Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01355/10.4BEBRG 0459/15
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
JAZIGO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestio juris que assume melindre e manifesto relevo jurídico e social, já que releva de dificuldade/complexidade jurídica, para além de suscetível de ser recolocada em casos futuros, e cuja dilucidação quanto aos aspetos dubitativos e no contexto apurado carece também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28306
Nº do Documento:SA12021100701355/10
Data de Entrada:11/26/2020
Recorrente:A..............
Recorrido 1:B............... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………… e C………………….. [doravante RR.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticionam a admissão do recurso de revista que interpuseram do acórdão de 31.01.2020 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1561/1580 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso então deduzido por D………………., B………………., E……………….., F………………, G……………. - atualmente herdeiros habilitados H………….., I……………., J………………. e K……………….. (cfr. decisão habilitação proferida em 30.06.2021 nos autos apensos ao processo sub specie) -, L……………….. - atualmente herdeiros habilitados M…………………., N……………….., O…………………, P………………., Q………………. e R………………. (cfr. a mesma decisão habilitação supra referida) -, e S…………….. - atualmente herdeiros habilitados T…………………, U………………, V………………. e X……………… (cfr. a mesma decisão habilitação supra referida) - [doravante AA.], e que revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante TAF/BRG] para tendo julgado a presente ação administrativa procedente e condenado os RR. «na demolir a obra de construção do jazigo sito na secção …. – Sepultura ….. e …. – do Cemitério Municipal de Landim, de forma a que o jazigo concessionado ocupe apenas, e só, a área concessionada de 6,250m2 e, ainda, a realizar todas as obras necessárias para a reconstituição da situação antes existente nos espaços confinantes».

2. Motivam a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1589/1636] na relevância jurídica e social das questões objeto de litígio [relativas às regras definidoras/disciplinadoras das concessões de jazigos/sepulturas (mormente suas dimensões, acessos e delimitações dos seus intervalos, considerando a figura das “soleiras de bordadura”) e à violação do caso julgado e sua autoridade] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», sustentando, para além da arguição de nulidade de decisão, a incorreta interpretação/aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 08.º, § 3 do Decreto n.º 44220, de 03.03.1962, 37.º, n.º 3, e 88.º do CPTA, 02.º, 13.º, 20.º, n.º 4, 205.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP], 154.º, 577.º, 578.º, e 580.º do Código de Processo Civil [CPC/2013], 09.º, 202.º, 216.º, 236.º, 342.º, 1340.º, do Código Civil [CC].

3. Não foram produzidas contra-alegações em sede de revista [cfr. fls. 1641 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

7. E a relevância social fundamental ocorre, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

8. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

9. A ação administrativa sob apreciação foi proposta pelos AA. contra os RR. peticionando a demolição da obra de construção do jazigo sito na secção ... - sepultura .... e .... - do Cemitério Paroquial concessionado aos RR., por inobservância da largura instituída entre talhões e de forma a que o jazigo concessionado ocupasse apenas e só a área de 6,250m2, assim como, a condenação daqueles a realizarem todas as obras necessárias para a reconstituição da situação existente nos espaços confinantes.

10. O TAF/BRG julgou totalmente improcedente a ação administrativa sub specie por considerar, nomeadamente, que «não se verifica haver qualquer ilegalidade em torno das distâncias entre sepulturas/jazigos» [cfr. fls. 1455/1465], juízo que o TCA/N revogou, extraindo-se, em suma, da sua linha fundamentadora, que as «zonas públicas de acesso/passagem/permanência de um cemitério são um bem do domínio público não concessionado, insuscetível de aquisição, cujas dimensões mínimas estão definidas na lei - §3 artigo 8.º decreto 44220 de 03-03-1962 - e que são, tão só, afetas à circulação e à permanência de pessoas. … No caso concreto os Réus apropriaram-se de uma área do domínio público destinada a zona pública de passagem e construíram e edificaram o seu jazigo/sepultura para além da área que lhes foi concessionada, que é de 6,250m2 (facto provado n.º 15). … O jazigo/sepultura dos RR. ocupa agora uma área de 10,28m2 (facto provado n.º 19). … Regressemos agora ao teor do §3.º do artigo 8.º do decreto 44220, de 3 de março de 1962. Nele se diz que a “largura do intervalo entre as sepulturas nunca poderá ser inferior 0,40 m”. E “deverá cada sepultura ter um acesso com a largura mínima de 0,60m”. … O preceito estabelece requisitos mínimos obrigatórios. Impõe uma distância mínima entre sepulturas, mas a distância que se aplicará em cada caso será aquela que resultar do regulamento e da planta de cada cemitério, que poderá ser maior (e o mesmo se aplica aos acessos). Essa distância será necessariamente o espaço sobrante relativamente ao que é concessionado para a edificação dos jazigos/sepulturas. … Ora, a construção em causa ao exceder a área concessionada está a invadir o espaço do domínio público destinado ao acesso e permanência entre as sepulturas, dificultando não só a permanência dos AA. junto da sepultura de que são concessionários, como o acesso dos AA. à mesma (que confronta com a dos RR. na sua extrema sul)» termos em que «os RR. devem demolir o jazigo (soleiras de bordadura incluídas) de forma a que ocupe apenas e, só, a área que lhes foi concessionada, de 6,250m2».

11. Presentes os juízos diametralmente opostos que se mostram firmados pelas instâncias, já indiciadora de alguma complexidade jurídica que envolve a discussão em torno, mormente da questão relativa às regras definidoras/disciplinadoras das concessões de jazigos/sepulturas [mormente suas dimensões, acessos e delimitações dos seus intervalos], entende-se que, no caso, estamos ante quaestio juris que assume melindre e manifesto relevo jurídico e social, já que releva de dificuldade/complexidade jurídica, para além de suscetível de ser recolocada em casos futuros, e cuja dilucidação quanto aos aspetos dubitativos e no contexto apurado carece também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal.

12. Daí que ocorre necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, justificando-se a admissão da revista e quebra in casu da regra da excecionalidade supra enunciada.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 07 de outubro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.