Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0245/17.4BELRA
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
DESPESAS
IMÓVEL
Sumário:I - Para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS - art. 51º al. a) do mesmo diploma legal.
II - Despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.
III - Não se pode considerar como despesa necessária inerente à alienação as despesas suportados com a extinção e pagamento de penhoras, pois que, não são dedutíveis na determinação do rendimento colectável (mais-valias) em IRS, na medida em que, estas despesas só foram necessárias para libertar os bens dos encargos que sobre eles recaia.
IV - O caso das comissões imobiliárias é diferente das despesas em causa, pois que, se o interessado opta pela venda do imóvel através da mediação imobiliária, como pode fazer, estas despesas estão, inequivocamente, conexas com a transacção concreta na origem das mais-valias, são-lhe inerentes, o que já não acontece, como vimos, com os encargos com a desoneração do imóvel alienado.
Nº Convencional:JSTA000P26744
Nº do Documento:SA2202011180245/17
Data de Entrada:01/04/2019
Recorrente:A............ (E OUTROS)
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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*******

Processo n.º 245/17.4BELRA (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A………… e B…………, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 28-09-2018, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto tributário de liquidação de IRS n.º 20155000044913, referente ao ano de 2013, e respectiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 7.572.52, bem como contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) - A douta sentença recorrida entendeu que a atuação da AT não merece censura e que a despesa tida com a desoneração do imóvel vendido não se enquadra no conceito de despesa necessária prevista na alínea a) do artigo 51º do CIRS.

B) - Entendem os recorrentes que, a douta sentença recorrida padece de errónea apreciação e aplicação das disposições legais face à matéria dada como provada, ao não considerar que a desoneração do imóvel alienado constitui encargo que deve fazer parte do cálculo do rendimento líquido do sujeito passivo, viola os princípios sobre que assenta o IRS.

C) - Na interpretação do conceito do que são despesas necessárias, plasmado no artigo 51º do CIRS, é fundamental ter em consideração os princípios constitucionais e legais da igualdade e da capacidade contributiva, que têm por escopo o rendimento líquido do sujeito passivo e do seu agregado familiar.

D) - No ponto 1 do probatório da douta sentença recorrida, dá-se como provado que os herdeiros de C…………. foram condenados a pagar o dobro do sinal no âmbito do anterior contrato promessa relativo ao imóvel alienado e que deu origem às mais-valias tributadas na esfera dos recorrentes e, porque os herdeiros não cumpriram voluntariamente esta decisão foi instaurada execução, no âmbito da qual o exequente promoveu penhora com vista a garantir o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos (ponto 2. dos factos provados).

E) - Sentença condenatória essa que se encontra junto aos autos e da qual resulta que tal indemnização (de pagamento do sinal em dobro) foi fixada por não ser possível a execução específica do contrato promessa de compra e venda.

F) - Assim, podemos dizer que o pagamento do sinal em dobro constituiu para o recorrente marido e restantes co-herdeiros um custo de aquisição do próprio prédio incluído na herança, porquanto caso fosse possível a execução específica do contrato-promessa o prédio não teria chegado sequer à posse dos herdeiros.

G) - Ou seja, o encargo declarado pago pelo recorrente não constitui uma mera desoneração ou pagamento de uma dívida assegurada por penhora de um credor do recorrente (e demais co-herdeiros), mas representou isso sim a satisfação do promitente-comprador que não podendo ver assegurado o seu direito à execução específica do contrato promessa de compra e venda teve direito a ser compensado com o sinal em dobro.

H) - Donde, a dedução de tal encargo real, que o recorrente teve com a aquisição do imóvel, é uma despesa que integra o conceito de despesa necessária, e cuja ponderação no cálculo das mais-valias assegura o respeito pelo princípio da capacidade contributiva e a tributação do rendimento real.

I) - Conclui-se, assim, que ao valor de aquisição terá de ser acrescido o encargo tido com o pagamento do sinal em dobro, porque foi necessário incorrer nesta despesa para obtenção do próprio prédio, e, consequentemente, para a obtenção do ganho de mais-valia após a sua alienação.

J) - De facto, existe um nexo de causalidade entre o pagamento da indemnização (e subsequente cancelamento do registo de penhora que assegurava o seu pagamento) para a aquisição do imóvel e a mais-valia obtida com a sua alienação.

K) - Acresce que, a mesma lógica interpretativa usada pela AT, de que constitui despesa necessária o encargo suportado com a mediação imobiliária, deve pode ser aplicada no presente caso.

L) – De facto, a intervenção de mediação imobiliária num negócio de alienação é exterior à alienação, e não sendo obrigatória, nada impede que o proprietário aliene diretamente ao adquirente um imóvel sem intervenção de um terceiro.

M) - Efetivamente, as despesas de mediação não são obrigatórias, e desde logo constituem uma livre escolha dos sujeitos passivos aquando da alienação de um imóvel, e, ainda assim, são tidas como despesa necessária quando incorrida.

N) - Donde, o mesmo se pode dizer quanto aos encargos com a desoneração do imóvel alienado, que embora não legalmente imposto como condição de alienação representa uma condição, na prática, “imposta” pelo adquirente, logo, poder-se-á concluir que está intrinsecamente ligada à alienação do imóvel e à obtenção do rendimento.

O) - Ora, se a AT admite como despesa necessária, no âmbito do art.º 51º do CIRS, o pagamento das comissões imobiliárias terá que ter o mesmo entendimento com o custo suportado com a prévia desoneração do imóvel alienado.

P) - Por tudo que foi exposto, existe um nexo de causalidade entre a mais valia tributada e o encargo incorrido (pagamento da indemnização e consequente cancelamento da penhora que esta garantia), pelo que se conclui que o mesmo está abrangido pelo artigo 51º n.º 1 al. a) do CIRS, devendo assim ser aceite como encargos e despesas no cálculo da mais valia.

Q) – Concluindo, nestes termos, pela errónea interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis aos factos provados efetuada pela douta sentença recorrida, pelo que não pode a mesma manter-se na ordem jurídica.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo ser dado provimento ao recurso anulando a douta sentença recorrida e, consequentemente, anulada a liquidação impugnada.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da sentença recorrida que recusou abrigo à pretensão dos Recorrentes no entendimento de que o pagamento de montante relativo a indemnização por restituição de sinal em dobro, fixada em decisão judicial, tendo em vista o levantamento de penhora incidente sobre o imóvel alienado, não constitui despesa necessária e efectivamente praticada, inerente à alienação do mesmo imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51º al. a) do CIRS.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria no processo n.º 850/2011 foi o impugnante marido, …………. e ……………, enquanto herdeiros de C…………. condenados a pagar a ………….. o dobro do sinal por este pago no âmbito do contrato-promessa relativo ao imóvel (artigos 2045 e 2044), acrescido dos juros de mora até integral reembolso (cfr. fls. 11 a 25 dos autos e fls. 7 a 36 do processo administrativo – PA – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2045 encontrava-se registada uma penhora a favor de …………, através da AP n.º 1335, de 30-01-2012 (facto que se extrai da escritura de compra e venda a fls. 26 a 28 dos autos e fls. 37 a 42 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 23-01-2013 foi celebrado contrato de compra e venda entre ………….., A………. e ………., na qualidade de vendedores, e a sociedade “………………. Limitada”, na qualidade de compradora, através do qual aqueles venderam a esta, pelo valor total de € 350.000,00, os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 2045 e 2389, ambos da freguesia de …………, concelho de Leiria (cfr. escritura de compra e venda a fls. 26 a 28 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Do valor total de € 350.000,00 do contrato de compra e venda identificado no número antecedente, a compradora sociedade “……………. Limitada”, pagou a quantia de € 218.155,90 referente à quantia exequenda actualizada da penhora identificada em 2), no âmbito do processo n.º 850/2011 referido em 1) (facto que se extrai da escritura de compra e venda a fls. 26 a 28 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 16-07-2014 os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 do IRS referente ao ano de 2013, tendo no anexo G inscrito, quanto ao artigo 2045, no campo 401 do quadro 4 o valor de realização de € 45.000,00, e de aquisição o valor de € 401,19 e quanto ao artigo 2389, o valor de realização de € 13.332,00, de aquisição o valor de € 4.928,67 e de encargos o valor de € 52.450,00 (facto de que se extrai da informação de fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 31-03-2015 foi elaborada em nome dos impugnantes, declaração oficiosa de IRS, tendo sido eliminado do campo 402 do quadro 4 do anexo G o valor de € 52.450,00 respeitante despesas e encargos (facto de que se extrai da informação de fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 14-04-2015 foi em nome dos impugnantes emitida a liquidação de IRS n.º 20155000044913 referente ao ano de 2013, com imposto a pagar no valor de € 7.572.52 (cfr. fls. 9/verso dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 30-06-2015 os impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação identificada no número antecedente (cfr. fls. 3 e 4 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Em 06-07-2015 foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Leiria – 1 projecto de decisão, a propor o indeferimento da reclamação graciosa, sobre o qual recaiu despacho concordante do Chefe do Serviço de Finanças proferido na mesma data, tendo sido determinada a notificação dos Impugnantes para se pronunciarem sobre o mesmo (cfr. fls. 45 a 47 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. O projecto de decisão identificado no número antecedente foi remetido aos Impugnantes em 08-07-2015 por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 2658, o qual foi entregue em 09-07-2015 (cfr. fls. 48 a 50 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 13-08-2015 foi elaborada informação final a propor o indeferimento da reclamação graciosa, a qual foi confirmada por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria – 1 proferido na mesma data (cfr. fls. 51 a 53 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi remetida aos Impugnantes por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 3146, o qual foi entregue em 17-08-2015 (cfr. fls. 54 e 55 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. Em 16-09-2015 os impugnantes apresentaram recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no número antecedente (cfr. fls. 58 a 60 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. Por despacho proferido pelo Director de Serviços do IRS de 26-10-2016 foi indeferido o recurso hierárquico identificado no número antecedente (cfr. fls. 66 a 69 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. A decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi remetida aos Impugnantes em 07-11-2016, por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 1209, o qual foi entregue em 08-11-2016 (cfr. fls. 54 e 55 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. A presente impugnação foi remetida a este Tribunal, via SITAF, em 06-02-2017 (cfr. fls. 1 dos autos).

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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
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A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da sentença recorrida que recusou abrigo à pretensão dos Recorrentes no entendimento de que o pagamento de montante relativo a indemnização por restituição de sinal em dobro, fixada em decisão judicial, tendo em vista o levantamento de penhora incidente sobre o imóvel alienado, não constitui despesa necessária e efectivamente praticada, inerente à alienação do mesmo imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51º al. a) do CIRS.

Nas suas alegações, os Recorrentes defendem que na interpretação do conceito do que são despesas necessárias, plasmado no artigo 51º do CIRS, é fundamental ter em consideração os princípios constitucionais e legais da igualdade e da capacidade contributiva, que têm por escopo o rendimento líquido do sujeito passivo e do seu agregado familiar, sendo que no ponto 1 do probatório da douta sentença recorrida, dá-se como provado que os herdeiros de C…………. foram condenados a pagar o dobro do sinal no âmbito do anterior contrato promessa relativo ao imóvel alienado e que deu origem às mais-valias tributadas na esfera dos recorrentes e, porque os herdeiros não cumpriram voluntariamente esta decisão foi instaurada execução, no âmbito da qual o exequente promoveu penhora com vista a garantir o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos (ponto 2. dos factos provados), sentença condenatória essa que se encontra junto aos autos e da qual resulta que tal indemnização (de pagamento do sinal em dobro) foi fixada por não ser possível a execução específica do contrato promessa de compra e venda, pelo que, podemos dizer que o pagamento do sinal em dobro constituiu para o recorrente marido e restantes co-herdeiros um custo de aquisição do próprio prédio incluído na herança, porquanto caso fosse possível a execução específica do contrato-promessa o prédio não teria chegado sequer à posse dos herdeiros, ou seja, o encargo declarado pago pelo recorrente não constitui uma mera desoneração ou pagamento de uma dívida assegurada por penhora de um credor do recorrente (e demais co-herdeiros), mas representou isso sim a satisfação do promitente-comprador que não podendo ver assegurado o seu direito à execução específica do contrato promessa de compra e venda teve direito a ser compensado com o sinal em dobro, o que significa que a dedução de tal encargo real, que o recorrente teve com a aquisição do imóvel, é uma despesa que integra o conceito de despesa necessária, e cuja ponderação no cálculo das mais-valias assegura o respeito pelo princípio da capacidade contributiva e a tributação do rendimento real, de modo que, ao valor de aquisição terá de ser acrescido o encargo tido com o pagamento do sinal em dobro, porque foi necessário incorrer nesta despesa para obtenção do próprio prédio, e, consequentemente, para a obtenção do ganho de mais-valia após a sua alienação, pois que existe um nexo de causalidade entre o pagamento da indemnização (e subsequente cancelamento do registo de penhora que assegurava o seu pagamento) para a aquisição do imóvel e a mais-valia obtida com a sua alienação.

Acresce que, a mesma lógica interpretativa usada pela AT, de que constitui despesa necessária o encargo suportado com a mediação imobiliária, deve pode ser aplicada no presente caso, na medida em que a intervenção de mediação imobiliária num negócio de alienação é exterior à alienação, e não sendo obrigatória, nada impede que o proprietário aliene directamente ao adquirente um imóvel sem intervenção de um terceiro, verificando-se que as despesas de mediação não são obrigatórias, e desde logo constituem uma livre escolha dos sujeitos passivos aquando da alienação de um imóvel, e, ainda assim, são tidas como despesa necessária quando incorrida, situação que se estende aos encargos com a desoneração do imóvel alienado, que embora não legalmente imposto como condição de alienação representa uma condição, na prática, “imposta” pelo adquirente, logo, poder-se-á concluir que está intrinsecamente ligada à alienação do imóvel e à obtenção do rendimento e se a AT admite como despesa necessária, no âmbito do art.º 51º do CIRS, o pagamento das comissões imobiliárias terá que ter o mesmo entendimento com o custo suportado com a prévia desoneração do imóvel alienado.

Que dizer?

O art. 10º nº 1 al. a) do Código do IRS aponta que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário, sendo que a al. a) do nº 4 do mesmo preceito legal refere que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, no casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1.

Tal significa que as mais-valias envolvem quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, v.g. por via da transmissão onerosa de bens imóveis, ainda que alheias à actividade ou vontade da entidade em cujo património tal valorização se irá afinal repercutir, sendo inequívoco, para efeitos de tributação em IRS, que se considera mais-valia sujeita a imposto a diferença positiva entre o valor de transmissão e o valor de aquisição resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.

Por seu lado, o art. 51º al. a) também do Código do IRS (na redacção vigente à data dos factos, dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) determina que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.

Assim, são mais-valias tributáveis os ganhos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (art.10º nº 1 al. a) do CIRS - redacção vigente à data do facto tributário - 2013) e o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos 44º a 52º do CIRS (artigo 43º nº 1 do CIRS), verificando-se que o saldo atrás referido, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas no artigo 10º nº 1 al. a) do CIRS, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor (artigo 43º nº 2 do CIRS).

Diga-se ainda que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de realização no caso de alienação de imóvel, o valor da respectiva contraprestação e, no caso de ser superior o valor tido em conta para efeitos de liquidação do IMIT, ou não havendo lugar a esta o valor que devesse ser, caso fosse devida (artigo 44º nº 1 al. f) e 2 do CIRS) e no caso do art. 10º nº 1 al. a) do CIRS, se o imóvel tiver sido adquirido a título oneroso considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação de IMT (art. 46º do CIRS), para além de que sempre que entre a data de aquisição e a data de alienação tenham decorrido mais de 24 meses o valor de aquisição ou equiparada de direitos reais sobre os e bens referidos no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS é corrigido pela aplicação de coeficientes, nos termos estatuídos no art. 50º do CIRS.

Avançando, e como já ficou enunciado, para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS - art. 51º al. a) do mesmo diploma legal.

Ora, a questão controvertida nos presentes autos traduz-se em saber se o montante de € 52.450,00, pago a título de indemnização, relativa a pagamento de sinal em dobro, por incumprimento de contrato-promessa de compra e venda do imóvel alienado, fixada por decisão judicial, tendo em vista o levantamento da penhora que incidia sobre este imóvel, constitui uma despesa necessária inerente à alienação do imóvel (artigo matricial rústico 2045, da freguesia de ……….. concelho de Leiria), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º/a) do CIRS.

Quanto às despesas inerentes à alienação, o Ac. deste Tribunal de 18-11-2009, Proc. nº 0585/09, www.dgsi.pt, refere que:

“…

No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.

Ora, o qualificativo “inerente”, logo etimologicamente - in re - contém, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.

De outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação.

Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”.

A posição dos recorrentes fica-se pela necessidade da despesa, não se atribuindo então, rigorosamente, àquela expressão, qualquer sentido útil.

E, pelo contrário, há-de entender-se que ela não só traz em si um quid significante acrescentativo, como é mesmo a verdadeira subordinante do preceito.

Não basta, pois, como aliás se refere na sentença, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento; é necessário que elas dele sejam indissociáveis.

Ora, não é a hipótese das despesas em causa, que apenas são conexas à alienação, não são dela inseparáveis: aquela podia perfeitamente ter lugar sem elas, ainda que por um valor diferente. …”.

Nesta sequência, temos que despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.

Com este pano de fundo, deparamos, in casu, com uma despesa que teve em vista a desoneração do imóvel alienado para ser entregue livre de ónus ou encargos, situação que não se vislumbra como indissociável da alienação.

Na verdade, embora tal despesa esteja conexionada com a venda não é inerente a esta, é-lhe exterior, tanto assim que nem sequer havia impedimento legal a que o imóvel tivesse sido vendido com esse ónus, embora tal venda não fosse oponível à execução (artigo 819º do C. Civil).

Por outro lado, como se refere na sentença recorrida, citando Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, 2.ª edição Almedina, pág. 140) e Paula Rosado Pereira (Estudos sobre o IRS, Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, 2005, pág. 108) exemplos de despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação são as relativas a registos e escrituras-públicas e a comissão paga ao agente imobiliário que intermediou a venda.

Além disso, como se retira da anotação ao artigo 51º do CIRC (Códigos Anotados & Comentados, IRS, Edição Julho 2015, Coordenação Prof.ª Doutora Glória Teixeira e Mestre Patrícia Anjos Azevedo, Lexit, o Informador Fiscal, página162/163 “Na esteira da tributação tendencial de rendimentos reais e efectivos este artigo confere relevância fiscal aos seguintes encargos e despesas na determinação dos ganhos (mais-valias) sujeitas a imposto:

(…)

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição, nas situações a que se refere o art. 1º, n.º 1alínea a) - v.g. o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e os encargos notariais e de registo predial suportados com a aquisição do imóvel alienado - e, na redacção dada pela Lei 82-E/2014, de 31 de Janeiro, nas situações a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo.

c) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações a que se referem as alíneas), b) e c) do art.º 10.º - considerando-se como tais aquelas que se mostrem inequivocamente conexas com a transacção concreta na origem da mais-valia tributável (v.g. comissões de mediação imobiliária ou de corretagem) e não sendo enquadráveis, nesta vertente, quaisquer outras como encargos com processos judiciais de despejo de ocupantes de um imóvel”.

Assim, conforme se conclui na decisão recorrida, não se pode considerar como despesa necessária inerente à alienação as despesas suportados com a extinção e pagamento de penhoras, pois que, não são dedutíveis na determinação do rendimento colectável (mais-valias) em IRS, na medida em que, estas despesas só foram necessárias para libertar os bens dos encargos que sobre eles recaia.

Finalmente, como aponta o Ex.mo Magistrado do Ministério Publico, o caso das comissões imobiliárias é diferente das despesas em causa, pois que, se o interessado opta pela venda do imóvel através da mediação imobiliária, como pode fazer, estas despesas estão, inequivocamente, conexas com a transacção concreta na origem das mais-valias, são-lhe inerentes, o que já não acontece, como vimos, com os encargos com a desoneração do imóvel alienado.

Tal equivale a dizer que a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Pedro Vergueiro (Relator) - Francisco Rothes - Nuno Bastos.