Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02669/15.2BEPRT 0809/17
Data do Acordão:10/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
PRAZO
Sumário:I - Na vigência da Lei n.º 60-A/05, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o prazo para deduzir reclamação graciosa contra um acto de liquidação de IRS era de 120 dias (artigos 140.º n.º 1 do CIRS e 70º n.º 1 do CPPT), contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (artigo 140.º n.º 4, alínea a) do CIRS)
II - Este prazo de 30 dias a que alude o artº 140 nº 4, al. a) do CIRS refere-se ao termo inicial da contagem do prazo de reclamação graciosa.
Nº Convencional:JSTA000P25097
Nº do Documento:SA22019103002669/15
Data de Entrada:07/05/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…………, melhor identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação de IRS Nº 2013 5005550433, do ano de 2011, no montante de € 18.358,37 acrescida de juros compensatórios.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) DA QUESTÃO PRÉVIA (do efeito atribuído ao recurso interposto)
I - Por requerimento enviado a juízo, através do sistema de informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em 03/04/2017, o Recorrente interpôs Recurso, a subir imediatamente e com efeito suspensivo, dada a garantia prestada nos autos de execução.
II - O despacho de fls. … dos autos, admitiu o recurso, com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
III - Ao atribuir efeito devolutivo ao recurso, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não levou em devida consideração a circunstância de o Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal entretanto instaurado e relativo à liquidação de IRS em causa nos autos, ter dado início ao procedimento previsto no art. 169º, nºs 2 e 3, do CPPT, na sequência do qual prestou garantia hipotecária, aceite pela Senhora Chefe do Serviço de Finanças titular, conforme resulta do requerimento, despacho e certidão predial juntos aos autos por requerimento enviado a juízo, através do sistema de informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em 19/11/2015.
IV - Na verdade, nos termos do nº 2, do art. 286º do CPPT “Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos”, (sublinhado nosso).
V - Assim, e uma vez que, conforme supra alegado e demonstrado nos autos, a dívida a que se reporta o processo em que é interposto o presente recurso está garantida, o efeito deste, contrariamente ao decidido no despacho de admissão do recurso, não poderá deixar de ser suspensivo, como prescreve a citada disposição legal.
VI - Ao decidir-se por atribuir efeito devolutivo ao presente recurso, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não considerou a garantia hipotecária prestada nos autos, violando, assim, o que dispõe o nº 2, do art. 286º do CPPT.
VII - Assim, requer-se a V. Exas. se dignem corrigir o efeito atribuído ao recurso pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conferindo-lhe efeito suspensivo.
B) DO RECURSO
VIII - O presente recurso tem por objecto a Sentença que decidiu julgar improcedente a impugnação deduzida pelo ora Recorrente, fundamentando a Meritíssima Juiz a quo esta sua decisão na alegada - que não se concede – extemporaneidade da reclamação graciosa por aquele apresentada, nos seguintes termos “Ora, uma vez que, como se disse, a reclamação graciosa foi apresentada extemporaneamente, tendo assim sido considerado pela administração fiscal, o acto tributário cristalizou-se na ordem jurídica, não podendo, pois, ser atacado por via desta impugnação”.
IX - O Recorrente, inconformado com a douta decisão proferida, vem apresentar o presente recurso, porquanto, salvo o devido e ponderado respeito, aquela Sentença não faz uma adequada aplicação do Direito.
X - Com efeito, e salvo melhor opinião, deve a Sentença de que ora se recorre ser revogada pelas razões que infra se exporão.
ISTO POSTO,
XI - O ora Recorrente foi sujeito de uma acção inspectiva, levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária I, da Direcção de Finanças do Porto, decorrente do determinado pela Ordem de Serviço Externa nº OI201302890, de 15/05/2013 (Código de Actividade 11222210221).
XII - Tal acção inspectiva foi espoletada por o Recorrente, alegadamente, o que não se concede, ter recebido através de um Terminal de Pagamento Automático com o nº 380069, o montante total de 60.148,70 €, não sendo esse valor compatível com os valores por si declarados, no ano de 2011, a título de IRS.
XIII - Através do Ofício nº 68707/0504, de 29/10/2013, foi o Recorrente, por aqueles Serviços, notificado do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, onde se concluiu que, “Com base nos cálculos e fundamentos apresentados nos Capítulos III a V do presente relatório, estima-se que o valor do lucro tributável, para efeitos de IRS, do contribuinte em causa, para o ano de 2011, seja de 53.956,55 €, o que representa um acréscimo de 47.096,55 € face ao valor originalmente declarado (6.860,00 €)”, tendo-lhe sido, então e ali, fixado o prazo de 15 dias para exercer o correspondente direito de audição, ofício este que consta do processo da fase administrativa já junto aos autos.
XIV - Em 18/11/2013, o Recorrente exerceu o seu direito de audição cujos fundamentos não foram atendidos, motivo pelo qual foi mantida a decisão, (cfr. expediente constante do processo na fase administrativa).
XV - Em consequência, o Serviço de Finanças de Vila do Conde emitiu demonstração de liquidação adicional nº 2013 5005550433, com o número de compensação 2013 00016540339, relativa a Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) do exercício de 2011, em correspondência com a decisão proferida, da qual resulta o imposto a pagar, no valor de 15.672,98 €, mais sobretaxa extraordinária no valor de 1.650,83 €, e juros compensatórios no valor de 1.034,56 €, o que perfaz o montante de 18.358,37 €, que notificou ao Recorrente, cfr. docs. nºs 1 a 3 juntos com o articulado de reclamação graciosa apresentado junto da Direcção de Finanças do Porto e que consta dos presentes autos.
XVI - Foi, também, o Recorrente notificado para proceder ao pagamento do referido montante até 27/01/2014, (cfr. doc. nº 3 junto com o mencionado articulado).
NA SEQUÊNCIA,
XVII - Em 27/05/2014, o Recorrente apresentou junto do Serviço de Finanças de Vila do Conde articulado de reclamação graciosa dos actos tributários em causa, (cfr. fls. 2 da reclamação graciosa apensa aos autos).
ENTRETANTO,
XVIII - Por despacho proferido em 28/05/2015, veio a Administração Tributária notificar o Recorrente do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa em apreço gizado em dois aspectos: a) na alegada intempestividade da reclamação graciosa apresentada; b) no alegado facto de as alegações pelo Recorrente aduzidas na reclamação graciosa serem as mesmas que foram apresentadas em sede de direito de audição aquando da notificação do projecto de relatório e, por isso, já terem sido apreciadas pela AT, remetendo, assim, a decisão de mérito para o teor do relatório final que deu por reproduzido por razões de economia processual, (cfr. reclamação graciosa apensa aos autos).
XIX - Foi igualmente o Recorrente notificado para exercer o seu direito de audição prévia, nos termos do art. 60º da LGT, (cfr. idem).
XX - Em 16/06/2015, o Recorrente deu entrada de requerimento através do qual exerceu tal direito de audição prévia, no qual pugnou quer pela tempestividade do seu articulado de reclamação graciosa, quer pela circunstância de a falta de apreciação da questão substantiva e de mérito consubstanciar vícios que afectam a legalidade da decisão a proferir, (cfr. requerimento de exercício de audição prévia constante do expediente da reclamação graciosa junta aos autos).
CONTUDO,
XXI - Por despacho proferido em 07/08/2015, a Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto proferiu decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Recorrente, com fundamento na sua alegada, que não se concede, intempestividade e sem se pronunciar acerca da outra questão suscitada pelo Recorrente no seu requerimento de exercício do direito de audição prévia, (cfr. fls. 62 a 65 da reclamação graciosa apensa).
XXII - Inconformado com tal decisão, o Recorrente deduziu, em 09/11/2015, a impugnação judicial cuja decisão ora se encontra sob recurso.
XXIII - Na douta Sentença sob recurso, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, dando razão à forma de contagem de prazo preconizada pela Fazenda Pública, decidiu-se pela intempestividade da reclamação graciosa deduzida pelo Recorrente, julgando, em consequência, a impugnação apresentada improcedente, não apreciando a questão substantiva e de mérito por ele suscitada.
XXIV - Entende, pois, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que o prazo de 120 dias, previsto no art. 70º do CPPT, para deduzir reclamação graciosa, se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação, estribando-se no previsto no art. 140º, nº 4, al. a) do CPPT.
ORA,
XXV - Data maxima venia, e s.m.o., não assiste razão à Meritíssima Juiz do Tribunal a quo na aplicação das normas de Direito de contagem do prazo que faz ao caso em apreço.
NA VERDADE,
XXVI - O prazo para a apresentação da reclamação graciosa não é contado como se decidiu na douta Sentença sob recurso, atenta a circunstância de ao Recorrente ter sido fixada uma data limite para pagamento voluntário do imposto no Acto Tributário de Demonstração de Acerto de Contas, ou Documento de Cobrança, (cfr. doc. nº 3 junto com o articulado de reclamação graciosa apensa aos presentes autos).
ASSIM,
XXVII - Nos termos do art. 70º, nº 1 do CPPT “A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no nº 1 do artigo 102º”.
XVIII - Dispondo a al. a), do nº 1, do art. 102º do CPPT, “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.
PELO EXPOSTO,
XXIX - O prazo de 120 dias conta-se desde a data limite de pagamento voluntário que foi fixado pela AT e não desde a data em que foi notificado ao sujeito passivo o acto tributário de Demonstração de IRS – e isto, precisamente, porque foi fixado um prazo para o pagamento voluntário.
DESTA FEITA,
XXX - Tendo sido fixado ao sujeito passivo o dia 27/01/2014 como data limite de pagamento da prestação tributária apurada, (cfr. doc. nº 3 junto com o articulado de reclamação graciosa anexa aos autos), o prazo para deduzir a reclamação graciosa começou a contar-se no dia 28/01/2014, de acordo com o prescreve a al. b), do art. 279º do C.C., verificando-se o seu terminus, exactamente, no dia 27/05/2014, data em que a reclamação graciosa deu entrada no Serviço de Finanças de Vila do Conde, como é reconhecido pela AT e consta dos factos dados como provados na douta Sentença sob recurso.
XXXI - A AT e a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo teriam razão, na aplicação que fazem do Direito, se a ATA apenas tivesse notificado o Recorrente do Acto Tributário da Demonstração da Liquidação e Juros – pois que, nesse caso, o contribuinte teria o prazo de 30 dias, desde a data da recepção dos actos tributários, para efectuar o pagamento, começando, aí sim, a contar a partir do 31º dia o prazo de 120 dias para deduzir a Reclamação Graciosa.
XXXII - No entanto, e como no caso em apreço a AT fixou um prazo para pagamento voluntário – o que consubstancia uma especificidade, um caso especial -, o prazo de interposição da Reclamação Graciosa conta-se de acordo com a conjugação dos arts. 70º e 102º, nº 1, al. a) do CPPT, como acima se demonstrou, porquanto é este enquadramento legal que melhor responde àquela especialidade.
PELO EXPOSTO,
XXXIII - Constata-se que a Reclamação Graciosa deduzida pelo Recorrente foi interposta tempestivamente, inexistindo qualquer fundamento para o seu indeferimento, com base na sua extemporaneidade, e, em consequência, para a improcedência da impugnação judicial apresentada, como julgou erradamente a Sentença sob recurso.
DESTARTE,
XXXIV - Deverá a Sentença recorrida ser revogada e determinada a sua substituição por decisão que revogue a decisão da reclamação graciosa e condenação da AT a decidir de mérito.
SEM PRESCINDIR, e para o caso de assim não ser entendido, o que só por mera hipótese académica e dever de prudente patrocínio se concede e concebe,
XXXV - A verdade é que foi a própria Administração Tributária quem induziu o Recorrente a proceder à contagem do prazo para dedução da reclamação graciosa da forma como o fez e acima melhor explanada
NA VERDADE,
XXXVI - No documento que titula a demonstração de liquidação do IRS emitido pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde, (cfr. fls. 85 a 87 do processo físico), consta, no cumprimento do prescreve o art. 36º, nº 2 do CPPT, que “Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140º do CIRS e 70º e 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)”, (negrito e sublinhado nosso).
ORA,
XXXVII - Quanto a esta matéria prescrevia o art. 140º, nº 4, al. a) do CIRS que vigorava à data da dedução da reclamação graciosa em causa, e sob a epígrafe “Reclamações e impugnações” que “Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes: a) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação”.
XXXVIII - Por sua vez, o art. 70º, nº 1 do CPPT estipula que “A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no nº 1 do artigo 102º”.
XXXIX - Por fim, o art. 102º, nº 1, al. a) do CPPT prevê que “1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.
ASSIM,
XL - E atendendo à referida forma de como a Administração Tributária notificou o acto ao Recorrente, mormente no que concerne aos termos e prazos para reagir face à decisão proferida, é perfeitamente defensável a interpretação que o Recorrente fez acerca da contagem do prazo.
XLI - Ou seja, precisamente porque lhe foi fixado um prazo para pagamento voluntário do imposto – o que constitui, como se disse, uma especialidade -, é que o prazo de 120 dias para deduzir reclamação graciosa se conta desde a data limite de pagamento voluntário que foi fixada pela AT, de acordo com o que prescreve o art. 102º, nº 1 al. a) do CPPT.
XLII - Caso, ao invés e repete-se, ao Recorrente apenas tivesse sido notificado o Acto Tributário da Demonstração da Liquidação e Juros é que o prazo de 120 dias para deduzir reclamação graciosa se contaria a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.
XLIII - Acresce que, a circunstância de a demonstração de liquidação e o acerto de contas onde consta a data limite de pagamento do valor a pagar serem documentos autónomos, mais inculcou no Recorrente a especialidade de regime de contagem de prazo quando a AT fixa uma data limite para pagamento.
DESTA FORMA,
XLIV - Foi a própria AT, ao notificar o Recorrente nos termos em que o fez – isto é, ao incluir expressamente na notificação em causa a referência ao art. 102º do CPPT e ao comunicar-lhe em documento autónomo uma data limite para pagamento do tributo -, que o levou à interpretação acima referida.
XLV - Refere a douta Sentença sob recurso que: “E não se diga que o facto de ter sido mencionado o art. 102º do CPPT, na notificação da liquidação poderia ter induzido o impugnante em erro.
É que, uma vez notificado da liquidação, poderia o impugnante recorrer ao procedimento de reclamação graciosa, no prazo previsto no art. 70º, ou impugnar directamente o acto tributário em questão, para o que lançaria mão do prazo previsto no art. 102º, nº 1, al. a), do CPPT, pelo que faz sentido que ambos os preceitos sejam mencionados na notificação.
E por isso a notificação refere que o impugnante “poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 140º do CIRS e 70º a 102º do CPPT”.”.
XLVI - Não pode, de forma alguma, ser acolhido o entendimento assim vertido na douta Sentença recorrida.
XLVII - Aliás, a conclusão a retirar das proposições – a existência de dois meios de reacção:
reclamação graciosa e impugnação judicial - é, exacta e diametralmente, a oposta.
XLVIII - Atentando no que refere o art. 36º, nº 2 do CPPT – que estipula o dever da AT de informar o contribuinte dos “… meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado…” -, existindo dois meios de reacção contra o acto notificado ao Recorrente, tal dever de informação apenas seria plenamente cumprido se da notificação da AT constasse separada e inequivocamente as disposições legais e mencionados os prazos aplicáveis a cada um deles, a fim de evitar escolhos e dúvidas interpretativas, ao invés da forma como a notificação foi feita ao Recorrente.
XLIX - Ou seja, existindo mais de um meio de reacção, recai sobre a AT um dever acrescido de cuidado e prudência na forma como informa/comunica ao cidadão/contribuinte os seus direitos - tanto mais atenta a gravidade da agressão e consequências, designadamente patrimoniais, que sobre ele possam recair -, de forma a que aquele os possa apreender de forma clara e sem dúvidas, usando como bitola o homem medianamente diligente.
L - Assim, demonstrado fica o erro de raciocínio contido na douta decisão recorrida dirigido a legitimar a actuação da AT.
LI - Para o caso vertente, deveria a AT, na notificação que dirigiu ao Recorrente, ter informado inequívoca e separadamente os meios de reacção contra o acto em causa, referindo, relativamente a cada um deles, as disposições aplicáveis e mencionar os prazos em concreto.
LII - Contudo, e como decorre da análise dos documentos/notificações em crise, tal não ocorreu no caso concreto, criando, assim, a possibilidade de existirem interpretações díspares acerca de uma questão tão essencial como o prazo para um contribuinte reagir contra a afectação de um seu direito.
ORA,
LIII - Sendo a própria AT, como se demonstrou, a responsável pela dualidade interpretativa dos normativos em causa, não pode agora aproveitar-se do seu próprio erro e ineficiência para denegar ao contribuinte – o aqui Recorrente - o seu legítimo direito de acesso à justiça tributária e a ver a questão de mérito ser apreciada e decidida, nem pode tal comportamento ser legitimado pelas instâncias judiciais chamadas a apreciar os actos daquela.
LIV - E tanto são justificadas as enunciadas dúvidas interpretativas que, a questão da contagem deste prazo em particular já foi discutida pelas instâncias judiciais, como o ilustram os vários acórdãos citados na Contestação deduzida pela Fazenda Pública e na douta Sentença recorrida.
LV - E certamente por causa de tal dificuldade interpretativa, a Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro – orientada para a simplificação – alterou o art. 140º do CIRS eliminando o seu nº 4 acima transcrito.
LVI - Tal significa, na prática, uma contagem do prazo para deduzir reclamação graciosa nos termos preconizados pelo Recorrente: o que mais sustenta a posição por si sempre mantida ao longo de todo o processo.
DESTARTE,
LVII - Atendendo a que a interpretação do Recorrente relativamente à forma da contagem do prazo aqui em causa decorre de erro e ineficiência imputável à própria AT, e que um cidadão não pode ser penalizado por erros imputáveis à própria Administração, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a reclamação graciosa deduzida pelo Recorrente o foi em prazo e tempestivamente.
PARA ESTE SENTIDO,
LVIII - Concorre, igualmente, o princípio pro actione (ou princípio do favorecimento do processo) com que, actualmente, se encontra estruturado o CPTA, aplicável ao processo judicial tributário, que procura conferir uma eficaz, efectiva e estável tutela jurisdicional dos interesses do cidadão/lesado.
LIX - Prescreve o art. 7º do citado diploma, sob a epígrafe “Promoção do acesso à justiça”, que “Para a efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
LX - Tal disposição é a concretização dos comandos constitucionais consagrados no art. 268º, nº 4 (princípio da tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos perante a Administração Pública) e 20º (acesso efectivo ao direito e aos tribunais), ambos da CRP.
ASSIM,
LXI - Como um dos corolários do princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio pro actione aponta para uma “interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo” (VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2ª Edição, Almedina, 2012, pág. 440).
LXII - O princípio pro actione privilegia, assim e sempre que possível, o conhecimento da questão de fundo – a análise das pretensões materiais e substanciais dos particulares – em detrimento de questões formais ou de dificuldades interpretativas.
LXIII - Nessa esteira, o art. 58º, nº 3 do CPTA introduz um mecanismo de flexibilização da “lógica da irremediabilidade dos prazos” ao consagrar a possibilidade de alargamento do prazo de impugnação, designadamente e no que interessa para o caso vertente para o qual tem aplicabilidade à reclamação graciosa, “quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro”, (art. 58º, nº 3, al. b) CPTA).
ATENTO O EXPOSTO,
LXIV - Verifica-se que, no caso concreto, atenta a actuação da AT, designadamente a forma imperfeita como cumpriu o seu dever de informação acerca dos meios que o Recorrente tinha ao seu dispor para reagir contra o acto proferido – abrindo, assim, porta a várias interpretações plausíveis -, foi este por aquela orientado/induzido para uma solução de direito de contagem do prazo cujo raciocínio interpretativo é correcto e aceitável, mas que se verificou, a posteriori e com o andamento de todo o processo, não ser a única possível.
LXV - A interpretação pelo Recorrente feita da notificação que lhe foi dirigida foi induzida pela conduta relapsa da AT.
LXVI - A um cidadão normalmente diligente não seria exigível outro comportamento, o que é atestado pelas dificuldades interpretativas que esta questão já suscitou (entretanto, apreciadas jurisprudencialmente) e pela alteração legislativa promovida pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro - que alterou o art. 140º do CIRS eliminando o seu nº 4 e promovendo a contagem do prazo aqui em apreço da mesma e exacta forma como é preconizada pelo Recorrente.
LXVII - Tal diploma legal encontra-se orientado para a simplificação.
LXVIII - Ora, só pode ser objecto de simplificação aquilo que era complicado…
LXIX - E uma das questões alteradas – ou seja, simplificadas – foi exactamente a forma de contagem do prazo das reclamações e impugnações: o que apenas vem dar razão ao Recorrente.
DESTA FEITA,
LXX - E atento o que ficou demonstrado e o que prescreve o art. 58º, nº 3, al. b) CPTA, ao caso vertente sempre será de aplicar o alargamento de prazo nesta disposição legal consagrado, devendo, em consequência, a reclamação graciosa deduzida pelo Recorrente ser declarada tempestiva.
LXXI - Em consequência, deverá ser revogada a Sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo e substituída por decisão que declarando a tempestividade da reclamação graciosa deduzida pelo Recorrente, revogue a decisão que incidiu sobre aquela reclamação graciosa e determine à AT que se pronuncie e decida acerca da questão de mérito.
LXXII - A Sentença recorrida violou a interpretação conjugada dos arts. 70º, nº 1 e 102º, nº 1, al. a) do CPPT, o art. 36º, nº 2 do CPPT, os arts. 7º e 58º, nº 3, al. b) do CPTA e os arts. 268º, nº 4 e 20º da CRP.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 213 e seguintes, o qual, na parte relevante, se transcreve:
«(….) A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente. E mais precisamente, se o ato tributário impugnado se tornou caso decidido ou resolvido, por não ter sido impugnado no prazo legal. E se, para esse efeito, na fixação do termo inicial do prazo consignado no artigo 70° do CPPT se atende ao disposto no artigo 140° do CIRS ou antes ao disposto no artigo 102°, n°1, alínea a do CPPT.
(…) enquanto no CPPT, por remissão do artigo 70° para o artigo 102°, o prazo de impugnação se conta a partir do termo do prazo de pagamento voluntário das prestações tributárias, o CIRS determina que essa contagem se faz a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.
Atento que a norma do CIRS consagra um regime especial, o mesmo sobrepõe-se ao regime geral previsto no CPPT.
Assim há que atender ao prazo de 120 dias previsto no n° 1 do artigo 70° do CPPT, e ao prazo dilatório de 30 dias previsto no artigo 140°, n° 4, alínea a), do CIRS, os quais sendo prazos substantivos e sucessivos, aplica-se à sua contagem o disposto no artigo 279° do Código Civil. E considerando o disposto na referida norma há que atender ao disposto na sua alínea b), que exclui da contagem o próprio dia em que se verifica o evento a partir do qual o prazo começa a correr, neste caso o dia da notificação do acto de liquidação - 26/12/2013 — (terceiro dia após a remessa do correspondência registada). E por outro lado sendo dois prazos contínuos e sucessivos não há que considerar o disposto na alínea e) do artigo 279° na contagem do primeiro prazo. Com efeito o disposto na referida norma tem a sua razão de ser no facto de se pretender salvaguardar a prática do acto no último dia do prazo, pelo que caso o mesmo não corresponda a dia útil, o mesmo transfere-se para o próximo dia útil. Ora, estando em causa a contagem de dois prazos sucessivos, a sua contagem deve ser feita como se fosse um único prazo, pelo que aquela norma só será aplicável se o último dia do segundo prazo não corresponder a dia útil (como é o caso dos autos).
Tendo em consideração que o acto de liquidação de IRS foi notificado em 26/12/2013 o prazo de 150 dias (30 + 120 dias) para apresentar a reclamação graciosa terminou em 25/05/2014, que por ser domingo se transferiu para o dia seguinte, ou seja, 26/05/2014.
Atento que a reclamação graciosa foi apresentada em 27/05/2014, a mesma mostra-se extemporânea, tal como decidido em 1ª instância.
Importa referir que não se aplica o disposto no artigo 145°, n° 5, do Código de Processo Civil (antigo), dado estarmos perante um prazo substantivo e não adjectivo ou processual (cfr. a este propósito o acórdão do STA de 29/10/2008, processo n° 0458/08).
E como considerado na sentença recorrida, em face da intempestividade da reclamação graciosa temos que concluir que o ato tributário se consolidou na ordem jurídica, motivo pelo qual a impugnação judicial interposta do indeferimento daquela reclamação tem que ser julgada improcedente, por inimpugnabilidade do ato (cfr. neste sentido o acórdão do STA de 10/05/2017, proc.01490/15).
Neste sentido e sobre situação similar à dos autos, ainda que estando em causa o prazo da impugnação judicial, pronunciou-se recentemente o STA no acórdão de 21/06/2017, proc. nº 01128/14.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.»

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. Pela Autoridade Tributária, foi efectuada liquidação de IRS nº 2013 5005550433, do ano de 2011, no montante de € 18.358,37, bem como aviso de cobrança, constando, como data limite de pagamento, o dia 27.1.2014 (fls. 85 a 87 do proc. físico).
2. No ofício de notificação da liquidação referida em 1., referia-se o seguinte: “(…) Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 140º do CIRS e 70º e 102º do CPPT” (fls. 85 do proc. físico).
3. A liquidação referida em 1., foi notificada ao impugnante, por ofício, enviado sob registo postal, com o nº RY633707504PT, expedido no dia 23.12.2013 (fls. 115 do proc. físico e fls. 32 da reclamação graciosa apensa).
4. No dia 27.5.2014, foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação referida em 1. (fls. 2 da reclamação graciosa apensa).
5. A reclamação graciosa foi indeferida com base em intempestividade, tendo a decisão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sido notificada ao impugnante, mediante carta registada, com aviso de recepção, assinado em 13.7.2015 (fls. 62 a 65 da reclamação graciosa apensa).
6. A petição inicial de impugnação, enviada via correio electrónico, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 9.11.2015 (cfr. fls. 3 e 4 do proc. físico).

6. Questão prévia do efeito atribuído ao recurso.
O recorrente suscitou a questão prévia do efeito atribuído ao recurso, alegando que ao atribuir efeito devolutivo ao recurso, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não levou em devida consideração a circunstância de o Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal entretanto instaurado e relativo à liquidação de IRS em causa nos autos, ter dado início ao procedimento previsto no art. 169º, nºs 2 e 3, do CPPT, na sequência do qual prestou garantia hipotecária, aceite pela Senhora Chefe do Serviço de Finanças titular.
Mais alega que, nos termos do nº 2, do art. 286º do CPPT os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos, pelo que requer que seja corrigido o efeito atribuído ao recurso pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conferindo-lhe efeito suspensivo.

Assiste razão à recorrente.

Mostram os autos que por despacho de fls.173 foi admitido o recurso, com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Ora dispõe o artº 286º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, em nota ao artigo 279.º, o relevante é que a dívida a que se reporta o processo em que é interposto o recurso esteja garantida para que lhe seja atribuído o efeito de suspensivo no recurso interposto dessa decisão, que assim não poderá, desde logo, ser cobrada coercivamente, antes devendo aguardar o trânsito em julgado dessa decisão.
Só estarão, assim, reunidos os requisitos para que ao recurso seja fixado efeito suspensivo caso o pagamento da obrigação tributária e dos legais acréscimos se encontre acautelado pela prestação de garantia idónea ou pela penhora de bens suficientes para assegurar o direito do credor à satisfação do seu crédito até ao trânsito em julgado da sentença.

E é esse efectivamente o caso pois, como se constata da petição inicial e do expediente entretanto junto aos autos a fls. 81 e segs., maxime de fls. 94, o impugnante constituiu hipoteca sobre o imóvel identificado a fls. 96, para garantia do processo de execução fiscal nº 1902201401073524 entretanto instaurado e referente à liquidação sindicada, garantia que foi aceite (fls. 94) por se considerar que tem valor suficiente para assegurar o pagamento das dívidas exequendas e acrescido.

Daí que se entenda que procede a alegada questão prévia, fixando-se ao recurso o efeito suspensivo.

7.Do objecto do recurso

A questão objecto do recurso reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou que o acto tributário impugnado se tornou caso decidido ou resolvido, por não ter sido impugnado no prazo legal.
Está em causa saber, para esse efeito, se na fixação do termo inicial do prazo consignado no artigo 70° do CPPT se atende ao disposto no artigo 140° do CIRS ou antes ao disposto no artigo 102°, n° 1, alínea a) do CPPT.

Como se constata dos autos o impugnante e aqui recorrente foi notificado de acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2011, no valor de € 18.358,37 euros, com data limite de pagamento em 27/01/2014, através de carta registada remetida em 23/12/2013. E tendo sido apresentada reclamação graciosa em 27/05/2014, a mesma foi indeferida com base na sua extemporaneidade.
Tendo sido impugnado tal acto considerou o tribunal “a quo” que assistia razão à Administração Tributária no indeferimento da reclamação graciosa, por extemporaneidade, atento o disposto no artigo 140°, n° 4, alínea a), do CIRS, uma vez que o prazo de 120 dias previsto no artigo 70° do CPPT para a sua apresentação se contava, decorrido o prazo dilatório, a partir de 26/01/2014 e terminara em 26/05/2014 (por o dia 25 corresponder a um domingo), tendo em conta a natureza substantiva de tal prazo e o mesmo correr continuamente, nos termos do artigo 279° do Código Civil.

Não conformado com o assim decidido alega o recorrente que a sentença padece do vício de erro de julgamento, uma vez que o prazo da reclamação graciosa deve ser contado no caso vertente a partir da data indicada como termo do prazo de pagamento voluntário, atento o disposto no artigo 102°, n° 1, do CPPT, ou seja, a partir de 27/01/2014.

Apreciando e decidindo.
7.1 Está em causa a impugnação graciosa e contenciosa de acto de liquidação de IRS, pelo que há que atender ao regime especial previsto no Código do IRS (artº 140º, nº4, al. a)) quanto ao termo inicial do prazo de impugnação.
Dispunha o artigo 140°, n°4 (Entretanto revogado pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015) do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos assentes na sentença recorrida, o seguinte:
«4 - Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes: (Redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
a) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação; (Redação dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
b) (Revogada.) (Redacção dada pela lei 60-A da 30 de Dezembro)
c) A partir do dia 20 de Janeiro do ano seguinte àquele a que a retenção disser respeito, nos casos previstos no n.º 2;
d) A partir do dia 20 de Janeiro do ano seguinte àquele a que a retenção disser respeito ou a partir da data de pagamento do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, nos casos previstos no n.º 3.»

Por sua vez dispunham os artigos 70°, n° 1, e 102°, n° 1, alínea a), do CPPT:
«Artigo 70º
Apresentação, fundamentos e prazo da reclamação graciosa
1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º1 do artigo 102.°
(Redacção dada pela lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
«Artigo 102.°
Impugnação judicial. Prazo de apresentação
1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
(Redacção da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro)

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte

Ora a norma do artº 140º, nº 4 do CIRS prevalece sobre aquelas normas gerais contidas no CPPT precisamente em razão da especialidade do seu objecto e da disciplina especial que consagram (cf. neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.10.2011, recurso 517/11, de 21/3/2012, recurso 1129/11, de 28.03.2012, recurso 1147/11, de 21.06.2017, recurso 1128/14 e de 18.04.2018, recurso 1133/17, in www.dgsi.pt).
Com efeito, resulta expressamente do disposto no n.º 4 do artigo 102.º do CPPT que o teor do referido preceito não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias, constituindo as alíneas do n.º 4 do artigo 140.º do Código do IRS normas especiais, aplicáveis ao IRS, relativamente ao disposto nas alíneas do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, não quanto ao prazo de impugnação propriamente dito, mas quanto ao termo inicial da sua contagem.
Relativamente à reclamação de actos de liquidação de IRS, prevê-se no art. 140.º, n.º 4, alínea a), do CIRS que o respectivo prazo de se inicia «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», afastando-se, por isso, o termo do prazo de pagamento voluntário como termo inicial do prazo.
Ou seja o início do prazo de 120 dias previsto no artº 70º, nº 1 do CPPT, em vez de se contar a partir da notificação para pagamento voluntário, como estabelecem os arts. 70º, nº 1 e 102º, nº 1, al. a) daquele diploma legal, conta-se a partir do 30º dia posterior à notificação da liquidação.

Há assim que considerar o prazo de 120 dias previsto no n° 1 do artigo 70° do CPPT, contado a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação, de acordo com o previsto no artigo 140°, n° 4, alínea a), do CIRS.
E sendo tais prazos substantivos e sucessivos, aplica-se à sua contagem o disposto no artigo 279° do Código Civil, sendo que há que atender ao disposto na sua alínea b), que exclui da contagem o próprio dia em que se verifica o evento a partir do qual o prazo começa a correr, neste caso o dia da notificação do acto de liquidação - 26/12/2013 - (terceiro dia após a remessa do correspondência registada).
Por outro lado sendo dois prazos contínuos e sucessivos não há que considerar o disposto na alínea e) do artigo 279° na contagem do primeiro prazo.
É que, como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu parecer, o disposto na referida norma tem a sua razão de ser no facto de se pretender salvaguardar a prática do acto no último dia do prazo, pelo que caso o mesmo não corresponda a dia útil, o mesmo transfere-se para o próximo dia útil. Ora, estando em causa a contagem de dois prazos sucessivos, a sua contagem deve ser feita como se fosse um único prazo, pelo que aquela norma só será aplicável se o último dia do segundo prazo não corresponder a dia útil (como é o caso dos autos).
Assim, considerando que o acto de liquidação de IRS foi notificado em 26/12/2013, o prazo de 150 dias (30 + 120 dias) para apresentar a reclamação graciosa terminou em 25/05/2014 (Domingo) transferindo-se para o dia imediato, ou seja, 26/05/2014.
Em face do exposto forçoso é concluir que a reclamação graciosa apresentada em 27/05/2014 era intempestiva e que o acto tributário se consolidou na ordem jurídica, motivo pelo qual a impugnação judicial interposta do indeferimento daquela reclamação haveria de ser julgada improcedente, como bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Acresce referir que não procede também a alegação de que a notificação da liquidação poderia ter induzido o impugnante em erro pelo facto de ter sido mencionado o art. 102º do CPPT.
Como resulta do probatório (ponto 2) no ofício de notificação da liquidação referia-se o seguinte: “(…) Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 140º do CIRS e 70º e 102º do CPPT” (fls. 85 do proc. físico).
Ora uma vez notificado da liquidação, o impugnante poderia recorrer ao procedimento de reclamação graciosa, nos prazos previstos nos arts. 140º do CIRS e 70º do CPPT, ou impugnar directamente o acto tributário em questão, nos prazos previstos nos arts. 140º do CIRS e 102º, nº 1, al. a), do CPPT, pelo que faz sentido que todos aqueles preceitos, sejam mencionados, como foram, na notificação.
Não se verifica, pois, qualquer erro na notificação dos meios de reacção contra o acto notificado, nem se pode, em rigor, concluir que a conduta da Administração tenha induzido o interessado em erro, pelo que não há que fazer apelo à aplicação do princípio pro actione nem à aplicação analógica do disposto no artº 58º nº 4 do CPTA (extensão do prazo de impugnação de actos anuláveis).

Pelo que fica dito improcedem todos os fundamentos do recurso.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 30 de Outubro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.