Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0241/10.2BELRA 0448/18
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA DE CRÉDITO
EXTINÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA
Sumário:I - Os embargos de terceiro não têm por finalidade a averiguação e declaração de direitos ou responsabilidades, mas a extinção de acto ou o levantamento de diligência que o embargante considera ofensiva da sua posse ou incompatível com o direito a que se arroga.
II - A arrecadação, através da penhora de direitos de créditos, de quantia suficiente para solver a dívida exequenda e a sua aplicação no pagamento da dívida, consome e extingue esse acto de penhora, tornando impossível a lide de embargos de terceiro, por carência de objecto
III - Esse meio processual também não pode ser instaurado após a extinção do processo executivo.
Nº Convencional:JSTA000P25224
Nº do Documento:SA2201911270241/10
Data de Entrada:05/03/2018
Recorrente:A.............., SA, SOCIEDADE ABERTA
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1.1. Banco A……., S.A. Sociedade Aberta, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida em 29/12/2017, que declarou extinta a instância de embargos de terceiro por impossibilidade originária da lide,

1.2. O recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A. O Banco A……….., S.A., não pode conformar-se com a douta decisão, proferida em 29 de Dezembro de 2017, que entendeu pelo facto de ter deixado de subsistir a penhora em virtude da concretização do pagamento, no âmbito do processo executivo, das importâncias depositadas nos autos por força da mesma penhora, julgou extinta a instância por impossibilidade originária da lide
B. O Banco A……….., ora recorrente, é o único e exclusivo titular do crédito indevidamente penhorado;
C. Pelo que, deduziu, em 10 de Dezembro de 2009, Embargos de Terceiro (petição aperfeiçoada em 05.02.2010) contra a penhora efetuada no processo de execução fiscal n.° 100120080107124, em que é Exequente o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Leiria e Executada a sociedade B………………, S.A. relativa às faturas n°s 117, 120 e 129 fundados nos seguintes factos:
D. O Banco A………., S.A., ora Recorrente, tomou conhecimento de ter sido ordenada e efetuada à ordem dos supra identificados autos de execução fiscal penhora do valor de € 150.582,12, montante referente às Faturas n° 117, 120 e 129 emitidas por B………., S.A. (executada), sobre o MUNICÍPIO DO ENTRONCAMENTO;
E. As mencionadas faturas foram cedidas ao Banco, ora recorrente, no âmbito do Contrato de Factoring que celebrou com a sociedade B…………., S.A. em 24 de Março de 2004, cfr. Doc. 1 junto com os embargos de terceiro;
F. Nos termos do identificado contrato e, de acordo com o disposto no art° 577° e segs. do Código Civil (Cessão de Créditos em que o “factoring” na sua expressão prática, se vem a traduzir),o Banco A…….., S.A. propôs-se aceitar a cessão dos créditos (15 de Março de 2005) que a B…………., S.A., na qualidade de Aderente, detinha e/ou viria a deter sobre o MUNICÍPIO DO ENTRONCAMENTO, cfr. Doc. 2 junto com os embargos de terceiro;
G. Pelo que, em execução do identificado contrato a B……………., S.A. cedeu ao Banco A………., aqui recorrente, que aceitou, entre outros créditos que detinha sobre o Município do Entroncamento relativos a serviços por ele prestados, os créditos decorrentes das Faturas em causa e cujo montante foi penhorado nos autos de execução fiscal (tendo sido adiantado à Aderente o valor de € 97.647,61), cfr. Doc. 3 — listagem de faturas cedidas, junto com os embargos de terceiro;
H. A cessão de créditos tomou o Banco A………., S.A., ora recorrente, único e exclusivo titular e,
I. Como tal, único credor das quantias representadas pelas Faturas cedidas, nomeadamente as Faturas n°s 117, 120 e 129, como decorre das mesmas e resulta da já citada disposição legal art° 577° e seguintes do Código Civil;
J. Nos termos do contrato celebrado e, do disposto no art° 583° do Código Civil, a existência do Contrato de Factoring e cessões de créditos respeitantes às Faturas emitidas no âmbito do Contrato, nomeadamente as Faturas em causa nestes autos, foram devidamente notificadas pela executada B…………, S.A. à devedora CÂMARA MUNICIPAL DO ENTRONCAMENTO e por esta aceite através do Presidente da Câmara Municipal, Doc. 4 junto com os Embargos de terceiro;
K. Tendo, assim, a devedora Câmara Municipal do Entroncamento ficado ciente que apenas o pagamento ao Banco A……….. teria efeito liberatório
L. A cessão do crédito representado pelas Faturas em causa data de 15.03.2009 - Doc. 2 junto com os Embargos de terceiro,
M. A penhora nos autos de execução fiscal foi ordenada em 02.11.2009,
N. Conforme notificação da Segurança Social - Of. n° 16201 de 02.11.2009, e do qual a Câmara Municipal do Entroncamento deu conhecimento ao Banco A…….. por mail de 10 de Novembro de 2009 - Docs. 5 e 6 juntos com os Embargos de terceiro,
O. A cessão do crédito é muito anterior à data em que a penhora foi ordenada;
P. O crédito em causa à data em que a penhora foi ordenada já pertencia à Executada B………….., S.A.;
Q. Pertencia e, pertence ao Banco A……….., S.A que, reitera-se, por via da cessão o adquiriu no âmbito do Contrato de Factoring celebrado com a empresa B……………….., S.A.;
R. A penhora efetuada nos autos de execução fiscal e, relativa ao crédito correspondente às Faturas n°s 117, 120 e 129 no montante de € 150.582,12 nunca poderia ter sido efetuada;
S. O Banco A…………….., S.A. apenas obteve conhecimento da penhora através do mail enviado em 10 de Novembro de 2009 pela Câmara Municipal do Entroncamento — Doc. 6 junto com os Embargos de terceiro;
T. Não tendo a Câmara Municipal do Entroncamento, conforme lhe competia nos termos do n° 2 do art° 856° do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto na alínea e do art° 2° do CPPT, informado que o crédito em causa não existia por as respetivas faturas terem sido cedidas ao Banco A.........;
U. E, não tendo o Banco A………… sido notificado para se pronunciar no processo que conduziu à mencionada penhora;
V. Foram violados os direitos que o Banco A…….., S.A. tem sobre o referido crédito;
W. Tendo o Banco A…….., S.A., ora recorrente, deduzido Embargos de Terceiro, para ser ordenado o levantamento da penhora indevidamente efetuada sobre o crédito referente às Faturas n°s 117, 120 e 129, emitidas pela executada B………………., S.A. e, para a entrega ao Banco A……….. da quantia que se encontrava depositada nos autos de execução fiscal, por força da mesma penhora, no montante de € 150.582,12;
X. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apresentou contestação e o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de os embargos de terceiro não terem objecto pelo facto, como refere, o Município do Entroncamento ter reconhecido e depositado o valor dos créditos;
Y. Por douta sentença “a quo” proferida em 29.12.2017, foi decidido:
“importâncias depositadas por força da mesma penhora à ordem do órgão de execução fiscal, impõe-se determinar a procedência da excepção atinente à impossibilidade originária da lide por falta de objecto”;
Z. E declarado extinta a instância por impossibilidade originária da lide.
AA. Consumado o facto extingue-se o direito?
BB. Ora, a ser assim entendido ficaria, inclusivé, posta em causa a função preventiva dos embargos de terceiro;
CC. Dispõe o art° 237°, n° 1 do CPPT, quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro.
DD. Conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.02.2013, Processo 06153/12, Secção: CT-2° Juízo “... o embargante, através dos embargos, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial (cfr. art°s. 351 e seg., do C.P.Civil; relatório constante do Dec.Lei 329-A/95, de 12/12).”
EE. Citando ainda o douto Acórdão “Os requisitos da dedução de embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. art°. 237, do C.P.P. Tributário; ac. S.T.A. Secção, 18/1/95, rec. 18307, ap. D.R., 31/7/97, pág.175 e seg.; ac. T.C.A. Sul, 12/6/2012, proc. 5181/11; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª Edição, 1997, pág.670 e segs.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. Edição, 2007, pág. 123 e seg.):
1-A tempestividade da petição de embargos;
2-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
3-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.”
FF. Assim, encontram-se reunidos no caso em apreço os pressupostos contidos na supra disposição legal:
- a existência anterior da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização da penhora;
- a ofensa dessa posse ou desse direito com a diligência judicial;
- a qualidade de terceiro
GG. Os embargos de terceiro são um meio instituído para a defesa da posse, quando ofendida por uma diligência ordenada judicialmente, nomeadamente em consequência de penhora.
HH. Os embargos de terceiro são meios de tutela da posse ameaçada ou violada provinda de diligência judicial.
II. O crédito em causa à data em que a penhora foi ordenada já não pertencia à Executada B……………………, S.A.
JJ. O crédito representado pelas Faturas em causa foi cedido em 15.03.2009;
KK. A penhora foi ordenada em 02.11.2009;
LL. A cessão do crédito é muito anterior à data em que a penhora foi ordenada.
MM. Com efeito, os montantes objeto da penhora são pertença do Recorrente e não da Executada B………………, S.A., por via da cessão de crédito efetuada através do Contrato de Factoring;
NN. Conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-12-2015 (Processo 08840/15, Secção CT-2° Juízo) “O contrato de cessão financeira (ou de “factoring”) encontra-se actualmente regulado pelo Dec.Lei 171/95, de 18/7 (antes o Dec.Lei 56/86, de 18/3), podendo definir-se como aquele pelo qual uma entidade — o cliente ou aderente — cede a outra — o cessionário financeiro ou factor — os seus créditos detidos sobre um terceiro — o devedor — mediante uma remuneração”.
OO. Ibidem “O contrato de factoring reveste a natureza (não obstante a existência de naturais divergências na doutrina no que concerne à anterioridade ou ulterioridade dos créditos) de um negócio de promessa de cessão de créditos ou de cessão de créditos futuros, pelo que, na ausência de cláusulas contratuais e no silêncio do Dec. Lei 171/95, de 18/7, lhe são aplicáveis as regras de cessão de créditos (cfr. art°s. 577 e seguintes do C.Civil).
PP. O contrato de factoring muito anterior à penhora dos montantes referentes às faturas emitidas ao abrigo do mesmo;
QQ. Tal penhora foi indevida e violou os direitos que o ora Recorrente tem sobre o referido crédito;
RR. Veja-se a este propósito o Oficio-circulado n°. 60072 da Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, de 06.11.2009, tendo em vista a uniformização de procedimentos relativamente à matéria de penhora de créditos nos termos do artigo 224°. do C.P.P.T., quando estão em causa contratos de factoring cujo regime jurídico se encontra estabelecido no DL 171/95, de 18 de Julho relativamente à efetivação ou não da penhora de créditos (art°. 224°. do C.P.P.T.) tendo em atenção a natureza jurídica do contrato de factoring: “ii) O “Factor” efectua o pagamento ao “Aderente” contra a recepção das facturas dos créditos “cedidos”.
SS. Conforme foi entendido “Estes créditos já não poderão ser objeto de penhora junto do devedor do cedente (nos exatos termos em que ela se encontra prevista no artigo 224° do CPPT), pois com a recepção da facturação pelo cessionário, seguida do seu pagamento, tem-se por verificada a cessão de créditos. Estes encontram-se agora na esfera patrimonial do “Factor”.
TT. E, ainda, “A sociedade de factoring efectua ao aderente o pagamento contra a recepção das facturas dos créditos cedidos — estes créditos já não podem ser penhorados junto do devedor do cedente, nos termos previstos no CPPT, porque a cessão de créditos já se efectivou quando o cessionário recebeu a facturação e a pagou. Ou seja, os créditos passaram a ser detidos pelo factor”.
UU. Assim, se a entidade devedora, depois de ser notificada da penhora, invocar a existência de um contrato de factoring, os serviços de finanças devem apurar se, na data da notificação, o cedente já tinha faturizado os créditos à sociedade de factoring, ou seja, se estes já tinham sido transferidos, caso em que não os poderá penhorar.
VV. No caso em apreço foi ofendido o direito que o Banco A……… tinha e tem sobre o identificado crédito, não podendo o mesmo responder pela dívida exequenda.
WW. Refira-se, ainda, que o facto da empresa executada ter sido declarada insolvente por sentença proferida em 26.11.2009, cujo processo corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria — Juízo de Comércio de Alcobaça — Juiz 1, sob o n° 1772/09.2TBPMS, em nada releva, nem afeta, a questão dos autos,
XX. Por tais créditos não pertencerem à empresa, mas ao Banco A………. único e exclusivo titular que adquiriu o crédito por cessão em data anterior à da penhora.
YY. Ainda que tenham sido depositados nos autos os valores emergentes da penhora, o certo é que a mesma foi indevida,
ZZ. E os embargos de terceiro fundam-se na circunstância de ter sido ordenada a diligência que se enquadra como ofensiva do seu direito.
AAA. O direito do Banco não se extinguiu, motivo pelo que a lide continua a ter objecto — ofensa do direito do Banco pela penhora indevidamente ordenada de um crédito de que é o único e exclusivo titular
BBB. Salvo o devido respeito, o desaparecimento do objeto da ação apenas sucede caso tenha sido efetuado o pagamento da exequenda,
CCC. Mas por via de penhora de bens da executada e não de terceiro, como sucedeu no caso em apreço.
DDD. Ao contrário do decidido pelo douto Tribunal “a quo”, e uma vez que a penhora não incidiu sobre bens da executada, não desapareceu o objecto da acção.
EEE. E enquanto o ato reclamado se mantiver não pode concluir-se que os embargos que o têm por objeto se tomou extinto/inútil por fala de objeto.
FFF. Pelos motivos expostos, não existem pois, em modesta opinião, razões para a extinção da instância.
GGG. Donde, face à legislação e jurisprudência invocadas não parecem restar dúvidas à restituição ao Banco A……….. da quantia que foi indevidamente penhorada e depositada nos autos de execução fiscal, no montante de € 150.582,12 e de que é único e exclusivo titular.
HHH. A douta sentença “a quo” violou as normas contidas nos artigos nos artigos 406° e 762° do Código Civil, 154°, n°s 1 e 2, 608°, n° 2 e 615° do Código de Processo Civil, e 224° do CPPT.
Termos em que respeitosamente requer seja dado provimento ao presente recurso.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. se dignem suprir, a douta sentença que considerou extinta a instância por impossibilidade originária da lide, deve ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da presente instância com a restituição ao Banco A……… da quantia que foi indevidamente penhorada e depositada nos autos de execução fiscal, no montante de € 150.582,12 e de que é único e exclusivo titular, como é de, JUSTIÇA!

1.3. A embargada Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) não apresentou contra-alegações

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo físico fls.200/202)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência

2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 24.03.2004, a embargante e a sociedade B……………, SA, outorgaram “Contrato de Factoring”, que apresenta, entre outras, as seguintes “Condições Gerais”:
Artigo 1.º (Objecto) 1. O presente contrato tem por objecto a cessão de todos os créditos de curto prazo do ADERENTE ou da parte desses créditos referida nas condições particulares que sejam aceites pelo BANCO e que se encontrem representados por facturas ou por suporte documental equivalente e relativos a bens fornecidos ou serviços prestados pelo ADERENTE aos seus clientes, a seguir designados DEVEDORES. (...).
Artigo 2.º (Âmbito) 1. As facturas, títulos de crédito e demais documentação referente aos créditos objecto deste Contrato representarão fornecimentos de bens ou prestação de serviços decorrentes da actividade habitual do ADERENTE e deverão constituir créditos deste sobre os seus DEVEDORES, válidos até à data da sua emissão e exigíveis à data do seu vencimento. (...)
Artigo 3.º (Cessão de Créditos) 1. O ADERENTE obriga-se a apresentar ao BANCO, com a periodicidade que for acordada, propostas de cessão de todos os seus créditos sobre o mesmo DEVEDOR. 2. As propostas são apresentadas em impresso a fornecer pelo BANCO, do qual deverá constar o número e o montante das facturas ou outros títulos, devendo ser definidos nas condições particulares a documentação que acompanhará as Propostas de Cessão. 3. O ADERENTE obriga-se a indicar nas suas facturas ou nos títulos representativos dos créditos a ceder, as condições de venda e pagamentos e eventuais descontos- (...) 5. Todas as facturas deverão evidenciar ou ser acompanhadas de comprovativo do fornecimento ou prestação dos serviços, nos termos referidos nas condições particulares. 6. O ADERENTE deverá, obrigatoriamente, mencionar no original das facturas ou nos outros títulos representativos dos créditos a ceder remetidos aos devedores e nas correspondentes cópias a enviar ao BANCO a inscrição seguinte: “O pagamento do valor deste documento deverá ser efectuado sempre e só ao Banco A…………, S.A., Sociedade Aberta, a quem foi cedido este crédito, na Av. …………, ……… ……….. - 1049-……. Lisboa ou, ainda, por crédito da conta ……… no Banco A………. com o NIB: ………………. O pagamento a outra Entidade não é juridicamente válido. Qualquer informação ou reclamação sobre este crédito deverá ser dirigida ao Banco A……….. Tel: ………., Telefax: 21 …………..”(...).
Artigo 4.º (Aceitação da Cessão) 1. Relativamente a cada proposta submetida pelo ADERENTE, a cessão concretiza-se mediante aceitação expressa do BANCO àquele dirigida, a Qual produz todos os efeitos a partir da data dessa aceitação. 2. Conforme a apreciação positiva que faça das mesmas, o BANCO aceitará as cessões que lhe forem propostas, na modalidade “Sem Recurso” ou “Com Recurso”, a) Considera-se aceite “Com Recurso” o crédito por cujo pagamento o ADERENTE é responsável em caso de não cumprimento pelo DEVEDOR. b) Considera-se aceite “Sem Recurso” o crédito cujo valor o BANCO renuncia exigir do ADERENTE na percentagem de cobertura referida nas Condições Particulares, em caso de não cumprimento pelo DEVEDOR. 3. O BANCO pode exigir a prévia confirmação pelo DEVEDOR dos créditos que lhe sejam apresentados, nos termos a acordar entre as partes. 4. A cessão de créditos aceite “Sem Recurso” pode ser transformada, por acordo das partes ou mediante decisão tomada pelo BANCO, em cessão “Com Recurso”, nos casos seguintes: a) quando o ADERENTE não cumprir qualquer obrigação emergente do presente Contrato; b) quando houver Invocação de litígio, seja em que termos for, entre ADERENTE e DEVEDOR, referente ou não ao crédito cedido e que prejudique ou vise retardar o atempado pagamento deste; c) quando se verificar caso fortuito ou de força maior que impeça o DEVEDOR de cumprir.
Artigo 5.º (Devedores) 1. O BANCO aprovará, previamente, os DEVEDORES em relação aos quais a cessão se poderá verificar e estabelecerá, também previamente, em relação a cada um deles, o montante máximo do conjunto dos créditos a aceitar. 2. O BANCO poderá, caso a caso, decidir tomar créditos para além do montante estabelecido, sem prejuízo do limite de adiantamento fixado. Os créditos cedidos que ultrapassem o montante fixado, consideram-se sempre aceites “Com Recurso”. 3. O conjunto dos DEVEDORES e o montante máximo dos créditos a aceitar por DEVEDOR poderão, a todo o tempo, ser alterados pelo BANCO, por comunicação escrita, vigorando as alterações quanto aos fornecimentos e prestações de serviços posteriores a essa alteração. 4. Se, decorridos cento e oitenta dias sobre a aprovação dos montantes indicados nos números anteriores ou sobre a sua última utilização, não forem submetidos ao BANCO propostas de cessão ao abrigo dos mesmos, estes caducarão automaticamente.
Artigo 6.º (Notificação dos DEVEDORES) 1. O ADERENTE dirigirá cartas aos DEVEDORES notificando-os da existência deste Contrato, segundo modelo a fornecer pelo BANCO e que entregará a este para expedição sob registo e com aviso de recepção. 2. O BANCO poderá não aceitar ou só aceitar “Com Recurso” as cessões de créditos sobre DEVEDORES que não hajam acusado o recebimento da comunicação referida no número anterior. (…)”[cfr. Documento particular junto pela Embargante com a petição inicial, de fls. 15-23 do processo físico].
2. Em 24.03.2004, a embargante e a sociedade B………………, SA, outorgaram “Contrato de Factoring “, que apresenta, entre outras, as seguintes “CONDIÇÕES PARTICULARES”:
“1. Este Contrato entra em vigor com a apresentação ao BANCO e aceitação por este dos seguintes documentos de acordo com as minutas oportunamente fornecidas. - Livrança subscrita pelo ADERENTE, acompanhada de Convenção de Preenchimento, avalizada pelos Senhores …………, ………….., …………….. e ………………..; -Procuração para recebimento e endosso de cheques, letras e livranças; - Cartas de Notificação a DEVEDORES;
2. A modalidade de factoring a que se refere o n.º 2 do Artigo 4.º das Condições Gerais é a Factoring Com Recurso” sobre o ADERENTE.
3. A facturação a que se refere o n.º 1 do Artigo 1.º das Condições Gerais é a referente aos principais Clientes da construção civil e obras públicas.
4. O conjunto dos DEVEDORES e o montante máximo dos créditos a que se refere o Artigo 5.º das Condições Gerais estabelecido para cada DEVEDOR é o que consta do Anexo I.
5. A taxa de juro a que se refere o n.º 4 do Artigo 9.º e o n.º 3 do Artigo 10.º das Condições Gerais é a mencionada no n.º 9 destas Condições Particulares acrescida de 2,5% (dois e meio por cento) ao ano.
6. O limite de adiantamento por Devedor será o que resultar do montante de crédito constante do Anexo I deduzido da margem de garantia a que se refere o n.º 7 destas Condições Particulares. O limite de adiantamento a que se refere o n.° 1 do Artigo 7.º das Condições Gerais é de EUR 400.000,00.
7. A margem de garantia a que se refere o n.º 4 do Artigo 7.º das Condições Gerais é de 10%.
8. A comissão de factoring a que se refere o Artigo 8.º das Condições Gerais é de 0,3% sobre o total de cada factura ou nota de débito, com um mínimo de EUR 10,00.
9. A taxa anual de juros dos adiantamentos efectuados será a da EURIBOR a um mês, em vigor no início do mês civil em curso, acrescida de 1,125 pontos percentuais, arredondada para o oitavo de ponto percentual imediatamente superior.
Os juros serão liquidados e pagos mensal e postecipadamente e até à data da cobrança efectiva dos créditos.
10. A comissão de factoring referida no n.º 8 destas Condições Particulares tem por base os seguintes pressupostos:
- Montante de créditos a ceder anualmente: EUR 950.000,00;
- Limite de Adiantamento ……………………: EUR 400.000,00:
- Montante da factura média ………………..: EUR 50.000,00;
- Número médio anual de facturas …………: 19 documentos;
- Prazo médio de recebimento ………… ….: 180 dias;
- Percentagem de incobráveis ……………...: 0%;
11. O valor das cobranças e adiantamentos efectuados pelo BANCO será transferido para a seguinte conta:
- BANCO: Banco A………..
- AGÊNCIA: ………… - CE Santarém
- Conta número: …………………….
- NIB: …………………………….. (...)
13. As Propostas de Cessão, nos termos do referido no n.º 2 do Artigo 3.º das Condições Gerais, serão acompanhadas dos seguintes elementos:
13.1 - Duplicados de Facturas ou outros títulos.
13.2 - Contrato Comercial celebrado com o DEVEDOR e respectivo Visto do Tribunal de Contas (quando aplicável).
13.3 - Confirmação da facturação por parte do DEVEDOR das facturas ou outros títulos conforme modelo constante do Anexo II. (…)”.
[cfr. Documento particular junto pela Embargante com a petição inicial, de fls. 24-25 do processo físico].
3. Com data de 15.03.2005, pela Embargante foi remetida à B………………, uma comunicação que integra o seguinte teor:




[cfr. Documento particular junto pela Embargante com a petição inicial, de fls. 26 do processo físico].
4. A sociedade B……………… remeteu uma comunicação ao Município do Entroncamento, datada de 16.08.2007, que apresenta o seguinte teor:
Exmos. Senhores
Temos o prazer de vos informar que efectuámos com
Banco A…………..,, S.A., Sociedade Aberta
Av ………….., nº ………………., ………..
1040-………… LISBOA
Telefone: …………..; telefax: 21 ……………
um Contrato de Factoring, o que nos libertará de algumas tarefas e simplificará o nosso trabalho administrativo, deixando-nos mais tempo livre para dedicar às relações profissionais que mantemos com V. Exas.
Todas as operações relacionadas com encomendas e sua satisfação continuarão a processar-se como anteriormente. A facturação continuará e ser efectuada por nós e ser-vos-á remetida directamente.
Todas as facturas deverão passar a ser liquidadas directamente ao Banco A……… até comunicação em contrário efectuada pelo mesmo Banco A………, nas condições ajustadas entre V. Exas e nós próprios. através do cheque ou por transferência bancaria para a seguinte conta:

Banco A……………
Conta nº: ………….
NIB: ……………..
Pedimos, desde já atenção de V. Exas, para, em virtude do Contrato celebrado entre nós e o Banco A………. ao abrigo do art. 577 e seguintes do Código Civil e em consequência das cessões de crédito que acordamos efectuar, só o pagamento ao Banco A……… terá efeito liberatório.
Agradecemos, por isso, que lhes seja feita comunicação da recepção desta carta, através da devolução de um dos originais depois de devidamente assinada.
Quaisquer informações relativamente à vossa conta como cliente passarão a ser prestadas pelo Banco A…….., que terá todo o empenho em vos esclarecer. Estamos confiantes que estas modificações, que simplificam substancialmente o nosso trabalho, não prejudicarão as nossas relações e, pelo contrário, contribuirão para a sua melhoria.
Com os nossos agradecimentos antecipados pela colaboração que possam dispensar ao Banco A………, subscrevemo-nos,
[cfr. Documento particular junto pela Embargante com a petição inicial, de fls. 28 do processo físico].
5. Em 2008, foi instaurado o processo de execução fiscal com nº 1001200801071424 e aps., contra a sociedade B…………………., SA.
[cfr. Informação prestada pelo OEF e documentos anexos, de fls. 4-9 do processo físico].
6. Em 03.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal 1001200801071424 e aps., foi remetida ao Município do Entroncamento comunicação, com o assunto “notificação de penhora”, que refere, além do mais, o seguinte:
“Fica (...) notificado (...) nos termos do artigo 224º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…) de que, para garantia e pagamento da quantia de € 167.930,02, fica penhorado à ordem desta Secção (...) o(s) crédito(s) que o(a) executado(a) supra identificado(a) tem a receber de V. Exc.ª(s)”.
[cfr. Ofício e cópia de aviso de recepção de fls. 36-37 do processo físico].
7. Em 09.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal 1001200801071424 e aps., pelos serviços de contabilidade do Município do Entroncamento foi remetida comunicação via fax, ao órgão de execução fiscal, com o assunto “notificação de penhora”, que refere, além do mais, o seguinte:
“(...) Adjudicou esta Câmara Municipal à Empresa em epígrafe a construção de um edifício escolar, cuja facturação pelos trabalhos já executados se eleva a 150.582,12 €.
Dado existir um contrato de factoring entre a empresa e o banco A……….. em que esta cedeu os seus créditos e cuja facturação no valor já mencionado foi confirmada junto dessa instituição de crédito, solicito a V. Exa. se digne informar se as verbas em factoring, também estão incluídas na penhora. (…)”
[cfr. Fax de fls. 38 do processo físico].
8. Em 09.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal 1001200801071424 e aps., aos serviços de contabilidade do Município do Entroncamento, foi remetida comunicação via fax, do órgão de execução fiscal, como assunto “notificação de penhora”, que refere, além do mais, o seguinte:

[cfr. Fax de fls. 39-40 do processo físico].
9.Em 09.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal 1001200801071424 e aps.,foi lavrado um “Auto de Penhora” que apresenta o seguinte teor:




Em cumprimento notificação concretizada em 03-11-2009 e em referência ao processo executivo e executado(a) supra identificados, foi nesta data penhorado o direito de crédito infra identificado, ficando o devedor nomeado fiel depositário.

BEM PENHORADO: Direito de crédito que o(a) executado(a) supra identificado(a) tem a receber do Município do Entroncamento no montante de € 15.582,12.
Leiria, 09 de Novembro de 2009
[cfr. Cópia de auto de penhora de fls. 43 do processo físico].
10. Em 13.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal 1001200801071424 e aps., foi proferido o seguinte despacho:
“Atendendo a que dos autos não resulta a existência de qualquer direito real de garantia, dispenso a convocação de credores ao abrigo do disposto no artigo 240.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Proceda-se à aplicação do produto do crédito penhorado na quantia exequenda em dívida nos presentes autos”
[cfr. despacho de fls. 44 do processo físico].
11. Em 13.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal 1001200801071424 e aps., foi emitido o documento único de cobrança (DUC), que aqui se dá por reproduzido, com o número 0910011153000225313, no valor de 150.582 euros, imputado no pagamento das contribuições e cotizações no mesmo especificadas. [cfr. detalhe de DUC, junto pelo OEF, a solicitação de informação do Tribunal, de fls. 121 e 122 do processo físico].
12. Em 10.12.2009, a petição inicial destes embargos foi remetida à Secção de Processos de Leiria do IGFSS, IP. [cfr. vinheta dos CTT aposta do envelope que acompanha a PI de fls. 10-35 do processo físico].


2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: legalidade de embargos de terceiro deduzidos contra penhora de crédito indicado pelo cedente e aplicado no pagamento da quantia exequenda, após a celebração de contrato de factoring em que o embargante é cessionário,

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. Com a reforma do processo civil operada pelo DL nº 329-A/95, 12 dezembro e pelo DL nº 180/96, 25 setembro os embargos de terceiro passaram a ser qualificados como incidente da instância (arts.351º a 359º CPC revogado; arts.342º a 350º CPC vigente aprovado pela Lei nº 41/2013, 26 junho), mantendo-se esta qualificação no CPPT
Actualmente os embargos de terceiro não constituem, exclusivamente, um meio de defesa da posse, podendo ser deduzidos perante a ofensa de qualquer outro direito cuja manutenção seja incompatível com a realização e o âmbito do arresto, penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens (art.237º nº1 CPPT)
A penhora configura um acto de apreensão de bens do executado, que ficam à disposição do processo de execução fiscal para o exequente ser pago pelo respectivo produto.
Os bens penhorados são retirados da posse e livre disposição do executado e ficam vinculados à pretensão executiva, adstritos aos fins do processo executivo, isto é, à satisfação do interesse do exequente.
No processo de execução fiscal a penhora de créditos efectua-se mediante a notificação ao devedor de que os créditos do executado, até ao valor da quantia exequenda e acrescido, ficam à ordem do órgão de execução fiscal (art.224ºCPPT nº1 redação da Lei nº 67-A/32007,31 dezembro vigente na data da penhora)
Não havendo lugar à venda do bem penhorado, a natureza fungível do crédito determina a aplicação do seu montante na quantia exequenda e acrescido.
A arrecadação da importância suficiente para satisfação da quantia exequenda e acrescido ,em virtude do depósito dos créditos penhorados e da sua aplicação no pagamento das dívidas exequendas, determina a extinção da execução (art.261º nº1 CPPT)
No contrato de factoring o interveniente aderente cede ao factor ou cessionário financeiro os seus créditos a curto prazo detidos sobre um terceiro (devedor) mediante uma remuneração (arts.2º, 3º e 4º DL nº 171,95, 18 julho)
Na ausência de cláusulas contratuais e no silêncio do regime específico são aplicáveis as regras da cessão de créditos (art.577º e sgs CCivil)
2.2.2.2.No caso concreto o contrato de factoring celebrado em 24.03.2004 entre a embargante e a executada B……………… ,SA operou a transferência para a esfera jurídica da cessionária dos créditos detidos pela executada sobre o município do Entroncamento, titulados pelas facturas nºs 117, 120 e 129 (factos provados nºs 1 e 2 )
Na data da penhora, efectuada em 9.11.2009, a executada já não era titular do crédito penhorado, em virtude de o ter cedido à embargante/cessionária em data anterior.
O município do Entroncamento (devedor) efectuou o depósito da quantia relativa ao crédito penhorado, tendo esta em 13.11.2009 sido aplicada no pagamento da quantia exequenda (factos provados nº 10 )
O depósito do montante do crédito efectuado pelo município devedor, associado à natureza fungível do crédito penhorado, determinou a extinção da penhora em consequência da sua integral aplicação no pagamento da quantia exequenda e da subsequente emissão de Documento Único de Cobrança (DUC), gerando a arrecadação da receita nos cofres do Estado (probatório nºs 8/11)
Extinta a penhora os embargos de terceiro, deduzidos posteriormente em 10.12.2009, carecem de objecto juridicamente válido.
Importa salientar que os embargos de terceiros não são o meio processual adequado para a discussão da titularidade de direitos e responsabilidades, tendo somente como objectivo a extinção ou levantamento de diligência ofensiva da posse ou de outro direito incompatível que o embargante se arroga
Com interesse para a análise da questão transcreve-se excerto relevante do acórdão STA-SCT 13.04.2011 (processo nº 357/10) onde se apreciou caso semelhante:
(…) os embargos de terceiro constituem um incidente da instância executiva, um incidente com uma tramitação dependente do processo executivo, tendo por objecto «o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens» (artigo 237.º do CPPT) e por finalidade permitir a participação de um terceiro que se diz titular de uma situação jurídica subjectiva incompatível com qualquer desses actos, devendo, por isso, ser deduzidos contra o exequente e o executado
Tendo em conta esta ligação funcional e instrumental do processo judicial de embargos ao processo judicial de execução, é óbvio que uma vez finda a execução por se ter alcançado o fim a que se dirigia (a cobrança da dívida e do acrescido), deixa de justificar-se a pendência ou a nova instauração de embargos de terceiro destinados à eliminação de diligências e actos judiciais que naquela haviam sido ordenados e/ou praticados com vista à cobrança da dívida. Como se deixou dito na decisão recorrida, não se compreenderia que, efectuados os pagamentos e extintos, por essa via, os créditos exequendos, pudesse reabrir-se a discussão sobre a penhorabilidade subjectiva dos bens através de embargos de terceiro
Assim sendo, e porque a finalidade dos embargos de terceiro não é a de apurar direitos ou responsabilidades, mas extinguir ou fazer levantar uma diligência ou acto praticado na execução que o embargante considera ofensiva da sua posse ou incompatível com um direito a que se arroga, não pode deixar de concluir-se que com o desaparecimento do acto ou da diligência, consumida pela arrecadação de importâncias suficientes para solver a dívida e pela extinção do próprio processo executivo, se torna impossível a lide de embargos de terceiro, por carência de objecto.
O que significa que, no caso, a extinção da dívida e dos processos executivos que visavam a sua cobrança, implicou o desaparecimento do próprio acto de penhora, da qual não restam efeitos remanescentes susceptíveis de serem atingidos pelo pedido do seu levantamento.
(…)Por conseguinte, os embargos de terceiro não podem ser deduzidos num momento em que a penhora deixou de subsistir por virtude da integral aplicação das importâncias depositadas por força da penhora e da consequente extinção da dívida exequenda e do processo executivo, por carência de objecto
Não obstante a extinção da penhora, o direito de crédito transmitido permanece na titularidade do embargante porque a prestação deve ser feita ao credor ou a seu representante e a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, excepto estipulação nesse sentido ou consentimento do credor (arts.769º e 770º CCivil)

Neste contexto a tutela do direito da embargante exige a instauração de acção que permita opôr ao exequente a restituição da quantia correspondente ao crédito do qual é titular, acrescida de indemnização por eventuais danos sofridos (neste sentido João Paulo Remédios Marques A penhora dos créditos na reforma processual de 2003 Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa nº 9 2004 p.147)

3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de novembro 2019. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - José da Ascensão Nunes Lopes.