Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01115/16
Data do Acordão:12/06/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO
INSOLVÊNCIA
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - O Tribunal Constitucional decidiu já em dois acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade «[j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário».
II - Embora desprovido de força obrigatória geral, o juízo de inconstitucionalidade formulado naqueles dois acórdãos, quer pela força dos seus argumentos, quer por provir do tribunal a que a ordem judiciária comete a competência específica para a apreciação das questões da constitucionalidade das normas, deve ser observado, tanto mais que a parte que dele discorde tem sempre ao seu dispor o recurso para o Tribunal Constitucional e o Ministério Público tem a obrigação de recorrer da decisão judicial que desaplique norma com fundamento em inconstitucionalidade.
Nº Convencional:JSTA00070441
Nº do Documento:SA22017120601115
Data de Entrada:10/07/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Área Temática 2:DIR FISC
Legislação Nacional:CIRE ART100.
CRP ART165 N1 I) ART204 ART281 ART103 N2.
LGT ART48 ART23.
CCIV66 ART8 N3 ART321.
Jurisprudência Nacional:AC TC N362/15 DE 2015/07/09.; AC TC N270/17 DE 2017/05/31.; AC STA PROC01225/12 DE 2012/12/05.; AC STA PROC0115/14 DE 2014/05/14.; AC STA PROC0119/14 DE 2014/06/18.; AC STA PROC01402/14 DE 2016/01/13.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 640/14.8BEBRG

1.1 O Representante da Fazenda Pública (doravante Recorrente) junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida naquele Tribunal que, julgando procedente a oposição deduzida por A………. (adiante Executado, Oponente ou Recorrido), julgou extinta por prescrição (quanto a ele) a execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 1999 a 2004, reverteu contra ele, na qualidade de responsável subsidiário.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A. Por douta sentença, datada de 06.06.2016, o tribunal a quo julgou procedente a Oposição à execução, por prescrição das dívidas tributárias e, em consequência, extinguiu o processo executivo.

B. Para fundamentação da douta sentença fez constar o seguinte: “(…) Seguindo a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a declaração de insolvência da devedora originária, não constitui facto interruptivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário. Pronunciou-se a este propósito o Tribunal Constitucional em 9 de Julho de 2015, e concluiu que:
Neste contexto, o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, proferido no Processo n.º 760/14, em 9.07.2015, disponível em www.tribunalconstitucional.pt (itálico [(Ver nota anterior.)] conforme original).
Assim sufragando a posição adoptada pelo Tribunal Constitucional no acórdão referido, com a declaração de insolvência da devedora originária, o prazo de prescrição que se encontrava a correr das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário, não padeceu de causa de nenhuma causa de suspensão. (sic)
Em suma, da análise ora levada a cabo, resulta que os prazos de prescrição (...), não sofreram de causas de interrupção ou de suspensão, que causassem “entorses” ao normal correr do prazo. (...)
Por tudo o que se expôs, conclui-se que as dívidas relativas a IVA dos anos de 1999 a 2004, que reverteram contra o Oponente, se encontram prescritas, por decurso do prazo prescricional de oito anos, previsto no art. 48.º n.º 1 da LGT (...)”

C. A Fazenda Pública não se pode conformar com a douta decisão do tribunal a quo que entendeu não aplicar o artigo 100.º do CIRE como causa suspensiva da prescrição, imputável ao devedor subsidiário.

D. Discorda a Fazenda Pública desta decisão, porquanto, com o devido respeito, o TC não decidiu que a declaração de insolvência da devedora originária não constitui facto suspensivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário.

E. A decisão do TC consubstanciou-se no seguinte: “(...) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário; (...)”

F. Foi esta a decisão proferida pelo TC e não outra, contrariamente ao que defende o tribunal a quo.

6. Esta decisão constitucional foi proferida num processo em concreto, na sequência de um conjunto de alegações específicas, só produzindo efeitos nesse mesmo processo, carecendo de força obrigatória geral.

H. E o douto tribunal a quo aplica-a como se a mesma tivesse força obrigatória geral, comportamento com o qual a Fazenda Pública não se pode conformar.

I. Tanto assim é que, da leitura da p.i. de Oposição à execução fiscal depreende-se que o oponente, aqui recorrido, pelo menos em termos abstractos, conhece e reconhece o efeito suspensivo da prescrição decorrente da declaração de insolvência da devedora originária, nos termos preceituados no artigo 100.º do CIRE.

J. Em momento algum, o recorrido, alegou a inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE, a sua não aplicação ou não extensão dos seus efeitos relativamente a si enquanto devedor subsidiário.

K. O recorrido admite e reconhece que a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição. Somente defende que, in casu, tal suspensão não seria aplicável porque inexistiu a avocação do PEF ao processo de insolvência.

L. E a este respeito, a sentença recorrida nada diz. Limita-se a, sem mais, desconsiderar o artigo 100.º do CIRE no cômputo do prazo de prescrição, com fundamento na conclusão de que a declaração de insolvência não constitui causa suspensiva da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário, afirmando sufragar a posição assumida pelo TC no Acórdão n.º 362/2015, de 09.07.2015.

M. Mas inexiste decisão do TC, com força obrigatória geral, que declare a inconstitucionalidade orgânica do artigo 100.º do CIRE.

N. Ao desconsiderar a declaração de insolvência da devedora originária como causa suspensiva da prescrição, extensível ao devedor subsidiário, declarando, em consequência, a prescrição das dívidas tributárias e a extinção do processo executivo, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos artigos 100.º do CIRE, 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 321.º, n.º 1 do Código Civil (C. Civil).

O. No Acórdão n.º 362/2015, de 09.07.2015, no qual o tribunal a quo sufraga a sua sentença, o TC decidiu julgar a inconstitucionalidade orgânica do artigo 100.º do CIRE quando interpretado no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.

P. O artigo 100.º do CIRE dispõe: “A sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo” (realce nosso).

Q. Este normativo não contende com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos artigos 48.º e 49.º da LGT, porquanto, não é especificamente dirigido às dívidas tributárias, antes, abrange todos os credores, tendo em vista a melhor satisfação possível dos seus créditos, constituindo este o objectivo precípuo do processo de insolvência.

R. Esta norma legal não configura nenhum regime inovatório. Constitui corolário de um princípio geral segundo o qual a prescrição se suspende durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito. É o que resulta do artigo 321.º, n.º 1 do C. Civil.

S. Tal princípio geral vale também no direito tributário. Encontrando-se o titular do direito impossibilitado de lançar mão da execução fiscal, entender-se que contra ele correriam os prazos de prescrição seria uma solução adversa aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé.

T. Por isso, tal como sucedeu na situação tratada no Acórdão do TC n.º 280/2010, “nenhum motivo existe também aqui para uma intervenção parlamentar, quando o que está em causa é igualmente a definição de uma solução jurídica exigida pela própria lógica do regime de insolvência e que se encontra justificada à luz de um princípio geral de direito (artigo 321.º, n. º 1, do Código Civil”. Vide, neste sentido, Acórdãos do STA de 05.12.2012, proferido no âmbito do processo n.º 01225/12 e de 18.06.2014, proferido no âmbito do processo n.º 0119/14.

U. O artigo 100.º do CIRE não visa directa e imediatamente os créditos tributários, antes se caracteriza como uma solução própria do processo de insolvência, razão pela qual, não interfere com matéria garantística de reserva de lei fiscal prevista no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

V. Neste sentido se pronunciou o próprio TC na decisão na qual a sentença a quo se sufraga, onde escreve: “(...) Ponto é que a disciplina do artigo 100.º do CIRE não visa directa e imediatamente os créditos tributários, mas a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo carácter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hierarquia dos respectivos créditos. Nessa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador, não se relacionando com a função garantística da reserva de lei fiscal. A suspensão de prazos em apreço é inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua eventual exclusão redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público. (…)”

W. Naquele aresto, é o próprio TC que admite que o artigo 100.º do CIRE não contende com a matéria de “garantia dos contribuintes”.

X. Solução que a Fazenda Pública subscreve na íntegra. Até porque, solução inversa conduziria à seguinte conclusão: a declaração de insolvência da devedora originária constitui causa suspensiva da prescrição das dívidas tributárias, não contendendo com matéria garantística de reserva de lei fiscal quando imputável ao devedor originário; mas tal causa suspensiva já contende com matéria de “garantia dos contribuintes” quando imputável ao devedor subsidiário.

Y. Conclusão que não teria qualquer coerência jurídica, principalmente, porque, não nos parece que a natureza de matéria de “garantia dos contribuintes” varie consoante o tipo de sujeito passivo seja ele o contribuinte directo, substituto ou responsável. Cfr. artigo 18.º, n.º 3 da LGT.

Z. Esclarecida esta posição, o TC – atento o facto de a suspensão decorrente do artigo 100.º do CIRE não impedir a Administração fiscal de efectivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal – escreve: “(...) Justifica-se, por conseguinte, uma apreciação diferenciada da norma do artigo 100.º do CIRE quando da mesma se façam decorrer efeitos imediatos que afectem outros sujeitos que não os credores da insolvência e o devedor insolvente, como é o caso de um responsável subsidiário nos termos da legislação fiscal. A questão a equacionar à luz da interpretação daquele normativo feita na decisão recorrida – e que neste processo de fiscalização concreta constitui um dado – é, assim, a dos efeitos que podem advir da declaração de insolvência para tal responsável subsidiário pelo pagamento da dívida fiscal do devedor insolvente. (...)” (realce nosso).

AA. É nesta apreciação diferenciada do artigo 100.º do CIRE que o TC acaba por concluir:
“(...) Embora o artigo 100.º do CIRE não contenha, no seu teor literal, disciplina especialmente dirigida às dívidas tributárias, o certo é que a interpretação com que o mesmo foi aplicado no presente caso ao recorrente pressupõe que o mesmo preceito preveja uma causa de suspensão da prescrição em virtude da declaração de insolvência, adicional àquelas que se encontram previstas na LGT. E essa nova causa de suspensão teve repercussão directa no prazo de prescrição invocável pelo recorrente na qualidade de responsável subsidiário. Assim, embora não traduzindo uma modificação do regime geral da prescrição, a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE acolhida pelo tribunal a quo originou necessariamente, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo, não decorrente do regime geral aplicável nem de qualquer outra norma produzida ou autorizada pela Assembleia da República, enquanto órgão constitucionalmente habilitado a legislar nesta matéria. Por isso, conclui-se sem margem para dúvidas que tal interpretação contende com matéria integrada nas garantias dos contribuintes, para os efeitos do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição. (...)” (sublinhado nosso)

BB. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com esta conclusão e com a sentença que a sufraga aqui objecto de recurso.

CC. Para a Fazenda Pública o que está em causa nos presentes autos não é a interpretação do artigo 100.º do CIRE enquanto norma da qual, como entende o TC, advém uma causa de suspensão da prescrição adicional àquelas que se encontram previstas na LGT.

DD. Não é a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE que origina, como entende o TC, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo.

EE. Aliás, inexiste uma causa de suspensão adicional às previstas na LGT.

FF. No caso em concreto, existe, tão-só, uma causa de suspensão da prescrição: a declaração de insolvência da sociedade devedora originária prevista no artigo 100.º do CIRE, normativo integrado no Título IV, Capítulo III, respeitante aos efeitos da declaração de insolvência sobre os créditos.

GG. A declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição dos créditos, no que ao caso releva, dos créditos tributários.

HH. Com a declaração de insolvência da devedora originária, o único efeito que ocorreu, em cumprimento do artigo 100.º do CIRE, foi a suspensão da prescrição dos créditos tributários relativos a IVA de 1999 a 2004.

II. A extensão desse efeito ao devedor subsidiário, aqui recorrido, não resulta da interpretação do artigo 100.º do CIRE, contrariamente ao entendido pelo TC e pelo tribunal a quo.

JJ. O aproveitamento desse efeito quanto ao devedor subsidiário, aqui recorrido, decorre da aplicação do artigo 48,º n.º 2 da LGT que estipula: “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.”, e não de qualquer interpretação do artigo 100.º do CIRE.

KK. Contrariamente à decisão a quo, o artigo 100.º do CIRE apenas produz efeitos quanto aos créditos tributários, cujo prazo de prescrição se suspende aquando da declaração de insolvência. É este o único efeito decorrente deste normativo legal.

LL. A extensão de tal causa de suspensão ao devedor subsidiário, aqui recorrente, não resulta de qualquer interpretação do artigo 100.º do CIRE, mas apenas da aplicação do artigo 48.º, n.º 2 da LGT.

MM. A declaração de insolvência é causa suspensiva da prescrição dos créditos tributários, nos termos do artigo 100.º do CIRE.

NN. A oponibilidade dessa causa de suspensão da prescrição ao devedor subsidiário decorre, não do artigo 100.º do CIRE, mas, do artigo 48.º, n.º 2 da LGT.

OO. Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que aplique o artigo 100.º do CIRE, enquanto causa suspensiva da prescrição, aproveitando tal causa ao devedor subsidiário, por aplicação do artigo 48,º n.º 2 da LGT, e, em consequência, declarar-se a não prescrição das dívidas tributárias que reverteram contra o recorrido, com as devidas consequências legais.

Como sempre farão V Excelências a acostumada JUSTIÇA».

1.3 O Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«1. A douta sentença em mérito não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deverá ser mantida na íntegra.

2. A decisão proferida, que julgou procedente a oposição à execução por prescrição da dívida tributária, fez uma correcta interpretação e aplicação do direito e das normas legais.

3. Não assiste qualquer razão à Recorrente na argumentação que apresenta.

4. A dívida exequenda encontra-se prescrita, uma vez que, entre a data da exigibilidade do imposto em mérito e a data de citação do Oponente, decorreram mais de oito anos.

5. Não ocorreu qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição, pelo que deve declarar-se prescrita a dívida exequenda.

6. A prescrição das dívidas tributárias constitui matéria de conhecimento oficioso.

7. A inconstitucionalidade orgânica do artigo 100.º do CIRE tem de ser declarada e aplicada em qualquer processo, ou seja, sempre que estivermos perante uma situação de reversão e a devedora originária tenha sido declarada insolvente (verificando-se, é certo, os demais requisitos legais, como o decurso do prazo prescricional!).

8. O juízo de inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE não se aplica apenas, como quer fazer crer o Recorrente, a um determinado caso concreto, mas sim a todos os casos onde a aplicação – inconstitucional – do artigo tiver lugar.

9. Em suma, não é permitida, em qualquer situação, a interpretação do artigo 100.º do CIRE, no sentido de considerar que a declaração de insolvência da devedora originária é causa suspensiva de prescrição em relação ao devedor subsidiário.

10. Pelo exposto, deve o Recurso apresentado ser julgado improcedente.

Termos em que, declarando improcedente o Recurso farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«1. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, proferido em 9 Julho 2015 decidiu julgar inconstitucional, por violação do art. 165.º n.º 1 alínea i) da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
Síntese da fundamentação:
- a norma cuja constitucionalidade foi apreciada introduz causa inovatória de suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias (não contemplada na lei geral), matéria inscrita no perímetro das garantias dos contribuintes (art. 49.º n.ºs 4/5 LGT);
- a introdução de nova causa de suspensão do prazo de prescrição não está contemplada no elenco das matérias sobre as quais a Assembleia da República conferiu autorização legislativa ao Governo para legislar, no domínio do Código da Insolvência e da Recuperação e Empresas, nem nas disposições subsequentes que definem o sentido e extensão da autorização conferida (art. 1.º n.ºs 3 e 5 Lei n.º 9/2003, 22 Agosto);
- em consequência, a norma inovatória, regulando matéria não abrangida no sentido e extensão da norma de autorização legislativa, viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165.º n.º 1 al. i) CRP).
Embora desprovido de força obrigatória geral, o juízo de inconstitucionalidade formulado no citado acórdão é relevante no caso concreto, pela convincência da fundamentação subjacente, aliada à especial autoridade do Tribunal Constitucional sobre questões de constitucionalidade.

2. Neste contexto, da inaplicação da norma inquinada de inconstitucionalidade resulta a prescrição das obrigações tributárias exequendas, pela conjugação das seguintes premissas:
- início dos prazos de prescrição das dívidas tributárias emergentes de IVA (anos 1999 a 2004) em 1 Janeiro 2000, 1 Janeiro 2001, 1 Janeiro 2002, 1 Janeiro 2003, 1 Janeiro 2004 e 1 Janeiro 2005, respectivamente (art. 48.º n.º 1 LGT redacção da Lei n.º 55-B/2004, 30 Dezembro);
- citação do responsável subsidiário em 31.01.2014, após o 5.º ano posterior ao das liquidações (factos provados n.ºs 3/4);
- ineficácia de eventual interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal (não comprovada no caso concreto) quanto ao responsável subsidiário (art. 48.º n.º 3 LGT);
- decurso do prazo normal de prescrição (8 anos) entre o início dos prazos de prescrição e a citação do responsável subsidiário em 31.01.2014, configurada como causa abstracta de interrupção do prazo de prescrição (factos provados n.º 4; art. 49.º n.º 1 LGT)».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando, recusando a aplicação da suspensão do prazo prescricional ao abrigo do art. 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) relativamente ao responsável subsidiário, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica dessa norma legal se interpretada no sentido de permitir essa aplicação, tudo nos termos da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão com o n.º 362/2015, declarou (no que se refere ao ora Recorrido) a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas, provenientes de IVA dos anos de 1999 a 2004, motivo por que julgou procedente a oposição à execução fiscal.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. Por ofício n.º 2713, o Oponente foi notificado do projecto do despacho de reversão e para no prazo de 15 dias exercer o direito de resposta. (cfr. fls. 103 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso)

2. Em 13.11.2013, o Oponente deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Verde, de articulado de resposta, no qual requereu que a reversão não fosse ordenada. (cfr. fls. 104 a 107 do PEF)

3. Em 13.01.2014, o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Verde, exarou despacho de reversão, que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, e que em parte se transcreve:
“(...)
13. O responsável subsidiário invocou a prescrição das dívidas, que integram os presentes autos, fazendo referência ao preceituado no n.º 3 do artigo 48.º da LGT, uma vez que a citação dos revertidos ocorreu após o 5.º ano posterior ao das liquidações, que ocorreram no período de 2000 a 2004;
(…)
16. Conforme foi referido no ponto 2, a executada fui declarada insolvente, por sentença de 2006-02-24, sendo que, de harmonia com o Código de Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE), no seu art. 100.º, “A sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e da caducidade oponíveis pelo devedor; durante o decurso do processo”.
17. Deste modo, o prazo de prescrição, dos presentes autos de execução fiscal, encontra-se suspenso desde 2006-02-24, não existindo, por isso, dívidas prescritas, quer quanto ao devedor principal, quer quanto aos responsáveis subsidiários;
18. Quanto ao fundamento da falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, importa referir que, de acordo com o artigo 45.º da LGT, o direito a liquidar tributos caduca, em regra, no prazo de 4 anos, consistindo a liquidação no acto de apurar o imposto devido;
19. As dívidas tributárias que integram os presentes processos de execução fiscal dizem respeito a IVA dos seguintes períodos:

N.º Processo
Proveniência
Período da
Tributação
Meios de Liquidação
Data da Liquidação
Valor do
Imposto
0469200001009435
IVA
1999/12T
Declaração Periódica
27.05.2000
16.580.59
0469200101004409
IVA
2000/12
Declaração Periódica
29.05.2001
5.593,26
0469200101004654
IVA
2001/01
Declaração Periódica
19.06.2001
6.396.94
0169200101002562
IVA
2001/05
Declaração Periódica
24.02.2002
7,627,18
0469200301004930
IVA
2002/04
Declaração Periódica
04.10.2003
7.646.85
0469200301501461
IVA
2002/08
Declaração Periódica
13.12.2003
6.104.14
0469200301510720
IVA
2003/02
Declaração Periódica
20.12.2003
10.83 7,43
0469200401004662
IVA
2003/05
Declaração Periódica
24.07.2004
9.057,62
0469200401004786
IVA
2003/06
Declaração Periódica
17.04.2004
8.788,28
0469200101010751
IVA
2004/05
Declaração Periódica
24.04.2004
8.233,44
Juros Comp.
2003/10
Declaração Periódica
17.04.2004
93.08
Juros Comp.
2003/11
Declaração Periódica
24.04.2004
46,15
0469200401011073
IVA
2004/06
Declaração Periódica
28.08.2004
6.318,10
0469200401011170
IVA
2004/02
Declaração Periódica
05.06.2004
8.186,61
0469200401016199
IVA
2004/07
Declaração Periódica
16.10.2004
6.773,87

20. Importa referir que o apuramento do IVA é feito aquando da submissão das declarações periódicas de IVA, momento no qual se considera liquidado/autoliquidado o imposto;
(...)
23. Assim sendo, os impostos em dívida foram liquidados/autoliquidados pela própria executada, consequentemente com conhecimento dos gerentes desta, e validamente notificados, nos termos exigidos por lei, dentro do prazo referido no ponto 18;
(…)
26. O responsável subsidiário A……….. assume o exercício da gerência da executada, contudo, alega falta de culpa ou responsabilidade pela insuficiência ou inexistência de património para pagamento das dívidas tributárias;
27. Refere ainda que a partir do momento em que foi proferida declaração de insolvência da sociedade executada (2006-02-22), deixou de ter qualquer legitimidade para praticar actos em nome da mesma;
28. A presente reversão assenta no pressuposto previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, sendo os gerentes responsabilizados, subsidiariamente, pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento;
29. Os prazos limite para pagamento voluntário das dívidas que integram os presentes processos de execução fiscal respeitam ao período de 2000-02-14 a 2004-11-10;
30. Assim, verifica-se que o referido contribuinte era gerente da executada à data do terminus do prazo legal de pagamento, tendo deixado de exercer a gerência de facto em data posterior;
(…)
32. No entanto, da consulta aos elementos juntos aos autos, verifica-se a existência de documentos assinados, na qualidade de gerente da executada, pela mesmo, nomeadamente, a fotocópia de um cheque bancário da sociedade, à ordem da DGT (Direcção Geral do Tesouro), com data de 2005-03-31;
33. Pelos factos expostos, considerando que os contribuintes referidos no ponto 8 da presente notificação, foram os gerentes da executada, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial e dos elementos juntos aos autos, e verificados os pressupostos previstos na alínea b) do artigo 24.º da LGT e na alínea b) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT, prossiga a reversão da execução contra os gerentes identificados (…)” (cfr. fls. 125 a 128 do PEF).

4. Por carta registada com aviso de recepção assinado em 31.01.2014, foi o Oponente citado no processo de execução fiscal n.º 0469200001009435, com o teor que se transcreve:
“OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÃO
Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO, nos termos do artigo 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da citação, PAGAR a quantia exequenda de 108.283.54 EUR de que era devedor(a) o(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do n.º 5 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
(…)
IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
B……….. LDA INSOLVENTE
LUG. DE FAIAL
4730-…….. VILA DE PRADA NIF/NIPC: ………
(...)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por
Não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24.º/n.º1/b) LGT)
(…)
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
N.º PROCESSO PRINCIPAL: 0496200001009435
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 108.283,54 EUR
1) TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00 EUR
TOTAL: 108.283,54 EUR
(cfr. fls. 133 a 135 do PEF)

5. Por sentença datada de 24.02.2006, proferida no Proc. n.º 122/06.4TBVVD, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal da Comarca de Vila Verde, foi declarada a insolvência da devedora originária “B………… Lda.”, publicada na II série do Diário da República n.º, de 16.03.2006. (cfr. fls. 89 do PEF)

6. Em 30.07.2013, foi encerrado o processo de insolvência n.º 122/06.4TBVVD, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Verde, no qual figurava como insolvente a devedora originária. (cfr. fls. 90 do PEF)

7. A presente Oposição deu entrada no Serviço de Vila Verde, em 03.03.2014. (cfr. fls. 5 do suporte físico)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrente, na qualidade de executado por reversão, deduziu oposição à execução fiscal, invocando, para além do mais, a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas, provenientes de IVA dos anos de 1999 a 2004.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a oposição procedente com fundamento na prescrição, baseando-se na argumentação que resumimos nos seguintes termos:

· o prazo de prescrição aplicável é o de 8 anos, previsto no art. 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), motivo por que, mesmo considerando a dívida mais recente (IVA de 2004), com início do prazo prescricional em 1 de Janeiro de 2005, o termo do prazo ocorreria em 31 de Dezembro de 2013;

· a citação do Oponente, ora Recorrido, apenas aconteceu em 31 de Janeiro de 2014, ou seja, para além do termo do prazo da prescrição;

· eventuais causas de interrupção que respeitem ao devedor originário não relevam quanto ao Oponente, ora Recorrido, enquanto responsável subsidiário, atento o disposto no n.º 3 do art. 48.º da LGT e porque a citação dele ocorreu mais de 5 anos após a liquidação;

· a suspensão do prazo prescricional invocada pela Fazenda Pública ao abrigo do art. 100.º do CIRE, entre 22 de Fevereiro de 2006 e 30 de Julho de 2013, datas em que, respectivamente, foi declarada a insolvência da sociedade originária devedora e foi declarado encerrado o processo de insolvência, não pode valer relativamente ao devedor subsidiário, porque a referida norma legal, «interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário» foi declarada inconstitucional, por violação do art. 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015 (Acórdão proferido no processo n.º 760/14 e disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150362.html.), entendimento que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sufraga.

A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença. A sua discordância com a sentença é relativamente ao entendimento que nesta foi adoptado, de que não se suspendeu o prazo prescricional relativamente ao Oponente, enquanto responsável subsidiário, desde a prolação da sentença que decretou a insolvência da sociedade originária devedora até ao termo do respectivo processo.
Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, a Recorrente essa discordância assenta em quatro vectores:
- primeiro, o Tribunal Constitucional «não decidiu que a declaração de insolvência da devedora originária não constitui facto suspensivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário», mas decidiu «(…) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário; (…)»;
- segundo, inexiste declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional naquele sentido com força obrigatória geral, não podendo a sentença proceder como se a houvesse, uma vez que o acórdão do Tribunal Constitucional em que alicerçou a decisão só produz efeitos no processo em que foi proferido;
- terceiro, o Oponente «em momento algum alegou a inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE, a sua não aplicação ou não extensão dos seus efeitos relativamente a si enquanto devedor subsidiário» e, ao invés, «admite e reconhece que a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição», defendendo apenas que «in casu, tal suspensão não seria aplicável porque inexistiu a avocação do PEF ao processo de insolvência»;
- quarto, ao contrário do que entendeu o Tribunal Constitucional, o art. 100.º do CIRE o regime não contende com o regime de prescrição das dívidas tributárias e limita-se a abrigar o princípio geral, consagrado no n.º 1 do art. 321.º do Código Civil (CC), de que o prazo de prescrição se suspende enquanto o credor estiver impedido de exercer o seu direito, e «não interfere com matéria garantística de reserva de lei fiscal prevista no art. 103.º, n.º 2, da CRP», sendo que no caso a oponibilidade da causa de suspensão resultante da declaração de insolvência da sociedade originária devedora não resulta do art. 100.º do CIRE, nem de qualquer interpretação do mesmo, mas da aplicação do n.º 2 do art. 48.º da LGT.
Daí que a questão a apreciar e decidir no presente recurso seja a que enunciámos em 1.6.

2.2.2 DA PRESCRIÇÃO

Como bem decidiu a sentença e concorda o Recorrente, o prazo de prescrição aplicável à situação sub judice é o do art. 48.º, n.º 1, da LGT. Na verdade, todos os factos tributários ocorreram após a entrada em vigor da LGT, que ocorreu em 1 de Janeiro de 1999, nos termos do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que a aprovou. Ou seja, é o prazo de 8 anos, a contar a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário, nos termos do mesmo preceito, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Assim, como bem ficou dito na sentença, na ausência de causas de interrupção e de suspensão, o termo do prazo ocorreria, para a dívida mais recente (IVA de Julho de 2004), em 31 de Dezembro de 2013.
Porque o Oponente, ora Recorrido, só foi citado em 31 de Janeiro de 2014, temos de concluir, com a sentença, que a menos que tenha ocorrido facto interruptivo ou suspensivo do prazo, se deve considerar verificada a prescrição relativamente a ele Oponente.
A sentença, no âmbito da averiguação de eventuais causas de interrupção ou de suspensão do prazo prescricional, entendeu que apenas havia a ponderar – e, na verdade, o processo não nos dá conta de quaisquer outros factos que importe ter em conta nessa averiguação – a eventual suspensão por força do disposto no art. 100.º do CIRE, norma legal que dispõe: «A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo».
Está comprovado que a sociedade originária devedora foi declarada insolvente por sentença de 24 de Fevereiro de 2006 e que o respectivo processo foi declarado encerrado em 30 de Julho de 2103 (cfr. factos provados sob os n.ºs 5 e 6).
No entanto, tendo em conta aquele que foi o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015, em situação de facto em tudo idêntica à dos autos, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, subscrevendo esse entendimento, concluiu que a declaração de insolvência da sociedade originária devedora, no que se refere ao Oponente, que foi chamado à execução fiscal como responsável subsidiário, não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição.
Isto porque o Tribunal Constitucional naquele aresto decidiu «[j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário».
A Recorrente tem razão quanto ao âmbito desta decisão, mas daí não resulta que tenha razão no recurso.
Desde logo, é certo que a referida decisão não tem força obrigatória geral – porque se trata de decisão sobre a questão da constitucionalidade proferida em julgamento do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta, só tem força obrigatória dentro do processo em que foi proferida –, mas não foi com esse fundamento que a sentença aplicou a doutrina constante do acórdão, mas com o fundamento de que seguia, sufragando-a, a posição nele adoptada.
Ora, nada obsta e, pelo contrário, até será aconselhável (cfr. art. 8.º, n.º 3, do CC) que os tribunais tributários, ao proferirem as decisões que lhes competem, tenham em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, como é sabido, é o tribunal a quem, a CRP cometeu competência específica de «administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (cfr. art. 221.º).
É certo também que nunca o Oponente invocou que enfermava de inconstitucionalidade a norma que permitia a suspensão quanto a ele do prazo prescricional por força do efeito suspensivo decorrente da declaração de insolvência da sociedade originária devedora, ou seja, a inconstitucionalidade do art. 100.º do CIRE com essa interpretação.
No entanto, a inconstitucionalidade deve ser apreciada por todos os tribunais, que todos têm a obrigação de não aplicar as normas sobre as quais façam um juízo de violação da Constituição ou dos princípios nela consignados (art. 204.º da CRP). Ou seja, o juiz tem o poder-dever de “desaplicar” a norma que entenda ser inconstitucional (aplicando, então, o direito que remanesça como se a norma desaplicada não existisse), ficando reservado ao Tribunal Constitucional “declarar” a norma inconstitucional. Em sede de constitucionalidade, a actividade do Tribunal circunscreve-se à fiscalização concreta, só lhe cumprindo formular juízo de inconstitucionalidade de norma cuja aplicação ao caso concreto deva recusar, já que a fiscalização abstracta compete em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr. art. 281.º da CRP).
Por outro lado, as questões respeitantes a violação de princípios e parâmetros constitucionais devem ser obrigatoriamente conhecidas pelo juiz independentemente de terem ou não sido suscitadas.
Assim, não vemos como o facto de a questão da inconstitucionalidade não ter sido invocada pelo Oponente possa constituir óbice à sua apreciação pelo tribunal.
Finalmente, quanto à substância da questão da inconstitucionalidade, a Recorrente manifesta profundo desacordo com a tese subscrita pelo Tribunal Constitucional, manifestando a sua preferência pela doutrina que anteriormente vinha a ser adoptada por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Referimo-nos aos seguintes acórdãos:
- de 5 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 1225/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f3467c6e03d4f56980257ad7003772fe;
- de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 115/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/be79618f1c41a05380257cfb003d54b5;
- de 18 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 119/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/12f9fb613c5247ee80257d1e0033ec76.).
Acontece, no entanto, que essa doutrina, expressamente considerada pelo Tribunal Constitucional, foi por ele rebatida e rechaçada no acórdão citado pela sentença.
Se é certo que essa declaração de inconstitucionalidade não tem força obrigatória geral, a verdade é que o Tribunal Constitucional reafirmou o seu entendimento no acórdão n.º 270/2017, de 31 Maio de 2017 (Acórdão proferido no processo n.º 894/16 e disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170270.html.).
Em síntese (Com interesse, o comentário sobre o acórdão n.º 362/2015 do Tribunal Constitucional, de MICAELA AFONSO e ISABEL SOUSA CASTRO (http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=57), cuja exposição, nalgumas passagens, acompanharemos.), o Tribunal Constitucional não acolheu os argumentos que o Supremo Tribunal Administrativo tinha esgrimido, no sentido de que o disposto no art. 100.º do CIRE é uma emanação do princípio geral consagrado no art. 321.º do CC – de que deve suspender-se o prazo prescricional pelo período por que o credor está impedido de exercer o seu direito de crédito –, motivo por que não constitui uma nova causa de suspensão do prazo, e nem sequer visa directa e imediatamente os créditos tributários, mas a generalidade dos créditos, surgindo como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência, motivo por que não fica sujeito às exigências constitucionais de reserva de competência relativas às garantias dos contribuintes [cfr. arts. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].
O Tribunal Constitucional pôs a tónica do facto de se estar perante um responsável pela dívida tributária a título subsidiário e que não é parte do processo de insolvência do devedor originário. Salientou igualmente que a suspensão decorrente do art. 100.º do CIRE não impede a AT de efectivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, com fundamento na “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal” (art. 23.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), contra o devedor subsidiário, ainda que a execução contra este devedor subsidiário não possa prosseguir sem que se mostre excutido o património do devedor originário. No entanto, o facto de ser projectada a reversão da dívida do devedor originário para o responsável subsidiário ainda antes da excussão do património do devedor originário permite àquele tomar consciência da clara possibilidade de vir a ser responsabilizado pelo pagamento da dívida que não for paga pelo devedor principal e de, assim, dar início à organização da sua defesa.
Entendeu, assim, o Tribunal Constitucional que o art. 100.º do CIRE tem que ser interpretado de forma diferenciada, quando do mesmo decorram efeitos imediatos que afectem outros sujeitos que não o insolvente/devedor originário e os credores da insolvência, como é o caso do devedor subsidiário nos termos da legislação fiscal, que não foi declarado insolvente, pelo que considera não poder aplicar-se a argumentação aduzida pelo Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à suspensão do prazo prescricional poder resultar do princípio contido no art. 321.º do CC.
Depois, o Tribunal Constitucional, considerando que as causas de interrupção do prazo de prescrição se situam no âmbito das garantias dos contribuintes para os fins previstos no art. 103.º, n.º 2, da CRP, subscreveu o entendimento de que, «embora não traduzindo uma modificação do regime geral da prescrição, a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE acolhida pelo Tribunal a quo originou necessariamente, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo, não decorrente do regime geral aplicável, nem de outra norma produzida ou autorizada pela Assembleia da República […]».
Com base nesse entendimento, concluiu que o Governo não estava autorizado a criar essa nova causa de suspensão, pois da Lei de Autorização n.º 39/2003, de 22 de Agosto, maxime do n.º 2 e das alíneas a), b) e h) do n.º 3 do seu art. 1.º, nada se retira quanto à matéria relativa às consequências decorrentes do processo especial de insolvência para o Estado, nem quanto à matéria da prescrição de dívidas fiscais, motivo por que o Governo carecia de autorização parlamentar para legislar sobre aquela matéria (cfr. art. 165.º, n.º 2, da CRP).
Em suma, o Tribunal Constitucional utilizou uma nova perspectiva na análise da questão: «o problema era o de saber se a aplicação do art. 100.º do CIRE ao cômputo da prescrição invocável pelo responsável subsidiário do contribuinte directo cuja insolvência é declarada contende com o regime da respectiva prescrição tributária e, consequentemente, com o regime das suas garantias enquanto contribuinte». Sob essa perspectiva e atendendo às opções de que dispõe a AT, nomeadamente a reversão fiscal, e, ainda, à lei de autorização legislativa concedida ao Governo, concluiu o Tribunal Constitucional que o art. 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica. Por isso, decidiu o Tribunal Constitucional: «[j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, […] interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário».
Entendemos, pois, dever acatar a posição que o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, tanto mais que a nossa ordem jurídica lhe comete a competência específica para a apreciação das questões da constitucionalidade e a Recorrente sempre terá a faculdade de fazer sindicar o julgamento de inconstitucionalidade mediante recurso para aquele Tribunal, recurso que, para o Ministério Público, é obrigatório.
Aliás, este Supremo Tribunal Administrativo já acolheu esse entendimento (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário:
- de 7 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 115/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d844415bf535fcc280257ee70036ae6f;
- de 13 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 1402/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c65bba01bc515ec380257f3f005b2132.).
O recurso não pode, pois, ser provido, devendo manter-se a sentença recorrida.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O Tribunal Constitucional decidiu já em dois acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade «[j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário».
II - Embora desprovido de força obrigatória geral, o juízo de inconstitucionalidade formulado naqueles dois acórdãos, quer pela força dos seus argumentos, quer por provir do tribunal a que a ordem judiciária comete a competência específica para a apreciação das questões da constitucionalidade das normas, deve ser observado, tanto mais que a parte que dele discorde tem sempre ao seu dispor o recurso para o Tribunal Constitucional e o Ministério Público tem a obrigação de recorrer da decisão judicial que desaplique norma com fundamento em inconstitucionalidade.


* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.