Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0749/04
Data do Acordão:12/07/2004
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
REJEIÇÃO LIMINAR.
CONVOLAÇÃO.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
DIVIDA À SEGURANÇA SOCIAL.
Sumário:Não sendo possível determinar se ocorreu ou não omissão de acto tributário de liquidação de dívidas à Segurança Social não podia ser rejeitada liminarmente a oposição pois que tendo o mesmo sido praticado será a impugnação o meio adequado para questionar a legalidade do acto tributário respectivo, devendo averiguar-se se ocorre situação a exigir convolação do processo de oposição em processo de impugnação e não tendo o mesmo sido praticado e ocorrer, por isso, omissão de acto tributário de liquidação deveria em oposição apreciar-se a questionada legalidade concreta da liquidação.
Nº Convencional:JSTA00061257
Nº do Documento:SA2200412070749
Data de Entrada:06/29/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:INST GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL DE ÉVORA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BEJA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART97 N1 A B ART99 ART102 ART204 N1 A H I.
DL 512/76 DE 1976/07/03 ART2 N1 ART9.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG444 NOTA8 PAG907.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
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1. A... recorre da decisão que, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, rejeitou liminarmente a oposição por dívidas à Segurança Social.
Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo:
1 – Salvo, o devido respeito, houve um erro de subsunção do estatuído no artigo 204º alínea h) do CPPT à matéria dos autos, que levou ao despacho de rejeição liminar da oposição à execução, por parte da Meritíssima Juiz a quo.
2 - Da parte do IGFSS não foi efectuada a liquidação da dívida, impedindo o oponente/recorrente, de discutir a sua legalidade em sede de impugnação judicial.
3 – Assim sendo no caso sub judice, é na oposição à execução, a sede própria para discussão da legalidade da dívida em concreto, nos termos do artigo 204º, al. h) do CPPT.
O EMMP entende que o recurso não merece provimento pois que o recorrente não articula, na petição, factos que integrem qualquer fundamento legal de oposição à execução fiscal.
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2. A decisão recorrida rejeitou liminarmente a oposição depois de afirmar que:
Nos presentes autos de oposição à execução por dívidas ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social na petição inicial não vem invocado nenhum dos fundamentos que a lei previu taxativamente no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para basear este tipo de acções.
O que o oponente alega é que não aceita que tenha que pagar essas contribuições que lhe estão a ser exigidas, pois que as importâncias detectadas pela inspecção da Segurança Social foram pagas aos seus colaboradores “a título de transporte ou ajudas de custo”, sendo certo que os mesmos lhe prestam a sua colaboração “em regime de voluntariado e pelo gosto de ajudar o clube da sua terra” (“todos eles são trabalhadores por conta de outrem nas mais diversas entidades, pagando nestas os respectivos impostos e contribuições para a Segurança Social”).
Assim, entende não haver “nesta relação de colaboração qualquer vínculo laboral ou contrato de trabalho, pressuposto essencial para a obrigação legal de contribuir para a Segurança Social”. E ainda que se entenda que tais importâncias poderiam ser enquadradas “como rendimentos de prestadores de serviços, isto é, como trabalhadores independentes”, ainda assim estariam isentos, nos termos da lei, pelo que nunca seriam exigíveis as quantias pedidas na presente execução.
Nesta sua alegação vem, assim, o oponente pretender discutir a legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda, isto é, saber se a mesma foi bem ou mal feita, de acordo ou ao arrepio das normas que a deveriam ter informado. Porém, isso só seria possível nesta sede se a lei não assegurasse outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do citado Código de Procedimento e de Processo Tributário – alínea h) essa, de resto, expressamente invocada pelo oponente no respectivo articulado.
Acontece que os artigos 97.º, n.º 1, alíneas a) e p) e 99.º desse mesmo Código prevêem a impugnação judicial ou o recurso contencioso contra tal tipo de actos de liquidação dos tributos parafiscais com fundamento em qualquer ilegalidade não podendo transferir-se para o processo de oposição a discussão da legalidade da liquidação da dívida em causa.
E afastada aquela alínea h), não vemos em que outra alínea do citado artigo 204.º se possa enquadrar, directa ou mesmo indirectamente, esta oposição ao processo executivo – nem, de resto, o oponente as indica.
Nem mesmo, adiantamos nós, na sua alínea a) ou sequer na sua alínea i).
E nem uma nem outra têm aplicação ao caso “sub judice”. Prevê a primeira a chamada ilegalidade absoluta da dívida exequenda, ou porque não existia lei em vigor à data dos factos que previsse a respectiva liquidação, ou porque não estivesse autorizada a sua cobrança (acrescentando-se aqui a situação de, apesar de existir lei, ela ter sido declarada inconstitucional). A segunda consistia na invocação de factos supervenientes extintivos ou modificativos da obrigação, a provar apenas por documento, mas pressupondo sempre que se não entrasse na “apreciação da legalidade da liquidação da divida exequenda”, nem se interferisse “em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”, como dela consta.
Nada disso ocorre nos autos onde se pretende discutir a legalidade concreta daquela dívida que está a ser executada.
Nestas circunstâncias, seria até injusto para o oponente deixar agora prosseguir a oposição – criando-lhe expectativas de ganho de causa –, quando, afinal, não há, à partida, qualquer viabilidade para a sua pretensão pelo que se impõe que o processo fique logo por aqui.
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3. É manifesto que o oponente pretende discutir a legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda, isto é, saber se a mesma foi bem ou mal liquidada e que isso só é possível em oposição se a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do citado Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Diversamente a denominada ilegalidade absoluta ou abstracta da dívida exequenda, porque não existia lei em vigor à data dos factos que previsse a respectiva liquidação, ou porque não estivesse autorizada a sua cobrança ou existindo lei a mesma tivesse sido declarada inconstitucional, pode servir de fundamento à oposição nos termos do artº 204º a) do CPPT.
Afirmou a decisão recorrida que nesta oposição vem questionada aquela legalidade concreta da dívida exequenda pelo que rejeitou liminarmente a presente oposição uma vez que a lei asseguraria outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
Contra o assim decidido insurge-se a recorrente sustentando que da parte do IGFSS não foi efectuada a liquidação da dívida, impedindo o oponente/recorrente, de discutir a sua legalidade em sede de impugnação judicial pelo que é a oposição à execução a sede própria para discussão da legalidade da dívida em concreto, nos termos do artigo 204º, al. h) do CPPT.
E sobre tal questão ainda não foi ouvida o IGFSS desconhecendo-se, por isso, se no procedimento administrativo foi ou não praticado tal acto tributário de liquidação.
E o caminho a trilhar será diverso consoante tenha sido ou não praticado tal acto tributário.
Com efeito é permitido questionar a legalidade do acto tributário da liquidação, em processo de oposição, nos termos desta al. h) do artº 204º do CPPT, quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
E tal aconteceria na situação em que é instaurada execução com certidão de dívida à Segurança social com fundamento na constatação da falta de entrega de determinadas quantias por falta de entrega dos meios de pagamento, no prazo legal subsequente ao envio das folhas relativas ás remunerações de pessoal.
Em tal situação a lei permite a extracção de certidão de dívida perante a constatação da omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação caso em que a lei não assegura meio de impugnação do acto de liquidação.
Nem sempre foi este o regime das dívidas à segurança social pois que, na vigência do DL 45.266, de 23-9-63 e até à entrada em vigor do DL 511/76, de 3-7, da falta de pagamento das contribuições para a segurança social resultava a instauração de processo de transgressão sendo o título executivo a sentença condenatória proferida naquele processo de transgressão.
Após o citado DL 511/76, de 3-7, a cobranças das dívidas à segurança social passou a efectuar-se imediatamente através do processo executivo tal como refere o preâmbulo deste diploma legal e é estabelecido nos artºs 2º 1 e 9º.
Com efeito e tal como resulta do artº 2º 1 as entidades patronais que sejam contribuintes do regime geral da previdência efectuarão a entrega das folhas de ordenados ou salários e pagarão as respectivas contribuições dentro dos prazos regulamentares acrescentando o artº 9º que o processo executivo para a cobrança das contribuições do regime geral da previdência terá por base certidão extraída das folhas de ordenados ou salários, dos apuramentos feitos pela Inspecção do Trabalho além do mais.
Por força destes preceitos legais caberia ao contribuinte calcular as contribuições devidas aplicando as taxas legais às remunerações laborais.
Caso o contribuinte não efectue tal cálculo e não entregue tal quantia será extraída pela Segurança Social certidão para cobrança da respectiva dívida.
E em tais situações não pode o contribuinte impugnar judicialmente ou reclamar graciosamente pois que os prazos para o exercício de tais direitos iniciam-se após o decurso do prazo de pagamento voluntário posterior ao acto de liquidação, nos termos do artº 102º do CPPT.
Daí que, conforme escreve Jorge de Sousa, CPPT, 4ª edição 2003, nota 8, p. 444 e nota 42, p. 907 e seguintes, “a certidão para fins executivos que constitui o acto de liquidação, apenas é extraída caso o contribuinte não efectue o pagamento das contribuições no prazo legal, e, por isso, o acto a impugnar será sempre, forçosamente posterior ao termo do prazo de pagamento voluntário da dívida, não prevendo a lei qualquer meio para a sua impugnação contenciosa”.
Contudo na situação concreta dos presentes autos não é possível, neste momento, determinar se ocorreu a situação a que nos estamos referindo (omissão de acto tributário de liquidação) ou se diversamente a Segurança Social praticou acto tributário da liquidação caso em que o mesmo deveria ser objecto de impugnação.
Ocorrendo esta situação será a impugnação o meio adequado para questionar a legalidade do acto tributário respectivo pelo que sempre haveria que averiguar se ocorre situação a exigir convolação do processo de oposição em processo de impugnação.
Se contudo não tiver sido praticado tal acto e ocorrer, por isso, omissão de acto tributário de liquidação deveria em oposição apreciar-se a questionada legalidade concreta da liquidação.
E perante aquela ou esta situação de dúvida sobre a existência ou não do referido acto tributário da liquidação não podia ser rejeitada liminarmente a presente oposição.
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4. Nos termos expostos concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida para que os autos de oposição prossigam se a tal nada obstar.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2004. – António Pimpão (relator) – Baeta de Queiroz – Lúcio Barbosa.