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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01473/10.9BEPRT
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
CRÉDITO
UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO
Sumário:Se se verifica, de facto, a concessão de crédito aos clientes da recorrente –vendedora e distribuidora de bebidas-, e independentemente das razões que determinaram tal concessão, a utilização efectiva desse crédito e dos termos em que esse crédito haveria de ser devolvido, é devido o imposto de selo.
Nº Convencional:JSTA000P27675
Nº do Documento:SA22021051201473/10
Data de Entrada:07/14/2020
Recorrente:A........., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………., S.A. – anteriormente denominada B…………., S.A., inconformada interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 29 de Setembro de 2019, que julgou improcedente a ação de impugnação intentada contra o ato de liquidação de imposto de selo relativo ao ano de 2005 e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 90.390,39. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido por considerar que o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por no seu entender não se mostrarem verificados os pressupostos de aplicação da verba 17 da Tabela Geral do Imposto de Selo e, consequentemente, serem ilegais as correções da Administração Tributária.

Alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
i. A sentença julgou improcedente o pedido formulado pela ora Recorrente, concluindo, que os contratos de mútuo gratuito celebrados por esta última com os seus revendedores, durante o exercício de 2005, não vencem quaisquer juros.
ii. A douta sentença escuda a sua fundamentação quase e só na classificação contabilística que a ora Recorrente atribuiu aos referidos contratos de mútuo gratuito e à descrição que por esta foi efectuada no seu relatório de contas anual.
iii. Olvidou-se a douta sentença dos concretos factos em crise.
iv. A AT havia concluído pela falta de entrega da Recorrente ao Estado do Imposto do Selo no valor de € 90.390,39, pelo que foi a Recorrente notificada da Demonstração da liquidação do Imposto do Selo (IS) supra identificada, a qual apurou como Imposto do Selo (supostamente) em falta o montante de € 77.308,89, bem como procedeu à liquidação de juros compensatórios sobre aquela quantia no valor de € 13.081,50, tudo perfazendo o montante global de € 90.390,39.
v. A Recorrente celebrou com os seus clientes revendedores do "Canal HoReCa" (hotéis, restaurantes e cafés), durante o exercício de 2005, numerosos contratos de compra exclusiva com mútuo gratuito e outro tipo de contratos, designadamente contratos de compra exclusiva com fundo perdido.
vi. Subsiste a todos eles uma finalidade comum e primordial: a compra pelos revendedores da Recorrente, em regime de exclusividade, dos produtos daquela, nas quantidades assinaladas nesses contratos quer nas situações de contrapartida quer nas de concessão do mútuo gratuito.
vii. O essencial nestes vários contratos de compra exclusiva é a compra, em regime de exclusividade, para o estabelecimento dos revendedores, dos produtos do fornecedor (ora Recorrente) mediante a concessão, por este, de uma vantagem de natureza económica que mais não é do que um desconto antecipado que representa sempre um valor igual ao desconto que concederia aos clientes pelas vendas previstas para o período contratualizado.
viii. Face a esta perspectiva, a Recorrente não está a realizar uma operação financeira - e, muito menos, a conceder alguma espécie de crédito aos seus revendedores —, mas antes a investir com uma contrapartida face às obrigações assumidas pelos revendedores.
ix. Em termos de IAS, a diferença entre o valor nominal do investimento sob a designação de mútuo gratuito e o seu justo valor é reconhecido como um custo diferido, o qual é posteriormente reconhecido como um desconto ao cliente dele beneficiário durante o período do contrato e em função das vendas efectuadas nesse mesmo período.
x. O elemento essencial dos contratos de compra exclusiva com mútuo gratuito é a compra pelos revendedores da Recorrente, em regime de exclusividade, dos produtos daquela, nas quantidades assinaladas nesses mesmos contratos.
xi. Por tal razão esses contratos nunca poderão ser qualificados como contratos de concessão de crédito e, como tal, não poderão estar sujeitos à incidência do IS.
xii. A não ser assim, estaria a AT a tratar de forma desigual os revendedores da Recorrente - todos são contribuintes fiscais.
xiii. Ficariam sobremaneira onerados com o IS aqueles revendedores a quem a Recorrente concede o investimento sob a forma de mútuo gratuito em confronto com aqueloutros a quem a Recorrente atribui investimentos sob a forma de contrapartida a fundo perdido, sendo certo que o móbil é idêntico em ambos os casos.
xiv. A incidência do IS prevista na Verba 17.1 da Tabela Anexa ao CIS pressupõe, obviamente, a onerosidade da utilização do crédito.
xv. Ora, em todos os casos que fundamentaram a liquidação do IS, não existe tal onerosidade.
xvi. A AT classifica a operação consubstanciada na disponibilização de meios financeiros, pelo fornecedor ao revendedor, verificada, em termos gratuitos, nos termos previstos no contrato de compra exclusiva com mútuo gratuito, como uma pura operação financeira — e não como uma operação comercial.
xvii. Mas a AT, para tal prescinde do objecto do contrato.
xviii. No caso concreto, não há factos ou indícios que apontem para a convicção de que o contrato em crise tenha como objecto principal (ou secundário, sequer) a concessão de crédito.
xix. A disponibilização dos meios financeiros constitui uma garantia acessória do objecto central do contrato configurando um truque comercial de fidelização dos revendedores.
xx. A disponibilização dos meios financeiros ocorreu sem qualquer remuneração associada.
xxi. A disposição dos meios financeiros em análise não configura uma operação de crédito porque o contrato no âmbito do qual a mesma se insere não tem por finalidade típica proporcionar a obtenção de crédito, não constitui uma operação financeira (para usar a terminologia da tabela).
xxii. Termos, pois, em que não pode deixar de concluir-se pela não verificação, no caso concreto, dos pressupostos de aplicação da verba 17.1 da TGIS e, consequentemente, pela ilegalidade das correcções decorrentes da sua aplicação.
Nestes termos e nos melhores de direito que contam com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer integral provimento, revogando-se a douta sentença sub judice, substituindo- a por outra que defira o pedido formulado pela ora Recorrente nos autos de Impugnação Judicial à margem referenciados.”.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se emitindo parecer tendo entendido que “a sentença recorrida fez uma correta apreciação e aplicação da lei aos factos tributários apurados, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.”

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Dá-se como reproduzida a factualidade assente na sentença recorrida.

Há agora que analisar o recurso que nos vem dirigido.
A recorrente coloca a questão de saber se os financiamentos prestados aos seus clientes no âmbito de contratos de compra exclusiva com mútuo gratuito devem ou não estar sujeitos a imposto de selo.

Resulta da matéria de facto assente que aquando da celebração dos ditos contratos a recorrente transfere para os clientes a quantia acordada, destinando-se essa quantia ao financiamento da remodelação dos estabelecimentos, compra de equipamentos, etc., que estes irão restituir em "n" prestações mensais, sem juros.
Como contrapartida o cliente obriga-se a comprar exclusivamente à recorrente e/ou aos distribuidores por esta indicados os produtos por esta comercializados, não podendo adquirir na concorrência produtos de igual natureza, durante um determinado período, geralmente entre 3 a 5 anos, ou até atingir determinada quantidade de litros de produto comprado.
O incumprimento dos termos do contrato implica o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, o pagamento de juros moratórios e ainda de uma indemnização, que pode ser um valor fixo ou uma percentagem da quantia mutuada.
Regra geral, as prestações são tituladas por uma garantia bancária apresentada pelo cliente a favor da recorrente de igual montante da quantia recebida, podendo ainda, noutros casos, ser tituladas por letras aceites ou até por uma hipoteca.
A própria recorrente designa, nos contratos que celebra com os clientes, tal transferência de verbas como um empréstimo sem juros e mútuo gratuito.

Dispunha à data o artigo 1º, n.º 1 do CIS que, o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Dispunha também, por sua vez, a tabela de imposto de selo para a qual remete o presente artigo:
17 Operações financeiras:
17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:
17.1.1 Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção 0,04%
17.1.2 Crédito de prazo igual ou superior a um ano 0,50%
17.1.3 Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos 0,60%
17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

Resulta claramente destas normas que a finalidade da utilização de crédito não constitui pressuposto ou elemento constitutivo da norma de incidência tributária, que se satisfaz com tal utilização efectiva na esfera dos beneficiários, independentemente dos fins prosseguidos pela Recorrente, pelo que não resulta afastada a aplicação da verba 17.1.2 da Tabela Geral, que, em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, determinam a sujeição a este imposto das utilizações de crédito efetuadas por parte dos clientes da Requerente ao abrigo dos contratos de mútuo com esta celebrados.
Por outro lado não releva igualmente para efeitos de incidência e verificação do facto tributário a circunstância de o mútuo não ser remunerado.
A este propósito refere JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES ( in “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2ª Edição, 2013, Lisboa, Almedina, pp. 443 e 444):
“É no domínio das operações financeiras, particularmente no crédito, que se operaram as mais relevantes inovações do novo Código do Imposto do Selo na reforma operada no ano 2000. Como veremos adiante, quando tratarmos da tributação do crédito utilizado através de contrato de aberturas de crédito, o novo Código introduz duas inovações fundamentais relativamente ao anterior. Por um lado o imposto passa a incidir sobre as utilizações de crédito e não sobre a celebração dos contratos que lhes dão origem (…). Por outro lado, o tempo de duração da relação creditícia passa a ser determinante para a determinação do imposto a pagar (…). As operações de crédito são tributadas nos termos da verba nº 17.1 da Tabela Geral. A lei enuncia alguns tipos contratuais de concessão de crédito, como é o caso da cessão de créditos, o factoring, as operações de tesouraria, a abertura de crédito em conta corrente e o descoberto bancário. Porém, esta enunciação é meramente exemplificativa, dado que a lei tributa a concessão de crédito independentemente da forma contratual que lhe está subjacente (“a concessão de crédito a qualquer título”, como determina a referida verba da Tabela Geral). Como antes vimos, mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário” .
No caso concreto não subsistem dúvidas que o montante de € 14.785.913,15 objecto de financiamento pela Recorrente aos seus clientes, foi utilizado por estes no decurso do ano de 2005, os quais se comprometeram a devolver esse montante num determinado prazo, pelo que, independentemente da forma utilizada e dos fins visados (fidelização da exclusividade dos clientes), não subsistem dúvidas que estamos perante uma concessão de crédito e que nessa medida se mostram preenchidos os elementos típicos da norma tributária, ou seja, da verba 17.1 da TGIS.
Dito de outro modo, uma vez que se verificou, de facto, a concessão de crédito aos clientes da recorrente, e independentemente das razões que determinaram tal concessão, a utilização efectiva desse crédito e dos termos em que esse crédito haveria de ser devolvido, é devido o imposto de selo tal como liquidado pela recorrida, pelo que, o recurso não obtém provimento.

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 12 de Maio de 2021. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.