Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0816/08.0BECBR 0558/17
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
LUCRO TRIBUTÁVEL
TRANSACÇÃO DE IMOVEIS
PREÇO REAL
CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
Sumário:I – Para determinação do lucro tributável referente às transacções de imóveis em sede de IRC, prevalece o valor patrimonial tributável (VPT) fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transacção, sempre que o primeiro seja superior ao segundo (art. 58.º-A, n.º 2 do CIRC, aplicável ao tempo dos factos).
II – O regime do art. 129.º do CIRC permitia ao sujeito passivo de IRC a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT, obviando assim à aplicação do disposto no art. 58º-A, n.º 2, do CIRC (correcção ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
III - Porém, uma vez que o questionado contrato reveste as características e vínculos do primeiro, que foram transpostos para o segundo, como se de cedência da posição contratual se tratasse, está justificada a aplicação à situação dos autos o ordenado no § 16 do nº 4 do artigo 12º do CIMT, o que vale por dizer que o valor a atender para efeitos de IMT e consequentemente para efeitos de IRC, deva ser o preço inserto no contrato, por se conectar com a aquisição de um bem sobre o qual o Município de Cantanhede fixou o atinente clausulado e sobre o qual manteve os poderes de resolução em caso de incumprimento desse clausulado.
Nº Convencional:JSTA000P25196
Nº do Documento:SA2201911210816/08
Data de Entrada:05/17/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

O Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 23/02/2017, com os demais sinais dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, Lda., contra a liquidação adicional de IRC, do ano de 2004, e respectivos juros moratórios.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

“1. O Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios do ano de 2004 no valor de € 31.282,07, por ter considerado inaplicável ao caso o disposto nos art. 58.°-A e 129.° do CIRC, na redacção em vigor à data.
2. Com os fundamentos reproduzidos no ponto 2.° das presentes alegações supra.
3. Com todo o respeito pela douta decisão “a quo”, entende esta Representação da Fazenda existir erro de direito, na desaplicação do art. 58.°-A do CIRC à concreta situação dos autos.
4. Pois, dos vários elementos da interpretação jurídica, consagrados no art. 9.° do Código Civil, resulta contrariamente ao concluído pelo Mmo. Juiz, a aplicabilidade do valor obtido com a primeira avaliação, prevista nos art. 15.º e 27.° do Decreto-lei 287/2003 de 12 de Novembro.
5. Desde logo, o elemento literal pois a norma, constante do art. 58.° -A do CIRC dispõe que
“ 1-Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação desse imposto.
2-Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.”
6. Ora, não sendo o valor patrimonial tributário definitivo (face ao disposto no art. 15.º do DL), não é compreensível como este é inaplicável ao caso concreto, face à norma e ao disposto no art.° 9.°, n.° 2 do Código Civil (“2- Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verba, ainda que imperfeitamente expresso.”).
7. Por outro lado, argumenta o Mmo. Juiz com a questão do valor de mercado. Com todo o respeito o valor de mercado não é o declarado pelos outorgantes, nem o constante dos VPT à data. Recorde-se que a Reforma do Tributação do Património, que teve a sua consagração legal no Decreto-lei em causa (que aprovou os novos Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis Código do Imposto do Selo) e apelamos aqui aos elementos histórico e teleológico da interpretação jurídica, surgiu precisamente face ao desfasamento entre os valores de mercado e os valores patrimoniais, tentando, com base em critérios o mais objectivos possível, que os segundos se aproximassem dos primeiros.
8. Substituindo (revogando) o Código da Contribuição Autárquica, o Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações e o anterior Código do Imposto do Selo.
9. E saliente-se que o art. 58.°-A do CIRC em causa foi aditado precisamente pelo DL 287/2003 o que nos conduz à questão do elemento sistemático da interpretação, ou seja, o mesmo não pode ser interpretado isoladamente do sistema jurídico-tributário de que faz parte, nomeadamente da Reforma da Tributação do Património em que se integra.
10. Cita-se o preâmbulo do referido DL: “Por outro lado como os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer o IRS, rendimentos empresariais, quer do IRC, tornou-se necessário proceder a diversas adaptações nos respectivos Códigos, para consagração destas medidas, as quais constituem igualmente objecto do presente decreto-lei.”
11. E consta expressamente do art. 27.° do DL que a liquidação cujo valor o Mmo. Juiz pretende considerar é provisório e sendo provisório é-o para todo o ordenamento jurídico-tributário, não definitivo para alguns efeitos, nomeadamente de tributação em sede de IRC e provisória para outros (liquidação de IMT e Imposto de selo).
12. E tal constitui uma excepção, expressamente assumida pelo legislador, ao princípio do apuramento do IRC de acordo com a contabilidade, para evitar precisamente que fossem declarados valores inferiores aos valores de mercado e com isso fosse prejudicada a receita fiscal.
13. Tendo como contrabalanço a possibilidade de o sujeito passivo recorrer ao mecanismo previsto no art. 129.° do CIRC (Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis), na redacção à data, actual art. 139.° do mesmo Código, ao qual a impugnante não recorreu e é condição necessária da abertura da via contenciosa, conforme resulta expressamente do número 7 do artigo.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Exªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela aplicação do art. 58.°-A do CIRC situação concreta, mantendo a liquidação de IRC de 2004 impugnada no ordenamento jurídico-tributário nos seus exactos termos, por a mesma não enfermar de qualquer ilegalidade. JUSTIÇA”

A recorrida apresentou contra-alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

“A - O preço dos dois lotes de terreno — 60.000,00 €, fixado pela Câmara Municipal de Cantanhede na cedência que deliberou fazer à impugnante A…………, Lda, não poderia deixar de ser respeitado na posterior transmissão para a empresa B…………, Lda., sob pena de não ser autorizada a transmissão.
B - O facto de a alienante dos lotes de terreno ser uma autarquia local impunha que o preço a considerar fosse o do contrato — 60.000,00 €, conforme resulta do disposto no art° 12°, regra 16ª do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
C - Contrariamente ao entendimento perfilhado pela Fazenda Pública, atender aos valores de mercado dos lotes de terreno ou aos seus valores patrimoniais, apurados no ano de 2004, constituiria violação de lei, in casu, por ofensa do disposto na referida regra 16ª do art° 12° do CIMT.
D - E ofensa do princípio da tributação do rendimento real das pessoas colectivas, ínsito no art° 104°, n° 2, da CRP.
E - Não se justifica a argumentação da Fazenda Pública esgrimindo com conceitos de interpretação jurídica sobre o regime legal do Dec-Lei n° 287/2003, de 18 de Novembro, que introduziu a reforma do património.
F - A alienante, a empresa A…………, Lda., não tinha sequer que fazer prova de que o preço efectivamente praticado fora inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT.
G - Assim, bem decidiu o TAF de Coimbra, ao não considerar aplicável o regime estabelecido pelo art° 58°-A do CIRC e, consequentemente, não haver lugar ao regime estabelecido no art° 129° do mesmo Código.
Nestes termos e nos mais de Direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser proferido douto acórdão confirmando a decisão preferida por sentença de 23 de Fevereiro de 2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.”

O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, esgrimindo a seguinte argumentação:

“1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra exarada a fls.70 e seguintes, que julgou procedente a ação de impugnação intentada contra o ato de liquidação adicional de IRC do ano de 2004 e respetivos juros compensatórios, no valor de €31.282,07 euros, e determinou a sua anulação.
Considera o Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 58°-A do CIRC.
Para o efeito alega que a referida disposição legal foi introduzida pelo Dec.-Lei n° 287/2003, de 15 de Novembro, que aprovou a reforma da tributação do património, cujo novo sistema de avaliação dos prédios tem subjacente o desfasamento do valor patrimonial dos prédios à data e tem como objetivo a sua aproximação ao valor de mercado. Nessa medida, com a primeira transmissão na vigência do CIMI e do CIMT, impunha-se a avaliação do prédio, recaindo sobre a recorrida o ónus de acionar o mecanismo legal previsto no artigo 129° do CIRC para fazer prova do preço efetivo da transmissão, o que esta última não fez.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que mantenha o ato de liquidação e julgue improcedente a ação de impugnação judicial.
2. Para se decidir pela procedência da ação considerou o Mmo. juiz “a quo” que «no caso em apreço o valor de venda declarado foi superior ao valor patrimonial tributário fixado à data do contrato de compra e venda dos lotes em questão, estes cedidos pela impugnante a um terceiro. Por isso não haveria razão para qualquer correção» - 1° parágrafo de fls. 15 da sentença.
Considerou, assim, o tribunal “a quo” que o ato de liquidação padecia do vício de violação de lei.
3. A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado não aplicável no caso concreto o regime previsto no artigo 58°-A do CIRC, que manda atender, no caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis e para efeitos de determinação do lucro tributável, aos valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos “valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”.
No caso concreto a transmissão onerosa dos dois imóveis ocorreu em 5 de Abril de 2004, já na vigência do Dec.-Lei n° 287/2003, de 15 de Novembro, e do CIMT, cujo artigo 12°, n° 1, manda atender ao valor patrimonial tributário dos imóveis, que nos termos do n° 1 do artigo 15° daquele diploma legal será fixado aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.
Ora, o facto de à data da transação o VPT ser de valor inferior ao valor fixado para a transmissão não permite concluir, como o fez o tribunal “a quo”, que não se impunha a aplicação do disposto no artigo 58°-A do CIRC. Com efeito, o valor constante da matriz não tinha sido obtido com a aplicação do regime de avaliação constante do CIMI, e nessa medida, atento que era a primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, impunha-se a avaliação obrigatória, nos termos do citado artigo 15° do Dec.-Lei n° 287/2003. E essa avaliação é obrigatória, cujos efeitos se repercutem em sede de IMT e IRC, como decorre do artigo 58°-A do CIRC.
Não pode, assim, manter-se a sentença recorrida, por errónea interpretação e aplicação do disposto no citado normativo legal.
4. Como se alcança da sentença recorrida, o tribunal “a quo” deu como prejudicadas as demais questões suscitadas pela impugnante na ação que intentou contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios.
E entre os vícios assacados ao ato tributário a impugnante invoca a violação do disposto no artigo 12°, n° 4, § 16 do CIMT, por entender que a transação dos dois imóveis para a sociedade “B…………, Lda.” foi sujeita às mesmas condicionantes da transação inicialmente operada entre o município de Cantanhede e impugnante, motivo pelo qual entende que neste caso se justifica a aplicação da exceção prevista nos referidos normativos.
O § 16° do n°4 do artigo 12° do CIMT consagra uma exceção à regra do n°1, no sentido de que nos casos dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às Autarquias Locais, o valor a atender é o preço constante do ato ou do contrato.
Ora, resulta dos pontos “A” e “B” do probatório que os dois lotes de terreno foram adquiridos ao município de Cantanhede com a imposição por esta entidade de os mesmos serem destinados à construção de um “Centro de Recolha e Calibragem de Fruta e Produtos Hortícolas” e de que a sua transmissão para a sociedade “B…………, Lda.” só foi autorizada nos mesmos condicionalismos da venda à impugnante. Ou seja, pese embora a celebração de dois contratos que envolveu contraentes distintos, certo é que o segundo contrato celebrado entre a impugnante e a sociedade “B…………, Lda.” equipara-se a uma cedência de posição contratual, uma vez que as cláusulas condicionantes do primeiro contrato impostas pelo município foram igualmente impostas a esta última sociedade e fazem parte do seu clausulado, como se infere da cláusula d) aposta neste segundo contrato no sentido de que “transitam para o novo adquirente as condições e objetivos da venda inicial”.
Ora, entre as condições de que o primeiro contrato beneficiava o adquirente está o preço do imóvel, cujo valor foi fixado não em função do mercado, mas com o propósito de incentivar o investimento na zona industrial do município de Cantanhede. Verifica-se, assim, que este segundo contrato não é um simples contrato de compra e venda livremente celebrado entre as duas partes, mas um contrato complexo através do qual a sociedade “B…………, Lda.” se substituiu à impugnante nos direitos e obrigações assumidos por esta no contrato celebrado com o município de Cantanhede, e cujo clausulado foi imposto por esta última entidade, a qual mantém direitos de controlo sobre a sua destinação.
E assim sendo, comungando tal contrato das caraterísticas e vínculos do primeiro, que foram transpostos para o segundo, como se de cedência da posição contratual se tratasse, justifica-se a aplicação neste caso do disposto no parágrafo 16 do nº 4 do artigo 12º do CIMT. Ou seja, que o valor a atender para efeitos de IMT e consequentemente para efeitos de IRC, seja o preço constante do contrato, por envolver a aquisição de um bem sobre o qual o município de Cantanhede fixou o respetivo clausulado e sobre o qual manteve os poderes de resolução em caso de incumprimento desse clausulado.
Entendemos, assim, que o ato tributário padece do vício de violação de lei que lhe é assacado pela impugnante, por violação do disposto no citado normativo, motivo pelo qual se impõe a sua anulação, confirmando-se nesta parte a sentença recorrida, ainda que com fundamentação distinta.”


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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A — Em 31.05.2000, a Impugnante adquiriu à Câmara Municipal de Cantanhede os lotes n.° 35 e 36, sitos na Zona Industrial de Cantanhede, pelo valor de esc. 11.455.500$00 (cf. doc. a fls. v. 56 a 58 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

B — Em deliberação da Câmara Municipal de Cantanhede, datada de 09.12.2003, consta que a Impugnante requereu a autorização para alienar os lotes referidos na alínea anterior, pelo valor de € 60.000,00 com renúncia por aquela entidade ao direito de preferência na alienação, tendo esta como adquirente a B…………, Lda., tendo sido deliberado por aquela edilidade: “[...] 1) Prescindir do direito de preferência constante da alínea h) das condições de cedência dos lotes n.°s 35 e 36 da Zona Industrial de Cantanhede; 2) Autorizar a empresa A…………, Lda. a alinear os lotes com os n.ºs 35 e 36 da Zona Industrial de Cantanhede à empresa B…………, Lda, nas condições propostas no seu requerimento e ainda nas seguintes: a empresa B…………, Lda obriga-se a cumprir todas as condições de alienação nomeadamente que o destino do lote é a construção de um Centro de Recolha e Calibragem de Fruta e Produtos Hortícolas, a obrigatoriedade da empresa iniciar a construção nos lotes, no prazo de 45 dias, a contar do dia 31/10/2003 sob pena do contrato ser resolvido […]” (cf. doc. a fls. v. 59 a 60 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

C — Em 05.05.2004, a Impugnante vendeu à B…………, Lda., os lotes de terreno referidos na alínea anterior pelo preço global de € 60.000,00, sendo que o lote n.° 35 tinha inscrito na matriz um valor de € 29.203,00 e o lote n.° 36 estava inscrito na respetiva matriz com o valor de € 28.620,00 (cf. doc. a fls. v. 56 a 58 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

D — Pela aquisição referida na alínea anterior a B…………, Lda. pagou a respetiva liquidação de IMT no valor de € 3.900.00, declarando como valor de venda o montante de € 60.000,00 (cf. docs. a fls. v. 56 a 58 e 40 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

E — Os lotes referidos nas alíneas anteriores foram objeto de avaliação em 03.09.2005, tendo sido atribuído ao lote n.° 35 o VPT de € 89.030,00 e ao lote n.° 36 o VPT de € 86.760,00, tendo sido a Impugnante notificada da avaliação efetuada não tendo apresentado reclamação (cf. docs. a fls. 41 a 43 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

F — Em 12.11.2007, foi elaborado o «Projecto de Relatório de Inspecção Tributária», do qual se retira que:

“[…]

III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável.

Falta de entrega da declaração de substituição, em Janeiro de 2006, de acordo com o previsto no n. ° 4 do artigo 58.º-A do CIRC, referente ao ano de 2004.

1. O facto:

a) No dia cinco de Abril de dois mil e quatro, o sujeito passivo alienou, à empresa B…………, Lda, com o número de contribuinte ………, pelo valor total de € 60.000, dois lotes de terreno destinados a construção industrial e comercial situados na zona industrial de Cantanhede: Um lote de terreno com o número 35, inscrito na matriz sob o artigo 5.622, pelo valor de € 30.302,47 e, o outro, com o número 36, inscrito na matriz sob o artigo 5.6231, pelo valor de 29.697,53 - ver contrato de compra e venda, no anexo, sob o números 1 a 7;

b) Em 03-09-2005, na sequência da 1.ª alienação daqueles imóveis, já na vigência do Código Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o lote de terreno com o número 35, fora avaliado, nos termos dos artigos 37.° a 46.° daquele diploma, tendo sido calculado, para este, o valor patrimonial tributário de € 89.030,00, bem como, o lote de terreno com o número 36, o fora, tendo sido calculado o valor patrimonial tributário de € 86.760,00; (ver o documento no anexo sob o número 8)

c) Em 13 de Setembro de 2005, ambos os intervenientes no contrato de compra e venda acima referido – A…………, Lda, com o número de contribuinte ………., e B…………, Lda, com o número de contribuinte ……… - foram notificados dos termos da avaliação: de acordo com os ofícios números 137 4807 e 137 4806 do Serviço de Finanças de Cantanhede, sob os registos do CTT n.°s RY0384760663PT e RY038476050PT, respectivamente. (ver os documentos em anexo sob os números 9,10,11,12)

d) Os valores patrimoniais tributários avaliados tornaram-se definitivos:

- Ao adquirente B…………, fora já liquidado o IMI referente ao ano de 2004, com base nos novos valores tributários avaliados na sequência daquela aquisição (ver documento em anexo sob o número 13)

- Bem como lhe fora já liquidado o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) adicional resultante da diferença entre os o valor do contrato de € 60.000 e o que resultou da avaliação de € 175.790,00 (ver documento no anexo sob os números 14, 15, 16, 17 e 18)

e) E, ilustrando, expõe-se no quadro seguinte, as diferenças que resultam da comparação entre o valor declarado no contrato e o valor patrimonial tributário definitivo:

2. A norma tributária aplicável

Diz o n.° 2 do artigo 58.°-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas colectivas que “sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior - transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis - o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”.

Assim sendo, ao conjugarmos a alínea a) do n.° 3 com o n.º 4 do artigo acima invocado, o alienante A…………, deveria ter entregue uma declaração de substituição, em Janeiro de 2006, a fim de corrigir o lucro tributável declarado na 1.ª declaração de rendimento entregue, referente ao exercício de 2004, adicionando, a este, a diferença de € 115.790,00, acima calculada, e que correspondente à diferença positiva de valores, entre o valor de venda declarado no contrato (€ 60.000,00) e o valor patrimonial definitivo resultante da avaliação dos lotes de terreno n.°s 35 e 36 (€175.790,00).

Todavia, como se constatou ao confrontarmos a gerente C………… e o Técnico Oficial de contas do contribuinte inspeccionado, bem como se pode ver ainda nos registo das declarações entregues o sujeito passivo (Ver documento sob o número 19 do anexo) este não veio a cumprir tal obrigação. Ficando assim, por esta falta, omitido ao lucro tributável referente ao ano de 2004, o valor de € 115.790,00. […]”

(cf. docs. a fls. 2 a 14 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

G — No projeto referido na alínea anterior, foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Chefe de Divisão dos SIT, datado de 13.11.2007, tendo sido determinado que a Impugnante fosse notificada para “[...] efeitos de audição prévia [...]” (cf. docs. a fls. 2 a 14 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

H — Do projeto e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofício dos SIT (cf. docs. a fls. 15 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

I — Em 26.11.2007, a Impugnante, através dos seus gerentes e na sequência da notificação referida na alínea anterior, apresentou uma exposição escrita para cujo conteúdo aqui se remete (cf. fls. 16 e respetivo verso do PA).

J — Em 12.11.2007, foi elaborado o «Relatório de Inspecção Tributária», do qual se retira que:

III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável.

Falta de entrega da declaração de substituição, em Janeiro de 2006,de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 58.°-A do CIRC, referente ao ano de 2004.

1. O facto:

a) No dia cinco de Abril de dois mil e quatro, o sujeito passivo alienou, à empresa B…………, Lda, com o número de contribuinte ………, pelo valor total de € 60.000, dois lotes de terreno destinados a construção industrial e comercial situados na zona industrial de Cantanhede: Um lote de terreno com o número 35, inscrito na matriz sob o artigo 5.622, pelo valor de € 30,302,47 e, o outro, com o número 36, inscrito na matriz sob o artigo 5.6231 no valor de € 29.697,53 - ver contrato de compra e venda, no anexo, sob o números 1 a 7;

b) Em 03-09-2005, na sequência da 1.a alienação daqueles imóveis, já na vigência do Código Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o lote de terreno com o número 35, fora avaliado, nos termos do artigos 37.° a 46.° daquele diploma, tendo sido calculado, para este, o valor patrimonial tributário de € 89,030,00, bem como, o lote de terreno com o número 36, o fora, tendo sido calculado o valor patrimonial tributário de € 86.760,00; (ver o documento no anexo sob o número 8)

c) Em 13 de Setembro de 2005, ambos os intervenientes no contrato de compra e venda acima referido – A…………, Lda, com o número de contribuinte ………, e B…………, Lda, com o número de contribuinte ……… - foram notificados dos termos da avaliação: de acordo com os ofícios números 137 4807 e 137 4806 do Serviço de Finanças de Cantanhede, sob os registos do CTT n.°s RY0384760663PT e RY038476050PT, respectivamente. (ver os documentos em anexo sob os números 9, 10,11,12)

d) Os valores patrimoniais tributários avaliados tornaram-se definitivos:

- Ao adquirente B…………, fora já liquidado o IMI referente ao ano de 2004, com base nos novos valores tributários avaliados na sequência daquela aquisição (ver documento em anexo sob o número 13)

- Bem como lhe fora já liquidado o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) adicional resultante da diferença entre os o valor do contrato de € 60.000 e o que resultou da avaliação de € 175.790,00 (ver documento no anexo sob os números 14, 15, 16, 17 e 18)

e) E, ilustrando, expõe-se no quadro seguinte, as diferenças que resultam da comparação entre o valor declarado no contrato e o valor patrimonial tributário definitivo:

2. A norma tributária aplicável

Diz o n.° 2 do artigo 58°-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas colectivas que “sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior - transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis - o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”.

Assim sendo, ao conjugarmos a alínea a) do n.° 3 com o n.° 4 do artigo acima invocado, o alienante A…………, deveria ter entregue uma declaração de substituição, em Janeiro de 2006, a fim de corrigir o lucro tributável declarado na a declaração de rendimento entregue, referente ao exercício de 2004, adicionando, a este, a diferença de € 115.790,00, acima calculada, e que correspondente à diferença positiva de valores, entre o valor de venda declarado no contrato (€ 60.000,00) e o valor patrimonial definitivo resultante da avaliação dos lotes de terreno n.°s 35 e 36 (€175.790,00).

Todavia, como se constatou aos confrontarmos a gerente C………… e o Técnico Oficial de contas do contribuinte inspeccionado, bem como se pode ver ainda nos registo das declarações entregues o sujeito passivo (Ver documento sob o número 19 do anexo) este não veio a cumprir tal obrigação.

Ficando assim, por esta falta, omitido ao lucro tributável referente ao ano de 2004, o valor de € 115.790,00. […]”

(cf. docs. a fls. 17 a 30 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

K — Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Diretor de Finanças Adjunto da DF de Coimbra (cf. docs. a fls. 17 a 30 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

L — Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofício da DF de Coimbra (cf. docs. a fls. 31 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

M — Pelos serviços da Impugnada foi elaborado o «Documento de Correcção Único», referente ao IRC da Impugnante no exercício de 2004 do projeto e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofícios dos SIT (cf. docs. a fls. 33 a 36 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

N — A Impugnante foi notificada para pagamento da liquidação adicional de IRC de 2004 e respetivos juros compensatórios, assim como da respetiva compensação e estorno da liquidação inicial de 2004 e respetivos juros (cf. doc. a fls. 53 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

O — Em 02.06.2008, a Impugnante apresentou junto dos serviços da Impugnada, uma exposição escrita que designou por «Reclamação Graciosa» (cf. docs. a fls. 49 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

P — Em informação dos serviços da DF de Coimbra e em relação à exposição escrita referida na alínea anterior, retira-se que:

“[…]

A…………, Lda. NIPC ………, apresentou, em 02.06.2008, no Serviço de Finanças de Cantanhede, reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, n.° 8310019798, de 27/12/2007. A esta liquidação corresponde a nota de cobrança n.° 2007 1373179, cuja data limite de pagamento era 06.02.2008.

A reclamação é legal, é legítima e foi apresentada em tempo.

A reclamante havia adquirido no ano de 2000 dois lotes de terreno para construção na área industrial de Cantanhede, para aí edificar as suas instalações industriais. Por razões diversas a reclamante não obteve as condições necessárias à construção dessas instalações. A aquisição desses lotes de terreno havia sido feito à Câmara Municipal de Cantanhede, sob determinadas condições impostas por esta entidade. Obtido o necessário consentimento da Câmara Municipal, a A…………, Lda decidiu alienar esses mesmos lotes à empresa B…………, L.da., NIPC ………, propriedade dos mesmos sócios, que reunia as condições para a realização do objectivo da construção das instalações industriais. A alienação dos dois lotes foi feita pelo preço global de € 60 000.00, sendo € 30 202,47 o lote 35 e € 29 697,53 o lote 36, por escritura pública de 05/04/2004.

Como esta transmissão foi feita após a entrada em vigor do DL 287/2003, foi desencadeada a avaliação dos ditos prédios, de conformidade com o artigo 15.º deste DL. Consequentemente foram feitas as respectivas liquidações adicionais ao IMT pago pela empresa adquirente e ao IRC da sociedade alienante, nos termos dos artigos 31.º do CIMT e 58-A do CIRC, respectivamente.

A A…………, L.da, sociedade alienante, na reclamação em análise, vem contestar a correcção feita em sede de IRC, efectuada nos termos do artigo 58-A do respectivo Código. Ora, nos termos deste preceito, independentemente do valor que constou no contrato, escritura de compra e venda, é o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel que o alienante deve considerar para efeitos da determinação do lucro tributável.

Nesta conformidade a reclamação deve ser indeferida.

(cf. doc. a fls. 61 do PA que aqui se dá, para todos os efeito legais, como integralmente reproduzido).

Q — Na informação referida na alínea anterior, foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Diretor de Finanças da DF de Coimbra, datado de 23.06.2008, tendo sido determinado que a Impugnante fosse notificada para "efeitos do art° 60° da LGT […]" (cf. doc. a fls. 61 do PA que aqui se dá, para todos os efeito legais, como integralmente reproduzido).

R — Da informação e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofício da DF de Coimbra (cf. docs. a fls. 62 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

S — Na sequência da notificação referida na alínea anterior, em 08.07.2008, a Impugnante apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Impugnada para cujo conteúdo aqui se remete (cf. fls. 63 e respetivo v. do PA).

T — Em informação dos serviços da DF de Coimbra e em relação à exposição escrita referida na alínea anterior, retira-se que:

“[…]

A sociedade A…………, Lda, NIPC ………, notificada, pelo ofício n.° 1942, de 25/06/2 008, da Divisão de Justiça Tributária, do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.° 0710200804000463, veio, no exercício do direito de audição, apresentar exposição, em 08/07/2008.

Está em causa a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004 efectuada nos termos do artigo 58-A do CIRC. Contesta os termos em que é feita a liquidação adicional e o projecto de indeferimento da reclamação, alegando que a alienação dos imóveis foi feita pelos valores constantes da escritura, valores que não podiam sequer ser superiores por imposição da Câmara Municipal, e que por conseguinte a base tributável para a liquidação do IRC deveria ter por base esses valores.

Esta pretensão não tem base legal para ser atendida. De facto, as normas expressas no artigo 58-A do CIRC não deixam dúvidas quanto aos valores que devem servir de base, nestes casos, ao apuramento do lucro tributável.

Nesta conformidade a proposta de indeferimento da reclamação graciosa deve ser mantida. […]”

(cf. doc. a fls. 64 do PA que aqui se dá, para todos os efeito legais, como integralmente reproduzido).

U — Na informação referida na alínea anterior, foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Diretor de Finanças da DF de Coimbra, datado de 23.07.2008, tendo sido determinado o indeferimento do pedido formulado pela Impugnante (cf. doc. a fls. 64 do PA que aqui se dá, para todos os efeito legais, como integralmente reproduzido).

V — Da informação e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofício da DF de Coimbra, datado de 25.07.2008 e recebido a 27.08.2008 (cf. docs. a fls. 65 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

X — A p.i. do presente meio processual foi remetida por correio eletrónico para este Tribunal em 29.08.2008 (cf. fls. 1 a 24 dos autos).


*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação da liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios:
i) padece de erro de direito por desaplicação do artigo 58.º-A do CIRC, que dispõe: “os alienantes de direitos reais sobre imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviram no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.”

ii) se se justifica a aplicação do disposto no parágrafo 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor a atender ao preço constante do contrato, para efeitos de IMT e, consequentemente, para efeitos de IRC.

Aquilatando.

No tocante ao erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 58°-A do CIRC, sustenta a recorrente AT que esse preceito legal foi introduzido pelo Dec.-Lei n° 287/2003, de 15 de Novembro, que aprovou a reforma da tributação do património, cujo novo sistema de avaliação dos prédios tem subjacente o desfasamento do valor patrimonial dos prédios à data e tem como escopo a sua aproximação ao valor de mercado.
Com esse fito, impõe que, com a primeira transmissão na vigência do CIMI e do CIMT, se efectue a avaliação do prédio, recaindo sobre a recorrida o ónus de accionar o mecanismo legal previsto no artigo 129° do CIRC para fazer prova do preço efectivo da transmissão, o que a AT não fez.
Com base nesse argumentário, impetra a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que mantenha o ato de liquidação e julgue improcedente a acção de impugnação judicial.
Adversamente, a recorrida ampara a bondade do julgado ao não considerar aplicável o regime estabelecido pelo art° 58°-A do CIRC e, consequentemente, que não há lugar ao regime estabelecido no art° 129° do mesmo Código porque o facto de a alienante dos lotes de terreno ser uma autarquia local impunha que o preço a considerar fosse o do contrato — 60.000,00 €, conforme resulta do disposto no art° 12°, regra 16ª do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), sendo que a atender aos valores de mercado dos lotes de terreno ou aos seus valores patrimoniais, apurados no ano de 2004, isso constituiria violação de lei por ofensa do disposto na referida regra 16ª do art° 12° do CIMT, bem como ofensa do princípio da tributação do rendimento real das pessoas colectivas, ínsito no art° 104°, n°2, da CRP.
Ainda adita não se justificar a argumentação da Fazenda Pública esgrimindo com conceitos de interpretação jurídica sobre o regime legal do Dec-Lei n° 287/2003, de 18 de Novembro, que introduziu a reforma do património e que a alienante, a empresa A…………, Lda., não tinha sequer que fazer prova de que o preço efectivamente praticado fora inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT.
Da fundamentação jurídica da sentença sobressai que o Mmo. Juiz a quo entendeu que «no caso em apreço o valor de venda declarado foi superior ao valor patrimonial tributário fixado à data do contrato de compra e venda dos lotes em questão, estes cedidos pela impugnante a um terceiro. Por isso não haveria razão para qualquer correção» - 1° parágrafo de fls. 15 da sentença - padecendo o ato de liquidação do vício de violação de lei que lhe vinha imputado na p.i.
O EPGA junto deste STA perfilha o entendimento de que se impunha a avaliação obrigatória, nos termos do citado artigo 15° do Dec.-Lei n° 287/2003, repercutindo-se os seus efeitos em sede de IMT e IRC, como decorre do artigo 58°-A do CIRC.
Para solver estas dissensões torna-se útil e necessário atentar na normação aplicável, concretamente, o regime previsto no artigo 58°-A do CIRC.
Na Reforma da Tributação do Património operada pelo Decreto-Lei nº287/2003, de 12 de Novembro, foi aditado ao Código do IRC o referido artº 58º-A, cuja redacção, à data dos factos, era do seguinte teor:
Art.° 58°-A
Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”
Art.° 129.°
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 - O disposto no n.°2 do artigo 58.°-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.°3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.°1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.° 2 do artigo 58.°-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no n.°3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.°4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.°2 do artigo 58°-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.°3, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do I nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”
Ora, como salienta o EPGA no seu douto Parecer, no caso concreto a transmissão onerosa dos dois imóveis ocorreu em 5 de Abril de 2004, já na vigência do Dec.-Lei n°287/2003, de 15 de Novembro, e do CIMT, cujo artigo 12°, n° 1, manda atender ao valor patrimonial tributário dos imóveis, que nos termos do n° 1 do artigo 15° daquele diploma legal será fixado aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.
A Impugnante e ora recorrida, sustenta que o valor a considerar para efeitos da alienação dos dois lotes de terreno teria que ser o declarado, ou seja, os €60.000,00 e não o posteriormente apurado em sede de reavaliação dos sobreditos imóveis e daí que não haveria aqui lugar às correcções referidas no art.° 58°-A do CIRC.
Posição sufragada pela sentença segundo a qual, se atentarmos na definição do n.°1 da norma citada, verificamos que a condição geral que dela emana é que, para efeitos de IRC, na alineação de imóveis, deve ser considerado o preço de acordo com os «valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT)»; quando haja divergência quanto a estes valores com os aludidos parâmetros (um valor normal de mercado que não pode ser inferior ao valor do declarado na liquidação de IMT) é que se operará uma correcção nos termos dos números seguintes da apontada norma.
Segundo esse modo de ver, acaba o julgador por considerar que no caso em apreço o valor de venda declarado foi superior ao valor patrimonial tributário fixado à data do contrato de compra e venda dos lotes em questão, estes cedidos pela Impugnante a um terceiro, inexistindo razão para qualquer correcção.
Mas, na esteira do douto Parecer do EPGA, também entendemos que o facto de à data da transacção o VPT ser de valor inferior ao valor fixado para a transmissão não permite concluir, como o fez o tribunal a quo, que não se impunha a aplicação do disposto no artigo 58°-A do CIRC.
Isso pela razão fundamental de que o valor constante da matriz não tinha sido obtido com a aplicação do regime de avaliação consagrado no CIMI pelo que, tratando-se da primeira transmissão verificada depois da sua entrada em vigor, havia lugar a avaliação obrigatória, nos termos do aludido artigo 15° do Dec.-Lei n° 287/2003, repercutindo-se os seus efeitos em sede de IMT e IRC, como resulta do artigo 58°-A do CIRC.
Destarte, é forçoso concluir que a sentença recorrida incorreu no assacado erro sobre a interpretação e aplicação do disposto no citado normativo legal.
Mas isso implica que se deva aplicar o regime estabelecido no artº 129º do CIRC como advoga a recorrente AT (Vide conclusões 11 e ss), dado que consta expressamente do art. 27.° do DL que a liquidação cujo valor o Mmo. Juiz pretende considerar é provisório e sendo provisório é-o para todo o ordenamento jurídico-tributário, não definitivo para alguns efeitos, nomeadamente de tributação em sede de IRC e provisória para outros (liquidação de IMT e Imposto de selo)?
É que, ainda segundo a recorrente, tal constitui uma excepção, expressamente assumida pelo legislador, ao princípio do apuramento do IRC de acordo com a contabilidade, para evitar precisamente que fossem declarados valores inferiores aos valores de mercado e com isso fosse prejudicada a receita fiscal, tendo como contrabalanço a possibilidade de o sujeito passivo recorrer ao mecanismo previsto no art. 129.° do CIRC (Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis), na redacção à data, actual art. 139.° do mesmo Código, ao qual a impugnante não recorreu e é condição necessária da abertura da via contenciosa, conforme resulta expressamente do número 7 do artigo.
Vejamos.
Como se expendeu no Acórdão deste STA de 06-02-2013, tirado no Recurso nº 0989/12, disponível em www.dgsi.pt versando sobre o regime dos artigos 58º-A e 129º do CIRC, “A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Essa presunção, se assumisse a natureza de presunção inilidível, aliás expressamente vedada pelo art. 73.º da LGT (Dispõe o art. 73.º da LGT: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».), poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República (Diz o art. 104.º, n.º 2, da CRP: «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».).
Assim, o legislador criou em sede de IRC um mecanismo para ilisão da presunção, o procedimento previsto no art. 129.º (hoje corresponde-lhe o art. 139.º) do respectivo Código, cujo n.º 1 estipula: «O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis» (Igual possibilidade foi consignada no art. 31.º-A do CIRS.).
Essa prova deverá o sujeito passivo fazê-la, nos termos do n.º 3 do mesmo art. 129.º, «em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos».
Ou seja, a lei criou um procedimento em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 58.º-A do CIRC.
Esse procedimento «rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei», como prescreve o n.º 5 do citado art. 129.º do CIRC. O que significa, designadamente, que a lei equipara este procedimento ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, permitindo que na impugnação do acto tributário de liquidação (ou do acto de correcção do lucro tributável de que não resulta liquidação) sejam discutidas, não só as ilegalidades desse acto, como também todas as ilegalidades verificadas ao longo do procedimento do art. 129.º do CIRC, cerceando apenas essa possibilidade relativamente ao valor que tenha sido encontrado por acordo entre os peritos, tudo como decorre do princípio da impugnação unitária (O princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54.º do CPPT, significa que não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, a menos que exista disposição expressa em contrário ou que sejam actos imediatamente lesivos, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final (geralmente, da liquidação) qualquer ilegalidade anteriormente cometida. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 2 ao art. 54.º, pág. 467.), expressamente aplicável ex vi da remissão feita pelo n.º 5 do art. 129.º do CIRC para o n.º 4 do art. 86.º da LGT, norma legal que dispõe: «Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».
Acresce que este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do art. 129.º do CIRC, que dispõe: «A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa» (Redacção dada pelo art. 52.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), aqui aplicável.). Ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 129.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui um condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.”
Mas será assim no caso vertente?
Entendemos que não na medida em que in casu se justifica a aplicação do disposto no parágrafo 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor a atender ao preço constante do contrato, para efeitos de IMT e, consequentemente, para efeitos de IRC.
Isso mais uma vez na peugada do douto Parecer do EPGA ao assinalar que como se alcança da sentença recorrida, o tribunal “a quo” deu como prejudicadas as demais questões suscitadas pela impugnante na acção que intentou contra o ato de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, avultando entre os vícios assacados ao ato tributário a violação do disposto no artigo 12°, n°4, § 16 do CIMT, por entender que a transacção dos dois imóveis para a sociedade “B…………, Lda.” foi sujeita às mesmas condicionantes da transacção inicialmente operada entre o município de Cantanhede e impugnante, motivo pelo qual entende que neste caso se justifica a aplicação da excepção prevista nos referidos normativos.
O mencionado § 16° do n°4 do artigo 12° do CIMT excepciona a regra do n°1, no sentido de que nos casos dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às Autarquias Locais, o valor a atender é o preço constante do ato ou do contrato.
E patenteia o probatório [alíneas A) e B)] que os dois lotes de terreno foram adquiridos ao município de Cantanhede com a imposição por esta entidade de os mesmos serem destinados à construção de um “Centro de Recolha e Calibragem de Fruta e Produtos Hortícolas” e de que a sua transmissão para a sociedade “B…………, Lda.” só foi autorizada nos mesmos condicionalismos da venda à impugnante.
Significa que, não obstante tenha ocorrido a celebração de dois contratos envolvendo contraentes distintos, o segundo contrato celebrado entre a impugnante e a sociedade “B…………, Lda.” é equiparável a uma cedência de posição contratual, pois as cláusulas condicionantes do primeiro contrato impostas pelo município foram igualmente impostas a esta última sociedade e fazem parte do seu clausulado, como se deduz da cláusula d) anexada neste segundo contrato no sentido de que “transitam para o novo adquirente as condições e objetivos da venda inicial”.
Com efeito, a cessão é o negócio pelo qual um dos outorgantes -cedente - em contratos com prestações recíprocas (sinalagmáticos) transmite a sua inteira posição contratual, isto é, o complexo unitário constituído pelos créditos e dívidas que para ele resultaram do contrato, a um terceiro – cessionário- desde que o outro contraente – o cedido – consinta na transmissão (nesse sentido, ver A. Varela, Das Obrigações, 2ª ed., 2º-347; Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed-578 e Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, 2º-121).
Sucede que no caso posto, entre as condições de que o primeiro contrato beneficiava o adquirente está o preço do imóvel, cujo valor foi fixado não em função do mercado, mas com o propósito declarado de incentivar o investimento na zona industrial do município de Cantanhede.
Como enfatiza o EPGA no Parecer que vimos seguindo, é, pois, manifesto que o segundo contrato não é um puro contrato de compra e venda livremente celebrado entre as duas partes, mas um contrato complexo através do qual a sociedade “B…………, Lda.” se substituiu à impugnante nos direitos e obrigações assumidos por esta no contrato celebrado com o município de Cantanhede, e cujo clausulado foi imposto por esta última entidade, a qual mantém direitos de controlo sobre a sua destinação.
Por conseguinte, uma vez que o questionado contrato reveste as características e vínculos do primeiro, que foram transpostos para o segundo, como se de cedência da posição contratual se tratasse, está justificada a aplicação à situação dos autos o ordenado no § 16 do nº 4 do artigo 12º do CIMT, o que vale por dizer que o valor a atender para efeitos de IMT e consequentemente para efeitos de IRC, deva ser o preço inserto no contrato, por se conectar com a aquisição de um bem sobre o qual o Município de Cantanhede fixou o atinente clausulado e sobre o qual manteve os poderes de resolução em caso de incumprimento desse clausulado.
Por esse prisma, o ato tributário enferma do vício de violação de lei que lhe é imputado pela impugnante, por infringir o disposto no citado normativo, o que acarreta a sua anulação.
Pelo que vem dito, o recurso não deve ser provido e merece confirmação a sentença recorrida com a sobre explanada fundamentação.

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3. DECISÃO


Em face do exposto, acorda-se nesta secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida mas com distinta fundamentação.

Custas pela recorrente.

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Lisboa, 21 de Novembro de 2019. - José Gomes Correia (relator) - Joaquim Condesso (*) - Paulo Antunes.

(*) Concordo com o dispositivo do presente acórdão. Em sede de fundamentação, considero despiciendo a alusão à figura da cessão da posição contratual, para que se possa enquadrar a situação dos autos na norma da incidência constante do artº 12º, nº 4, parág. 16, do C.I.M.T.
Joaquim Manuel Ch. Condesso