Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/10.3BEPRT
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24136
Nº do Documento:SA1201901250425/10
Data de Entrada:01/17/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA E OUTROS
Recorrido 1:D....., SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………… intentou, no TAF do Porto, contra o Município de Vila Nova de Gaia, Brisa Acess Electrónica Rodoviária, SA e Companhia de Seguros B……….., SA, acção administrativa comum peticionando a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 15.577,35, acrescida de juros vencidos e vincendos

Requereu a intervenção acessória da C………………., Companhia de Seguros SA.

O TAF julgou a acção improcedente absolvendo os Réus e a Interveniente do pedido.

E o TCA Norte, para onde o Demandante apelou, concedeu provimento parcial ao recurso e, revogando a sentença recorrida, condenou o Município de V.N. de Gaia e a Seguradora C…….., a pagarem-lhe as seguintes importâncias:
1. - 41,62 € pelo dano da alínea Z) dos factos provados.
2. - 8.663,09 € pelo dano da alínea CC) dos factos provados.
3. - 1.350,00 € pelos danos das als. BB), DD e EE).
4. - 1.000 € por danos morais.
5 - Juros de mora à taxa legal, contados desde a citação quanto à indemnização por danos patrimoniais e contados desde a data do presente acórdão (16.03.2018) quanto à indemnização por danos morais, até ao efectivo e integral pagamento.

É desse Acórdão que o Município de V.N. de Gaia vem recorrer (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor pediu a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido em virtude dos mesmos não terem tomado as medidas necessárias destinadas a evitar que o sistema automático de restrição do acesso de veículos à zona histórica de V.N. Gaia danificasse os automóveis que a ela pretendiam aceder.
Foram julgados provados os seguintes factos:
“A) No dia 28.12.2008, cerca das 16h00m, o Autor circulava na Avenida …..….., na cidade de Vila Nova de Gaia, vindo da ponte em direcção ao cais, no veículo ligeiro de passageiros ... de que era proprietário.
D) O Autor virou à esquerda para entrar na Rua ……………., seguindo três veículos que seguiam à sua frente e que faziam o mesmo percurso.
E) Ali chegado deparou-se com um veículo parado na entrada daquela Rua, bem como com um semáforo com a luz vermelha acesa, tendo, por isso, parado o seu veículo.
F) Entretanto quando o veículo que estava à sua frente iniciou a sua marcha, o Autor seguiu-o e entrou naquela Rua com a luz amarela acesa.
G) Nesse preciso momento ocorreu um enorme estrondo no interior do veículo, tendo os airbags disparado sobre os seus ocupantes.
H) O que sucedeu por efeito da perfuração, na parte da frente do veículo, de um pilarete que se elevou do subsolo naquele momento.
J) Na Avenida …………, no sentido em que circulava o Autor, existia um sinal ... indicativo de proibição de virar à esquerda (no sentido da Rua …………….).
K) Na entrada da Rua …………, existia à ... um sistema de restrição de acesso ao centro histórico, constituído por:
- um totem, onde pode ser feito o contacto com um operador;
- semáforos indicadores do estado de acesso; e
- um pilarete amovível que impede a passagem.
L) Este sistema permitia apenas a entrada de pessoas autorizadas ....,
Q) A sinalização vertical, colocada no lado esquerdo da entrada da rua, era constituída pelo sinal ... indicativo de zona de trânsito proibido, e ainda por uma placa, por debaixo deste sinal, com a indicação de “excepto viaturas autorizadas” ....
SS) O Réu instalou o sistema existente na entrada da Rua ……………, com a finalidade de limitar o acesso automóvel àquele arruamento e assim com vista a preservar o Centro Histórico de Vila Nova de Gaia.
UU) O Autor não residia na zona histórica de Vila Nova de Gaia e não tinha permissão para aceder àquele local, nem o tinha solicitado.”

Perante esta factualidade o TAF julgou a acção totalmente improcedente pelas razões que se destacam:
“É assim de concluir, atento o indicado circunstancialismo, que a causa que motivou o acidente e os danos ocorridos no veículo, ficou a dever-se única e exclusivamente a facto culposo daquele condutor. Com efeito, resulta da factualidade referida que o Autor não se apercebeu da sinalização ali existente e que o impedia de ter virado à esquerda e depois de entrar naquela rua, uma vez que não tinha autorização para o efeito.
Assim, tendo o Autor circulado em completo desrespeito pelos sinais existentes naquele local, conclui-se inexoravelmente que se o Autor conduzisse com prudência e tivesse mantido uma condução diligente e atenta, nomeadamente com atenção aos sinais existentes na Avenida ………… e à entrada da Rua ……………. e assim em respeito pelas regras estradais, nunca a referida colisão se teria verificado.
Assim, o Autor não circulou com a atenção e prudência necessárias verificando-se, pelo contrário que, tal colisão terá resultado de uma condução inadequada, imprevidente, e absolutamente temerária (ou mesmo que assim não o fosse sempre será uma condução desatenta e por isso negligente), que é merecedora de um juízo de censura. Devendo-se, assim, o acidente, tal como ocorreu, a facto culposo do Autor.”

O Demandante apelou para o TCA Sul e este concedeu parcial provimento ao recurso pela seguinte ordem de razões:
“…
Verifica-se a prática de um acto ilícito por parte do Município demandado - o incumprimento das normas que lhe impõem o dever de sinalização ou remoção de perigos existentes nas vias municipais; ....
....
Ou seja o surgimento na via pública de um pilarete, de forma inopinada sobretudo à época, em que era uma novidade, devia estar especificamente sinalizado.
No presente caso a violação do dever de sinalização é ainda mais grave pois nem sequer existia à data o aviso de “perigo de colisão”. Ou seja, esse perigo de colisão com o pilarete era completamente imprevisível para um condutor medianamente prudente.
....
Se é certo que se o Autor não tivesse entrado na via em causa o acidente não teria ocorrido, não é menos certo que se não tivesse sido colocado no local pelo Município um pilarete oculto no solo e que surgiu, inopinadamente, por debaixo do veículo, o acidente também não teria ocorrido.
Não existe aqui, diga-se, uma presunção de culpa por parte do Município. Existe a culpa efectiva de ter colocado um perigo na via pública em vez de o afastar.
Assim como existe culpa efectiva do Autor por não ter cumprido a sinalização que o impedia de circular naquele local.
...
A culpa do Autor – que existe - não permite responsabilizá-lo pelo acidente, ou pelo menos, pelos resultados do acidente, diminuindo o montante a indemnizar ou excluindo o dever de indemnizar, nos termos previsto no artigo 570º do Código Civil.
....
Por outro lado, se é certo que a infracção cometida pelo Autor não foi de todo indiferente à eclosão do acidente, já quanto aos resultados apenas à conduta do Município se devem os danos efectivamente resultantes do acidente e a sua extensão.
....
Aqui a possibilidade de embate surge de forma absolutamente inesperada porque sem qualquer aviso prévio, sem dar assim, qualquer hipótese da mínima reacção por parte do condutor para evitar o embate ou pelo menos para evitar a violência com que se verificou. Presumindo, por ser óbvio que o condutor não quis o resultado verificado.
...
Encontrando-se assim preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito em relação ao Município Demandado – e apenas em relação ao Município já que em relação aos demais demandados não se comprovou qualquer facto responsabilizante – deverá este indemnizar o Autor pelos danos que este sofreu em consequência do acidente.”

3. Como se acaba de ver as instâncias divergiram frontalmente na questão de saber a quem cabia a responsabilidade pela ocorrência do acidente dos autos, com o TAF a considerar que a mesma devia ser inteiramente atribuída ao Autor – por ele, com uma condução inadequada, imprevidente e absolutamente temerária, ter desrespeitado por completo os sinais de trânsito existentes no local por onde circulava, maxime o que o impedia de ter virado à esquerda e entrar na rua onde o acidente ocorreu – e o TAC a entender que essa responsabilidade devia ser atribuída ao Município réu por este ter praticado um acto ilícito - o incumprimento das normas que lhe impõem o dever de sinalização ou remoção de perigos existentes nas vias municipais – e ter sido esse acto a provocar o acidente.
Ora, a questão de saber se, nas circunstâncias dos autos, a colocação pelo Município de um pilarete numa rua com acesso condicionado e por onde o Autor, se conduzisse com atenção, sabia que não podia circular, constitui um acto ilícito e culposo é matéria que merece ser reapreciada por este Supremo Tribunal. Ou seja, importa saber se é sufragável a afirmação do Acórdão recorrido de que existe culpa efectiva do Município - por ele ter colocado um perigo na via pública em vez de o afastar - quando se sabe que o acidente não teria ocorrido se o Autor não tivesse – por negligente desatenção ou por vontade infracionária - desrespeitado a sinalização existente no local e não entrasse numa rua por onde não podia circular.
Questão cuja relevância jurídica é, por si só, suficiente para justificar a admissão da revista.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 25 de Janeiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.