Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0676/14
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do art. 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P17799
Nº do Documento:SA2201407090676
Data de Entrada:06/09/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A…………….., S.A., com os demais sinais dos autos, deduziu contra a liquidação de Imposto de Selo efectuada em relação ao prédio urbano constituído por terreno para construção, inscrito na matriz predial da freguesia de Almancil sob o artigo 012170.
1.1. As alegações do recurso mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:

Deve ser dado provimento ao presente recurso, porquanto:

1 - A, aliás, douta sentença recorrida julgou mal por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.

2 - Desde que, como temos por certo, aquela disposição comporta a hipótese dos terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional.

3 - Sentido e alcance a que dão apoio sólido e decisivo a letra da lei, o seu espírito, e, a alteração da redacção constante da LOE para 2014 promulgada.

4 - A letra sustenta realmente a solução que defendemos, pois “afectar” no sentido rigoroso do verbo significa o mesmo que aplicar, destinar; quer dizer, exige que o destino do bem já esteja decidido, mas não a sua materialidade, a efectiva e concreta utilização, no presente.

5 - O espírito da lei conduz ao mesmo resultado, pois não colide antes corresponde ao ambiente de crise económica e financeira, assegura as novas necessidades, e, as tendências da tributação, manifestadas aquando da sua elaboração.

6 - A alteração do preceito presente na LOE para 2014 é uma mera modificação de forma, que nem por isso passou a ter alcance e significação diversos do que tinha.

7 - Na verdade, a nova redacção confirma, afigura-se-nos, a interpretação que defendemos.

Assim, pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença sub judice, como é de JUSTIÇA.

1.2. A Recorrida apresentou alegações para sustentar a manutenção do julgado.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

1.4. Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

1. A………….., S.A. é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana de Almancil sob o artigo 12.170— cfr. fls. 18 dos autos.

2. A Caderneta Predial Urbana do prédio referido em 1., que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:

“(…)
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
Tipo de Prédio: Terreno para Construção
(…)
DADOS DE AVALIAÇÃO
(…)
Tipo de coeficiente de localização: Habitação
(…)
Ca [Coeficiente de afectação]: 1,00
(…) - cfr. fls. 18 dos autos.

3. Em 21 de Março de 2013 foi emitida a liquidação de Imposto de Selo nº 2013.000292744, no valor de € 4.545,92 (1.ª prestação), relativa ao prédio identificado em 1., tendo sido considerado o valor patrimonial tributário de € 1.363.774,43 (acto impugnado) - cfr. fls. 17 dos autos.

4. No dia 14 de Julho de 2013, foi efectuada uma liquidação correctiva de Imposto de Selo, que apurou o imposto total de € 10.174,00, relativa ao prédio identificado em 1 e à liquidação inicial referida em 3, tendo aqui sido considerado o valor patrimonial tributário de € 1.017.400,00 - cfr. fls. 48 do apenso.

3. Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade de acto de liquidação de Imposto de Selo, cuja anulação a Impugnante demanda com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, na sua óptica, os terrenos para construção não se enquadravam, em 2013, na verba nº 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo.

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, dando por verificado o invocado vício, com a seguinte fundamentação:

«(…) só com a entrada em vigor da alteração promovida pelo Orçamento do Estado para 2014 é que os terrenos para construção cuja edificação respectiva seja para habitação passaram a ser abrangidos, no ponto, pelo Imposto do Selo que mantém a incidência sobre os prédios habitacionais.

E, assim sendo, na redacção inicial - a aplicável no caso dos autos -, os prédios urbanos com afectação habitacional são apenas tais prédios habitacionais que, no momento da verificação do facto tributário, já se encontravam a ser fruídos pelos seus habitantes.

No caso dos autos as partes apenas divergem quanto ao direito que lhe é aplicável, sendo que resulta provado que o terreno para construção da Impugnante foi tributado com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção inicial (anterior à que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014) - cfr. pontos 1 a 4 do probatório.

Como na norma de incidência aí prevista não se incluem os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, a liquidação em Crise nos autos padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, o que gera o vicio da anulabilidade e consequência a sua remoção da ordem jurídica.».

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública, sustentando que o que decorre da letra e do espírito da lei é que a norma abrange os terrenos para construção que se destinem à implantação de edifício habitacional, advogando, em defesa da sua tese, com a alteração introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2014.

Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelos motivos já devidamente explicitados nos acórdãos proferidos por esta Secção no dia 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e no dia 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14 e 272/14 (sendo que neste último a presente relatora teve já intervenção como adjunta e subscreveu o acórdão sem quaisquer reservas de convicção), bem como em todos os demais acórdãos que se lhes seguiram e que firmaram jurisprudência no sentido de que os “terrenos para construção” não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 1870/13:
«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 (Proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, Diário da Assembleia da República, série A, nº 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo nº 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação)

A sentença recorrida, que assim decidiu, nenhuma censura merece.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 9 de Julho de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.