Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01077/11.9BESNT 01448/17
Data do Acordão:11/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMÓVEL DESTINADO À HABITAÇÃO
MAIS VALIAS
REINVESTIMENTO
Sumário:I - Para que opere a exclusão tributária prevista no n° 5 do art. 10° do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo) a lei impõe que o respectivo ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
II - Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P23855
Nº do Documento:SA22018111401077/11
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou procedente a impugnação deduzida por A…………, com os demais sinais dos autos, contra a liquidação de IRS referente ao ano de 2008, cuja demonstração tem o nº 2010 5005044988, com o valor a pagar de 27.540,66 Euros.

1.2. A recorrente remata as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, atendendo às razões que passa a expender.
II. Com efeito, para que o impugnante usufruísse da exclusão prevista no nº 5 do artigo 10° do CIRS era necessário que tivesse domicílio fiscal no imóvel vendido, o que não ocorreu no caso sub judice.
III. Nos termos do disposto no artigo 19° da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual, resultando da lei, uma identidade entre domicílio fiscal e local de residência habitual.
IV. Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada no facto do lmpugnante reunir todos os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10° do CIRS.
Termina pedindo o provimento do recurso e a consequente revogação da sentença.

1.3. Embora o recorrido tenha apresentado contra-alegações, no despacho de fls. 24/4/2017 (fls. 237) ordenou-se o respectivo desentranhamento, por serem intempestivas.

1.4. E tendo o recurso sido interposto para o TCA Sul, ali veio a ser proferida em 21/12/2016 a decisão sumária de fls. 257/259, declarando a incompetência desse tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e atribuindo tal competência ao STA, por o recurso versar exclusivamente matéria de direito.

1.5. Remetidos os autos a este Tribunal, foram com vista ao MP, que emite Parecer nos termos seguintes:
«I. Objecto do recurso
O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Sintra que julgou procedente a ação intentada contra o ato de liquidação adicional de IRS do ano de 2008, no valor de € 27.540,66 euros.
Considera a Recorrente que o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento, ao dar como reinvestida a totalidade do valor da realização. Alega a este propósito que só assim ocorreria se o imóvel tivesse sido adquirido na totalidade por parte da impugnante-mulher. Tendo o novo imóvel sido adquirido em compropriedade, há apenas que atender a metade do valor da realização.
Entende igualmente que não tendo o impugnante domicílio fiscal no prédio alienado, não pode o mesmo usufruir da exclusão prevista no n° 5 do artigo 10° do CIRS.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue parcialmente procedente a ação de impugnação.
II. Fundamentação de facto e de direito da sentença
1. Na sentença deu-se como assente que os impugnantes são casados no regime de separação de bens tendo em 2008 sido alienado imóvel pertença do cônjuge do impugnante e que servia de casa de morada de família, pelo valor de € 410.000,00. E na declaração de IRS relativa a esse ano, o casal fez constar no Anexo "G" os valores de aquisição e realização do referido imóvel, ao mesmo tempo que declararam pretender reinvestir a totalidade do valor de realização na aquisição de imóvel a afetar a habitação própria e permanente.
Mais se deu como assente que em 2008 os impugnantes adquiriram um terreno para construção pelo valor de € 150.000,00 euros.
Deu-se igualmente como assente que no período de Abril de 1995 a março de 2008 o casal e os seus dois filhos residiram no imóvel alienado.
2. Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal "a quo" que «a lei não impõe como condição o domicílio fiscal do impugnante, mas o de residência do agregado familiar e esta verifica-se: a mulher do impugnante residia no prédio vendido e reside na rua da ………, Murtal». E invocando a jurisprudência do acórdão do TCA Sul de 29/06/2016, proc. 07877/14, considerou o tribunal "a quo" que assistia razão ao impugnante, motivo pelo qual se determinou a anulação do ato tributário e "a reconstituição da situação tributária do contribuinte".
III. A questão que vem colocada pela Recorrente consiste em saber se na sentença recorrida o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que o ato tributário impugnado padecia de ilegalidade por não ter dado como reinvestido no ano de 2008 o valor de € 150.000.00 relativo à aquisição do terreno para construção, mas apenas metade desse valor.
A Recorrente começa por insurgir-se contra o entendimento vertido na sentença recorrida no que respeita à questão relativa ao domicílio fiscal do impugnante, que não sendo o mesmo da sua mulher, leva a Recorrente a concluir que não se mostram reunidos todos os requisitos de exclusão da tributação em relação à pessoa do impugnante, por o imóvel alienado não corresponder à sua residência habitual.
Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão. Por um lado a norma do nº 5 do artigo 10º do CIRS é explícita ao estabelecer como requisito objetivo a conexão dos ganhos provenientes do imóvel alienado com a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do seu agregado familiar. Por outro lado, apesar de o impugnante não ter o seu domicílio fiscal na morada correspondente ao prédio alienado, resulta dos elementos levados ao probatório que fazia da mesma a sua habitação própria e permanente, tal como o seu agregado familiar. E assim sendo e independentemente da violação de outras obrigações acessórias por parte do sujeito passivo, o que releva é a comprovação de que o prédio alienado em causa tinha essa especial afectação. E nesta parte os impugnantes lograram comprovar essa situação [(1) No sentido propugnado se pronunciou o acórdão do TCA Sul de 08/10/2015, proc. 06685/13].
Por outro lado não se descortina qual é a justificação de a AT ao limitar o valor da declaração do reinvestimento a metade do valor declarado pelo casal (1/2 de € 350.000,00). Com efeito, tendo sido comprovado que o imóvel em causa estava afeto à habitação própria e permanente do agregado familiar, mostra-se preenchido o requisito legal de os respetivos ganhos serem suscetíveis de exclusão da tributação, ao abrigo do nº 5 do artigo 10° do CIRS, desde que verificados os demais requisitos, ou seja, que o valor da realização seja reinvestido na aquisição de outro imóvel com a mesma destinação.
Questão diversa é a de saber se, atento o facto de o imóvel alienado ser propriedade exclusiva do cônjuge do impugnante [(2) Embora na escritura o cônjuge do impugnante figure como titular do direito de propriedade, não é nítido se o imóvel construído foi custeado pelos dois cônjuges, como o impugnante alega na sua petição], cujo regime de bens é o da separação, e o imóvel objecto do reinvestimento ter sido adquirido pelos dois cônjuges, há que considerar como reinvestido apenas metade do valor desse imóvel (1/2 de € 150.000,00), como pretende a AT e é pugnado pela Recorrente.
Subjacente ao entendimento da AT está o facto de o imóvel ter sido adquirido pelos dois cônjuges, cuja aquisição se presume em partes iguais (nº 2 do artigo 1403° do Código Civil), pelo que a AT considera que só a parte adquirida pelo cônjuge do impugnante pode ser imputada ao reinvestimento dos ganhos obtidos.
Entendimento este que foi sufragado no acórdão do TCA Sul de 29/06/2016, proc. 07877/14, citado na sentença recorrida (e cujo valor doutrinal não foi, aparentemente, absorvido pelo tribunal "a quo", que tendo decidido exatamente em sentido contrário invoca a respetiva doutrina).
E afigura-se-nos, que tal entendimento é o correto.
Com efeito, se para efeitos de tributação em sede de IRS, se mostra indiferente o regime de bens dos cônjuges e a lei atende apenas ao conceito de "agregado familiar", sendo o imposto devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direção, devendo apenas ser apresentada uma única declaração - n° do artigo 13° e nº 1 do artigo 59° do CIRS, na redação então em vigor. Assim e para efeitos de tributação não há que distinguir se os rendimentos, neste caso as mais-valias, foram obtidos por este ou aquele membro do agregado familiar, uma vez que a responsabilidade dos sujeitos passivos é solidária [(3) Cfr. a este propósito o acórdão do STA de 13/11/2013, proc. 0215/12].
Já para efeitos de reinvestimento há que distinguir qual é a origem dos rendimentos aplicados, motivo pelo qual o STA tem entendido que no caso de recurso a empréstimo bancário não se verifica esse reinvestimento - cfr. entre outros o acórdão do STA de 20/04/2004, proc. 01876/03.
No caso concreto da aquisição em contitularidade do imóvel – terreno para construção - e uma vez que não ficou definida a parte com que cada cônjuge contribuiu, a lei presume que ambos participaram em partes iguais – n° 2 do artigo 1403° do CC. Ora, se no caso do cônjuge do impugnante se pode imputar a parte que contribuiu nos ganhos obtidos com a venda do anterior imóvel, já o mesmo não ocorre com o impugnante, pois a sua quota-parte não tem origem na venda daquele outro imóvel. Por outro lado o impugnante não fez qualquer prova de que o capital mobilizado para a aquisição do terreno para construção tenha tido unicamente origem nos ganhos obtidos com a venda do anterior imóvel por parte do seu cônjuge.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Motivo pelo qual se impõe a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a impugnação judicial parcialmente improcedente.».

1.6. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
«A) Em 1985.02.16, o impugnante A………… contraiu casamento com B…………, no regime de separação de bens (cf. fls. 68 do processo em papel);
B) Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 1990.07.18, no 9° Cartório Notarial de Lisboa, constante de fls. 15 a 17 do PA - RG, e que aqui se dá como integralmente reproduzida, B………… adquiriu o lote de terreno, sito no Arruamento Projectado à Rua ………, em ………, lugar de ………, omisso na matriz predial urbana da freguesia de Alcabideche, a destacar do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº 373, mediante a contrapartida de PTE 5.500.000$00;
C) Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 2008.03.28, no Cartório Notarial de Cascais, constante de fls. 17 a 18-v do PA-RG, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, B…………, casada com A…………, e com ela residente, transmitiu a título definitivo o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alcabideche sob o artigo 10603, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 3526, sito no arruamento projectado à Rua ………, ………, lugar de ………, mediante a contrapartida de € 410.000,00;
D) Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 2008.04.17, no Cartório Notarial do Estoril, constante de fls. 19 a 21 do PA-RG, e que aqui se dá como integralmente reproduzida, A………… e B…………, adquiriam o lote de terreno para construção, lote ……, Rua da ………, ………, Parede, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Parede e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n° 347, mediante a contrapartida de € 150.000,00;
E) Em 2007.12.31, o Impugnante tinha domicílio fiscal no Bairro …………, nº ……, S. João do Estoril (cf. fls. 11 do PA-RH);
F) Em 2007.12.31, a mulher do impugnante, B…………, tinha domicílio fiscal na Rua ………, n° ……, ……… (cf. fls. 12 do PA-RG);
G) Em 2009.05.10, o Impugnante e mulher preencheram e entregaram a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2008, acompanhada dos anexos A, G, G-1 e H (cf. fls. 71 do PA);
H) No Anexo G – Mais-valias e Outros Incrementos Patrimoniais, no quadro 4 (Q4) – Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...), na linha 405, declararam o valor de realização de € 410.000,00, de aquisição no mês de Fevereiro 2005, pelo montante de € 96.966,31, relativo ao prédio urbano com o código de freguesia 110501, artigo 10603 e no quadro 5 (Q5) – Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente, Linha 503 - € 47.460,20, valor da dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 502; Linha 504 - € 350.000,00, valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito); Linha 506 - € 161.421,96, valor reinvestido no ano da alienação (sem recurso ao crédito) - cf. fls. 73 do PA;
I) Na sequência de solicitação da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2009.12.17, o Impugnante preencheu e entregou declaração de substituição da anterior declaração de IRS modelo 3, constante de fls. 58 a 59-v e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
J) Seguidamente, foi emitida a demonstração de liquidação de IRS, do exercício de 2008, constante de fls. 62 do PA, que aqui se dá como integralmente reproduzida, com valor a pagar de € 11.839,44;
K) Em 2010.10.29, foi emitida declaração oficiosa / DC, constante de fls. 60 a 61-v, que aqui se dá como integralmente reproduzida e da qual se transcreve:
a. Anexo G - Mais-valias e Outros Incrementos Patrimoniais, quadro 4 (Q4) - Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...), linha 405 - o valor de realização em Março de 2008, de € 410 000,00 - aquisição no mês de Fevereiro 2005, pelo montante de € 96 966,31, relativo ao prédio urbano com o código de freguesia 110501, artigo 10603 e no quadro 5 (Q5) - Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente, Linha 505 - € 47 460,20, valor da dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 502; Linha 506 - € 175 000,00, valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito); Linha 508 - € 75 000,00, valor reinvestido no ano da alienação (sem recurso ao crédito);

L) Foi emitida a demonstração de liquidação de IRS nº 20105005044988, do exercício de 2008, constante de fls. 62-v do PA, com valor a pagar de € 27.540,66;
M) Em 2009.12.28, junto do Serviço de Finanças de Cascais-1, o Impugnante apresentou reclamação contra a liquidação adicional de IRS do exercício de [2008], constante de fls. 2 do PA-RG e que aqui se dá como integralmente reproduzida;
N) Por despacho do Chefe de Finanças de 2010.10.29, constante de fls. 41 do PA-RG, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, a reclamação foi indeferida; deste transcreve-se:

a. Concordo pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e com os fundamentos expressos indefiro a presente reclamação;
b. (...);

O) O despacho de indeferimento da reclamação foi comunicado ao Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 2010.11.04 (cf. fls. 43 a 44 do PA-RG);
P) Em 2010.11.29, no Serviço de Finanças de Cascais-1, deu entrada recurso hierárquico contra o despacho de 2010.10.29 do Chefe de Finanças de Cascais-1 (cf. fls. 4 do PA-RH);
Q) Em 2011.07.29, no Serviço de Finanças de Cascais-1, deu entrada a presente impugnação (cf. fls. 5 do processo em papel);
R) Em 2010.05.25, a Junta de Freguesia de Alcabideche, emitiu atestado que certifica que o Impugnante, a mulher B………… e os dois filhos, C………… e D…………, de Abril de 1995 a Março de 2008, residiram na Rua ………, nº ……, ………, Alcabideche (cf. fls. 69 do processo em papel);
S) Em 2008.03.05, a EDP - Serviço Universal, SA, emitiu a factura nº 10302405206, em nome do Impugnante, relativa ao contrato nº 686583101, com local de consumo sito na Rua do ………, …..., ……… (cf. fls. 74-Id.);
T) Lisboagás - Comercialização, SA, emitiu fatura/recibo relativo a contrato em nome do Impugnante, relativo ao fornecimento de gás respeitante à Rua do ………, …..., ………, no período compreendido entre 2007.11.06 a 2008.01.07, com valor a pagar de € 40,28 (cf. fls. 75-Id.).

3.1. Enunciando como questão a decidir a que se prende com a legalidade da questionada liquidação adicional de IRS do ano de 2008, originada pela correcção correspondente a rendimentos relativos à parte (que foi considerada não reinvestida em 2008) do produto da venda da casa sita em ………, a sentença veio a julgar procedente a impugnação, fundamentando-se, no essencial e por referência ao ac. do TCAS, de 29/06/2016, no proc. 07877/14, no seguinte:
- apesar de o impugnante não ter domicílio fiscal no prédio vendido, era neste que residia com o seu agregado familiar, constituído pela mulher (que aí tinha também o seu domicílio fiscal) e pelos filhos e ali consumindo gás e electricidade;
- a AT aceitou como bom que o ganho obtido com o prédio transmitido foi reinvestido na aquisição de terreno para construção de imóvel destinado exclusivamente para casa de morada de família, mas por ter considerado que o impugnante não era proprietário do imóvel transmitido e ser comproprietário (com o seu cônjuge) do prédio adquirido, a dedução a considerar deveria ser reduzida a metade;
- todavia, a lei não impõe como condição o domicílio fiscal do impugnante mas o da residência do agregado familiar e esta verifica-se: a mulher do impugnante residia no prédio vendido e reside no prédio a que se reporta o reinvestimento.

3.2. Discordando, a recorrente Fazenda Pública alega que para o impugnante usufruir da exclusão prevista no nº 5 do art. 10º do CIRS seria necessário que tivesse domicílio fiscal no imóvel vendido, o qual corresponderá ao local da residência habitual (art. 19º da LGT), já que resulta da lei uma identidade entre domicílio fiscal e local de residência habitual, o que a sentença ignorou.
A questão a decidir prende-se, assim, com a interpretação das apontadas normas legais, ou seja, consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao ter considerado ilegal a liquidação por a AT ter entendido que o local da habitação própria e permanente do impugnante seria a correspondente ao respectivo domicílio fiscal e, assim, não poderia considerar-se como reinvestido (para efeitos do disposto no art. 10º do CIRS), no ano de 2008, o valor de € 150.000.00 (relativo à aquisição do terreno para construção) mas apenas metade desse valor.
E, adianta-se, embora o douto Parecer do MP se refira também à questão de considerar como reinvestido apenas metade daquele valor, dado vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens, sendo o imóvel alienado propriedade exclusiva do cônjuge do impugnante, e o imóvel objecto do reinvestimento ter sido adquirido por ambos, trata-se de questão nova, não apreciada na sentença e que, como no dito Parecer se expressa, é "Questão diversa" da atinente ao domicílio fiscal, sendo que, não obstante possa ter sido referenciada (ainda que em termos diferentes, a nosso ver, no art. 14º das alegações), não foi sequer levada às Conclusões do recurso. Acrescendo que, de todo o modo, também a apreciação de tal alegação do MP acabaria por, nesta parte, redundar em valoração da respectiva factual idade relevante, quanto à prova do capital mobilizado para a aquisição do terreno para construção, o que sempre estaria arredada da competência deste STA.
Sendo certo que, apesar de o MP poder, no âmbito da impugnação, suscitar questões não suscitadas pelas partes (art. 121º do CPPT), em sede de recurso este fica delimitado pelas respectivas Conclusões.
A questão a decidir prende-se, assim, com a interpretação das supra apontadas normas legais, ou seja, consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a liquidação é ilegal por não ter considerado como reinvestido (para efeitos do disposto no art. 10º do CIRS), no ano de 2008, a totalidade do valor de € 150.000.00 (relativo à aquisição do terreno para construção) mas apenas metade desse valor, por o impugnante não ter domicílio fiscal no imóvel vendido.
Sendo que, por outro lado, na perspectiva considerada pelo TCAS (como acima ficou dito esse Tribunal julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso), também aqui se entende que este tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280° do CPPT): as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis.
Apreciando, pois.

4.1. Na redacção em vigor em 2008, os nºs. 5 e 6 do art. 10º do CIRS dispunham:
«5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
d) Em caso de reinvestimento de montante diverso do declarado nos termos da alínea anterior, o sujeito passivo fica obrigado a entregar declaração de substituição, com os valores efectivamente reinvestidos, dentro do primeiro prazo normal que ocorra após o termo do período de 24 meses a que se refere a alínea a).
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;
(...)».

4.2. No nº 5 deste art. 10º do CIRS prevê-se, pois, uma exclusão tributária que encontra razão de ser na protecção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente [é claro o objectivo da lei: «eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» (Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2ª edição, p. 142.)], desde que verificados os demais requisitos ali também especificados: o ganho, proveniente da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, deve ser reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de outro imóvel (ou de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel) e este deve destinar-se, igualmente, a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. ( Sobre esta matéria cfr., igualmente, José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 412/420; bem como Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99 a 101.) Impondo-se, portanto, que ambos os imóveis (o de partida e o de chegada) tenham a mesma destinação: habitação própria e permanente.
No caso, não questionando a aquisição, em 17/04/2008, por 150.000,00 Euros – cfr. aI. D) do Probatório – de imóvel (rectius, de terreno para construção de imóvel destinado a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar), a AT sustenta, por um lado, que não se verifica, nesta mesma medida, a apontada exclusão tributária, em sede de IRS do ano de 2008, relativamente aos ganhos obtidos com o imóvel que foi alienado (ou seja, da casa sita no lugar de ………, Alcabideche), dado que para poder usufruir de tal exclusão o impugnante deveria, necessariamente, ter o domicílio fiscal nessa morada e local, bem como, por outro lado, que o impugnante não reunia todos os requisitos exigidos naquele citado art. 10º do CIRS (pois para que a esposa do impugnante pudesse usufruir do reinvestimento total no novo imóvel, para habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, era necessário adquiri-lo na totalidade e não em compropriedade).
Vejamos.
No supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (daqui decorrendo que a habitação própria permanente do sujeito passivo – que é o que releva para este efeito – poderá ser distinta da do seu agregado familiar), não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal.
E a tal conclusão não obsta o disposto nos nºs 1 a 3 do art. 19º da LGT (ineficácia da mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT), em que se permite que a AT continue a considerar o contribuinte residente no domicílio que, porventura, já tenha abandonado (sem prejuízo, ainda assim, do disposto no nº 6 – rectificação oficiosa do domicílio fiscal do respectivo sujeito passivo, se tal decorrer dos elementos ao dispor da AT). É que aqui estamos no âmbito dos pressupostos da incidência do imposto, que não serão afectados por tal presunção.
Aliás, diferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal». Mas, ainda assim, também aqui estaremos perante presunção ilidível, na consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio (cfr. o ac. do STA, de 23/11/2011, no proc. n° 0590/11). (Esta foi, aliás, a solução legal que veio a ser adoptada nos n.ºs 10 e ss. do art. 13º do CIRS (aditados pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12, na qual se procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares): apenas se estabeleceu uma presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, mas podendo este apresentar, a todo o tempo, prova em contrário.)
Em suma, no caso presente, provado que o impugnante mantinha no prédio vendido, a sua habitação própria e permanente, com o respectivo agregado familiar, há-de verificar-se o requisito previsto no nº 5 do art. 10° do CIRS, para efeitos da não sujeição a imposto do respectivo valor de realização. Sendo que, como salienta o MP, independentemente do eventual incumprimento, neste âmbito, de alguma obrigação acessória por parte dos sujeitos passivos, o que releva é a comprovação de que o prédio alienado em causa tinha aquela especial afectação.
Daí que, nesta vertente da questão, não se descortine justificação legal para a correcção operada pela AT: estando o imóvel afecto à habitação própria e permanente do sujeito passivo e seu agregado familiar, ficou preenchido este requisito legal de os ganhos decorrentes da respectiva alienação serem susceptíveis da referida exclusão da tributação em sede de IRS (ao abrigo do nº 5 do art. 10º do CIRS), desde que o valor da realização fosse reinvestido na aquisição de outro imóvel com a mesma destinação.
E dado que, como acima se disse, é esta a única questão a decidir, impõe-se julgar improcedente o recurso, confirmando, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 14 de Novembro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.