Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:05/20.5BALSB
Data do Acordão:01/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
REMUNERAÇÃO
GESTOR
Sumário:O requisito previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC para a exclusão da Tributação Autónoma sobre bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes e relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % do pagamento daquelas remunerações por um período mínimo de três anos deve considerar-se cumprido numa situação como a dos autos, em que o pagamento de uma parcela correspondente a 50% daquelas remunerações foi diferido de forma proporcional ao longo de um período de três anos.
Nº Convencional:JSTA000P27052
Nº do Documento:SAP2021012005/20
Data de Entrada:01/07/2020
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ – SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 4 de Janeiro de 2019 no processo n.º 234/2019-T, considerando que esta decisão está em contradição com a decisão arbitral proferida a 12 de Outubro de 2017, no processo 545/2016-T.

1.2. A Recorrente, após admissão do recurso, apresentou alegações, aí tendo concluído nos termos que ora se transcrevem:

«A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro), «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. (Redação da Lei n.º 119/2019, de 18/09)».

C. De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

D. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que as situações de facto sejam substancialmente idênticas; haja identidade na questão fundamental de direito; se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

E. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

F. Tal como refere o acórdão do STA proferido a 2010-12-07 no âmbito do processo n.º 0511/06,² «Para que exista oposição, não é exigível uma total identidade de factos – que muito raramente se verificará – mas, antes, que eles preencham a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal.»

G. A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

H. Em causa está, comum a ambos os processos, e atendendo à matéria de facto subjacente a cada uma das situações em apreço, a verificação do preenchimento dos dois requisitos, que, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, excluem de tributação os bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas: «salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período

I. Subjacente ao Acórdão recorrido, com interesse para o presente recurso, foi dada como provada a factualidade transcrita nas alegações de recurso, para cuja leitura se remete.

J. Subjacente ao Acórdão fundamento, com interesse para o presente recurso, foi dada como provada a factualidade transcrita nas alegações de recurso, para cuja leitura se remete.

K. Da aludida leitura, infere-se que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

L. Em ambos os casos, foram atribuídos aos gestores/administradores das respectivas entidades uma remuneração variável, a qual foi deduzida para efeitos de apuramento tributável do respectivo período em que foi atribuída.

² Disponível em

URL:http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3fe816b1dbf46822802577fc0051fab0?OpenDocument.

M. Em ambos os casos, 50% da remuneração variável relativa ao período da sua atribuição foi diferida por um período inferior a três anos.

N. No acórdão arbitral de que se recorre, a ora Recorrida atribuiu aos seus gestores uma remuneração variável no ano de 2016, referentes a 2015 (49% do bónus de 2015), 2014 (17% do bónus de 2014), 2013 (17% do bónus de 2013) e 2012 (17% do bónus de 2012).

O. No acórdão fundamento, no ano de 2012, a aí Requerente procedeu ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável atribuída - no montante total de € 950.623,33, referente ao ano de 2011 -, tendo efectuado o pagamento da restante parcela de forma proporcional, correspondente a 50% do total atribuído, ao longo dos três anos seguintes.

P. Atenta a similitude da factualidade e a convocação de idêntico dispositivo legal, deverá considerar-se preenchido o primeiro requisito do recurso para uniformização de jurisprudência.

Q. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

R. Ora, estava em causa em ambos os processos aferir do preenchimento dos requisitos cumulativos presentes no artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, tendo os acórdãos aqui em confronto interpretado de forma distinta a redacção da aludida norma.

S. Sendo que, no concerne ao pressuposto do «pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos», julgou aquele Tribunal arbitral que: «Assim, tendo em conta o sentido da expressão decorrente das normas de direito bancário e bem assim o seu sentido “comum”, as regras de interpretação das normas jurídicas indicam que esta deverá ser interpretada no sentido de “repartição”/“divisão” (do pagamento) ao longo de um determinado período de tempo. Com efeito, o legislador ao utilizar a expressão “diferimento por um período mínimo de x tempo” tinha perfeita noção de que o seu sentido comum é o de “repartição”, “divisão”, pelo que, tendo em conta os princípios da interpretação referidos, não parece legalmente possível uma interpretação diferente, nos termos propugnados pela AT. (…) não se concebe que caso pretendesse exprimir a necessidade de que decorresse determinado período de tempo (3 anos) para se verificar a exclusão da tributação, o legislador tivesse utilizado a expressão “diferimento por um período de x anos” (que tem um sentido “comum” diferente), quando se poderia ter expressado de forma clara e simples, facilmente apreendida pela generalidade do cidadão comum, através de expressões como “após o decurso do prazo de 3 anos”. Por todo o exposto, conclui-se que a interpretação da expressão “diferimento (…) por um período mínimo de três anos” tal como efetuada pela AT, é ilegal por contrariar as regras sobre interpretação das normas jurídicas, violando portanto o citado artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do Código do IRC, bem como artigo 11.º, n.º 1, da LGT e demais normas jurídicas relativas à interpretação da lei.»

T. Por relação ao decidido em sede arbitral no processo cuja decisão se contesta, considerou-se diferentemente no processo n.º 545/2016-T, que: «Só verificado o desempenho positivo da sociedade ao longo do período mínimo de três anos está cumprido um dos requisitos que permite a exclusão daquela tributação. Logicamente, os bónus atribuídos antes do final desse período mínimo não poderão usufruir do citado desagravamento, porque o mesmo depende da verificação cumulativa dos dois requisitos já indicados. Nos termos da lei, o pagamento com direito a exclusão de tributação autónoma, está subordinado ao diferimento de pelo menos 50% da remuneração variável por um período mínimo de três anos; e o que o Requerente fez foi diferir 1/3 dos referidos 50% por um ano, outro 1/3 por dois anos e o último 1/3 por três anos. A norma sub judice exige, porém, que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos; e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante. Sendo certo que a norma em análise tem como destinatários as sociedades em geral e não apenas as instituições de crédito, cabe citar no sentido que vimos apontando, Ana Perestrelo de Oliveira. Diz a autora que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período"» (parênteses nossos). Nesta matéria, para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os administradores mantê-las «até ao termo do seu mandato». Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, «o início do período de exercício (da opção) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.» (parênteses nossos). Acresce, ainda, finalmente, que a interpretação do Tribunal face à expressão constante das “Guidelines on Remuneration Policies and Practices” trazida aos autos pelo Requerente «o direito à remuneração a pagar em regime diferido deve ser adquirido numa base estritamente proporcional» (artigo 67.º da PI) diverge da defendida pelo Requerente. Entende o Tribunal que é o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido.»

U. Enquanto no Acórdão fundamento se entendeu que a ratio legis do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC deve ser entendida no sentido de que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos, já no acórdão recorrido se entendeu em sentido distinto, tendo o Tribunal arbitral concluído que «o legislador ao utilizar a expressão “diferimento por um período mínimo de x tempo” tinha perfeita noção de que o seu sentido comum é o de “repartição”, “divisão”, pelo que, tendo em conta os princípios da interpretação referidos, não parece legalmente possível uma interpretação diferente, nos termos propugnados pela AT. (…) não se concebe que caso pretendesse exprimir a necessidade de que decorresse determinado período de tempo (3 anos) para se verificar a exclusão da tributação, o legislador tivesse utilizado a expressão “diferimento por um período de x anos” (que tem um sentido “comum” diferente), quando se poderia ter expressado de forma clara e simples, facilmente apreendida pela generalidade do cidadão comum, através de expressões como “após o decurso do prazo de 3 anos».

V. Enquanto que, por um lado, no acórdão fundamento, entendeu o colectivo de árbitros que o artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC exige que o pagamento de 50% dos bónus seja diferido no seu todo por um período mínimo de três anos - e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante -, já no acórdão arbitral contestado, o colectivo de árbitros considerou o contrário, isto é, considerou que prevalece a interpretação compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos.

W. O acórdão arbitral contestado pretere a interpretação assumida pela ora Recorrente e assume como válida a interpretação da Recorrida, ou seja, a de que a intenção do legislador se matrimonia com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos, dado que o que a lei define é o período mínimo de diferimento obrigatório e não o modo como o dito pagamento é (ou não) repartido durante o aludido período.

X. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

Y. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

Z. Os dois requisitos cumulativos para exclusão da tributação autónoma em análise – diferimento de 50% por um período mínimo de 3 anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade - devem ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si.

AA. A norma sub judice contém uma condição material primeira para a atribuição de bónus aos administradores: o desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos. Sem a verificação desta condição não haverá qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que o respetivo pagamento se efectue.

BB. Só no final do período de três anos é que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma traduzida naquele desempenho positivo, como diz a lei: «ao longo desse período» de três anos.

CC. Conclui-se que a exclusão tributária – esta delimitação negativa face à regra que é a da tributação autónoma - está dependente da verificação futura de um facto de formação sucessiva que se vai formando ao longo de um período mínimo de três anos.

DD. A menos que a lei expressamente o dissesse, não se pode entender que a lei conceda um desagravamento fiscal condicionado antes de cumprida a condição desse desagravamento.

EE. O diferimento a que a norma se refere impõe, ao invés, que não exista qualquer pagamento de bónus até que a condição da exclusão tributária esteja cumprida.

FF. Se acaso se tiver verificado o referido desempenho positivo da sociedade, para almejar a exclusão de tributação autónoma, coloca-se seguidamente a necessidade de respeitar o modo de pagamento imposto pela lei.

GG. Para efeitos da citada exclusão, a lei impõe ainda uma subordinação quanto ao momento do pagamento: «O pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos».

HH. Na situação em apreço, a ora Recorrida não diferiu o pagamento dos bónus por um período mínimo de três anos, tal como exige a lei, tendo antes diferido 49% do valor num único ano, e os restantes 51% em três parcelas iguais de 17%, repartidas por três anos.

II. Ora, a lei exige que o pagamento seja diferido por um período mínimo de três anos e não que sejam diferidas prestações desse pagamento.

JJ. Refere Ana Perestrelo Oliveira, no seu Manual de Governo de Sociedades, página 209, Almedina 2017, que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período».

KK. Para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM.

LL. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os administradores mantê-las «até ao termo do seu mandato»; quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, «o início do período de exercício (da opção) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.»

MM. É o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido.

NN. Em suma, a ressalva final da alínea b) do artigo 88.º, n.º 13 do CIRC reclama uma leitura conjunta: mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por mais de 3 anos, por estar condicionado à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade.

OO. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser uniformizada jurisprudência no sentido da interpretação assumida no acórdão no processo n.º 545/2016-T, convergente com a decisão proferida no acórdão Fundamento.

1.3. A………… – Sucursal em Portugal, notificada da interposição do recurso, apresentou contra-alegações que encerrou com a formulação das seguintes conclusões:


«47.

O artigo 88, nº 13, al. b) do CIRC estabelece que para haver exclusão da tributação autónoma é necessário –: o “diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos” e o “desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”, requisitos estes causais e cumulativos.

48.

É certo que a Ré cumpriu ambos os requisitos impostos pela lei no ano a que respeita a liquidação de IRC em causa e nos que lhe precederam e sucederam, pelo que lhe é aplicável a exclusão imposta pelo disposto no art.º 88º, nº13, al. b) do CIRC.

49.


Note-se que em 2016 foram pagos fracionadamente bónus referentes a 2015, 2014, 2013 e 2012 [e que o desempenho positivo perdurou durante esses anos].

50.

Em regra as empresas conseguem motivar e premiar o desempenho dos seus trabalhadores remunerando-os adequadamente, e com isso conseguindo um desempenho positivo.

51.

Aqui reside o primeiro erro de raciocínio do Acórdão Fundamento em que a Autora sustenta o seu Recurso.

52.

Nesse Acórdão fundamento começa-se por afirmar a necessidade de aferição de um desempenho positivo durante 3 anos para então ‘libertar’ o pagamento dos 50% do bónus até aí suspenso.

53.

Mas essa leitura faz tábua rasa tanto do espírito como da letra da lei, uma vez que coloca o efeito antes da causa.

54.

No artigo em questão, é estatuído em primeiro lugar o “diferimento” do pagamento por um período mínimo de 3 anos e em segundo lugar a necessidade de verificação de um desempenho positivo ao longo desse período.

55.

Não é de forma aleatória que o legislador assim o faz, mas porque existe uma relação de causa-efeito entre ambos os requisitos.

56.

Efetivamente, a ordem dos fatores é a que consta do preceito legal - decorrem 3 anos de atividade da entidade, cujos gestores são remunerados de forma diferida durante esse período, e como resultado verifica-se um desempenho positivo desta ao longo do mesmo período.

57.

O resultado positivo é portanto a consequência verificável a posteriori de uma boa gestão, remunerada de forma diferida durante os 3 anos precedentes.

58.


É por essa ordem que devem ser lidos os requisitos constantes do artigo 88, nº 13 al b) do CIRC e não pela ordem inversa (veja-se o último parágrafo, folha 21, do acórdão fundamento).

59.

Porque quando uma coisa é causa de outra, a ordem dos fatores tem que ser mantida.

60.

Regar uma árvore para depois colher os frutos é diferente de colher os frutos e só depois regar a árvore.

61.

Ainda no que respeita ao pagamento diferido, o Acórdão fundamento incorre num segundo erro que é o de acrescentar à lei palavras que lá não constam.

62.

Afirmando que a norma sub judice “exige porém que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um período mínimo de três anos” (primeiro parágrafo, folha 26).

63.

Questiona-se: em que parte da lei consta a expressão “no seu todo”?

64.

É que essa expressão é de facto determinante nas conclusões que são retiradas neste Acórdão Fundamento.

65.

Portanto, o Acórdão fundamento acrescenta à lei palavras que lá não estão, para em seguida fazer assentar conclusões nessas palavras.

66.

Ainda no que ao conceito de “diferimento” respeita, é de notar que esta regra tem origem na legislação bancária, tal como salienta a decisão arbitral em recurso.

67.

Sobre a génese da norma e a aplicação uniforme do conceito de diferimento como repartição proporcional do pagamento ao longo de um período pode ver-se o elenco normativo referido nas páginas 45 a 52 do voto de vencido do Acórdão fundamento apresentado pela Autora, e que aqui se dão por reproduzidas.

68.

Atentando-se na Diretiva nº 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, Diretiva CRD IV, ficou melhor delineado o enquadramento jurídico da atividade das instituições de crédito dito, assim como o quadro de supervisão e as regras prudenciais a que as mesmas estão sujeitas, tal como salientou a douta decisão arbitral.

69.

Diretiva esta que contém normas respeitantes à remuneração dos colaboradores, nomeadamente às remunerações variáveis.

70.

Tal como dispõe o art.º 94º, nº 1 al. b) da Diretiva “a avaliação do desempenho deve processar-se num quadro plurianual, a fim de assegurar que o processo de avaliação se baseie num desempenho a longo prazo e que o pagamento efetivo das componentes da remuneração dependentes do desempenho seja repartido ao longo de um período”.

71.

Esta Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português, sendo que as normas sobre remunerações variáveis passaram a constar do RGICSF.

72.

Com efeito, e como referiu o Douto Tribunal Arbitral na sua decisão, conforme dispõe o art.º 115º-E, nº2, al. b) e nº7 b) do RGICSF, o pagamento das componentes da remuneração deve ser “repartido ao longo de um período”, sendo que “o direito ao pagamento da componente variável da remuneração sujeita a diferimento deve ser atribuído numa base proporcional ao longo do período de diferimento.”.

73.

É absolutamente clara a redação da norma: impõe-se um sistema de pagamento faseado ao longo de um determinado período de tempo.

74.

Ao contrário do que a Autora invoca no ponto 31 do Recurso por si interposto, é a lei, em especial a legislação de Direito Bancário, que expressamente o diz.

75.

Ora, tendo em conta a unidade sistemática do ordenamento jurídico, e em prol da segurança jurídica, independentemente do ramo de direito de que emane determinado conceito, este deverá ser interpretado com sentido idêntico em todos os ramos de direito, não sobrando discricionariedade interpretativa.

76.

No caso concreto, existindo um conceito que é absolutamente claro e inequívoco, proveniente do Direito Bancário, este deverá ter idêntica interpretação no Direito Fiscal.

77.

Em harmonia também com o que dispõe a Lei Geral Tributária no seu artigo 11º, nº2, quando estabelece que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí tem, salvo se outro decorrer diretamente da lei.” (que não decorre).

78.

Tal como refere BAPTISTA MACHADO² “a aplicação de uma norma a um caso começa por coenvolver de certo modo uma operação de ‘aplicação’ de todo o ordenamento jurídico. Vimos que este ordenamento constitui uma unidade, um universo de ordem e de sentido cujas partes componentes (as normas) não podem ser tomadas e entendidas por forma avulsa, ou isoladas dessa unidade de que fazem parte, sob pena de se lhes deturpar o sentido. Isto, por força daquela unidade da ordem jurídica, que postula uma coerência intrínseca.”

79.

Já no que respeita aos diferentes tipos de remuneração variável existentes, a Autora e o Acórdão Fundamento confundem, novamente, nas suas alegações, o conceito de bónus e de stock options, pois que não distinguem a fundamentação teórica subjacente a estes.

80.

É que, nas Recomendações da CMVM e no Aviso nº10/2011 do Banco de Portugal, relativamente ao bónus, e ao seu pagamento, é defendido o “diferimento por um período não inferior a três anos” e para as stock options impõe-se o “diferimento por um prazo não inferior a três anos”.

81.

Portanto, o legislador utiliza, para remunerações distintas, expressões distintas – não subsistindo, em termos de coerência sistemática, qualquer dúvida quanto ao significado delas.

82.

E mesmo que dúvidas existissem, a lógica tomaria conta de as dissipar, pois que as stock options são uma opção de compra a desconto, não são uma quantia paga em numerário.

² BAPTISTA MACHADO, João, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Almedina, 1987, página 207, 26ª reimpressão.


83.

Logo, num contexto de desempenho positivo é expectável a valorização dos títulos, daí que a compra após o terceiro ano tenha uma dupla virtualidade:

a) Incentivar a performance para valorização do título;

b) Impedir eventuais impulsos especulativos de compra antes do terceiro ano por razões conjunturais.

Em síntese,


84.

De acordo com o art.º 88º, nº 13, al. b) do CIRC existem dois requisitos cumulativos para que se possa beneficiar da exclusão da Tributação Autónoma aquando do pagamento de bónus, um ligado ao seu diferimento por um período mínimo de três anos, e outro relativo ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

85.

O fundamento do pedido de pronúncia arbitral e do presente recurso é o cumprimento do primeiro desses requisitos, nomeadamente a aferição do conceito de “diferimento”.

86.

O termo “diferimento” emana do ramo de Direito Bancário, pelo que estando presente numa norma de Direito Fiscal, a sua interpretação deve manter-se consistente com o sentido claro e inequívoco explicitado nas normas de Direito Bancário.

87.

No caso em apreço, conforme suportado pelas normas de Direito Bancário, o conceito de “diferimento” está associado a pagamentos parcelares/faseados, e não ao pagamento depois de decorridos três anos.

88.

Esse é também o sentido correto em termos lógicos e de política de gestão de remunerações.

89.

Existem diferentes tipos de remunerações variáveis e para cada uma destas existe um procedimento referente à forma de pagamento que é ele próprio também distinto.

90.

Os bónus são um tipo de remuneração variável distinto das stock options, cada uma das quais com procedimentos e prazos de atribuição distintos.

91.

A apreciação do desempenho positivo da Ré está ausente do Relatório de inspeção, não fazendo parte do processo arbitral ora recorrido.

92.

Seguindo de perto o Acórdão Fundamento, a Autora opta, de forma persistente, por alterar o conteúdo literal do disposto no art.º 88º, nº13, al. b), substituindo expressões conforme melhor lhe convém.

93.

Todavia, seria incompreensível que para exprimir o seu pensamento legislativo num determinado sentido, e sua coerência com o restante ordenamento jurídico, o legislador recorresse constantemente a uma redação que mobilizasse expressões com um sentido “comum” diferente daquele que efetivamente pretenderia transmitir.

94.

Como por exemplo, optando por escrever “pagamento subordinado ao diferimento”, mas querendo com isto dizer “direito subordinado ao diferimento” – afigurar-se-ia algo, de facto, inexplicável.

95.

Tal facto, articulado com a exigência legal de que se presume a adequação da redação legal ao pensamento legislativo aquando da fixação do sentido e alcance da lei, nos termos preceituados no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, impõe-se a interpretação da norma do artigo 88.º, n.º 13, alínea b) no único sentido possível: o de que a exclusão da tributação autónoma está dependente do pagamento faseado da parte diferida dos bónus ou remunerações variáveis ao longo de 3 anos, pois é esta a interpretação de acordo com o sentido literal e teleológico da norma.

De todo o exposto conclui-se que o tribunal “a quo” fez uma correta aplicação do Direito, pelo que deverá ser negado provimento ao Recurso e em consequência ser mantida na ordem jurídica a sentença em causa, com todas as consequências legais”.

1.4. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o douto parecer que consta de fls. 65 a 68 dos autos, no sentido da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, considerando que, tal como defendido pela Recorrente, ser evidente que as decisões arbitrais em confronto assentaram em situações de facto idênticas, perfilharam interpretações totalmente antagónicas no que concerne ao normativo consagrado no artigo 88.º, n.º 13, al. b) do Código de IRC e, em consequência culminaram em decisões finais expressas em sentido diametralmente oposto.
No que concerne ao mérito, conclui o Excelentíssimo Procurador-Geral, em resumo nosso, que “é de sufragar a posição do acórdão fundamento”, uma vez que “Nos termos do disposto no artigo 88.º/13/ b) do CIRC, são tributados autonomamente, à taxa de 35%, “Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior € 27.500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período” normativo que possui uma “clara, a função extra-fiscal dissuasora de comportamentos da norma do artigo 88.º/13/ b) do CIRC”.

Mais adianta que tal norma exige para que haja exclusão a verificação cumulativa de dois requisitos, como defendido pela Recorrida, “ O pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos” e “ O pagamento estar condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”, o que significa que “Sem a verificação desta condição não pode haver exclusão tributária seja qual for a forma e o momento em que o pagamento se efetue.”, ou seja, “para beneficiarem da exclusão de tributação, os bónus só podem ser pagos depois de decorrido o período mínimo de três anos”.

1.5. As partes, notificadas, nos termos do preceituado no artigo 146.º, n.º 2 do CPTA, do teor desse parecer nada disseram.

1.6. Com dispensa do cumprimento do preceituado no artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Pretende o Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto nas decisões arbitrais recorrida e fundamento, qual seja, a de saber o legislador - ao determinar no artigo 88.º, n.º 13, al. b) do CIRC o diferimento de uma parte não inferior a 50 % da remuneração variável por um período mínimo de três anos para que seja afastada a tributação autónoma aplicável ao pagamento de bónus e remunerações variáveis a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas - está a afastar em absoluto que qualquer parte dessa remuneração variável seja paga até que termine o período de três anos ou apenas a exigir que essa remuneração variável seja paga de forma faseada, no mínimo, ao longo do referido período de tempo.

2.2. Face ao que ficou exposto, desde logo se antevê que são duas as questões que este recurso nos coloca.

A primeira prende-se com a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cujos pressupostos ambas as parte e o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal entendem estar preenchidos.

A segunda com o fundo da questão enunciada no ponto 2.1., que apenas será objecto de análise se àquela primeira questão for dada resposta afirmativa, ou seja, este Supremo Tribunal só apreciará e decidirá sobre a resposta uniformizadora da questão fundamental de direito se previamente confirmar que os pressupostos substantivos de admissibilidade estão preenchidos.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade:

Ǥ1. Factos provados

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é um estabelecimento estável em Portugal de uma instituição de crédito com sede no Luxemburgo.

b) No período de tributação de 2016, a Requerente pagou aos representantes do mencionado estabelecimento estável, bónus perfazendo um montante total global de €414.811,66, tendo reconhecido o valor total como gasto no mesmo período de tributação.

c) Os bónus pagos em 2016 eram referentes a 2015 (49% do bónus de 2015), 2014 (17% do bónus de 2014), 2013 (17% do bónus de 2013) e 2012 (17% do bónus de 2012).

d) Por ter sido alvo de uma liquidação adicional de IRC em 2017 (liquidação n.º 2017 8310029137) em que foi aplicada tributação autónoma sobre provisões para bónus de 2013, a Requerente optou, relativamente ao ano de 2016, por seguir a posição da AT e declarar na declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC de 2016, tributações autónomas no montante de € 162.400,00, correspondente a 35% do valor de €464.000,00, relativo a provisões para bónus de 2016.

e) Antes de ter apresentado reclamação da autoliquidação de IRC de 2016, a Requerente foi sujeita a ação inspetiva externa e de âmbito parcial, incidindo sobre IRC e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de tributação de 2014, 2015 e 2016, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI201706063, OI201804771 e OI201804772.

f) A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, no qual a AT, acatando a decisão arbitral (Processo n.º 491/2017-T), considerou que a tributação autónoma de 2016 seria devida sobre o valor de € 414.81,66 (ou seja, sobre os bónus pagos aos representantes da sucursal em 2016) e não sobre o valor de €464.000,00, ou seja, sobre o valor das provisões para bónus de 2016 declarado pela Requerente na declaração de rendimentos Modelo 22, seguindo o procedi adotado pela AT relativamente ao ano de 2013.

g) Na sequência do Relatório de Inspeção Tributária, a Requerente foi notificada da liquidação n.º 2018 8010032017, objeto do presente processo arbitral, que reflete a correção de IRC efetuada.

§2. Factos não provados

17. Com relevo para a apreciação e decisão da causa não resultam factos não provados, sendo a matéria em litígio estritamente de direito.

§3. Fundamentação dos factos provados

18. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.°, n.º 2, do CPPT, 596.°, n.º 1 e 607.°, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.°, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

19. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo».

3.1.2. O probatório da decisão arbitral fundamento é do seguinte teor:

« a) O Requerente era, à data dos factos, uma instituição de crédito portuguesa, mais concretamente um banco com sede em Portugal, sendo posteriormente extinto, em 2013, por via de fusão por incorporação, com neutralidade fiscal, numa sociedade de direito inglês, o B………… plc, que lhe sucedeu em todos os seus direitos, cujo objecto social consistia na realização de operações financeiras, estando autorizado a efectuar as operações descritas no artigo 4.° do RGICSF, sujeito, como tal, á regulamentação e supervisão do Banco de Portugal.

b) O Requerente entregou, em 30 de Maio de 2012, a sua Declaração de Rendimentos Modelo 22, na qual apurou um lucro tributável de € 39.924.867,4$ (dos quais € 33.936.137,33 sujeitos a tributação e € 5.988.730,12 isentos) e, em consequência, o montante de € 2.237.685,50 de imposto a pagar (cfr. Documento 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

c) Na sequência de uma acção inspectiva, de carácter externo e de âmbito parcial, dirigida à análise do apuramento do IRC efectuado pelo Requerente, com referência ao exercício de 2011, designadamente em cumprimento da Ordem de Serviço OI201405340, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado, através do Ofício n.º 013274, de 16 de Março de 2016, do respectivo Projecto de Relatório, cujo Ponto III.1.3.1.1. respeitava a uma proposta de correcção de tributação autónoma, relativa a bónus e outras remunerações variáveis de administradores, no montante do € 332.718,20, por se entender que o montante pago pelo Requerente a título de remunerações variáveis aos seus administradores estava sujeito a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC (cfr. Documentos 5 e 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

d) Em 5 de Abril de 2016 os Serviços de Inspecção Tributária notificaram o Requerente do Relatório de Inspeção Tributária, onde se mantiveram as correcções preconizadas para o referido exercício (cfr. Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral), não tendo o Requerente exercido o direito de audição.

e) Na sequência das conclusões constantes do Relatório de Inspeção Tributária, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRC, da demonstração de liquidação de juros e da demonstração de acerto de contas, referente ao exercício de 2011, nas quais se apurou o montante de € 314.762,87 a pagar, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 7 de Junho de 2016, tendo procedido ao seu pagamento integral em 6 de Junho de 2016 (cfr. Documento 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

f) A política de remuneração dos membros dos órgãos sociais aplicada pelo Requerente, à data dos factos, foi aprovada em sede de Assembleia Geral em 8 de Agosto de 2011 e consta da respectiva Acta número 62 (cfr. Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral), determinando-se que:

“2. Remuneração dos membros da Comissão Executiva do Conselho de Administração:

a) Os membros da Comissão Executiva auferem uma remuneração fixa em dinheiro aprovada pela Assembleia Geral do Banco, que poderá ser diversa entre eles, paga doze vezes durante o ano, e uma eventual remuneração variável, a qual não poderá exceder 15% do resultado operacional recorrente do exercício (Resultado Consolidado Operacional). O Resultado Consolidado Operacional (RCO) não incluirá os resultados decorrentes de eventos extraordinários não ligados à exploração corrente do Banco e de suas filiais assim como os resultados quer correntes quer extraordinários apurados directa ou indirectamente relativamente a sociedades participadas que não sejam consideradas filiais, ou seja, a associadas e outras participações minoritárias.”

g) O Requerente seguiu como elemento limitador - até 15% do Resultado Consolidado Operacional – RCO da atribuição de remuneração variável aos membros executivos do seu órgão de administração, daí excluindo, para o seu apuramento, para mais ou para menos, impactos decorrentes da participação indirecta e minoritária no Banco C………… com base no facto de que o acompanhamento da actividade do Banco C………… e a gestão de tal participação não competiam aos administradores do Requerente (cfr. Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal).

h) O Requerente, no âmbito da sua política de remuneração, elegeu também definir como limite de atribuição de remuneração variável a manutenção de um rácio de solvabilidade adequado, estabelecendo que tal rácio não poderia ser significativamente afectado pelo pagamento de remuneração variável aos membros da Comissão Executiva, nem contribuir para pôr em causa a continuidade e sustentabilidade da actividade futura do banco (Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

i) A atribuição da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração foi aprovada pelo Comité de Remunerações em 14 de Fevereiro de 2012 e consta da respectiva acta, referida no Relatório de Inspecção Tributária (Documento 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral), sendo sintetizada da seguinte forma:



j) O Requerente procedeu em 2012 ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração referente ao exercício de 2011, no montante de € 950.623,33, tendo efectuado o pagamento da restante parcela (correspondente a 50% do total atribuído) ao longo dos três anos seguintes de forma proporcional (Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

k) As remunerações anuais do Conselho de Administração Executivo são as seguintes (Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral):

l) Nos anos de 2011 e 2012 o Requerente teve resultados líquidos negativos (€- 111.989.574,82 e € -2.757.055,07 respectivamente), verificando-se, contudo, lucros tributáveis, tendo havido pagamento de IRC (cfr. Documentos 4 e 12 juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

20) Fundamentação da matéria de facto

A factualidade provada teve por base a posição assumida pelas Partes e não contestada e a análise dos documentos junto aos autos pelo Requerente, que não foram impugnados.

Para além do facto constante do ponto g) do probatório, o depoimento testemunhal não se revelou suficientemente convincente e esclarecedor para servir de base à convicção do tribunal.

III.1.2. Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado».

4. Fundamentação de Direito

4.1. Considerando o que deixámos exposto no que respeita ao tipo de recurso que nos foi apresentado, quanto às duas questões colocadas e à relação de prejudicialidade que entre elas estabelecemos, importa, agora, apreciar, num primeiro momento, se se verificam no caso os pressupostos substantivos de admissibilidade do recurso e, num segundo, firmada essa admissibilidade, decidir qual o sentido em que deve ficar firmada a jurisprudência do Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, quanto à questão de direito colocada.

Sublinha-se, quanto a esse primeiro momento e questão, que este Supremo Tribunal Administrativo há muito firmou entendimento, através de jurisprudência uniforme e sistematicamente reiterada, que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos conjugados do preceituado nos artigos 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º, n.º 3 do CPTA está dependente da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, a saber: (i) que haja identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, o que pressupõe que estejamos perante uma situação de facto substancialmente idêntica; (ii) que essa mesma questão de direito tenha sido apreciada e julgada num quadro substancialmente idêntico e (iii) que os arestos cuja oposição se aprecia tenham perfilhado expressamente solução jurídica antagónica.

Recorda-se que, no caso, a questão de direito é a de saber se o legislador - ao determinar no artigo 88.º, n.º 13, al. b) do CIRC o diferimento de uma parte não inferior a 50 % da remuneração variável por um período mínimo de três anos para que seja afastada a tributação autónoma aplicável ao pagamento de bónus e remunerações variáveis a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas - está a afastar em absoluto que qualquer parte dessa remuneração variável seja paga até que termine o período de três anos ou apenas a exigir que essa remuneração variável seja paga de forma faseada, no mínimo, ao longo do referido período de tempo.

4.2. Considerando que sobre questões exactamente idênticas às enunciadas no ponto 2 deste acórdão se pronunciou o Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no pretérito dia 9 de Dezembro de 2020, no processo n.º 2/20.0BALSB e que subscrevemos integralmente a análise aí realizada quer quanto ao preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso quer quanto à apreciação de mérito da questão de direito colocada, convocamos, sem reservas, o discurso fundamentador aí aduzido e a uniformização que aí foi realizada, que, pelo que ficou dito e em obediência ao preceituado no artigo 8.º do Código Civil, constituirão o julgamento do presente processo.

Assim:

«7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a Recorrente que entre os arestos em confronto existe oposição juridicamente relevante para o efeito de admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência. Desde logo, alega a Recorrente que “existe uma manifesta identidade de situações de facto” já que em ambos os casos foram atribuídas remunerações variáveis aos gestores/administradores das respectivas entidades, as quais foram diferidas em 50% “por um período inferior a três anos”: se “no acórdão arbitral de que se recorre, a ora Recorrida atribuiu aos seus gestores uma remuneração variável no ano de 2014, referentes a 2013 (49% do bónus de 2013), 2012 (17% do bónus de 2012) e 2011 (17% do bónus de 2011)”, “no acórdão fundamento, no ano de 2012, a aí Requerente procedeu ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável atribuída - no montante total de € 950.623,33, referente ao ano de 2011 -, tendo efectuado o pagamento da restante parcela de forma proporcional, correspondente a 50% do total atribuído, ao longo dos três anos seguintes”.

Sendo as situações de facto idênticas, a Recorrente considera ainda que, nos dois processos, está em causa “a verificação do preenchimento dos dois requisitos, que, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, excluem de tributação os bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas, sendo perfilhadas decisões opostas a este respeito, transcrevendo as partes que considera mais relevantes dos dois arestos em confronto.

A posição da Recorrente quanto à existência de oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto não é afastada pela Recorrida e é secundada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, para quem as duas decisões arbitrais em confronto não só assentaram em situações de facto idênticas como perfilharam soluções jurídicas opostas na interpretação que foi feita do disposto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC.

E com razão.

Com efeito, e percorrido o probatório de cada uma das decisões, verificamos que nos dois casos estamos perante instituições de crédito: no caso da decisão arbitral recorrida, estamos perante a sucursal portuguesa de uma Instituição de Crédito com sede na União Europeia e no caso da decisão arbitral fundamento estamos perante um Banco com sede em Portugal.

Nos dois casos, foram atribuídas remunerações variáveis aos administradores e gestores daquelas sociedades: no caso da decisão arbitral recorrida, foi aprovada em 2012 a atribuição de uma remuneração variável referente ao ano de 2011 e no caso da decisão arbitral fundamento, foi aprovada em 2014 a atribuição de uma remuneração variável referente aos anos de 2011, 2012 e 2013.

Em ambos os casos, o pagamento de um valor correspondente a 50% das remunerações variáveis foi diferido por um período de três anos.

Sendo similar a factualidade dada como provada em cada uma das situações, verificamos ainda que nos dois casos foi colocada ao tribunal arbitral a questão de saber se estavam verificados os requisitos necessários para a exclusão de tributação dos bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas em sede de Tributação Autónoma de IRC.

Concretamente, o requisito de exclusão de Tributação Autónoma que foi aferido nos dois processos arbitrais foi o requisito relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % da remuneração variável por um período mínimo de três anos, prevista na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC. E foi sobre o cumprimento deste requisito que se tomaram decisões diametralmente opostas, pois que se na decisão arbitral recorrida se considerou que a interpretação da norma é “compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos mas também com o pagamento após este período porque o que se definiu foi o período mínimo de diferimento obrigatório”, na decisão arbitral fundamento decidiu-se, em sentido oposto, que a norma exige que “o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos; e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante”.

Não obstante, importa salientar que, ao contrário do que pretende a Recorrente, o requisito igualmente previsto na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC e relacionado com o desempenho positivo da sociedade ao longo do período de diferimento não pode constituir fundamento de análise no contexto do presente recurso porque não só não foi levado ao probatório como não foi especificamente analisado na decisão arbitral recorrida. Motivo pelo qual o cumprimento daquele requisito não poderá ser, naturalmente, analisado em sede do presente recurso.

Assim, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções propugnadas, verificando-se que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada na decisão arbitral fundamento uma oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

E não havendo ainda jurisprudência deste STA sobre a questão, deve o recurso prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

7.2 Da apreciação do mérito do recurso

O Tribunal Arbitral, depois de percorrer diversa legislação e regulamentação relativa ao diferimento do pagamento de remunerações variáveis pagas a gestores, concluiu que face ao teor literal da norma em análise, “o sentido de “diferimento por um período mínimo de três anos” tanto poderia significar o diferimento para um termo mínimo de três anos ou para um diferimento ao longo de um período de três anos” havendo, como tal, de atender à ratio da norma que “parece ser a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM”. Para o Tribunal, “qualquer uma das interpretações cumpre com o sentido e objetivos das normas. O pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida. Esta interpretação está também conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades e, no caso das instituições bancárias, obrigatória, nos termos do artigo 115.º-E do RGICSF”, não fazendo sentido, para o Tribunal, “uma norma similar e com a mesma ratio tenha interpretações distintas no Direito Fiscal e no Direito Bancário”. De igual modo, o Tribunal considera que esta interpretação cumpre ainda “o princípio da legalidade, especificamente do seu corolário de reserva de lei parlamentar, atendendo a que a norma foi aprovada pela Assembleia da República”, citando ainda algumas passagens do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no Processo n.º 197/2016 para sustentar o cumprimento do princípio da capacidade contributiva e da igualdade.

Discorda a Recorrente do assim decidido, considerando “curial que o Tribunal arbitral tivesse assumido, sem pruridos, como sua uma das interpretações possíveis da redacção do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC”. Para a Recorrente, “a ressalva final da alínea b) do artigo 88.º, n.º 13 do CIRC reclama uma leitura conjunta: mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por mais de 3 anos, por estar condicionado à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade”, devendo os dois requisitos cumulativos “ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si”. Como tal, sem a verificação da condição do desempenho positivo da sociedade “não haverá qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que o respetivo pagamento se efectue”, motivo pelo qual o desempenho positivo consiste num “facto de formação sucessiva que se vai formando ao longo de um período mínimo de três anos” e “a menos que a lei expressamente o dissesse, não se pode entender que a lei conceda um desagravamento fiscal condicionado antes de cumprida a condição desse desagravamento”. Relativamente ao pagamento da remuneração, entende a Recorrente que “a lei exige que o pagamento seja diferido por um período mínimo de três anos e não que sejam diferidas prestações desse pagamento”. Por outras palavras, “é o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido”.

É outra a opinião da Recorrida. Depois de explicitar que “o fundamento do pedido de pronúncia arbitral e do presente recurso é” apenas o cumprimento do requisito ligado ao diferimento do pagamento da remuneração variável por um período mínimo de três anos” (na medida em que “a apreciação do desempenho positivo da Ré está ausente do Relatório de inspecção, não fazendo parte do processo arbitral ora recorrido”), vem defender que os conceitos utilizados pelas normas jurídicas devem ser interpretados com sentido idêntico em todos os ramos do Direito “tendo em conta a unidade sistemática do ordenamento jurídico e em homenagem ao princípio da certeza e segurança jurídica”. “O termo “diferimento” emana do ramo de Direito Bancário”, encontrando-se aí “associado a pagamentos parcelares/faseados, e não ao pagamento depois de decorridos três anos”, sendo também este “o sentido correcto em termos lógicos e de política de gestão de remunerações”. Motivo pelo qual considera a Recorrida “que o tribunal “a quo” fez uma correta aplicação do Direito”.

Por fim, e por defender que o “entendimento a dar ao termo “diferimento” adoptado na alínea a) do n.º 13 do artigo 88º” não pode “dissociar-se do do desempenho positivo da sociedade nesse período”, e por verificar que no caso em apreço nos autos a Recorrida “não diferiu o pagamento do bónus por um período mínimo de três anos, como exigido na lei”, tendo antes diferido “49% num ano e os restantes 51% em três parcelas iguais de 17% repartidas por três anos”, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA concluiu pelo provimento do recurso e, consequentemente, pela revogação da decisão arbitral recorrida.

Vejamos.

Dispõe a alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC que são tributados autonomamente, à taxa de 35%, “os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”.

Como já foi referido anteriormente, a questão em discussão nos presentes autos prende-se, unicamente, com o significado a conferir à expressão “salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos”. Com efeito, a questão relativa ao desempenho positivo da sociedade não foi levada ao probatório da decisão arbitral recorrida, não tendo, consequentemente, nela sido especificamente analisado. Em rigor, o Tribunal Arbitral apenas menciona a questão do desempenho positivo da sociedade para evidenciar que a interpretação por si defendida a respeito do requisito que estava verdadeiramente em discussão (ou seja, do requisito relativo ao diferimento do pagamento do prémio) não inquina irremediavelmente a possibilidade de verificação daquele primeiro requisito (ou seja, do requisito relativo ao desempenho positivo da sociedade), não procedendo a qualquer análise concreta relativa à sua verificação ou não verificação. Motivo pelo qual não cabe agora a este Tribunal proceder a essa análise.

Ora, através da mera leitura da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC não é possível interpretar definitivamente o seu conteúdo, precisamente porque a palavra diferir tem um significado polissémico. Em rigor, diferir pode significar o acto de adiar, de deixar algo para ocasião futura ou para mais adiante e pode, igualmente, significar o acto de fazer durar ou demorar (precisamente neste sentido, vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/diferir e https://dicionario.priberam.org/diferir). Como tal, numa mera interpretação literal do teor da norma, a expressão “diferimento por um período mínimo de três anos” tanto pode significar o diferimento ao longo de um período de três anos (como se admite na decisão arbitral recorrida) ou diferimento para um termo mínimo de três anos (como se decidiu na decisão arbitral fundamento e se admite igualmente na decisão arbitral recorrida).

Importa, pois, convocar outros elementos que nos permitam proceder a uma interpretação adequada da norma em análise. A norma fiscal em apreço reporta-se a uma realidade disciplinada por um conjunto de normas não fiscais e que importa tomar em consideração na medida em que, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil (aplicável ex vi o artigo 2.º da Lei Geral Tributária), “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” e também porque, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.

Neste contexto, começamos por verificar que o n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC foi aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril). De acordo com o respectivo Relatório elaborado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, a justificação subjacente ao aditamento deste artigo foi a seguinte: “em conformidade com a política de boas práticas que o Governo tem vindo a estimular junto do sector financeiro e, bem assim, com as orientações mais recentes da CMVM quanto às sociedades cotadas, prevê a presente Proposta de Lei a fixação de uma taxa autónoma de IRC de 35%, aplicável a todos os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a 27 500 euros, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período” (nosso sublinhado).

Ora, as orientações mais recentes da CMVM a que alude o referido Relatório são as orientações emitidas por aquele organismo em 2010 e designadas de Código de Governo das Sociedades, em cujo ponto II.1.5.1 se dispõe que “a remuneração dos membros do órgão de administração deve ser estruturada de forma a permitir o alinhamento dos interesses daqueles com os interesses de longo prazo da sociedade, basear-se em avaliação de desempenho e desincentivar a assunção excessiva de riscos. Para este efeito, as remunerações devem ser estruturadas, nomeadamente, da seguinte forma: (i) A remuneração dos administradores que exerçam funções executivas deve integrar uma componente variável cuja determinação dependa de uma avaliação de desempenho, realizada pelos órgãos competentes da sociedade, de acordo com critérios mensuráveis pré-determinados, que considere o real crescimento da empresa e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a sua sustentabilidade a longo prazo e os riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da empresa. (…) (iii) Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período” (nosso sublinhado).

No mesmo sentido, podia ler-se no ponto IV.4. da Carta Circular do Banco de Portugal n.º 2/2010/DSB de 1/02/2010 (já revogado mas contemporâneo da introdução da norma em apreço) que uma parte significativa da remuneração variável dos membros executivos do órgão de administração “deve ser diferida por um período não inferior a três anos e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da instituição ao longo desse período”.

Como esclarece Nuno Miguel Morujão [“Comentário ao Acórdão 545/2016-T do Tribunal Arbitral do CAAD (sobre a tributação autónoma incidente em remunerações variáveis de gestores)” in Revista de Arbitragem Tributária, n.º 9, Junho de 2018, pp. 16 a 23], “o denominador comum a estas normas está pois no objetivo de se evitar os efeitos perversos e de curto prazo que uma política de remunerações pode suscitar. Para tal, as componentes variáveis da remuneração devem depender de critérios de desempenho pré-definidos e mensuráveis, numa perspetiva de médio-prazo, para que se possa aferir se foi criado valor de forma sustentada”. Neste sentido, o Autor não tem dúvidas “quanto à finalidade extrafiscal” do disposto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC: “a indução de melhores práticas de governação, pelo menos no que tange às políticas de remuneração. De facto, a CMVM tem vindo a salientar a importância de ser evitada a assunção excessiva de riscos, e de se “alinhar a estrutura remuneratória com os interesses [dos acionistas de longo prazo] cuja prossecução incumbe à administração, o que pode ser eficazmente realizado através da previsão da remuneração variável, indexada à avaliação do desempenho”.

Portanto, e como lembra a decisão arbitral recorrida, o objectivo do legislador fiscal aquando da adopção do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC foi “a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM”, utilizando-se “a política fiscal para pressionar (ao tributar de forma agravada) as sociedades a adotar as melhores práticas de governação das sociedades”. No mesmo sentido já se tinha, aliás, pronunciado o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016, proferido no Processo n.º 465/2015, ao afirmar que “no caso da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade, isso porque se excecionam da tributação aquelas situações em que o pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

De maneira que nenhuma crítica se pode apontar à decisão arbitral recorrida quando esta afirma que qualquer uma das interpretações veiculadas a respeito da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC (v.g., diferimento durante três anos e diferimento para o termo de três anos) “cumpre com o sentido e objectivos” da norma, admitindo, por essa via, a interpretação levada a cabo pela Recorrida no caso sub judice. Com efeito, é para o Tribunal arbitral evidente que “o pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida.”. E “por razões de coerência do sistema jurídico, não faria também sentido que uma norma similar e com a mesma ratio tenha interpretações distintas no Direito Fiscal e no Direito Bancário”.

É neste particular contexto que cumpre ainda chamar à colação a regulamentação específica a que foi sujeita a política de remunerações aplicável ao sector bancário, com alterações introduzidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) por força da transposição da Directiva n.º 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 para o ordenamento jurídico nacional (através do Decreto-lei n.º 157/2014, de 24 de Outubro). E isto porque o n.º 7 do artigo 115.º-E daquele Regime Geral estabelece que “uma parte substancial da componente variável da remuneração deve ser diferida durante um período mínimo de três a cinco anos, devendo tal componente e a duração do período de diferimento ser fixados em função do ciclo económico, da natureza da atividade da instituição de crédito, dos seus riscos e da atividade do colaborador em questão, devendo ser respeitado o seguinte:

a) Pelo menos 40 % da componente variável da remuneração é diferida, sendo esse montante elevado para pelo menos 60 % quando a componente variável da remuneração seja de valor particularmente elevado;

b) O direito ao pagamento da componente variável da remuneração sujeita a diferimento deve ser atribuído numa base proporcional ao longo do período de diferimento” (nosso sublinhado).».

Em suma, e como se concluiu no acórdão que acolhemos como fundamento desta nossa decisão, sendo a interpretação do disposto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC realizada pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida admitida pela letra da lei, a mais conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades e, por fim, estando em causa uma instituição bancária e a interpretação que se revela actualmente obrigatória ao abrigo do disposto no artigo 115.º-E do RGICSF, não é merecedora de censura a decisão arbitral que julgou que a remuneração variável atribuída no caso sub judice deveria estar excluída de Tributação Autónoma em virtude de o pagamento de uma parcela correspondente a 50% do respectivo montante ter sido diferida de forma proporcional ao longo de um período de 3 anos.

As custas do presente recurso são integralmente suportadas pela Recorrente que ficou vencida (artigo 527.º do CPC).

4. Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e negar-lhe provimento.

Custas pela Recorrente.

Registe, notifique e, oportunamente, comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 20 de Janeiro de 2021
Anabela Ferreira Alves e Russo (Relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Paulo José Rodrigues Antunes - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (conforme declaração de voto que junto) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Gustavo André Simões Lopes Courinha (conforme declaração de voto que junto) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.

Declaração de voto do Senhor Conselheiro Aníbal Augusto Ruivo Ferraz:

Voto o acórdão, em obediência à lei (artigos 4.º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), 2.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 8.º n.º 3 do Código Civil (CC).

Aníbal Ferraz

Voto de vencido do Senhor Conselheiro Gustavo Lopes Courinha:

Voto o acórdão, em obediência à lei (artigos 4.º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), 2.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 8.º n.º 3 do Código Civil (CC).

Gustavo Lopes Courinha