Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0103/20.5BALSB
Data do Acordão:01/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
CITAÇÃO
ACTO
EFEITO DURADOURO
Sumário:A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).
Nº Convencional:JSTA000P27061
Nº do Documento:SAP202101200103/20
Data de Entrada:09/26/2020
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Recorrido 1:A……………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 829/2019-T

1. RELATÓRIO

1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 31 de Agosto de 2020 no processo n.º 829/2019-T ( Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=4922.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 29 de Outubro de 2019, no processo n.º 421/2019-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=419&id=4356.).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «

A.
O Acórdão arbitral recorrido (829/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral julgar “julgar TOTALMENTE PROCEDENTE o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte: a) Anular o acto impugnado, por ser manifestamente ilegal, sendo o mesmo substituído por outro nos termos da lei;(…)
B.
E sustenta o referido acórdão arbitral que
No que respeita à questão de fundo, é conhecido o facto de existirem decisões do CAAD em sentido manifestamente divergente. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. Por conseguinte, na questão de fundo, vamos aderir aos argumentos expostos na Decisão Arbitral de 09 de Março de 2020, proferida no processo n.º 704/2019-T (que acompanhou o entendimento de outras Decisões Arbitrais, como a Decisão de 06 de Abril de 2018, proferida no processo n.º 510/2017-T, e a Decisão Arbitral de 12 de Outubro de 2016, proferida no processo n.º 107/2016-T), apesar da mesma estar em discussão no recurso em curso no STA, já identificado.
Para facilidade de referência, transcrevemos o teor da Decisão Arbitral de 09 de Março de 2020, proferida no processo nº 704/2019-T (atendendo à semelhança da situação de facto), à qual aderimos totalmente, sem reservas (…)
Ora, perante várias decisões arbitrais adoptadas no CAAD e indicadas pelas partes, em dois sentidos opostos, não podemos deixar de anotar, desde já, que, ao caso presente e face a esta orientação da LBAFD, se configura mais assertiva v.g. a decisão adoptada no Processo 540/2017-T, incluindo por força do princípio da legalidade (artigo 106.º-2 da CRP) e dos princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra.
Do que se expõe, resultará que este TAS não consegue aderir ao decidido na douta decisão arbitral CAAD n.º 421/2019-T, citada pela AT nas alegações, desde logo porque não é possível subscrever a afirmação de que é desportista (para efeitos de integração na actividade “1323- Desportistas” da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS) aquele que se dedica a uma actividade desportiva, por ir contra lei expressa (n.º 1 do artigo 48.º da LBAFD), porquanto é o conceito amplo de “agente desportivo” que surge associado à noção de “actividade desportiva” em sentido amplo e não o conceito de “desportista”, querendo significar os “atletas” na expressão do código “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.”.
Resultará, como atrás se referiu, que a designação da actividade com o código “1323-Desportistas” da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, tendo em conta as actividades que integram o código “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.” poderá abranger os “desportistas independentes”, ou seja, os “atletas” que exerçam actividade de forma independente, mas não abrangerá os “árbitros”, muito embora sejam “agentes desportivos” que intervêm directamente na realização de actividades desportivas, porque apenas desempenham, na competição, funções de decisão, consulta ou fiscalização, visando o cumprimento das regras técnicas da respectiva modalidade. É esta a leitura que se compaginará com o n.º 1 do artigo 34.º e com o n.º 1 do artigo 38.º, ambos da LBAFD.
Quanto aos árbitros de futebol e quanto aos rendimentos auferidos no âmbito da qualidade de um tipo específico de agente desportivo, de forma independente, restará uma de duas hipóteses (1) ou considerá-los para efeitos de codificação, no início de actividade, apenas com o “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.” (2) ou considerá-los com o “CAE 93 192 - Outras actividades desportivas N.E” e simultaneamente com o código “1519 – Outros prestadores de serviços” segundo a tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS.
(…)
Mesmo que não fosse como acima se refere, sempre seria de aplicar o que se decidiu no Processo CAAD n.º 510/2017-T, a que se adere, por se tratar de um caso em tudo similar.
(…)
Ora não vemos, que, no sentido referido, as actividades em causa tenham inequívoca e clara constância e previsão, na referida tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS, ainda que sejam, ou não, relacionadas com qualquer actividade desportiva, pois, quer uma quer outra, não são, notoriamente, elas próprias actividades desportivas, sem mais.
NESSA MEDIDA E RAZÃO temos que concordar, como se disse, com a decisão referida, quando refere que (...) partindo do elemento literal, o resultado da interpretação parece-nos unívoco — o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151º. Não se vê, portanto, como é possível incluir nesse âmbito rendimentos provenientes de actividades que não sejam actividades profissionais especificamente constantes da tabela a que se refere o artigo 151º.
(…)
Acompanhamos ainda a mesma Decisão Arbitral no que respeita à interpretação das diversas normas do CIRS, no sentido do NÃO enquadramento da actividade de árbitro no disposto na actividade de “Desportistas” (Código 1323) da Tabela de Actividades Exercidas pelos Sujeitos Passivos de IRS, prevista pela Portaria 1011/2001 de 21 de Agosto.
Conforme referem e bem as referidas Decisões Arbitrais, temos de encontrar a definição de “Desportistas” fora da lei fiscal, designadamente na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, (Lei n.º 5/2007 de 16 de Janeiro de 2007 (doravante, LBAFD)), que distingue na Secção II o que define como “Agentes Desportivos”(…)
(…)
Em conclusão, é entendimento deste Tribunal que a actividade de Árbitro de futsal não se enquadra na noção de “Desportistas” prevista no código 1323 da Tabela da Portaria 1011/2001 de 21 de Agosto — para a qual remete o artigo 151.º e o artigo 31.º al. (b) do Código do IRS — o que determina que o coeficiente correctamente aplicável na situação em causa nos autos é o coeficiente de 0,35 previsto no artigo 31.º n.º 1 al. (c) do Código do IRS, e não o coeficiente de 0,75 que nos termos da lei é aplicável exclusivamente “aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, o que claramente não é o caso dos rendimentos obtidos por sujeitos passivos enquadrados com o CAE 93 192 (Outras actividades desportivas N.E.), como é claramente o caso da Requerente”.
C.
Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 421/2019-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
Nos termos do artigo 11.º, n.º 1 da LGT, “[a] determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. “ Por seu lado, o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, dispõe que “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
D.
Concluindo o Acórdão fundamento que:
Nesta sede, a aplicação do coeficiente de 0,75 a atletas e árbitros significa que nos mesmos se reconhece uma dedução automática de 25%. A mesma afigura-se inteiramente razoável, na medida em que uns e outros podem normalmente ser chamados a suportar algumas despesas para poderem exercer a sua actividade e obter os correspondentes rendimentos. Se fosse aplicável aos árbitros o coeficiente de 0,35 – diferentemente do que sucede com os praticantes desportivos propriamente ditos –, isso significaria, na prática, o reconhecimento de um direito de dedução automática de despesas no valor de 65% do rendimento auferido, o que se afigura manifestamente desigual, desproporcional e destituído de fundamento racional e material bastante. Uma tal diferenciação de tratamento, aplicando a praticantes desportivos um coeficiente de 0,75 e a árbitros o de 0,35 representaria uma diferenciação dificilmente compatível com a justiça do sistema fiscal, porque violadora dos princípios da capacidade contributiva e proibição do arbítrio, que são subprincípios do princípio da igualdade fiscal. Em face do exposto, deve aplicar-se no caso concreto o CAE 1323 “Desportistas” - da Tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS, aplicando-se à actividade de árbitro de futsal o coeficiente 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, na redacção vigente à data dos factos”.
E.
Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o conceito “Desportistas”, com o CAE 1323, do Anexo I do CIRS, Tabela de actividades do artigo 151.º, deve ser interpretado e aplicado de forma a abarcar a actividade de árbitro de futsal/futebol.
F.
No mesmo sentido do Acórdão fundamento, o Tribunal Arbitral pronunciou-se nos processos n.ºs 750/2019-T, 841/2019-T, 863/2019-T e 886/2019-T.
G.
Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
H.
As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
I.
Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
J.
Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta o significado e alcance conotativo e denotativo do conceito “Desportistas”, a que corresponde o CAE 1323.
L.
As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adoptaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
M.
Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente».

1.3 A Recorrida contra-alegou, defendendo o bem fundado da decisão recorrida.

1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no qual, após enunciar os requisitos da admissibilidade do recurso e concluir pela sua verificação, entendeu dever ser concedido provimento ao recurso, pelos fundamentos constantes da decisão fundamento, e, consequentemente, ser uniformizada a jurisprudência no sentido de que «A designação da actividade com o código 1323-Desportistas da tabela anexa ao artigo 151.º, do CIRS, tendo em conta as actividades que integram o código “CAE 93192-Outras actividades desportivas N. E., abrange os “árbitros”, uma vez que são “agentes desportivos” que intervêm directamente na realização de actividades desportivas, aplicando-se, consequentemente, à actividade de árbitro de futsal o coeficiente 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do CIRS».

1.5 Entretanto, veio a Recorrida requerer que o presente recurso seja julgado «supervenientemente inútil», alegando que a decisão arbitral invocada como fundamento foi, ela mesma, objecto de recurso de uniformização de jurisprudência (processo n.º 92/19.9BALSB deste Supremo Tribunal), no qual foi proferida decisão favorável ao sujeito passivo e uniformizadora, no sentido de que «não constando a actividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS».

1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: primeiro, os requisitos processuais e, depois, os requisitos substanciais. Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].
Haverá, antes do mais, que apreciar a questão, suscitada pela Recorrida, de saber se a decisão arbitral invocada pela Recorrente foi anulada e, na afirmativa, se essa anulação se repercute sobre o presente recurso e como; questão esta que, aliás, é do conhecimento oficioso.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante das decisões recorrida e fundamento.

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, há que ter em conta o seguinte circunstancialismo processual:

a) a decisão proferida no processo arbitral com o n.º 421/2019-T foi objecto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, instaurado em 3 de Dezembro de 2019, dando origem ao processo com o n.º 92/19.9BALSB (cf. consulta do SITAF);

b) nesse processo n.º 92/19.9BALSB, a AT foi notificada do despacho que admitiu o recurso em 24 de Janeiro de 2020 (cf. consulta do SITAF);

c) nesse mesmo processo, a AT apresentou contra-alegações em 19 de Fevereiro de 2020 (cf. consulta do SITAF);

d) ainda nesse processo, foi proferido acórdão pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 9 de Dezembro de 2020 (cf. consulta do SITAF);

e) esse acórdão anulou a decisão arbitral aí recorrida e uniformizou jurisprudência no sentido de que «não constando a actividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS » (cf. consulta do SITAF);

f) o presente recurso foi apresentado em 26 de Setembro de 2020 (cf. SITAF).


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que diz: «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «[a]o recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:
i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);
ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);
iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].
Vejamos se estão reunidos os requisitos da admissibilidade do recurso pois, não se suscitando dúvidas quanto aos requisitos processuais (legitimidade da Recorrente, tempestividade do recurso e previsão legal do mesmo), é de averiguar de imediato dos requisitos substanciais, acima enumerados. Começaremos pelos que, preliminarmente, se nos afiguram não verificados, quais sejam os supra enunciados sob as alíneas iii) e iv), i.e., os de que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e de que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado.

2.2.1.2 Quanto ao trânsito em julgado da decisão arbitral invocada como fundamento, proferida no processo n.º 421/2019-T, logo ressalta que não está verificado esse requisito pois essa decisão foi objecto de recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, dando origem ao processo n.º 92/19.9BALSB, e foi mesmo anulada por acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, proferido em 9 de Dezembro de 2020. Ou seja, a decisão fundamento não estava transitada à data em que foi apresentado o recurso.
Aliás, não podemos deixar de registar a nossa estranheza e desagrado pelo facto de a Recorrente ter omitido no presente processo i) que tinha sido interposto recurso da decisão arbitral apresentada como fundamento, facto que não podia ignorar pois, à data em que apresentou o presente recurso, não só tinha já sido notificada da interposição do recurso dessa decisão arbitral, como até tinha já apresentado contra-alegações nesse recurso (Aliás, verificamos até que as funcionárias da AT que subscrevem o presente recurso são precisamente as mesmas que assinaram as contra-alegações no processo n.º 92/19.9BALSB, embora tal facto nem sequer seja decisivo, pois decisivo para o efeito é que a ora Recorrente era a Recorrida no referido processo, nunca podendo servir de causa desculpante do incumprimento do dever de boa-fé processual o facto de não serem os mesmos os funcionários a quem aí incumbia a representação da AT.), e ii) que essa decisão arbitral foi anulada.
Apenas se não condena a Recorrente como litigante de má-fé, nos termos do disposto no arts. 8.º e 542.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPC, e do art. 8.º, do CPTA, por esta nunca ter afirmado expressamente que o acórdão fundamento transitou em julgado e, em abstracto, ser admissível que as referidas omissões resultem de uma deficiente interpretação jurídica, designadamente quanto aos requisitos da admissibilidade do recurso.
Em todo o caso, regista-se o incumprimento do dever de boa-fé processual.
Seja como for, a circunstância de a decisão arbitral apresentada como fundamento do presente recurso não ter transitado em julgado – e, até, ter sido anulada – significa que falta um dos pressupostos do admissibilidade do recurso, previsto no art. 688.º, n.º 2, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT, a determinar, por si só, que não se tome conhecimento do recurso, como decidiremos a final ( Neste sentido, por mais recente, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 30 de Setembro de 2020, proferido no processo com o n.º 16/20.0BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d6124049db68c3e8802585ff00597bf3.).

2.2.1.3 Mas não é só esse motivo que determina o não conhecimento do recurso.
A decisão recorrida também perfilha orientação que está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, motivo que também afasta a admissibilidade do recurso, nos termos do art. 152.º, n.º 3, do CPTA ( Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, «a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas subsecções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente» (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina, pág. 1010).), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT. Vejamos:
No sentido da decisão recorrida pronunciou-se, com um único voto discordante, o recente acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 9 de Dezembro de 2020 no processo n.º 92/19.9BALSB ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/37a1c71866b4fb998025863f003ebc8f.) e que uniformizou jurisprudência no sentido de que «não constando a actividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS».
Assim, temos que a decisão recorrida adoptou entendimento que integra o conceito indeterminado de jurisprudência mais recentemente consolidada previsto no n.º 3 do art. 152.º do CPTA, tal como o mesmo tem vindo a ser preenchido por este Supremo Tribunal ( Vide, por todos, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo com o n.º 932/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692,
no qual ficou dito que «a jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17.º, n.º 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção».), o que também justifica, por si só, que não se tome conhecimento do recurso, como também decidiremos a final.


*

2.2.2 CONCLUSÕES

Pelo que deixámos dito, o recurso não pode ser admitido e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral por oposição com outra decisão (cf. o n.º 2 do art. 25.º RJAT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro) pressupõe, para além do mais, que a decisão arbitral invocada como fundamento tenha transitado em julgado (cf. art. 688.º, n.º 2, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT) e que a decisão recorrida não perfilhe orientação de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - Não se verificando essas duas condições, ainda estejam verificados os demais requisitos da admissibilidade do recurso, este não deve ser conhecido.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do recurso.


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Custas pela Recorrente.

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Comunique-se ao CAAD.

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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

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Lisboa, 20 de Janeiro de 2021. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.