Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0876/12
Data do Acordão:06/05/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:LOTEAMENTO
DESISTÊNCIA
TAXA DE COMPENSAÇÃO
RESTITUIÇÃO
Sumário:I - De acordo com o art. 26º do RJUE, a deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística, pelo que o acto final de licenciamento define, portanto, a situação do respectivo requerente e o alvará assume a natureza jurídica de acto integrativo da eficácia do acto de licenciamento.
II - Com a emissão do alvará de loteamento, o Município coloca na disponibilidade do titular de tal alvará a possibilidade de aproveitamento do que vai implicado na respectiva operação urbanística, dessa forma se encontrando justificação para a cobrança das respectivas taxas. E o facto de o titular do alvará de loteamento ter apresentado posteriormente um requerimento a desistir do loteamento, não determina a eliminação do acto administrativo de licenciamento ou que este deixe de produzir os seus efeitos.
E carecendo essa desistência de relevância, também dela não poderão advir quaisquer efeitos, nomeadamente a devolução das taxas pagas, incluindo a taxa de compensação.
Nº Convencional:JSTA00068295
Nº do Documento:SA2201306050876
Data de Entrada:08/03/2012
Recorrente:A........., LDA
Recorrido 1:CM DE FELGUEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPA91 ART110 ART124 ART125 ART108.
DL 448/91 DE 1991/11/29 ART32.
DL 555/99 DE 1999/12/16 ART43 ART44 ART26 ART71 ART87 ART117 N4.
L 90/95 DE 1995/09/01.
LGT98 ART4 N2.
DL 445/91 DE 1991/11/20 ART68.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART1 N1 N2 N3.
CONST76 ART103 N2 N3 ART165.
Jurisprudência Nacional:AC TC 365/03 DE 2003/07/14
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - FISCALIDADE DO URBANISMO IN ACTAS DO I COLOQUIO INTERNACIONAL - O SISTEMA FINANCEIRO E FISCAL DO URBANISMO.
FERNANDA PAULA OLIVEIRA E CASTANHEIRA NEVES E DULCE LOPES E FERNANDA MAÇÃS - REGIME JURIDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO COMENTADO 2011 3ED PAG383.
JORGE CARVALHO E FERNANDA PAULA OLIVEIRA - BREVE REFLEXÃO SOBRE TAXAS URBANISTICAS EM PORTUGAL CENTRO DE ESTUDOS E FORMAÇÃO AUTARQUICA PAG30.
LEITE DE CAMPOS E BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG70-71.
TEIXEIRA RIBEIRO - LIÇÕES DE FINANÇAS PUBLICAS PAG262.
ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLI PAG42.
CASALTA NABAIS - CONTRATOS FISCAIS PAG236.
SUZANA DA SILVA - AS TAXAS E A COERENCIA DO SISTEMA TRIBUTARIO PAG60-61.
VIEIRA DE ANDRADE - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 PAG87.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………… Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgou improcedente a impugnação judicial «do despacho da Câmara Municipal de Felgueiras de 07/08/2007 que indeferiu a devolução das quantias pagas pelo requerente a título de taxa de compensação.»

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1 - A definição legal de taxa obriga a compensações pela isenção da obrigação de construir pelo loteador as infra-estruturas a que se refere a alínea h) do art. 2º, ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio, e advém da utilização de bens e equipamentos que pertencem ao domínio público e de que o loteamento passará a usufruir;
2 - Ora, atento o carácter sinalagmático ou obrigacionista que inspira a existência no sistema fiscal da figura da taxa, e que a diferencia do imposto, parece evidente que a obrigação do seu pagamento pelo particular apenas existe no momento, ou a partir do qual, ele usufrui, ou passa a usufruir, ou ainda a retirar uma vantagem patrimonial da existência dos bens ou equipamentos do domínio público;
3 - Tal dever cessa no momento em que a actividade prestacional da Administração deixa de existir, in casu, a partir do momento em que a impugnante deixou de estar em situação de usufruir de uma vantagem patrimonial de isenção da obrigação de construir as infra-estruturas do loteamento que desistiu de levar a efeito;
4 - A sentença recorrida considerou que, o facto de a impugnante ter desistido do loteamento é irrelevante pois entende que, uma vez emitido o alvará de loteamento o procedimento extingue-se, nos termos do disposto no art. 108º do CPA, e com isso o direito da impugnante ver restituídas as quantias pagas a título de compensação, em face da manutenção da titularidade do alvará de loteamento;
5 - Ora, não pode o recorrente aceitar tal asserção da Mm.ª Juiz “a quo”, pelo que ocorre erro de julgamento;
6 - Se a decisão final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística, nos termos do art.º 26.º do RJUE, não é menos verdade que, o requerimento da recorrente visa que tal decisão deixe de produzir os seus efeitos, por via da desistência do pedido nos termos do disposto no art.º 110.º do CPA;
7 - Sendo certo que, a operação de loteamento não fica concluída com a emissão da licença que autoriza a operação urbanística, tanto mais que a mesma tem uma duração limitada ao período fixado para a execução das infra-estruturas, nos termos do disposto no art.º 71.º do RJUE;
8 - Pelo que, não é exacta a afirmação da sentença recorrida de que, com a decisão que autorizou o loteamento e que levou à emissão do respectivo alvará, o procedimento esteja concluído, uma vez que só no momento em que ocorrer a recepção definitiva a que alude o art. 87º do RJUE, é que o mesmo fica, efectivamente, concluído;
9 - Pelo que, como se alegou na petição inicial, nos termos do nº 4, do art. 117º do DL 555/99 de 16/12 “A exigência, pela câmara municipal ou por qualquer dos seus membros, de mais valias não previstas na lei ou de quaisquer contrapartidas, compensações ou donativos confere ao titular da licença ou autorização para a realização de operação urbanística, quando dê cumprimento àquelas exigências, a direito de reaver as quantias indevidamente pagas (…)”.
10 - Ora, como não houve despesas efectuadas ou a efectuar pela recorrida, nem a operação de loteamento determinou a necessidade da realização de infra-estruturas, e, em consequência, a recorrente não retirou quaisquer benefícios da utilização de equipamentos públicos disponibilizados por aquela;
11 - Por outro lado, a não restituição das quantias pagas a título de “taxa de compensação” configuram a sua transformação num verdadeiro imposto, uma vez que a taxa exigida ao dono do loteamento pressupõe a contrapartida por parte do Município de realização efectiva de obras de urbanização de valor igual ao montante da “taxa” cobrada, dado o carácter sinalagmático ou bilateral da taxa de urbanização, o que no caso não ocorreu;
12 - A “taxa de compensação” em causa jamais poderá ser considerada como uma taxa administrativa, pois à prestação exigida ao particular, a pretexto (e não por causa) do requerimento de operação de loteamento a executar, não corresponde, por parte da autarquia, a uma prestação individualizaria de um serviço público, o acesso à utilização de bens do domínio público ou à remoção de um limite jurídico (limite ou obstáculo jurídico real levantado por razões de interesse público geral) à actividade dos particulares;
13 - Ora, in casu, a chamada “taxa de compensação” cobrada à recorrente e paga por esta, deixou de existir reciprocidade já que, com a desistência da operação de loteamento, não recebeu nem receberá qualquer contrapartida económica proporcional da Câmara Municipal de Felgueiras apenas recebendo permissão para realizar a operação de loteamento;
14 - Outrossim, a Lei 90/95, de 01/09 autorizou o governo a “esclarecer que as taxas municipais por realização de infra-estruturas urbanísticas só são devidas quando resultem de efectiva prestação de serviço pelo município”;
15 - Sendo certo que, o artigo 4º nº 2 da Lei Geral Tributária veio consagrar de forma inequívoca que a exigência de uma taxa tem que se fundamentar numa utilidade individual e directa que beneficie o particular, resultante de uma contraprestação concreta e simultânea por parte da entidade que cobra o tributo, apenas assim se verificando o nexo sinalagmático que é pressuposto da taxa;
16 - Ora, não correspondendo tal “taxa de compensação” à prestação de qualquer serviço pela Câmara Municipal do Felgueiras, está-se perante um verdadeiro imposto e não perante uma taxa e constituindo um imposto, é inconstitucional, por contrariar o disposto nos artigos 2º, 106º, nº 2 e 168º, nº 1, alínea i) da CRP, actualmente, após a última revisão, artigos 103º, nºs. 2 e 3, e 165º, nº 1, da CRP;
17 - O indeferimento do pedido de restituição da referida quantia pela CMF padece, inequivocamente, de nulidade, que expressamente se invoca, pois ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental e constitucional – o direito dos cidadãos ao não pagamento dos “impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas por lei.
18 - Assim, a sentença recorrida violou, para além de outros, o disposto nos art. 68º do DL. nº 445/91, de 20/11, art. 4º, nº 2, da LGT, art. 1°, nºs. 1, 2 e 3, do DL. nº 256-A/77, de 17/6, arts. 124º e 125º do CPA, arts. 19º/b), 21º, 82º e 120º, al. c) do CPT, arts. 2º, 106º, nº 2, 168º, nº 1, alínea i) – actualmente, após a última revisão, arts. 103º, nºs. 2 e 3, e 165º da CRP.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por outra que ordene a devolução à recorrente da taxa compensatória.

1.3. A recorrida Câmara Municipal de Felgueiras apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:
1ª A compensação em causa é uma taxa e não perdeu essa natureza pelo facto de quem a pagou ter vindo, mais tarde, a desistir de realizar a operação de loteamento para a qual obteve o necessário alvará de licença;
2ª A A………… obteve a vantagem de que a compensação constituiu contrapartida: foi autorizada a realizar a operação de loteamento, da qual, depois, veio a desistir;
3ª O procedimento administrativo desencadeado pelo requerimento através do qual a A………… requereu a licença de loteamento extinguiu-se com a emissão do respectivo alvará.
4ª Uma vez paga a referida compensação e emitido o respectivo alvará, a A…………, deixou de poder reaver a quantia paga, tal como, no caso de ter havido cedência de terrenos, teria deixado de poder reaver esses terrenos, entretanto, integrados no domínio público municipal;
5ª Não foi violada nenhuma das múltiplas normas legais e constitucionais invocadas pela ora Recorrente, incluindo aquelas que já estão revogadas;
6ª A sentença objecto do presente recurso jurisdicional fez uma boa aplicação do direito.
Nestes termos e nos demais que serão superiormente supridos, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, aquele Tribunal veio, por acórdão de 14/06/2012 (fls. 174/182), a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, com fundamento em que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, declarando, consequentemente, a competência deste STA.

1.5. Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, dado que, em síntese, da conjugação do disposto no art. l06º do CPA e no art. 44º do RJUE, aprovado pelo DL 555/99, de 16/12, resulta ser condição indispensável para o deferimento do pedido de loteamento a cedência de parcelas para os fins do nº 1 do citado art. 44º, sendo que tais parcelas se integram automaticamente no domínio público com a emissão do alvará, e se em substituição de tais parcelas for cobrada taxa de compensação devida pela desnecessidade de cedências, também essas taxas se integram automaticamente no domínio público com a emissão do alvará.
E não colhe a tese da recorrente de que a não devolução da taxa paga por via da desistência da operação de loteamento transforma a taxa num imposto: é que a apreciação da validade da taxa de compensação em causa coloca-se na fase de apreciação do loteamento a que diz respeito.

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
a) Em 10 de Maio de 2006, a Câmara Municipal de Felgueiras emitiu o alvará de loteamento nº 02/2006 em nome da Impugnante através do qual licenciou o loteamento que incidiu sobre parte do prédio sito no lugar de …………, da freguesia de Pedreira, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 00630/230699 A, nos termos que constam do documento de fls. 14 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
b) A Impugnante, em 13 de Abril de 2006, pagou pela emissão do alvará de loteamento a quantia de 52,36 euros, a título de taxa de infra-estruturas urbanísticas 229,69 euros e a título de compensação a quantia de 6.201,79 euros.
c) Já antes, em 21 de Março de 2006, notificada expressamente para o efeito, a Impugnante declarara concordar com o montante de 6.201,79 euros, de “taxa de compensação”.
d) Em 2 de Junho de 2006 a Impugnante requereu “a alteração ao alvará de loteamento 02/2006” nos termos que constam do requerimento que se encontra a fls. 59 do processo administrativo apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
e) Em 11 de Julho de 2006, a Impugnante declarou através de requerimento dirigido à Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras pretender a anulação do alvará de loteamento 02/2006 e que fosse passado um novo alvará.
f) Por despacho de 28 de Julho de 2006, foi aprovado o pedido de licenciamento do loteamento tendo sido emitido, em 30 de Agosto de 2006, o alvará de loteamento nº 06/2006, cujo teor consta de fls. 80 do processo administrativo e aqui se dá por reproduzido.
g) Em 23 de Fevereiro de 2007, a Impugnante dirigiu novo requerimento à Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras pedindo a alteração ao alvará de loteamento 06/2006.
h) Em 13 de Julho de 2007, a Impugnante dirigiu à Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras um requerimento em que declarou que não pretendia realizar a operação de loteamento, por impedimentos e dificuldades de ordem técnica e legal e que pretendia desistir do licenciamento e execução do loteamento e requereu que as quantias pagas lhe fossem devolvidas.
i) Sobre tal requerimento, a Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras, em 7 de Agosto de 2007, proferiu o seguinte despacho: “Indefere-se o requerido com base nas informações e pareceres jurídicos já constantes do processo”.
j) A informação a que se refere esse despacho tem o seguinte teor: “A firma A…………, Lda., em requerimento de 2007.07.05 vem declarar que desiste da operação de loteamento e requer em simultâneo a devolução das taxas que pagou em função daquela operação urbanística.
O processo de loteamento foi instruído em 2005.05.20 e o respectivo alvará foi emitido em 2006.05.10 – alvará 2/06.
Posteriormente foi solicitada nova operação de loteamento e solicitada a anulação do primitivo alvará por impossibilidade de registo na Conservatória, na sequência do qual foi emitido em 2006.08.30 novo alvará sob o nº 6/06.
Posteriormente requereu alteração deste último alvará de loteamento, a qual não mereceu aprovação.
As taxas que a requerente pretende ver restituídas referentes ao licenciamento do loteamento, a que se refere o alvará 2/06, foram liquidadas nos termos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação em vigor, constituindo tais taxas a contrapartida pela prestação do serviço, que foi efectivamente prestado à requerente. Assim, não poderá haver lugar à restituição das taxas.
Relativamente à “taxa de compensação” e à “taxa de infra-estruturas urbanísticas’ e de acordo com parecer jurídico de Novembro de 2006, cuja cópia anexo, referente à mesma matéria, as mesmas não devem ser restituídas, devendo ser consideradas aquando da apresentação de um novo pedido de licenciamento de loteamento do mesmo prédio”.
k) Por sua vez, o “parecer jurídico” referido tem, a dado passo, o seguinte teor: “Quanto à taxa de compensação, é sabido que quem requer uma licença de loteamento fica obrigado a ceder gratuitamente ao município as parcelas de terreno necessárias para a implantação de espaços verdes públicos, de equipamentos de utilização colectiva e das demais infra-estruturas que devam ser integradas no domínio municipal. (...) Isto é, a chamada taxa de compensação tem como contrapartida dispensar o particular da cedência de parcelas de terreno a integrar no domínio público municipal. Ora, o montante da taxa de compensação que foi pago (...) não pode ser restituído, desde logo, porque a vantagem que constituía a contrapartida dessa taxa foi disponibilizada à ora Requerente, só que esta desinteressou-se dela (...)”.
l) Tais informação e parecer jurídico são os que se encontram a fls. 118 a 123 do processo administrativo e aqui se dão por reproduzidos na íntegra.

3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se, tendo a impugnante desistido da operação de loteamento, tem direito à restituição da “taxa de compensação” que pagou quando da emissão do alvará de loteamento, a sentença veio a concluir pela negativa e pela consequente improcedência da impugnação com a fundamentação seguinte:
- Não sendo (nem podendo ser) o acto impugnado o da liquidação das taxas que condicionaram a emissão do alvará de loteamento, mas o acto datado de 7/8/2007 que indeferiu a devolução das taxas pagas pela impugnante, então serão irrelevantes os vícios invocados e reportados à liquidação, tanto mais que a mesma não padece de qualquer nulidade, que podia ser conhecida a todo o tempo, nomeadamente aquele que vem invocada pela impugnante (os actos que aplicam normas inconstitucionais não são, só por esse facto, nulos, estando submetidos ao regime geral das invalidades – cfr. acs. do STA, de 30/6/ 99, rec. 22251 e de 28/5/2003, rec. 742/02.
- Tendo a impugnante requerido o licenciamento de uma operação de loteamento, tendo pago as taxas devidas pelo licenciamento propriamente dito e pela realização de infra-estruturas urbanísticas e pago, também, a compensação a que se reporta o art. 44º nº 4 do RJUE, então, emitido que foi o alvará de loteamento, já não releva uma posterior desistência do respectivo titular, para justificar a devolução das taxas pagas, uma vez que a desistência é uma forma de extinção no âmbito do procedimento administrativo (art. 110º do PA) e, no caso, o procedimento administrativo de liquidação do tributo findou com a tomada da decisão final de autorização da operação de loteamento e com a emissão do respectivo alvará, nos termos que decorrem do art. 108º do CPA, pelo que todos os direitos e obrigações dos respectivos sujeitos processuais se consolidaram na ordem jurídica e não tendo a desistência da operação de loteamento por parte da recorrente qualquer efeito jurídico.
- O indeferimento da pretensão da impugnante de ver devolvida a taxa aqui em causa também não implica a transformação desta taxa num imposto, que a fira de inconstitucionalidade.
- E também não procede o alegado vício da falta de fundamentação do acto impugnado.

3.2. Discordando do assim decidido a impugnante aponta erro de julgamento à sentença, pois que:
- Por um lado, atento o carácter sinalagmático da taxa, parece evidente que (i) a obrigação do seu pagamento pelo particular apenas existe no momento ou a partir do momento em que ele usufrui, ou passa a usufruir, ou ainda a retirar uma vantagem patrimonial da existência dos bens ou equipamentos do domínio público e (ii) que tal dever cessa no momento em que a actividade prestacional da Administração deixa de existir (no caso, a partir do momento em que a impugnante deixou de estar em situação de usufruir de uma vantagem patrimonial de isenção da obrigação de construir as infra-estruturas do loteamento que desistiu de levar a efeito).
- Por outro lado, não é correcto dizer-se que, emitido o alvará de loteamento o procedimento se extingue, nos termos do disposto no art. 108º do CPA, e com isso o direito da impugnante ver restituídas as quantias pagas a título de compensação, em face da manutenção da titularidade do alvará de loteamento: é que, se a decisão final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística (art. 26º do RJUE), também é verdade que o requerimento da recorrente visa que tal decisão deixe de produzir os seus efeitos, por via da desistência do pedido nos termos do disposto no art. 110º do CPA, sendo que a operação de loteamento não fica concluída com a emissão da licença que autoriza a operação urbanística, tanto mais que a mesma tem uma duração limitada ao período fixado para a execução das infra-estruturas, nos termos do disposto no art. 71º do RJUE. Só no momento em que ocorrer a recepção definitiva a que alude o art. 87º do RJUE é que o mesmo fica, efectivamente, concluído.
- A não restituição das quantias pagas a título de “taxa de compensação” configura a sua transformação num verdadeiro imposto, uma vez que a taxa exigida ao dono do loteamento pressupõe a contrapartida por parte do Município de realização efectiva de obras de urbanização de valor igual ao montante da “taxa” cobrada, dado o carácter sinalagmático ou bilateral da taxa de urbanização, o que no caso não ocorreu.
- O indeferimento do pedido de restituição da quantia aqui em causa, padece de nulidade, pois ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental e constitucional – o direito dos cidadãos ao não pagamento dos “impostos que não tenham sido criados nos termos da CRP e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas por lei.
A questão a decidir continua a ser, portanto, a de saber se pelo facto de a recorrente ter desistido da operação de loteamento, depois de findo o procedimento de loteamento, tem direito ao reembolso da taxa de compensação paga.

4. Refira-se, porém e antes de mais, que tendo o recurso sido inicialmente interposto para o TCA Norte, e tendo este Tribunal, por acórdão de 14/6/2012 (fls. 174 a 183) declarado a respectiva incompetência, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, considerando competente este STA, dado que o mesmo recurso versa apenas matéria de direito, não há controvérsia das partes a este propósito, sendo que, na perspectiva considerada pelo TCAN, também aqui se entende que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis.

5. Como decorre do Probatório, a impugnante/recorrente requereu o licenciamento de uma operação de loteamento e pagou as taxas devidas pelo licenciamento propriamente dito, as taxas devidas pela realização de infra-estruturas urbanísticas e, ainda, a taxa de compensação a que se reporta o nº 4 do art. art. 44º do RJUE.
A taxa devida pela concessão da licença de loteamento e pela emissão do respectivo alvará constitui a contrapartida pela actividade que a Câmara Municipal exerce de controlo da operação urbanística em causa (tendo como contrapartida, desde logo, quer a vantagem da remoção de um obstáculo legal ao exercício do direito do particular à divisão fundiária do solo, permitindo-lhe, desse modo, executar a operação de loteamento que ele pretende realizar, quer a usufruição dos serviços de natureza burocrática prestados pelo Município, substanciados na apreciação dos projectos apresentados e na emissão do respectivo alvará).
Por seu lado, a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU) visa compensar o município pelo impacto que o loteamento irá previsivelmente provocar nas infra-estruturas municipais, pelos custos da realização, fora da área a lotear, de novas infra-estruturas ou do reforço, remodelação e manutenção de infra-estruturas já existentes, devido à eventual sobrecarga de utilização que poderá resultar do loteamento (por exemplo em matéria de redes viárias, de captação de água, de condutas de esgotos).
Já a compensação prevista no n° 4 do art. 44° do RJUE e, no caso, nos arts. 52° e ss. do Regulamento Municipal da Urbanização e da Edificação de Felgueiras, tem sido considerada como reconduzindo-se a uma figura próxima da taxa: (Para Casalta Nabais, “Fiscalidade do Urbanismo”, in Actas do Iº Colóquio Internacional – O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo (CEDOUA, FDUC, APDU, Coimbra, Almedina, 2002, p. 55), citado por Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2011, 3ª edição, Almedina, 2011, p. 383) estas compensações configuram-se materialmente como taxas urbanísticas.) quem requer uma licença de loteamento fica obrigado a ceder gratuitamente ao município as parcelas de terreno necessárias para a implantação de espaços verdes públicos, de equipamentos de utilização colectiva e das demais infra-estruturas que devam ser integradas no domínio municipal, Mas se o prédio a lotear já se encontrar servido por infra-estruturas ou não se justificar qualquer equipamento ou espaço verde público ou se os espaços verdes de utilização colectiva, as infra-estruturas viárias e os equipamentos existentes ficarem a constituir partes comuns dos lotes e dos edifícios que neles venham a ser construídos, conservando assim o seu estatuto privado, o promotor do loteamento fica obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie.
Ou seja, esta chamada taxa de compensação tem como contrapartida dispensar o particular da cedência de parcelas de terreno a integrar no domínio público municipal.
E é esta última taxa (de compensação) que a recorrente pretende que lhe seja restituída, por considerar que não obstante haver sido emitido alvará de loteamento, tal restituição se impõe devido ao facto de ela, impugnante, ter posteriormente desistido do dito loteamento.
Vejamos.

5.1. O nº 1 do art. 32º do DL nº 448/91, de 29/11 (Que aprovou o regime jurídico dos loteamentos urbanos.) estabelecia (redacção da Lei 26/96, de 1/8) que:
«1 - A realização de infra-estruturas urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações, com excepção das previstas no artigo 16º».
E neste art. 16º (do mesmo referido diploma legal) preceituava-se o seguinte:
«1 - O proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente à câmara municipal parcelas de terreno para espaços verdes públicos e de utilização colectiva, infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais, e equipamentos públicos, que, de acordo com a operação de loteamento, devam integrar o domínio público.
2 - As parcelas de terreno cedidas à câmara municipal integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará e não podem ser afectas a fim distinto do previsto no mesmo, valendo este para se proceder aos respectivos registos e averbamentos.
3 - O cedente tem direito de reversão sobre as parcelas cedidas nos termos dos números anteriores sempre que haja desvio de finalidade pública da cedência, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto quanto à reversão no Código das Expropriações.
4 - Se o prédio a lotear já estiver servido pela infra-estruturas referidas na alínea b) do artigo 3º ou não se justificar a localização de qualquer equipamento público no dito prédio, não há lugar a cedências para esses fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado a pagar à câmara municipal uma compensação, em numerário ou espécie, nos termos definidos em regulamento aprovado pela assembleia municipal.»
Por sua vez, nos arts. 43º e 44º do DL nº 555/99, de 16/12, (Que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação – RJUE.) continua a estabelecer-se a obrigatoriedade de cedência gratuita de parcelas para implantação de espaços de interesse público, equipamentos públicos e de utilização colectiva.
Dispõe-se nestes artigos 43º e 44º (redacção do DL nº 26/2010, de 30/3):
«Artigo 43º - Áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos
1 — Os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra -estruturas viárias e equipamentos.
2 — Os parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no número anterior são os que estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território.
3 — Para aferir se o projecto de loteamento respeita os parâmetros a que alude o número anterior, consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afectar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal nos termos do artigo seguinte.
4 — Os espaços verdes e de utilização colectiva, infra--estruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420º a 1438º-A do Código Civil.»
«Artigo 44º - Cedências
1 - O proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente ao município as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou autorização de loteamento, devam integrar o domínio municipal.
2 - Para os efeitos do número anterior, o requerente deve assinalar as áreas de cedência ao município em planta a entregar com o pedido de licenciamento ou autorização.
3 - As parcelas de terreno cedidas ao município integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará.
4 - Se o prédio a lotear já estiver servido pelas infra-estruturas a que se refere a alínea h) do artigo 2º ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio, ou ainda nos casos referidos no nº 4 do artigo anterior, não há lugar a qualquer cedência para esses fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie, nos termos definido em regulamento municipal.
5 – (…)»

5.2. Da conjugação do disposto nestes artigos 43º e 44º, resulta que naquele se exige que as operações de loteamento devam prever parcelas de terreno para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, independentemente de elas se manterem em propriedade privada ou de passarem a integrar o domínio municipal.
E assim, «a cedência de parcelas de terreno para o domínio municipal no âmbito de uma operação de loteamento resultará, ou de o plano municipal em vigor para a zona o impor ou, no silêncio do plano, de tal resultar da lei ou da operação de loteamento em concreto, devendo por isso o projecto de loteamento indicar expressamente nas plantas e na memória descritiva a afectação das várias parcelas e a sua titularidade». (Fernanda Paula Oliveira, et al. ob. cit. p. 374.)
Parcelas essas que se integram automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará (nº 3 do art. 44º).
Todavia, com vista a dispensar o particular da cedência de parcelas de terreno a integrar no domínio público municipal, estabelece-se no nº 4 deste art. 44º o ónus de pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie.
Ora, se nos termos do nº 3 do mesmo artigo é a emissão do alvará que desencadeia o efeito de integração das parcelas cedidas no domínio público municipal, não se vê que deva ser de forma diferente quando esteja em causa o pagamento da compensação ali também prevista, até porque tal compensação funcionará como condição para a autorização da operação de loteamento. (Cfr. neste sentido, Jorge Carvalho e Fernanda Paula Oliveira, Breve Reflexão sobre Taxas Urbanísticas em Portugal Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA), Coimbra, 1998, p. 30.)

5.3. De todo o modo, a sentença recorrida considerou que a desistência que a recorrente declarou perante a Câmara Municipal relativamente ao loteamento é irrelevante, não produzindo qualquer efeito, nomeadamente não provocando a eliminação do acto de licenciamento da ordem jurídica, pelo que, carecendo de relevância, dela não poderão advir quaisquer efeitos, nomeadamente, a pretendida devolução das taxas pagas.
Ao invés, no entendimento da recorrente, não obstante ser certo que a decisão final de deferimento do pedido de licenciamento se consubstancia na licença para a realização da operação urbanística (nos termos do art. 26º do RJUE), também não é menos certo que o requerimento (de desistência) que ela apresentou visa que tal decisão deixe de produzir os seus efeitos, por via da desistência do pedido nos termos do disposto no art. 110º do CPA, e que a operação de loteamento também não fica concluída com a emissão da licença que autoriza a operação urbanística, tanto mais que a mesma tem uma duração limitada ao período fixado para a execução das infra-estruturas, nos termos do disposto no art. 71º do RJUE. Pelo que, não é exacta a afirmação da sentença recorrida de que, com a decisão que autorizou o loteamento e que levou à emissão do respectivo alvará, o procedimento esteja concluído, uma vez que só no momento em que ocorrer a recepção definitiva a que alude o art. 87º do RJUE, é que o mesmo fica, efectivamente, concluído.
A recorrente carece, porém, de razão legal.
Com efeito, de acordo com o art. 26º do RJUE, a deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística, pelo que o acto final de licenciamento define, portanto, a situação do respectivo requerente e o alvará «… assume, assim, a natureza jurídica de acto integrativo da eficácia do acto de licenciamento por nada acrescentar à definição da situação jurídica do particular perante a possibilidade de realizar a operação urbanística, apenas permitindo desencadear a sua operatividade. De facto, o alvará permite que o acto de licenciamento produza os seus efeitos, não relevando para a definição de momentos intrínsecos do mesmo, aliados estes à noção de validade e não ao conceito de eficácia.
Trata-se, a licença, de um verdadeiro acto administrativo que "remove o limite legal ao exercício do "direito" de concretizar a operação urbanística" e que define as condições de exercício do mesmo ou, se preferirmos, aquele que confere ao promotor o direito a realizar a operação urbanística pretendida. No que se refere à classificação dos actos administrativos, a licença configura-se como um acto que desencadeia benefícios para terceiros, na medida em que se assume como de cariz favorável aos seus destinatários, podendo ainda ser considerada como uma autorização constitutiva de direitos, pela qual a Administração constitui direitos em favor dos particulares, em áreas que, salvo a prática deste acto administrativo, se lhes encontram vedadas por se considerar, em abstracto, que a sua atribuição lesaria o interesse público». (Fernanda Paula Oliveira, et al. ob. cit. p. 325/326.)
Como diz a sentença recorrida, com a emissão do alvará de loteamento, o Município colocou na disponibilidade da recorrente a possibilidade de aproveitamento do que vai implicado na respectiva operação urbanística, dessa forma se encontrando justificação para a cobrança das taxas que a impugnante pagou.
Daí que não possa aceitar-se a argumentação da recorrente, no sentido de que o requerimento (de desistência) por ela apresentado determina que tal acto administrativo (decisão final, nas palavras da recorrente) deixe de produzir os seus efeitos, por via da dita desistência do pedido, nos termos do disposto no art. 110º do CPA (nos termos do qual os interessados podem desistir do procedimento ou de alguns dos pedidos formulados, bom como renunciar aos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, salvo os casos previstos na lei) e que, por isso, aquele pedido terá provocado a eliminação do próprio acto de licenciamento da ordem jurídica.
Aliás, como igualmente refere a sentença, a desistência do procedimento administrativo pressupõe que o mesmo ainda decorre e não se encontra já extinto por outra causa, sendo que, no caso vertente, essa extinção se verificaria, precisamente, em face da decisão final de autorização da operação de loteamento e da emissão do respectivo alvará, nos termos que decorrem do art. 108º do CPA, carecendo, aliás, de relevância a referência ao art. 87º do RJUE (recepção provisória e definitiva das obras de urbanização), uma vez que o procedimento a que há-de referir-se aquela desistência só poderá ser o procedimento que levou à prática do acto de licenciamento e não à realização de obras de urbanização.

5.4. Acresce que nem mesmo à luz do disposto no também invocado art. 71º do RJUE (caducidade da licença para a realização de loteamento) se poderá arrimar a razão da recorrente.
Por um lado, a alegada desistência/renúncia do loteamento não se confunde com tal caducidade, instituto que, no caso, mais pretende garantir o interesse público dominante de que a operação urbanística seja efectivamente realizada, sendo que essa caducidade «não opera de forma automática, tendo, antes, de ser declarada no âmbito de um procedimento que garanta a audiência do interessado.
Por outro lado, e como salientam Fernanda Paula Oliveira e outros, (Ob. cit., pp. 546 e 547.) «… o legislador admite, como exercício de ponderação de interesses, que se excluam da declaração de caducidade os lotes para os quais tenha já sido aprovado um licenciamento ou apresentada uma comunicação prévia (pensamos que o legislador pretendeu aqui referir-se à admissão desta comunicação, porque só com esse momento se estabilizaram os efeitos jurídicos pretendidos inicialmente no âmbito do loteamento). Esta solução legal coloca, no entanto, a questão de apenas se poderem manter ou concretizar os lotes isolados relativamente aos quais tais requisitos estejam preenchidos, e não as parcelas comuns ou públicas a eles afectas o que pode levar à existência de verdadeiras ilhas urbanas no meio do nada. Nestes casos, pensamos que o município deveria poder declarar parcialmente a caducidade ressalvando as parcelas ligadas àquele lote, para assegurar uma sua funcionalidade urbana.»
E os mesmos autores ponderam igualmente:
«9. Outra questão que se coloca com acuidade prende-se com os efeitos da caducidade do acto de licenciamento ou admissão da comunicação prévia de loteamento, de modo a aferir-se qual o estatuto dos lotes cuja caducidade foi declarada.
Ora, pensamos, na esteira do Conselho Técnico dos Registos e Notariado (Proc. N° R.P. 18/98DSJ-CT) e de alguma, já sonante, jurisprudência administrativa (Acórdãos do STA de 31 de Janeiro de 2008, proferido no processo 0764/07 e de 28 de Novembro de 2007, proferido no processo 0766/07) que a caducidade não apaga a divisão fundiária subjacente, não operando a reversão dos lotes (agora parcelas, mas que mantêm a mesma descrição predial) para o prédio originário nem criando situações complexas de compropriedade. Operada a caducidade, deixa de ser possível, no entanto, a construção ao abrigo desse loteamento, ainda que o seja à luz das regras gerais aplicáveis, designadamente as previstas nos instrumentos de planeamento aplicáveis e no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
Concordamos com esta interpretação, no sentido de que mesmo ocorrendo caducidade do loteamento não há previsão legal para a restituição das parcelas de terreno cedidas para o domínio municipal.
Ora, nesta perspectiva, e como bem diz a sentença, a desistência operada pela recorrente perante a Câmara Municipal relativamente ao loteamento é irrelevante, não produzindo qualquer efeito nem provocando a eliminação do acto de licenciamento da ordem jurídica. Até porque a recorrente se mantém na posição jurídica que decorre da titularidade do alvará de loteamento, com os direitos inerentes (incluindo os de poder requerer novo licenciamento ou comunicação prévia, em que podem ser utilizados os elementos que instruíram o processo anterior (cfr. nº 2 do 72° do RJUE).

5.5. E carecendo tal desistência de relevância, também dela não poderão advir quaisquer efeitos, nomeadamente a pretendida devolução das taxas pagas, em especial da questionada taxa de compensação.
E não colhe, igualmente, a alegação (cfr. Conclusão 9ª das alegações de recurso) de que a restituição da taxa paga também se impõe face ao disposto no nº 4 do art. 117º do RJUE («A exigência, pela câmara municipal ou por qualquer dos seus membros, de mais valias não previstas na lei ou de quaisquer contrapartidas, compensações ou donativos confere ao titular da licença ou autorização para a realização de operação urbanística, quando dê cumprimento àquelas exigências, a direito de reaver as quantias indevidamente pagas (…)».
Na verdade, esse normativo pretende disciplinar a prática de «exigir outras contrapartidas pecuniárias, para além daquelas que directamente resultam da lei, em especial quando se está no âmbito de execução de instrumentos de planeamento». (Fernanda Paula Oliveira, et al. ob. cit. p. 723.)

5.6. Nas Conclusões 10ª a 16ª a recorrente alega, ainda:
Não tendo havido despesas efectuadas ou a efectuar pela recorrida, nem tendo a operação de loteamento determinado a necessidade da realização de infra-estruturas (não tendo a recorrente retirado, por isso, quaisquer benefícios da utilização de equipamentos públicos disponibilizados) então, a não restituição das quantias pagas a título de “taxa de compensação” configuram a sua transformação num verdadeiro imposto, uma vez que a taxa exigida ao dono do loteamento pressupõe a contrapartida por parte do Município de realização efectiva de obras de urbanização de valor igual ao montante da “taxa” cobrada, dado o carácter sinalagmático ou bilateral da taxa de urbanização, o que no caso não ocorreu.
A “taxa de compensação” em causa jamais poderá ser considerada como uma taxa administrativa, pois à prestação exigida ao particular, a pretexto (e não por causa) do requerimento de operação de loteamento a executar, não corresponde, por parte da autarquia, a uma prestação individualizaria de um serviço público, o acesso à utilização de bens do domínio público ou à remoção de um limite jurídico (limite ou obstáculo jurídico real levantado por razões de interesse público geral) à actividade dos particulares e sendo que, no caso, deixou de existir reciprocidade já que, com a desistência da operação de loteamento, a recorrente não recebeu nem receberá qualquer contrapartida económica proporcional da Câmara Municipal de Felgueiras apenas recebendo permissão para realizar a operação de loteamento.
A Lei 90/95, de 1/9 autorizou o Governo a “esclarecer que as taxas municipais por realização de infra-estruturas urbanísticas só são devidas quando resultem de efectiva prestação de serviço pelo município”, e que o nº 2 do art. 4º da LGT veio consagrar que a exigência de uma taxa tem que se fundamentar numa utilidade individual e directa que beneficie o particular, resultante de uma contraprestação concreta e simultânea por parte da entidade que cobra o tributo, apenas assim se verificando o nexo sinalagmático que é pressuposto da taxa.
Por isso, não correspondendo tal “taxa de compensação” à prestação de qualquer serviço pela Câmara Municipal do Felgueiras, está-se perante um verdadeiro imposto e não perante uma taxa e constituindo um imposto, é inconstitucional, por contrariar o disposto nos arts. 2º, 106º, nº 2 e 168º, nº 1, al. i) da CRP, actualmente, após a última revisão, arts. 103º, nºs. 2 e 3, e 165º, nº 1, da CRP.
Mas também esta alegação não pode proceder.
Desde logo porque como pondera a sentença recorrida, esta matéria (saber se o indeferimento da pretensão da recorrente de ver devolvida a taxa implica a transformação da mesma num imposto, ferindo-a de inconstitucionalidade) apenas releva em sede de discussão legalidade do acto de liquidação, entretanto consolidado por falta de impugnação tempestiva (nas palavras da sentença, «a questão da natureza da compensação em causa – taxa ou imposto – coloca-se num momento de análise logicamente anterior e que é o de saber se, relativamente à operação de loteamento concretamente licenciada, se justificava ou não a cobrança do tributo em causa e na medida em que o foi; e nomeadamente, o teste da proporcionalidade na perspectiva da sinalagmaticidade do tributo com vista à definição da respectiva natureza, deve realizar-se perante o licenciamento efectuado pela autarquia e os concretos termos do loteamento que dele foi objecto»).
Contudo, além disso, importa também considerar o seguinte:
● A taxa consubstancia-se numa prestação pecuniária e impositiva devida a uma entidade que exerça funções públicas em contrapartida de uma prestação dessa entidade, provocada ou utilizada pelo sujeito passivo e a prestação da entidade pública há-de consistir (na tipologia consagrada na LGT, na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) na prestação de um serviço público, na utilização privativa de bens do domínio público e na remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. (Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, Editora Encontro da escrita, 4ª ed. 2012, pp. 70/71, anotação 4 ao art. 3º.)
Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos», (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares», (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, pag. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular], (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. Relação sinalagmática essa que, como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n° 365/03, de 14/7/2003, «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado».
Ou seja, embora, por um lado, se venha acentuando que a taxa não pode ter só como pressuposto uma mera prestação administrativa sendo necessário que se dirija à compensação dessa prestação, estabelecendo-se uma relação comutativa entre a prestação e a taxa; e embora alguns autores entendam que a função compensatória das taxas se refere ao custo da prestação para a entidade pública ou ao benefício que esta acarreta para o devedor, elas também têm uma finalidade arrecadatória de receitas, intimamente associada à função compensatória, ou a outras finalidades, também, por outro lado, se acentua que, apesar de não dever ultrapassar-se um certo patamar quantitativo nem perder o sentido comutativo, a equivalência reconduz-se a uma equivalência jurídica (ver art. 4º do RTL) entre as prestações e não a uma equivalência económica, equivalência jurídica que deve, contudo, fundamentar-se numa relação entre o custo do serviço e o valor da prestação e é materialmente determinada segundo o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade. (Suzana Tavares da Silva, pp. 60/61, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, CEJUR, Outubro de 2008.)
● Ora, como acima se referiu, a compensação questionada nos autos tem, em princípio, a natureza de taxa, embora, para tanto, seja necessário que se possa afirmar a existência de proporcionalidade entre o que se cede e o que se recebe em troca, ( Neste sentido Casalta Nabais, A Fiscalidade do Urbanismo: Impostos e Taxas, pág. 55.) sendo que, no caso, é de registar que a impugnante, expressamente notificada pela Câmara Municipal para se pronunciar sobre a quantia liquidada a título de compensação, declarou concordar com o montante da mesma.

5.6. Diga-se finalmente que o indeferimento do pedido de restituição da referida quantia também não padece da invocada nulidade por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental e constitucional – o direito dos cidadãos ao não pagamento dos “impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas por lei.
Como se disse, à liquidação (stricto sensu) da taxa em questão não vem sequer imputada qualquer ilegalidade.
De todo o modo, sendo jurisprudência aceite a de que os actos tributários praticados com violação do princípio constitucional da legalidade são anuláveis (e não nulos), também é certo que podem definir-se os direitos fundamentais como sendo os que «conferem posições jurídicas subjectivas individuais e permanentes, com a finalidade principal de proteger a liberdade e a dignidade das pessoas». (Cfr. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pág. 87, citado no ac. deste STA, de 8/1/2006, rec. 0901/05.)
Ora, como aponta o cons. Jorge de Sousa, (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Áreas editora, vol. III, anotação 4 ao art. 204º, pp. 330/331.) embora a liquidação ilegal de qualquer imposto acarrete uma ofensa do direito de propriedade, que é um dos direitos fundamentais, «nem todas as liquidações ilegais se podem considerar feridas de nulidade, já que a lei expressamente prevê para elas a sanção da anulabilidade, como se depreende do facto de prever um prazo para a sua impugnação (art. 102° deste Código)» não sendo qualquer ofensa de um direito fundamental que a al. d) do nº 2 do art. 133° do CPA protege, mas apenas as ofensas do seu conteúdo essencial.
«Uma ofensa deste tipo só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários. Por outro lado, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os actos que representam mais graves violações dos direitos tributários
E como também refere António Francisco de Sousa (CPA anotado e comentado, anotação 27 ao art. 133º, pag. 379.) por um lado o conteúdo essencial nem sequer se confunde «com a ideia de ofensa chocante e grave», pois não se trata «de maior ou menor intensidade e gravidade da ofensa jurídica» e, por outro lado, até mesmo o direito instrumental só assume a natureza de direito fundamental se o direito dominante for dessa natureza: «Um direito instrumental, por exemplo o direito de audiência prévia, assume a natureza de direito fundamental quando o direito dominante seja um direito fundamental». (Cfr., ainda, o ac. do Tribunal Constitucional, n° 594/2008, de 10/12/2008 (2ª secção), proc. nº 1111/07.)

5.7. Em suma, o facto de a recorrente ter desistido da operação de loteamento não lhe confere direito à restituição da “taxa de compensação” que pagou quando da emissão do alvará de loteamento.
A sentença recorrida, assim tendo decidido, não sofre, portanto, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, não ocorrendo violação do disposto nas invocadas disposições do art. 68º do DL nº 445/91, de 20/11,do art. 4º, nº 2, da LGT, do art. 1°, nºs. 1, 2 e 3, do DL nº 256-A/77, de 17/6, dos arts. 124º e 125º do CPA, dos arts. 19º/b), 21º, 82º e 120º, al. c) do CPT, e dos arts. 2º, 106º, nº 2, 168º, nº 1, al. i) – actualmente, após a última revisão, arts. 103º, nºs. 2 e 3, e 165º da CRP.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Junho de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.