Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01660/15
Data do Acordão:03/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS
MASSA INSOLVENTE
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I - É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada do tribunal tributário.
II - A admissão do recurso da decisão de aplicação da coima que trata a questão de saber se o insolvente está obrigado a declarar a mais-valia resultante da venda de um imóvel no âmbito do processo de insolvência – questão ainda não decidida pelos tribunais superiores – afigura-se manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
III - Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF e art. 83.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida e dos quais se pretende extrair relevante consequência jurídica.
IV - A integração de um bem imóvel na “massa insolvente”, que é um património autónomo cuja administração fica a cargo do administrador da insolvência, não desonera o insolvente das obrigações declarativas que impendem sobre os sujeitos passivos em sede de IRS, designadamente da apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3 no caso de alienação onerosa daquele imóvel, independentemente do destino ou afectação do rendimento ser, por força da declaração de insolvência, a satisfação dos credores de insolvência.
V - Tendo o arguido sido condenado em coima, não pela falta de apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3 (infracção prevista no art. 57.º, n.º 1, do CIRS e punida pelo art. 119.º do RGIT), mas pela falta de apresentação de declaração de substituição, temos de concluir pela inexistência de contra-ordenação, a determinar a absolvição, uma vez que a declaração de substituição é de apresentação facultativa (cfr. art. 59.º, n.º 3, do CPPT) e inexiste norma legal que preveja como infracção a falta da sua apresentação.
Nº Convencional:JSTA00070062
Nº do Documento:SA22017030801660
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA
Decisão:ADMITIR O RECURSO
NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 B ART38 A.
LGT98 ART75 ART89-A.
RGIT01 ART3 B ART83 ART117 ART119 N1.
RGCO ART41 N1 ART64 N2 ART73 N2.
CIRS01 ART10 N1 A ART57 N1
CIRE04 ART1 ART2 N1 A ART46 N1 ART51 N1 C ART81 N1 ART268.
L 63/13 DE 2013/08/26.
L 66-B/12 DE 2012/12/31.
DL 442-A/88 DE 1988/11/30 ART8.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0189/10 DE 2010/04/21.; AC STA PROC0738/09 DE 2009/12/16.; AC STA PROC01228/06 DE 2007/02/15.; AC STA PROC01116/06 DE 2007/01/17.; AC STA PROC0524/05 DE 2005/11/16.; AC STA PROC0503/03 DE 2003/06/18.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 2ED PAG505.
PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - CÓDIGO CIVIL ANOTADO VOLI 3ED PAG586.
OLIVEIRA ASCENSÃO - EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE A PESSOA E NEGÓCIOS DO FALIDO - ROA DEZEMBRO2005 PAG652-653.
MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO - OS EFEITOS SUBSTANTIVOS DA FALÊNCIA PUC2000 PAG127.
PAULA COSTA E SILVA - A LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE - ROA 2005 VOLIII PAG717-719.
BRUNO SANTIAGO E BEATRIZ CAPELOA GIL - A RESPONSABILIDADE PELO IMPOSTO DEVIDO NA LIQUIDAÇÃO DOS BENS QUE INTEGRAM A MASSA INSOLVENTE - CADERNOS DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA - CEJ DO MINHO N13 PAG3-15.
CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA - CIRE ANOTADO 3ED 2015 PAG916-917.
LIMA GUERREIRO - OS CRÉDITOS FISCAIS NO NOVO CPEREF - FISCO ANOV N54 PAG118.
SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS - O CRÉDITO TRIBUTÁRIO E AS OBRIGAÇÕES FISCAIS NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA PAG98-99 PAG121.
ANA PRATA E OUTROS - CIRE ANOTADO 2013 PAG716.
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 5ED PAG159 PAG359.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 6ED VOLI PAG505.
JORGE DE SOUSA E SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG594-595.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de recurso da decisão de aplicação de coima com o n.º 365/14.7BEBJA

1. RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho, proferido ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, julgando procedente o recurso judicial interposto por A……….., revogou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por «falta de apresentação da declaração de substituição modelo 3 de IRS, 2.ª fase, relativa ao exercício de 2011».
1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou nas seguintes conclusões:
«A. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), constituem rendimentos de mais valias os ganhos obtidos que, não sendo rendimentos empresariais e profissionais, de capitais e prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
B. Determina o artigo 57.º, n.º 1, do CIRS, que os sujeitos passivos devem apresentar anualmente uma declaração de modelo oficial, relativa ao rendimentos do ano anterior, devendo ser-lhe juntos, nos termos da alínea a) da norma em referência, os anexos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo;
C. As omissões ou inexactidões relativas à situação tributária, …, praticadas nas declarações, são puníveis com coima de € 375,00 a € 22.500,00, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e Aduaneiras;
D. A declaração de insolvência e a separação de bens para a massa insolvente, não opera transmissão alguma de bens – os bens continuam a ser do insolvente, embora afectos ao pagamento de um conjunto específico de dívidas;
E. Com a separação patrimonial dos bens e a sua afectação à massa insolvente não passam a existir duas pessoas distintas e o acréscimo patrimonial resultante da alienação do bem imóvel, consubstanciado na diferença entre o valor de aquisição e o valor de alienação, beneficia o insolvente, através da diminuição do seu passivo;
F. Conforme dispõe o n.º 4 do artigo 81.º do CIRE, “O administrador de insolvência assume a representação (sublinhado nosso) do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”;
G. O insolvente, pessoa singular, sujeito passivo de IRS, continua obrigado ao cumprimento das suas obrigações tributárias, nomeadamente ao cumprimento das obrigações declarativas, para efeitos de apuramento de rendimento tributável em sede de IRS;
H. Da alienação do imóvel pelo administrador da massa insolvente, agindo enquanto representante do devedor, resultou objectivamente um rendimento, cujo titular é o insolvente;
Como tal encontrava-se sujeito à obrigação declarativa, resultante do disposto no artigo 57.º do CIRS;
I. Se apesar de notificado para o efeito, nomeadamente para corrigir a declaração de rendimentos anteriormente entregue, em que omitiu a alienação do imóvel, não o fez, incorreu na infracção tributária prevista e punida nos termos do artigo 119.º do RGIT,
J. De onde, fez errada aplicação do direito o douto Tribunal “a quo” quando considerou que, da alienação do imóvel, não havia resultado a percepção de qualquer rendimento por parte do insolvente, que lhe impusesse o cumprimento da obrigação declarativa constante do processo contra-ordenacional,
Termos em que, sempre com o devido respeito, entende esta Representação que deve ser revogada a sentença propalada e substituída por acórdão que, considerando que da alienação de um bem imóvel integrante da massa insolvente, resulta para o insolvente a obtenção de um rendimento sujeito a tributação em sede de IRS, na categoria G (Mais Valias) e a imposição do cumprimento da obrigação declarativa prevista no artigo 57.º do CIRS, mantendo na ordem jurídica a coima contra a qual o insolvente deduziu recurso».
1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e o Recorrente contra-alegaram o recurso.
1.4.1 O primeiro sustentou a manutenção do decidido, mas com uma fundamentação totalmente diversa da adoptada na sentença.
Em síntese, para a Procuradora da República, sendo certo que a venda de imóvel em insolvência pode gerar a obrigação de declaração de eventual mais-valias, a qual recairá sobre o insolvente, dos autos não resulta «que a alienação do imóvel tenha sido por valor superior àquele pelo qual tinha sido adquirido pelo insolvente e, desse modo, tenham existido mais-valias, geradoras de imposto e, em consequência, que deveria haver lugar à obrigação declarativa de rendimentos».
1.4.2 O Recorrente defendeu a manutenção do decidido em 1.ª instância. Mantém, em resumo, que o insolvente não pode ser tributado por um rendimento que não auferiu, uma vez que o prédio, à data da venda, já não se encontrava na sua esfera patrimonial, mas na da massa falida, que constitui um património autónomo destinado à satisfação dos credores na insolvência, sendo que da venda não resulta para o insolvente rendimento algum e, consequentemente, não lhe pode ser exigido que apresente a respectiva declaração, sendo, aliás, que se fossem devidas quaisquer mais-valias, as mesmas constituiriam sempre uma dívida da massa insolvente e não do próprio insolvente.
1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de se pronunciar pela admissão do recurso ao abrigo do disposto no art. 73.º, n.º 2, do RGCO, suscitou como questão prévia a incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, tudo nos seguintes termos:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Beja de 16.09.2015 que concedeu provimento ao recurso da decisão de aplicação de coima, revogando a decisão recorrida.
O recurso foi interposto a coberto do art. 73.º, n.º 2 do RGCO, aprovado pelo DL 733/82, de 27 de Out. e, salvo melhor entendimento, tendo em conta a questão suscitada e a inexistência, que se saiba, de pronúncia directa deste STA sobre a matéria, entende-se que tem plena justificação que o recurso seja admitido, em vista da boa aplicação do direito e da formação de jurisprudência que possa servir de orientação para a resolução de casos futuros.
A sentença recorrida considerou inexistir a infracção contra-ordenacional em causa pelo facto do bem imóvel alienado já não se encontrar, na data em que foi alienado, na esfera patrimonial do arguido “mas antes num património autónomo constituído pelos bens que lhe foram apreendidos com a sua declaração de insolvência”, não lhe podendo ser exigida a apresentação de declaração de rendimentos.
Mas sem razão, salvo o devido respeito e melhor entendimento.
Com efeito, não obstante a integração do bem imóvel na “massa insolvente”, que é um património autónomo administrado pelo Administrador da Insolvência (AI) e não pelo próprio Insolvente, tal não o desonerava das obrigações declarativas que impendem sobre os sujeitos passivos em sede de IRS. É que, a declaração de insolvência não transfere a qualidade de sujeito passivo desse imposto para a massa insolvente ou para o AI, nem a titularidade dos bens se transfere com a mera declaração de insolvência. O insolvente, apesar da declaração de insolvência, continua a ser o sujeito passivo do imposto estando sujeito, como tal, às respectivas obrigações declarativas. Como bem refere o MP na Conclusão 7.ª da sua Alegação de Recurso, a fls. 59 a 62, “tratando-se o insolvente de uma pessoa singular, não fica a cargo do Administrador de Insolvência o cumprimento das suas obrigações tributárias, dado que o administrador não assume na insolvência de pessoas singulares a representação do insolvente nos mesmos termos em que o faz na insolvência das pessoas colectivas – insolvente/pessoa singular, apesar de impedido de onerar/vender os seus bens, deverá continuar a cumprir pessoalmente com as suas obrigações tributárias”.
Sucede que na motivação do recurso e nas respectivas Conclusões são alegados factos, dos quais a ora Recorrente pretende extrair consequências jurídicas, que não encontram qualquer expressão no elenco dos factos provados, constituindo jurisprudência deste STA que em tais situações e independentemente da relevância que esses factos venham a ter na decisão do processo, é de considerar que o recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito (Acs. de 20.06.2012 – P. 0532/12, de 07.11.2012 – P. 0832/12 e de 17-02-2016 – P. 01537/15).
Alega concretamente a Recorrente que da alienação do imóvel “resultou objectivamente um rendimento” (uma mais valia) que sujeitava o insolvente à obrigação declarativa do art. 57.º do CIRS, alegando ainda que o insolvente, “apesar de notificado para o efeito, nomeadamente para corrigir a declaração de rendimentos anteriormente entregue, em que omitiu a alienação do imóvel, não o fez, (...)” – Conclusões H e I.
Entende-se, neste contexto, na linha da jurisprudência citada, que o presente recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito, razão pela qual opera incompetência deste STA, sendo competente para dele conhecer o TCASul (art. 280.º n.º 1 CPPT e arts. 26.º al. b) e 38.º al. a) do ETAF)».
1.6 Notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, o Arguido e a Fazenda Pública nada disseram.
1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo as questões a considerar as
i) da admissibilidade do presente recurso à luz do art. 73.º, n.º 2 do RGCO; na afirmativa,
ii) da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia (suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto no parecer citado em 1.5); na negativa,
iii) se o recurso jurisdicional merece provimento, o que, como procuraremos demonstrar, passa por estabelecer:
iii.a) se alienação onerosa de bens imóveis integrados em massa insolvente impõe para o insolvente que seja pessoa singular a obrigação de apresentar o anexo G à declaração de rendimentos modelo 3, para efeitos de tributação em IRS;
iii.b) se a apresentação do anexo G com a declaração modelo 3 está dependente da existência de mais-valia, ou seja, se essa obrigação declarativa só existe no caso de a diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização ser positiva (posição sustentada pela Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja nas contra-alegações);
iii.c) se assume relevância o facto de a infracção imputada ao Arguido e por que este foi condenado ser a falta de apresentação de declaração de rendimentos de substituição e não a falta de apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3.
* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Com relevo para a decisão resulta provado que:
A) Foi instaurado o processo de contra-ordenação n.º 0272201206010814 contra o recorrente em 05/12/2012 com fundamento na falta de apresentação da declaração de substituição modelo 3 de IRS, 2.ª fase, relativa ao exercício de 2011;
B) Quanto à norma infringida refere-se o 57.º do CIRS e como norma punitiva o art. 119.º, n.º 2 do RGIT;
C) Nessa data foram os autos de contra-ordenação suspensos com vista a ser liquidado o imposto;
D) Em 16/12/2012 foi endereçado ao processo requerimento subscrito pelo Administrador da Insolvência do Recorrente, informando da declaração de insolvência deste em 22/04/2010, da inclusão do património do mesmo na massa insolvente que veio a ser vendido em 2011 por si, Administrador, para pagamento aos credores;
E) Em 14/10/2013 foi o arguido notificado dos factos contra si apurados e coimas abstractamente aplicáveis, concedendo-lhe a Administração Tributária prazo para defesa e, ainda, para pagamento voluntário com redução da coima mínima;
F) O arguido exerceu a sua defesa por meio de requerimento entrado a 28/10/2013;
G) Por despacho datado de 22/07/2014 foi indeferida a defesa apresentada, o qual foi notificado ao Recorrente;
H) Nessa mesma data foi proferida decisão da fixação de coima, na base da qual foram dados como provados os factos constantes da notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação, isto é, a conducente à contra-ordenação supra mencionada por infracção das normas citadas e com aplicação de tais normas punitivas;
J) Foi fixada a coima no montante de 412,50 € em função do apuramento efectuado às circunstâncias do arguido enquadradas no art. 27.º do RGIT;
L) A decisão final foi notificada ao arguido em 23/07/2014;
M) O Recorrente apresentou impugnação judicial em 01/08/2014;
N) Através de contrato de compra e venda realizada em 29/12/2011 a massa insolvente de A………. e B………….., representada pelo Administrador de Insolvência C…………, vendeu a D………… e E……….. o prédio urbano sito na freguesia de ……….., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito da matriz sob o art. 2005».

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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2.2.1.1 O presente recurso vem interposto ao abrigo do art. 73.º do RGCO.
Na verdade, porque o valor da causa – determinado pelo valor da coima, ou seja, € 412,50 – não atinge 1/4 do valor da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância (Esse valor foi fixado em € 5.000,00 pelo art. 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.) e porque não foi aplicada sanção acessória, não é permitido o recurso ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), normas legais que dizem, respectivamente, o seguinte:
«O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória» (Note-se que só com a redacção dada ao preceito pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013) o representante da Fazenda Pública passou a ter legitimidade para interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal em sede de contra-ordenação, que antes estava reservada apenas ao arguido e ao Ministério Público.) e
«Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
No entanto, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar há muito (Vide, entre outros e por mais antigos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 18 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 503/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Abril de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32220.pdf), págs. 1228 a 1231, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/396bbbf3dc1e9c4680256d50003bd38c;
- de 16 de Novembro de 2005, proferido no processo n.º 524/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Fevereiro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2005/32240.pdf), págs. 2076 a 2082, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6516372085d10671802570c2003de02e;
- de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo n.º 1116/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 151 a 156, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d70e24eba82e81228025726e003fc9f6;
de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1228/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 428 a 431, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/893bc974663210d08025729500419c07.), mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada do tribunal tributário e não há aplicação de sanção acessória, o recurso pode ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, «quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
Note-se ainda que, apesar de o art. 73.º, n.º 2, do RGCO se referir apenas a sentença – e a decisão recorrida ter sido proferida, ao abrigo da faculdade concedida pelo art. 64.º, n.º 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, por despacho –, tem vindo a entender-se que não há razão para não estender a admissibilidade desse recurso aos despachos, pois, como dizem JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS (Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.ª edição, pág. 505 e segs.), «não existe nenhuma diferença de natureza entre as duas decisões», sendo que «a alternativa da decisão por despacho ou sentença não radica na complexidade das questões a decidir pelo que aquele n.º 2 do dito art. 73.º se deve aplicar indiferentemente a ambas as decisões».
Verifiquemos, pois, se estão reunidos os requisitos para a aceitação do recurso por este Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do art. 73.º do RGCO.
2.2.1.2 Está em causa nos autos uma coima aplicada por falta de apresentação de declaração periódica de rendimentos, de substituição [apresentação que a autoridade administrativa considerou ser imposta pelo n.º 1 do art. 57.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)], respeitante ao ano de 2011, após os serviços da Administração tributária (AT) terem considerado que se verificava uma divergência na declaração oportunamente apresentada, por omissão do Anexo G, comportamento que a AT considerou integrar a infracção punida pelo art. 119.º, n.º 1, do RGIT.
Em síntese, as posições em antagonismo são as seguintes: i) a do Recorrente, que sustenta que o prédio vendido já não lhe pertencia, mas, ao invés, à “massa insolvente”, sendo o respectivo administrador judicial quem promoveu e efectuou a venda e quem recebeu o preço e destinou o preço, do qual não lhe coube qualquer valor, motivo por que dessa venda não resultou para ele mais-valia alguma e, em consonância, não tinha obrigação alguma de a declarar; ii) a da AT, secundada pelo Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que defendem que o prédio, apesar de integrado na “massa insolvente”, que é um património autónomo administrado pelo administrador da insolvência e não pelo próprio insolvente, não deixa de ser propriedade deste, que, por isso, não fica desonerado das obrigações declarativas que impendem sobre os sujeitos passivos em sede de IRS.
Ou seja, está em causa saber se, no caso da venda de um imóvel no âmbito do processo de insolvência de uma pessoa singular, o insolvente, para efeitos de IRS, fica obrigado a apresentar o anexo G com a declaração de rendimentos respeitante ao ano em que ocorreu a venda.
Será que o recurso para apreciar essa questão se assume como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência?
Afigura-se-nos que sim. Antes do mais, porque, tanto quanto sabemos (E pelas buscas efectuadas nas bases de dados da jurisprudência desses tribunais, em www.dgsi.pt.), a questão nunca foi abordada pelos tribunais superiores. Depois, porque a mesma por certo se apresentará para decisão muitas vezes nos tribunais tributários. Na verdade, em face do grande número de insolvências registados nos últimos anos (Os números mais recentes disponibilizados pelo Ministério da Justiça reportam-se ao 2.º trimestre de 2016 -Estatísticas trimestrais sobre processos de falência, insolvência e recuperação de empresas e sobre processos especiais de revitalização (2007-2016) e podem ser consultados em
http://www.dgpj.mj.pt/sections/siej_pt/destaques4485/estatisticas-trimestrais_3/downloadFile/file/Insolvencias_trimestral_20161104.pdf?nocache=1478261862.48.), é de supor que, a manter a AT a posição assumida nestes autos, a questão se venha a repetir.
Assim, sem necessidade de mais considerandos e em consonância com a citada jurisprudência desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concluímos que o recurso deve ser recebido, por estarem verificados os requisitos que a lei impõe como indispensáveis para a sua aceitação.
2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
2.2.2.1 Vem o presente recurso interposto para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que, julgando procedente o recurso judicial, revogou a decisão de aplicação da coima.
Cumpre, antes do mais, ajuizar da competência, designadamente da competência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final [cfr. art. 32.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 3.º, alínea b), do RGIT e do art. 41.º, n.º 1, do RGCO]. No caso sub judice foi arguida pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo.
2.2.2.2 Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, pertence à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF].
Em consonância com estas normas, o art. 83.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, salvo se a matéria do mesmo for exclusivamente de direito, caso em que competirá à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (Vide, entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 738/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2052/2057, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faa144134d6efbf5802576a30041135b;
- de 21 de Abril de 2010, proferido no processo n.º 189/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 670/674, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8445188eb602055b80257711005292ba.).
2.2.2.3 Considera o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal que das conclusões do presente recurso jurisdicional, que acima (em 1.2) ficaram transcritas, resulta que a Recorrente alega factualidade que a sentença não deu como provada, designadamente nas conclusões H e I.
Nas conclusões que sujeitou às letras H e I, a Recorrente alega que «[d]a alienação do imóvel pelo administrador da massa insolvente, agindo enquanto representante do devedor, resultou objectivamente um rendimento, cujo titular é o insolvente», pelo que este último «encontrava-se sujeito à obrigação declarativa» e que, «[s]e apesar de notificado para o efeito, nomeadamente para corrigir a declaração de rendimentos anteriormente entregue, em que omitiu a alienação do imóvel, não o fez, incorreu na infracção tributária prevista e punida nos termos do artigo 119.º do RGIT».
Salvo o devido respeito, apesar do modo menos feliz como o Recorrente se exprimiu quando afirma que da venda resultou um rendimento, lidas as alegações de recurso (das quais, aliás, não consta aquela afirmação) e respectivas conclusões, podemos concluir que toda a argumentação de recurso assenta, não na existência de um rendimento não declarado, mas na falta de apresentação de uma declaração; mais concretamente, assenta na falta de apresentação do anexo G da declaração modelo 3 de rendimentos, para efeitos de IRS, o qual não depende da existência de mais-valia mas da mera ocorrência de facto susceptível de poder gerar mais ou menos-valias, entre os quais a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Aliás, é pela falta de apresentação de declaração de substituição para colmatar essa falta de declaração que o ora Recorrido foi acoimado.
Ou seja, a nosso ver, a Recorrente não está a alegar factualidade de que pretenda extrair consequência jurídica relevante, mas tão-só a expor a sua argumentação jurídica, nos termos da qual constitui infracção, por violação do disposto no art. 57.º do CIRS e sancionada pelo art. 119.º do RGIT, a não apresentação de declaração de substituição após notificação para esse efeito, sendo certo que na declaração inicial omitiu a alienação do imóvel, que deveria constar de anexo próprio: o anexo G. Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, no recurso não se estabelece nunca como questão de facto a dirimir a de saber se essa alienação gerou ou não mais-valias; a única questão eleita pela Recorrente é a de saber se a alienação onerosa de bens imóveis integrados na massa insolvente está ou não sujeita a declaração por parte do insolvente.
O que significa que inexiste controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
Nesta perspectiva, o presente recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, motivo por que a competência em razão da hierarquia para dele conhecer pertence a este Supremo Tribunal Administrativo.
2.2.3 DA EXISTÊNCIA DE INFRACÇÃO
2.2.3.1 Antes do mais, cumpre averiguar se o insolvente está obrigado a declarar para efeitos de tributação em IRS a alienação onerosa (Se a alienação for gratuita, poderá haver tributação em Imposto de Selo, mas não em IRS.) de bens imóveis efectuada no âmbito do processo de insolvência.
Atento o disposto nos arts. 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e, designadamente, a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas, sendo que, no caso, apenas nos interessa considerar a insolvência de pessoa singular.
Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do art. 36.º do CIRE, e passam a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente. A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do art. 46.º do CIRE, «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo».
Esses bens são entregues ao administrador da insolvência (O administrador da insolvência é um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas colectivas (cfr. art. 81.º, n.º 4, do CIRE).), que é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE).
Daqui decorre que a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas» (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, anotação 4 ao art. 601.º, pág. 586.
No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 1995, págs. 652/653; MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os efeitos substantivos da falênciaPUC 2000, pág. 127; PAULA COSTA E SILVA, A liquidação da massa insolvente, Revista da Ordem dos Advogados, 2005, volume III, págs. 717 a 719, onde fala de «património de afectação» (também disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=44561&ida=44625).), mas não constitui uma pessoa (singular ou colectiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer (Não passam a existir duas pessoas, tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.). Dito de outro modo, «A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem» (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3 a 15.).
A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles.
Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, designadamente vendendo (Segundo o art. 158.º, n.º 1, do CIRE, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.) bem imóvel integrante dessa massa (venda efectuada na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio), se a venda for efectuada por um valor superior àquele pelo qual o imóvel foi adquirido, gera um acréscimo do património do insolvente, constituindo assim um rendimento sujeito a IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código daquele imposto. E, como deixou já dito este Supremo Tribunal Administrativo, para a qualificação como mais-valia sujeita a tributação releva unicamente a diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi alienado e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, sendo irrelevante o destino dado ao produto da venda, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu (Cfr., por mais recente, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 582/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b601a4ed1e38d3eb80258037004cbb31.). Aliás, nem sequer pode dizer-se que não haja benefício para o insolvente, pois esse acréscimo patrimonial beneficiou o insolvente embora na parte do seu património separada para a massa, traduzindo-se numa diminuição do seu passivo.
Neste sentido, aponta também, a contrario, o disposto no art. 268.º do CIRE, ao prever uma isenção de IRS para as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) de bens do devedor e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos); o que significa que, se as mais-valias não resultarem de um desses negócios previstos nesta norma de isenção, designadamente se resultarem da venda de bens da massa insolvente, e a menos que gerem rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais (Ou seja, pressupomos que os imóveis pertencem ao património particular do sujeito passivo, isto é, que não estavam afectos a qualquer actividade empresarial e/ou profissional.), estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável em sede deste imposto [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS].
É neste sentido – e, a nosso ver, correctamente – que se pronuncia a AT, na informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 1 de Outubro de 2010 (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf.).
Neste sentido se pronuncia também a doutrina (Designadamente:
- CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3.ª edição, Quid Juris, 2015, págs. 916/917;
- LIMA GUERREIRO, Os créditos fiscais no novo CPERF, Fisco, ano V, n.º 54, pág. 118;
- SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O crédito tributário e as obrigações fiscais no processo de insolvência, págs. 98/99, dissertação de mestrado, no repositorium da Universidade do Minho, disponível em http://hdl.handle.net/1822/21395;
- ANA PRATA, JORGE MORAIS DE CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Almedina, 2013, pág. 716, em anotação ao art. 268.º.).
Daqui decorre que existe a obrigação de declarar qualquer alienação de bens imóveis da massa falida e essa obrigação não pode recair senão sobre o insolvente.
Na verdade, o insolvente, pessoa singular e sujeito passivo de IRS, continua obrigado ao cumprimento das suas obrigações tributárias, nomeadamente ao cumprimento das obrigações declarativas, para efeitos de apuramento de rendimento tributável em sede de IRS, como previsto no art. 57.º do CIRS.
E bem se percebe que a obrigação declarativa se mantenha na esfera do insolvente. Como diz SARA DIAS, «O Administrador de Insolvência pode, nos processos de insolvência de pessoas colectivas – e como vimos supra – assumir funções de representação do insolvente. Já no caso da pessoa singular, o insolvente não pode ser fisicamente extinto por força da declaração de insolvência. Ora, assim sendo, não terá nexo esperar que fique a cargo do Administrador de Insolvência o cumprimento das suas obrigações tributárias. Por outro lado, sempre se dirá que, conforme a prática vem demonstrando, há nos processos falimentares de pessoas singulares uma relação de menor proximidade, um menor “embrenhamento”, entre o Administrador de Insolvência e o insolvente, já que este não assume, na insolvência de pessoas singulares, a representação do insolvente nos mesmos termos em que o faz na insolvência de pessoas colectivas. O insolvente singular, apesar de impedido de onerar/vender os seus bens, deverá continuar a cumprir pessoalmente com as suas obrigações [fiscais, designadamente, as declarativas]» (SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O crédito tributário e […], pág. 121) (Questão diferente, mas que ora não cumpre apreciar, é a de saber quem responde pelo imposto gerado pela mais-valia gerada pela alienação de imóvel da massa insolvente.
Sobre a mesma, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto no sentido de que o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação é uma dívida da massa insolvente, atento o disposto no art. 51.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, através do acórdão de 2 de Julho de 2015, proferido no processo n.º 8729/12.4TBVNG-G.P1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ee9cbc696061c44480257e830048e624.
Sufragando esse entendimento, BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade […].).
Em conclusão, o insolvente, pessoa singular, não pode deixar de apresentar a declaração de rendimentos, incluindo o nexo exigido pela alienação do seu imóvel (categoria G – mais-valias e outros incrementos patrimoniais), sob pena de omitir documentos e informações fiscalmente relevantes e ser sujeito a uma contra-ordenação tributária, por violação do disposto no art. 57.º do CIRS, prevista como contra-ordenação tributária e punida nos termos do art. 117.º do RGIT.
Não podemos, pois, subscrever o entendimento adoptado pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que decidiu no sentido de que «o bem imóvel alienado em 2011, já não se encontra na esfera jurídica patrimonial da Recorrente mas antes num património autónomo constituído pelos bens que lhe foram apreendidos com a sua declaração de insolvência, não lhe pode ser exigida a apresentação de declaração de rendimentos».
Estabelecida que ficou a obrigação de declaração de rendimentos por parte do insolvente, em abstracto, passemos agora a verificar se, no caso concreto, existia essa obrigação.
2.2.3.2 Segundo a Procuradora da República junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a declaração só é devida se houver mais-valia tributável, motivo por que, não constando da decisão administrativa de aplicação da coima a factualidade pertinente (designadamente, a data e valor da aquisição e a data o valor de realização), não pode considerar-se verificada a infracção decorrente de não ter sido apresentada a declaração de rendimentos de substituição.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
Na verdade, se a transmissão for onerosa, ainda que não resulte rendimento susceptível de tributação em IRS, a operação tem de ser declarada no anexo G.
Como é sabido, o actual modelo da Administração tributária – denominado de “privatização da administração tributária” (Expressão cunhada por CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 5.ª edição, págs. 159 e 359.) – pôs a cargo dos particulares (impondo-lhe diversos deveres, designadamente declarativos) tarefas tradicionalmente confiadas à Administração, com um crescente aumento da participação daqueles, com a correspectiva diminuição do papel desta, nos procedimentos de aplicação da lei fiscal.
Se bem que essa transferência para os particulares de funções que se encontravam cometidas à Administração seja mais nítida relativamente àqueles impostos em que a lei impõe a autoliquidação (designadamente o IRC e o IVA), também relativamente ao IRS, tributo em que em que a liquidação continua a cargo da AT, a verdade é que a actividade desta se limita à realização, mais ou menos automática (hoje, as mais das vezes confiada a um sistema informático), das operações necessárias ao apuramento do imposto, baseada nos elementos fornecidos pelos próprios sujeitos passivos e que se presumem verdadeiros (cfr. art. 75.º da Lei Geral Tributária). Assim, a actividade principal da Administração situa-se, hoje, em sede de fiscalização, a fim de assegurar o cumprimento pelos particulares dos deveres que lhes incumbem e, em última instância, que todos e cada um paguem os impostos devidos.
No entanto, mesmo em sede de IRS, as declarações cuja apresentação é legalmente imposta nem sempre visam a determinação ou avaliação da matéria tributável, podendo visar apenas a sua comprovação.
Feitos estes considerandos, em ordem a enquadrar a questão, podemos agora melhor compreender porque se exige ao sujeito passivo de IRS que declare todas as alienações de bens imóveis do seu património (ainda que eventualmente separado). Na verdade, constituindo tal alienação uma potencial fonte de mais-valias tributáveis, a lei pôs a cargo do sujeito passivo a comunicação de todos os elementos pertinentes para que a Administração estabeleça se é ou não devido imposto.
Assim, se houver facto do qual possa em abstracto resultar mais-valia (alienação onerosa de bem imóvel) e não apenas se houver efectivamente mais-valia que dê origem a tributação, o sujeito passivo deverá apresentar o pertinente anexo ao modelo 3 ( Nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, «Os modelos de impressos exigidos para dar cumprimento às obrigações impostas pelo Código serão aprovados por portaria do Ministro das Finanças».). É o que resulta do disposto no art. 57.º, n.º 1, do CIRS, que dispõe: «Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, […], devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante: a) Os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo; […]».
Ou seja, contrariamente ao que sustenta a Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja não é necessário que da decisão administrativa que aplicou a coima conste a factualidade que permita concluir pela existência de mais-valia sujeita a tributação; basta que, quanto a esse requisito do facto típico, conste – como consta no caso sub judice, através da descrição da venda – a factualidade respeitante ao facto susceptível, em abstracto, de gerar mais-valia tributável.
2.2.3.3 Apesar de tudo o que deixámos sito, afigura-se-nos que o ora Recorrente não pode ser sancionado nos termos em que o foi. Vejamos:
O art. 57.º, n.º 1, do CIRS, dispõe: «1- Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante: a) Os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo; […]».
Por seu turno, o art. 119.º, n.º 1, do RGIT, sanciona a falta de apresentação da referida declaração ou seus anexos, nos seguintes termos: «As omissões ou inexactidões relativas à situação tributária que não constituam fraude fiscal nem contra-ordenação prevista no artigo anterior, praticadas nas declarações, bem como nos documentos comprovativos dos factos, valores ou situações delas constantes, incluindo as praticadas nos livros de contabilidade e escrituração, nos documentos de transporte ou outros que legalmente os possam substituir ou noutros documentos fiscalmente relevantes que devam ser mantidos, apresentados ou exibidos, são puníveis com coima de (euro) 375 a (euro) 22 500».
Foi ao abrigo destas disposições legais que foi proferida a decisão que condenou o ora Recorrente na coima de € 412,50.
Desde já diremos que nenhuma dúvida se nos colocaria caso o Arguido tivesse sido condenado pela falta de apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3 respeitante ao ano de 2011.
Mas o comportamento do ora Recorrente que foi subsumido à previsão do art. 57.º, n.º 1, do CIRS e sancionado pelo art. 119.º, n.º 1, do RGIT, não foi a falta de apresentação da declaração de rendimentos ou de algum dos seus anexos; foi, como resulta da alínea A) dos factos dados como provados, do auto de notícia e da decisão administrativa de condenação em coima, «a falta de apresentação da declaração de substituição modelo 3 de IRS, 2.ª fase».
Salvo o devido respeito, o ora Recorrente poderia ser sancionado pela falta de apresentação do anexo G à declaração de rendimentos, mas não o pode ser pela não apresentação da declaração de substituição. É que, se a lei (art. 57.º do CIRS) impõe como obrigação acessória a apresentação da declaração de rendimentos e respectivos anexos (O que bem se compreende, pois a declaração constitui a obrigação acessória mais relevante a cargo do sujeito passivo. É ela e os dados nela contidos que, em princípio, vão permitir quantificar a obrigação tributária e o montante de imposto a pagar. Isto, obviamente, sem prejuízo dos poderes de inspecção da AT.), já a apresentação de declaração de substituição constitui, não uma obrigação, mas uma faculdade, como resulta do art. 59.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Diz JORGE LOPES DE SOUSA: «Frequentemente, quando detecta erros na declaração, a Administração Tributária notifica o contribuinte para substituir a declaração.
Nestes casos, está-se perante uma faculdade que o contribuinte pode exercer ou não, devendo a notificação ser entendida como um mero convite, cuja não aceitação não tem qualquer consequência negativa para o contribuinte, para além das que já pode ter, a nível procedimental e contra-ordenacional, a própria apresentação da declaração com erros (se eles existirem efectivamente)» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 7 b) ao art. 59.º, pág. 505.).
Assim, há-de se concluir que o comportamento do ora Recorrente descrito no auto de notícia e na decisão administrativa condenatória não constitui a infracção que lhe foi imputada e pela qual foi condenado.
Note-se, finalmente, que em sede de recurso de aplicação da coima, porque estamos no domínio do direito de natureza sancionatória, no que respeita à verificação do preenchimento dos requisitos do tipo legal de infracção imputado ao arguido, a actividade do tribunal não se encontra limitada pelas questões suscitadas pelos sujeitos processuais. Assim, tal como em sede de recurso judicial o tribunal pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da reformatio in pejus, também em sede de recurso jurisdicional o tribunal ad quem pode, relativamente às questões apreciadas na decisão recorrida de que possa conhecer no recurso, decidi-las de forma diferente daquela por que foram decididas, mesmo relativamente a questões não incluídas pelo recorrente nas suas alegações (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª edição, nota 24 ao art. 83.º, págs. 594/595.).
Assim, considerando que o comportamento imputado ao ora Recorrente não constitui contra-ordenação, não resta senão absolver o arguido.
Com esse fundamento, será mantida a decisão judicial recorrida.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulo as seguintes conclusões:
I - É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada do tribunal tributário.
II - A admissão do recurso da decisão de aplicação da coima que trata a questão de saber se o insolvente está obrigado a declarar a mais-valia resultante da venda de um imóvel no âmbito do processo de insolvência – questão ainda não decidida pelos tribunais superiores – afigura-se manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
III - Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF e art. 83.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida e dos quais se pretende extrair relevante consequência jurídica.
IV - A integração de um bem imóvel na “massa insolvente”, que é um património autónomo cuja administração fica a cargo do administrador da insolvência, não desonera o insolvente das obrigações declarativas que impendem sobre os sujeitos passivos em sede de IRS, designadamente da apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3 no caso de alienação onerosa daquele imóvel, independentemente do destino ou afectação do rendimento ser, por força da declaração de insolvência, a satisfação dos credores de insolvência.
V - Tendo o arguido sido condenado em coima, não pela falta de apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3 (infracção prevista no art. 57.º, n.º 1, do CIRS e punida pelo art. 119.º do RGIT), mas pela falta de apresentação de declaração de substituição, temos de concluir pela inexistência de contra-ordenação, a determinar a absolvição, uma vez que a declaração de substituição é de apresentação facultativa (cfr. art. 59.º, n.º 3, do CPPT) e inexiste norma legal que preveja como infracção a falta da sua apresentação.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em admitir o recurso e negar-lhe provimento, mantendo com a fundamentação supra a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 8 de Março de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.