérito, convidando o requerente a aperfeiçoar as deficiências formais do requerimento, isto é, as suas imprecisões e inexactidões, de lhe solicitar o esclarecimento de dúvidas, de lhe pedir meios de prova complementares caso considere que o requerimento se encontra deficientemente instruído e que necessita de prova adicional para a comprovação de factos essenciais, bem como de colher oficiosamente dados e informações susceptíveis de confirmar ou infirmar os factos alegados e os elementos documentais apresentados pelo requerente. Mas, como se disse, o exercício destes poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.

Por conseguinte, o art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido. Já se for apresentada alguma prova com esse requerimento, o interessado poderá ainda apresentar outros elementos de prova caso a administração lhe solicite o esclarecimento de dúvidas ou meios de prova complementares ou adicionais ou, no caso de ocorrer instrução, de serem colhidos dados susceptíveis de infirmar os elementos documentais apresentados com o requerimento inicial. Para além disso, o dever de apresentação dos meios de prova juntamente com o requerimento inicial também claudicará no caso de a prova que o requerente pretende utilizar se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária, bastando então, para que deles se possa prevalecer, que o requerente os identifique no seu requerimento (art. 74º, nº 2, da LGT), ou se, por razões fundamentadas, for impossível juntar a prova dentro do prazo de apresentação daquele requerimento.

Sufraga-se, assim, mais uma vez, o entendimento expresso no acórdão desta Secção no aludido processo nº 1298/12 (em que a presente Relatora interveio como Adjunta), no sentido de que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, norma que obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelo requerente para prova dos factos constitutivos do direito que invoca sejam juntos logo com o requerimento em que solicita essa dispensa. Mas mais se acrescenta que a completa omissão de requerimento probatório pelo requerente não implica para a administração o dever de suprimento oficioso da lacuna, conduzindo, antes, ao indeferimento imediato do pedido. Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.

Entende-se ser esta a solução mais defensável do ponto de vista do regime jurídico do procedimento tributário, tendo em conta que cabe plenamente nos poderes/deveres da administração este tipo de diligência, de colher oficiosamente ou junto do contribuinte interessado (através de convite para a sua junção) a documentação adicional considerada essencial para a prova de um facto fundamental do núcleo complexo que integra a alegada causa de pedir da requerida dispensa de prestação de garantia. É precisamente nestes casos que os deveres que impendem simultaneamente sobre o contribuinte (ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga) e a administração tributária (deveres inquisitórios, de colaboração e, em última análise, de cooperação procedimental) têm de ser adequadamente conjugados, nomeadamente nos termos previstos no art. 48º, nº 1, do CPPT, segundo o qual «A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem».

Tal é o também entendimento que se nos afigura mais adequado à observância dos princípios da eficiência e economia procedimental, do inquisitório e da colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, bem como da justiça material, sendo que a urgência do procedimento não é incompatível com o convite para o requerente juntar, num prazo razoavelmente curto fixado pelo órgão administrativo decisor, os meios de prova julgados necessários face à factualidade alegada. Se até no processo judicial o juiz está legalmente obrigado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, colaborando activamente com as partes e convidando-as a carrear para o processo todos os documentos que considere essenciais [cfr. arts. 6º, 7º, e 590º, nºs 2 e 3) do actual CPC, e 114º do CPPT], por maioria de razão isso deve acontecer no procedimento tributário, sujeito a regras de simplicidade, celeridade e economia procedimental, traduzidas na prevalência de actuações desburocratizadas e nas quais prevalece o dever de investigação e de imparcialidade para o órgão decisor, que o obrigam a carrear (ou convidar a carrear) para o procedimento todos os elementos probatórios que se lhe afigurem necessários e úteis à descoberta da verdade material, mesmo que do ponto de vista estrito dos interesses patrimoniais da administração tributária isso lhe seja desfavorável.

É neste enquadramento legal e doutrinal que importa olhar para o caso em análise.

Como se viu, a sociedade executada ofereceu garantia que considerou idónea para obter a suspensão da execução fiscal, traduzida na oferta à penhora de todos os bens móveis e imóveis constantes do Mapa de Amortizações que juntou. Penhorados que foram todos esses bens, o órgão da execução notificou a executada de que o valor necessário para garantir a dívida e acrescido ascendia a € 734.915,99, enquanto o valor que ela atribuía aos bens penhorados ascendia apenas a € 261.862,80, pelo que deveria reforçar a garantia em € 473.053,19€.

Em resposta, a executada apresentou requerimento onde pede a dispensa de prestação de garantia para a restante quantia em cobrança, com o argumento de que os bens identificados no aludido Mapa de Amortizações por si apresentado constituíam todos os seus bens e que não possuía quaisquer outros a não ser créditos que a serem penhorados fariam com que a empresa deixasse de poder laborar, mais invocando que a insuficiência de todo esse seu património para solver os débitos fiscais não derivava de qualquer acção ou omissão sua.

O órgão da execução fiscal, apesar de não ter posto em causa a alegada inexistência de outros bens face ao teor do referido documento apresentado pela requerente (Mapa de Amortizações) nem ter posto em causa o alegado prejuízo irreparável para a sociedade da penhora dos créditos que ainda lhe restavam, indeferiu o pedido com o mero argumento por não ter sido junta prova documental «do pressuposto essencial da ausência de responsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens, sendo que o ónus de prova recai sobre quem o invoque (nº 1 do art. 74º da LGT), nomeadamente a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens».

Ora, aplicando a doutrina acima enunciada, e visto que não se pode dizer que a requerente tenha omitido por completo a indicação de elementos de prova com o pedido de dispensa parcial de garantia – pese embora eles não contemplem todos os factos alegados, constituindo, portanto, prova insuficiente para o fim em vista – cabia ao órgão decisor, nos seus deveres inquisitórios e de colaboração com a requerente, convidá-la a completar a prova apresentada, pela junção de documentação adicional para prova de facto considerado essencial para a requerida dispensa (falta de responsabilidade pela insuficiência dos bens apresentados como garantia e pela inexistência de outros bens), tendo em conta que tal pode ser rapidamente comprovado através de elementos extraídos da contabilidade da sociedade, evidenciadores do seu activo e do seu passivo ao longo dos últimos anos e demonstrativos de que não houve ocultação ou dissipação de património, que não houve desvio de rendimentos, que não houve empréstimos aos sócios ou remunerações excessivas, que não houve, enfim, uma actuação culposa na génese da actual insuficiência de bens.

Deve, por isso, concluir-se que o órgão administrativo decisor tinha o dever de convidar a sociedade requerente a apresentar meios adicionais de prova para demonstração cabal da factualidade alegada, e que não o tendo feito violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte.

Razão por que, com a presente fundamentação, se impõe manter a sentença recorrida.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença de anulação do acto reclamado.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 3 de Setembro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ana Paula Lobo - Ascensão Lopes.