Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01308/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
EXECUÇÃO
COIMA
INCOMPETÊNCIA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:Não é de admitir recurso de revista quando a única questão suscitada é a da competência material dos tribunais administrativos de decisão do TCA se estiver em causa apenas essa questão e o entendimento acolhido não evidenciar erro manifesto a exigir, por si só, a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P22646
Nº do Documento:SA12017113001308
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou, no TAF de Sintra, contra A…………, execução para pagamento de coima e custas pedindo que se ordenasse a penhora de todos e quaisquer bens pertencentes ao executado susceptíveis de serem penhorados e suficientes para pagamento da dívida de € 1.551,00.

Aquele Tribunal julgou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer desta execução de decisão de aplicação de coima administrativa e, em consequência, indeferiu liminarmente o requerimento executivo.

Decisão que o TCA Sul manteve.

É desse acórdão que o Exequente vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O que aqui está em causa é a identificação do Tribunal competente executar a cobrança de coimas e custas aplicadas ao Executado pela Câmara Municipal de Cascais, pedido que foi formulado pelo M.P. no TAF de Sintra “ao abrigo do disposto no art.º 89.º do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/09.”
Aquele Tribunal indeferiu liminarmente o requerimento executivo. Para tanto ponderou:
“…. não só a competência dos tribunais administrativos em litígios decorrentes de ilícitos de mera ordenação social foi delimitada pela matéria sobre que incidem as normas violadas que justificam a aplicação da coima, tendo sido atribuída competência aos tribunais administrativos apenas para conhecer de impugnações judiciais de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo ….. Como aos tribunais administrativos foi apenas conferida competência para conhecer das impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas, com exclusão dos demais litígios respeitantes a contra ordenações, designadamente o que respeita à execução das decisões de aplicação de coimas.
O Ministério Público invoca a norma do artigo 89.º do RGCO, em conjugação com a alínea l) do n. 1 do artigo 4.° do ETAF como norma atributiva de competência aos tribunais administrativos.
Ora, o artigo 89.º do RGCO não contém uma norma de atribuição de competência material mas sim, apenas, de competência territorial.
…..
Face ao exposto, estando em causa, no presente processo, a execução de uma decisão de aplicação de coima, o TAF de Sintra não é competente para a sua apreciação, por inexistência de norma atributiva de competência aos tribunais administrativos, o que determina a incompetência absoluta do Tribunal, exceção dilatória insuprível, cuja verificação obsta ao conhecimento do mérito e determina o indeferimento do requerimento inicial uma vez que, no caso, o Executado ainda não foi citado.”

O TCA, para onde o M.P. apelou, manteve essa decisão tendo concluído o Acórdão com a formulação das seguintes conclusões:
“i) A execução das decisões administrativas proferidas no âmbito dos processos de contra-ordenação não se encontra tipificada em nenhuma das alíneas do artigo 4°, n.º 1, do ETAF, designadamente nas alíneas l) e n), nem se enquadra no artigo 4°, n.º 1, al.ª o) do ETAF, para a qual também se remete, em matéria de execuções, no artigo 157°, n.º 5, do CPTA, a respeito das execuções contra particulares fundadas em título que não seja uma sentença proferida pelos tribunais administrativos.
ii) As normas contidas nos artigos 61.° e 89.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27/10 (que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo; redacção dada pela Lei n.º 109/2001, de 24/12), apenas prevêem regras de competência territorial - o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção, salvo quando a decisão tiver sido proferida pela Relação, caso em que a execução poderá promover-se perante o tribunal da comarca do domicílio do executado - e não material.
iii) O legislador da Revisão de 2015, marcadamente por razões de ordem funcional, consagrou assumidamente uma solução intermédia, apenas atribuindo aos tribunais administrativos a competência para as impugnações de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social e quando essa aplicação se fundar na violação de normas em matéria de urbanismo (art. 4°, n.º 1, al. l), do ETAF).
iv) A jurisdição administrativa é materialmente incompetente para conhecer das acções de execução para pagamento de coima e custas relativas a decisões Administração Pública que tenham aplicado coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
v) Tanto mais que os tribunais administrativos e fiscais não têm unidades de serviço externo para as diligências inerentes à cobrança coerciva das quantias em dívida.

3. É desse acórdão que o M.P. interpõe a presente revista onde sustenta que a mesma deve ser admitida para que se apreciasse a questão de saber se “o processamento da ação executiva para cobrança de coima, aplicada por violação de regras urbanísticas, cabe aos Tribunais Administrativos, ou se está atribuída aos Tribunais comuns, conforme decidido no douto Acórdão sub judice.” Questão cuja resolução pelo STA era “manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito ou à promoção de orientação e da uniformidade da jurisprudência, justificando-se e tendo em vista uma melhor realização do direito e mais clara aplicação deste.”

4. Como se acabou de ver a questão que ora está em causa é a da identificação do Tribunal competente para executar as quantias de coima e custas aplicadas por uma autoridade administrativa. Questão que se coloca dada a recente alteração do ETAF que atribuiu competência à jurisdição administrativa para o julgamento das impugnações judiciais de decisões que apliquem coimas em matéria de urbanismo.
Todavia, esta questão – por si só - não justifica a admissibilidade da revista e isto porque, como esta Formação tem decidido em casos idênticos, não é de “admitir recurso de revista excepcional quando a intervenção do STA não seja a última palavra sobre a questão que lhe é colocada, como acontece neste caso. Na verdade, a intervenção deste STA nem sequer evita a possibilidade de posterior conflito negativo de competência. Não existe assim a vantagem inerente a este tipo de recursos que é a de contribuir para a pacificação da jurisprudência.” – Acórdão de 23/11/2017 (rec. 1254/17). No mesmo sentido podem ainda ver-se os Acórdãos de 4/01/2017, (rec. 962/17), de 9/02/2017 (rec. 94/17) e de 16/11/2017 (rec. 1226/17).
Face ao exposto não se admite a revista.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro).