Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0489/11.2BELRS
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se essa alegação é de todo ausente.
Nº Convencional:JSTA000P27129
Nº do Documento:SA2202102030489/11
Data de Entrada:01/12/2021
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Recorrido 1:A………………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 489/11.2 BELRS
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrido: A………..

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Central Administrativo Sul, inconformado com o acórdão proferido por esse tribunal em 17 de Setembro de 2020 ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/dfddde1d9fafb3fd802585e600581648?OpenDocument.) – que, negando provimento ao recurso deduzido pela AT, manteve a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida pelo ora Recorrido, enquanto responsável subsidiário, a uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, prosseguia contra ele –, dele interpôs recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentado com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, com uma conclusão do seguinte teor:

«I- Se em nenhum momento anterior foi determinada a produção de prova referente ao domicílio fiscal, considerando-se que subsiste a dúvida sobre qual o domicílio fiscal do oponente, sendo tal factualidade objectiva e essencial para a boa decisão da causa, deve ser admissível a prova de tal factualidade em sede de recurso, ao abrigo do disposto no art. 13.º n.º 1 do CPPT e 662.º n.º 2 al. c) do CPC.

Nestes Termos e nos demais de direito, requer-se a V. Ex.as:

a) Que seja admitido e declarado procedente o presente recurso de revista;

Assim se fazendo a tão costumada Justiça».

1.2 O Recorrido não contra-alegou.

1.3 O Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a tempestividade do recurso e a legitimidade da Recorrente, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta, após tecer diversos considerandos em torno da oportunidade da junção de documentos após o encerramento da discussão em 1.ª instância, designadamente com o recurso da sentença, sobre a notificação para o exercício do direito de audiência prévio à reversão, respectivas formalidades e consequência da devolução da carta remetida para o efeito, bem como sobre a invalidade decorrente da falta de cumprimento da audiência prévia, emitiu parecer no sentido «no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE DIREITO

2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).

2.2.2 A Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão recorrido, que, com fundamento na falta de notificação para o exercício do direito de audiência prévia à reversão (cf. n.º 4 do art. 23.º da LGT), negou provimento ao recurso e manteve a sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, julgando procedente a oposição deduzida pelo ora Recorrido à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ele na qualidade de responsável subsidiário.
Para assim concluir, o acórdão recorrido considerou, em síntese: que recai sobre a AT o ónus de demonstrar que enviou a carta para notificar o responsável subsidiário para o exercício do direito de audiência prévio à reversão e que o fez para o domicílio fiscal do notificando; que a AT não se desincumbiu desse ónus, o que apenas poderia fazer mediante prova documental; que não é admissível a sua pretensão de vir juntar o documento comprovativo em sede de recurso, uma vez que não ocorre nenhuma das situações em que a lei, excepcionalmente, permite que a apresentação de documentos se faça com as alegações de recurso, quais sejam a superveniência do documento ou a necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância, como resulta da leitura conjugada dos arts. 651.º, n.º 1, e 425.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT; assim, em face da falta de comprovação de que a carta foi remetida para o domicílio fiscal do responsável subsidiário que, à data, constava do sistema cadastral da AT, não pode esta valer-se da inoponibilidade prevista no n.º 2 do art. 43.º do CPPT.
É desse entendimento que a AT discorda: a seu ver, nos termos da única conclusão que formulou, «[s]e em nenhum momento anterior foi determinada a produção de prova referente ao domicílio fiscal, considerando-se que subsiste a dúvida sobre qual o domicílio fiscal do oponente, sendo tal factualidade objectiva e essencial para a boa decisão da causa, deve ser admissível a prova de tal factualidade em sede de recurso, ao abrigo do disposto no art. 13.º n.º 1 do CPPT e 662.º n.º 2 al. c) do CPC». Ou seja, a Recorrente faz assentar a admissibilidade da junção do documento em fase de recurso na alegada violação pelo Tribunal do princípio da investigação ou do inquisitório, previsto no art. 13.º, n.º 1, do CPPT.
Desde logo, cumpre ter presente que a Recorrente se alheou completamente da circunstância do presente recurso ter sido interposto como revista. Assim, depois de, no intróito do requerimento por que interpôs o recurso dizer «vem do mesmo [acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul] interpor recurso de Revista, para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art.º 26º, alínea h) do ETAF, e do art. 285º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [anteriormente arts. 144º e 150º do CPTA, “ex vi” art. 2º alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]», não mais encontramos, no corpo das alegações ou na única conclusão que formulou, referência alguma ao recurso de revista e aos respectivos pressupostos de admissibilidade
Ou seja, a Recorrente interpôs o recurso de revista como se este não fosse mais do que um recurso em terceiro grau de jurisdição – há muito eliminado do regime de recursos em processo tributário ( A possibilidade de recurso em terceiro grau de jurisdição, que estava prevista na redacção inicial do art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, foi abolida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro.) –, limitando-se a invocar a existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, e desprezando totalmente que lhe cumpria alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).
Ora, a função da revista é a de trazer à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto órgão de cúpula da jurisdição tributária, uma concreta questão relativamente à qual estejam verificados os requisitos do n.º 1 do art. 285.º do CPPT acima enunciados.
Assim, porque a Recorrente não se desincumbiu do ónus de alegar a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 285.º do CPPT, este não pode ser admitido.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se essa alegação é de todo ausente.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente.


*
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.