Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01162/14.5BEPRT
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
CONCURSO
DOCENTE
ACTO DEVIDO
EFEITOS
Sumário:É de admitir revista se o acórdão recorrido entendeu que a condenação à homologação do resultado final do concurso e a contratação do docente apenas deveria ter efeitos para o futuro e não a partir da data em que tais actos deveriam ter sido praticados, porque esta questão reveste inegável relevância jurídica e social, não sendo isenta de dúvidas, como desde logo é revelado pela divergência nas instâncias, sendo repetível em futuros procedimentos concursais deste género.
Nº Convencional:JSTA000P28549
Nº do Documento:SA12021111801162/14
Data de Entrada:11/10/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DO PORTO (ISCAP)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………… intentou no TAF do Porto acção administrativa especial, contra o Instituto Politécnico do Porto (IPP) e o Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP), pedindo a sua condenação a homologar a deliberação final do júri do concurso, que o colocou em 1º lugar para prover a vaga do concurso e, subsequentemente, emitir a decisão final da sua contratação, com todos os efeitos decorrentes, reportados ao momento da deliberação final do júri, de 26.01.2013.

O TAF do Porto proferiu sentença que julgou a acção parcialmente procedente.

Interposto recurso da mesma pelo Autor para o TCA Norte, veio a ser proferido acórdão em 29.05.2020 que concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e julgando a acção parcialmente procedente, condenando o R. ISCAP a homologar a deliberação final do júri do concurso documental para criação de um posto de trabalho no mapa de pessoal docente daquele Instituto para professor adjunto, na área científica de Gestão, aberto pelo edital nº 968/2012, e, subsequentemente, emitir a decisão final de contratação.

O Autor recorre deste acórdão, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, fundamentando a admissibilidade da revista na relevância jurídica e social das questões que suscita no recurso e pela necessidade de uma melhor aplicação do direito.

O Recorrido ISCAP defende que a revista não deve ser admitida, ou, assim não se entendendo, que deve improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.


O Recorrente invoca que o acórdão recorrido, no segmento, em que o impugna, incorreu em erro de julgamento, suscitando as seguintes questões, que em seu entender justificam a admissão da revista:
1ª Sendo anulada a decisão de extinção do concurso e condenada a Administração a homologar o resultado final do concurso e a contratar o docente, deve a condenação à homologação e à contratação produzir efeitos à data em que tais actos deveriam ter sido praticados – reconstituindo-se a situação que teria existido sem o acto que extinguiu o concurso – ou apenas produzir efeitos para o futuro?
2ª É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva e com os princípios constitucionais da boa fé e protecção da confiança que se limite os efeitos da condenação a homologar o resultado final de um concurso para professor adjunto e a contratar o docente provido em 1º lugar apenas para o futuro – 2020 ou 2021 -, quando foi por motivo imputável à Administração que tais actos não foram praticados alguns anos antes – 2013?
3ª Sendo a cabimentação de verba pressuposto da abertura do concurso e da decisão de homologar e contratar, deve ou não o prosseguimento do concurso e a condenação à homologação e à contratação do docente implicar a obrigatoriedade de a verba ter de ser cabimentada com efeitos reportados à data da abertura do concurso?
Defende que o acórdão recorrido ao condenar a entidade demandada a cabimentar a verba, homologar o resultado final do concurso e a contratar o docente com efeitos apenas para o futuro incorreu em violação de lei processual, designadamente do regime de execução das sentenças anulatórias de actos administrativos consagrado nos arts. 173º e seguintes do CPTA, dos quais decorre que a condenação à prática de tais actos reporta-se ao passado e produz efeitos desde a data em que os mesmos deveriam ter sido praticados se a lei tivesse sido cumprida.

O TAF julgou parcialmente procedente a acção, anulando o acto impugnado – de 25.07.2014 -, que extinguiu o concurso, por ter incorrido em vício de violação de lei.

Interposto recurso pelo A. desta sentença, na parte em que lhe foi desfavorável [ao não condenar na prática do acto administrativo legalmente devido] o acórdão recorrido considerou, nomeadamente, que: “Na presente ação, o Autor, ora Recorrente, pretende ver o ISCAP condenado a homologar a deliberação final do júri do concurso documental (para a criação de um posto de trabalho no mapa de pessoal docente do ISCAP para professor adjunto, na área científica de Gestão, aberto pelo edital n.º 968/2012), que o colocou em 1º lugar para prover a vaga do concurso e, subsequentemente, emitir a decisão final de contratação, como todos os efeitos decorrentes reportados ao momento da deliberação final do júri, 26 de Novembro de 2013.
O Réu não homologou ainda a lista unitária de ordenação final dos candidatos, alegadamente por falta de cabimento orçamental, circunstância na qual, como vimos, não se pode escudar.
Nenhuma outra razão foi invocada pelo Réu para a não homologação dessa lista, a qual se mantém na ordem jurídica, dado que o ato de extinção do concurso foi anulado pela sentença recorrida e, nessa parte como não foi interposto recurso pelo Réu, ora Recorrido, a sentença transitou em julgado.
Assim, o Réu ISCAP deve ser condenado a homologar a deliberação final do júri do concurso documental para criação de um posto de trabalho no mapa de pessoal docente do ISCAP para professor adjunto, na área científica de Gestão, aberto pelo edital n.º 968/2012, e, subsequentemente, emitir a decisão final de contratação, para o que deve proceder à imediata cabimentação da despesa inerente à ocupação do respetivo posto de trabalho no seu mapa de pessoal recorrendo aos mecanismos da gestão flexível do orçamento ou, caso tal se mostre inviável no corrente ano, proceder, aquando da elaboração do orçamento para 2021, à estimativa dessa despesa, acautelando a dotação para a respetiva cabimentação, providenciando por esta cabimentação logo que seja disponibilizado o orçamento.
Contudo os efeitos decorrentes destes atos não podem ser reportados ao passado, como o Autor pretende, por o Réu não ter cabimentado a despesa.
Assim, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida na parte afectada e julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu ICAP a homologar a deliberação final do júri do concurso em causa nos autos, e, subsequentemente, a emitir a decisão final de contratação.

Como se vê o TCA, contrariamente ao que decidira a 1ª instância, condenou a Entidade Demandada a praticar os actos administrativos devidos.
No entanto, entendeu que a condenação à homologação do resultado final do concurso e a contratação do docente apenas deveria ter efeitos para o futuro e não a partir da data em que tais actos deveriam ter sido praticados, como defende o Recorrente na presente revista.
Ora, esta questão reveste inegável relevância jurídica e social, não sendo isenta de dúvidas, como desde logo é revelado pela divergência nas instâncias, sendo repetível em futuros procedimentos concursais deste género, onde, sendo obrigatória a cabimentação da verba, esta não esteja prevista (e quais as consequências desta falta), o que aconselha a admissão da revista, para ser dilucidada essa questão, sem prejuízo do conhecimento das restantes suscitadas no recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.