Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0451/10.2BEBRG
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:DIRECTIVA
UNIÃO EUROPEIA
ISENÇÃO
IVA
Sumário:I - Até à entrada em vigor da Directiva (EU) 2018/1910, a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, não constituía condição substantiva para a aplicação da isenção, mas mero requisito formal.
II – Nesse contexto jurídico, sempre que o sujeito activo alega e prova a efectiva realização da operação, deve ser-lhe reconhecido o direito à isenção.
III – Se a Administração Fiscal não questiona a materialidade das operações económicas e elege como fundamento das liquidações impugnadas exclusivamente a preterição do apontado requisito formal, há que concluir pela ilegalidade das referidas liquidações.
Nº Convencional:JSTA000P26935
Nº do Documento:SA2202012160451/10
Data de Entrada:11/27/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................. LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO


1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da sentença que, julgando procedente a Impugnação Judicial intentada por “A………… Lda.”, anulou as liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respectivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, no valor global de € 56.985,66.

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou alegações, aí concluindo nos seguintes termos:

«1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou totalmente procedente, por provada, a impugnação judicial e, consequentemente, anulou, tal como foi peticionado pela impugnante, parcialmente, as liquidações adicionais [L.A.] de IVA respeitantes aos períodos de tributação de 2005, 2006, 2007 e 2008 consubstanciadas nas L.A., e respetivos juros compensatórios, impugnadas nos autos, no montante global de € 56.985,66.

2. Douta sentença essa que, a nosso ver, salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento em matéria de direito.

3. Na verdade, a interpretação da AT sempre esteve correta, com base no direito interno do art.º 14.º, alínea a) do RITI, ao exigir que o NIF do adquirente estivesse registado no VIES e que, portanto, se trata de uma condição substantiva e não uma condição formal, como defende a Jurisprudência do TJUE.

4. Sintomático de que a Administração Tributária (AT) sempre esteve certa, é o facto de vir, agora, a Diretiva 2018/1910 de 4 de dezembro de 2018, aditar o seguinte considerando:

(7)

No que diz respeito ao número de identificação IVA relativo à isenção das entregas de bens nas trocas comerciais intracomunitárias, propõe-se que a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA («VIES»), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, passe a constituir, para além da condição relativa ao transporte dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal. Além disso, o registo no VIES é essencial para informar o Estado-Membro de chegada da presença de bens no seu território, sendo, por conseguinte, um elemento fundamental da luta contra a fraude na União. Assim sendo, os Estados-Membros deverão assegurar que a isenção não seja aplicada quando o fornecedor não cumprir as suas obrigações em matéria de registo no VIES, exceto quando o fornecedor atuar de boa fé, ou seja, quando puder justificar devidamente, perante as autoridades fiscais competentes, as suas falhas relativas ao mapa recapitulativo, o que poderá incluir também, nesse momento, a comunicação por parte do fornecedor das informações corretas exigidas no artigo 264.º da Diretiva 2006/112/CE. (sublinhado nosso)

5. Além disso, a DIRETIVA (UE) 2018/1910 DO CONSELHO de 4 de dezembro de 2018 alterou o art.º 138.º da Diretiva 2006/112/CE, no sentido de aditar o requisito da alínea b) «O sujeito passivo ou a pessoa coletiva que não seja sujeito passivo a quem a entrega é efetuada está registado para efeitos do IVA num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens e comunicou esse número de identificação IVA ao fornecedor» como condição substantiva da isenção, à semelhança da norma de direito interno.

6. Portanto, e para efeitos futuros, a exigência de que o NIF do adquirente estivesse registado no VIES, irá passar a constituir uma condição substantiva para a aplicação da isenção para todos os países da União Europeia, em vez de ser considerado um requisito formal.

7. Pelo que, com este aditamento, dúvidas não subsistem para todos os países da União Europeia de que se trata de uma condição substantiva (ao contrário do entendimento sufragado pela Jurisprudência do TJUE) e que, portanto, a falta do adquirente estar registado para efeitos de IVA, no VIES é fundamental.

8. Importa, ainda, salientar que, com este Considerando, a Diretiva 2018/1910 ao mudar a Lei Comunitária, revela que a questão não é assim tão linear e pacífica.

9. Pelo exposto, somos a considerar que a Jurisprudência do TJUE (de que são exemplos os acórdãos citados na sentença “a quo”) mal andou ao decidir tratar-se de um requisito formal.

10. Além disso, tal como referido supra, a recorrida deveria ter verificado a validade do número IVA do adquirente espanhol no VIES, e, ao não obter o comprovativo da condição do sujeito passivo, mais relevante teria sido ter-se munido de outros meios de prova dos requisitos previstos no art.º 14.º do RITI, conforme também é possível consultar na informação disponibilizada em http://europa.eu: “O que acontece se não for possível verificar um número existente? Se o cliente afirmar que está registado para efeitos de IVA mas a verificação através do VIES não confirmar esta afirmação, pode solicitar a verificação junto da administração fiscal do país em questão. O cliente poderá ter de se registar especificamente para poder fazer transações transfronteiras dentro da UE. Este procedimento varia conforme o país da UE. Se não conseguir encontrar a informação no VIES, deve solicitar informações adicionais à administração fiscal nacional”.

11. Além do mais, atentando nos factos provados nos itens 11) e 12) juntamente com a consulta feita ao VIES, com o NIF do cliente espanhol “NIF ………”, verifica-se o seguinte: “DATA INÍCIO: 01/10/2008 DATA CESSAÇÃO: 20/10/2010”

12. Pelo que, até ao momento, e estamos a falar de 10 anos volvidos, a Agência Tributária espanhola não se veio pronunciar. E que, portanto, tratando-se de transmissões intracomunitária de bens, referentes a 2007 e 2008 (janeiro e maio), nestes anos, a recorrida não estava inscrita no VIES porque a mesma só se encontra inscrita no VIES a partir de 01/10/2008.

13. Pelo que, se a recorrida solicitou em 2009 a inscrição retroativa desde 2007, e só está a partir de 2008, é porque a Agência Tributária espanhola só lhe permitiu desde 2008, por alguma razão.

14. Por isso, indubitavelmente, a recorrida não estava registada nesses anos.

15. Sendo que, está provado que a recorrida só fez o pedido de inscrição no VIES depois de efetuadas as transmissões intracomunitária de bens.

16. Se ainda tivesse feito o pedido antes das referidas operações, poderia admitir-se que a recorrida estava, efetivamente, inscrita no sistema VIES, quando ocorreram as transmissões intracomunitárias de bens. Contudo, assim não sucedeu.

17. E, consequentemente, deveria a M.ma Juiz do Tribunal “a quo” ter mantido integralmente a liquidações adicionais de IVA impugnadas, bem como as liquidações dos respetivos juros compensatórios, com todas as legais consequências – o que, respeitosamente, se requer seja (agora) determinado por V. Exas.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Ex. as, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

1.3. A Recorrida, “A………… Lda.”, notificada da interposição do recurso e da sua admissão, apresentou contra-alegações aí formulando as seguintes conclusões:


«1ª

As vendas realizadas pela recorrida nos períodos assinalados nas liquidações impugnadas, correspondem material e formalmente a transmissões intracomunitárias, já que todas as mercadorias foram vendidas e expedidas para os seus clientes com sede num outro Estado membro da União Europeia, no caso em Espanha. Todas as operações de compra e venda foram regularmente tituladas nas respectivas guias de transporte e facturas nas quais se evidenciou a identificação fiscal do destinatário de tais mercadorias em Espanha. Todos os clientes com sede em Espanha com os quais a recorrida estabeleceu relações comerciais, designadamente B…………, S.L são sociedades de direito Espanhol, legalmente constituídas e devidamente inscritas junto da Administração Fiscal Espanhola, a qual emitiu os respectivos números de contribuinte, bem como apresentam inscrição activa em sede de operações intra-comunitárias junto do Serviço de Finanças Espanhol. Deste modo não resta a menor dúvida de que toda e cada uma das transmissões realizadas pela reclamante correspondem a efectiva transmissão intracomunitária tal como está definida nas directivas comunitárias e internamente no art. 14º do RITI.


Constatou-se porém que o sistema VIES cuja actualização e manutenção é da exclusiva competência dos serviços fiscais do Estado Espanhol, não era fiável, pois apresenta-se inseguro, equívoca para os operadores, já que manifestamente os factos nele contidos não estavam actualizados de acordo com a realidade fiscal declarada pelos operados económicos em Espanha.


Constatou-se que as empresas Espanholas declaram oportunamente à administração fiscal em Espanha que estavam activas para efeitos de realizar operações intracomunitárias, mas os serviços fiscais não recolhiam essa informação de modo a actualizar o sistema em tempo útil, só o vindo a fazer posteriormente.


Com efeito, a operadora NIF ……… - B…………, S.L com a qual foi realizada transmissões intracomunitárias de bens, declarou em modelo oficial 36 a sua inscrição com efeitos a 01/01/2007, (cfr. facto 11 provado) sendo que por razões que a recorrida desconhece tal informação não foi recolhida pelas autoridades Espanholas no sistema Vies.


A recorrida desconhece, sem obrigação de conhecer, qual a razão pela qual os sujeitos passivos Espanhóis com os quais realizou operações intracomunitárias, não constam na data em que deveriam constar da base de dados do sistema “VIES”, quando tal declaração fiscal se encontra devidamente apresentada junto da Administração Fiscal Espanhola, não sendo da responsabilidade da recorrida a gestão e actualização dessa base de dados.


Acresce que, como bem se assinala na douta decisão recorrida, é jurisprudência uniforme junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, à luz do quadro normativo vigente à data dos factos, que as normas da Directiva nº 2006/112/CE devem ser interpretadas no sentido de que a falta de registo do VIES não é obstáculo à isenção desde que se comprove os requisitos materiais da isenção.


Ora no caso dos autos não resulta qualquer dúvida de que a requerida vendeu mercadorias a clientes seus em Espanha em concreto pedra de granito, melhores identificadas nas facturas identificadas no processo administrativo, pelo que nunca esteve em causa a materialidade dessas operações como vendas intra comunitárias.


A questão reconduziu-se apenas ao alegado não registo do operador Espanhol B…………, S.L., no VIES junto da administração Tributária de Espanha, que levou a recorrente AT a não considerar tais transmissões abrangidas pelo art. 14 do RITI, e consequentemente procedeu às liquidações adicionais de IVA, entretanto impugnadas nos presentes autos, pese embora tal registo ter sido solicitado por este operado à Administração Tributária Espanhola, com efeitos a 01/01/2007.


Atendendo à orientação pacífica emanada do TJUE, não restam dúvidas de que as insuficiências, omissões ou inexatidões evidenciadas pelo sistema VIES relativamente aos operadores Espanhóis, não constitui requisito substancial das operações intra comunitárias e por conseguinte não é obstáculo à isenção, como bem se assinalou na douta sentença ora recorrida.

10ª

Não pode a recorrente ignorar que à data em que os factos em discussão nos autos se constituíram em 2007 e 2008, do quadro normativo da directiva 2006/112/CE em vigor e aplicável, resultava uma interpretação sufragada quer a jurisprudência comunitária quer a jurisprudência nacional que determinava a necessidade de harmonização do art. 14º do RITI, com o quadro do art. 138º a referida directiva.

11ª

Como já se referiu é pacífica e obrigatória a interpretação fixada pelo TJUE de que o registo como sujeito passivo de IVA no sistema VIES, não configurava formalidade essencial e por isso não constitui obstáculo à isenção de IVA em sede de operações intra comunitárias, entendimento aplicável aos presentes autos.

12ª

Na actual directiva 2018/1910 do Conselho de 04/12/2018, referida pela recorrente, constata-se que o legislador comunitário veio de facto introduzir alteração ao disposto no art. 138º da directiva 2006/112/CE, todavia tal alteração normativa não tem eficácia retroactiva, só tendo aplicação para futuro.

13ª

Resulta de tal fundamento nº 7 reconhecido pelo legislador comunitário que até à directiva 2018/1910 do Conselho, era pacífico e unânime o entendimento de que o registo no sistema Vies não constituía qualquer requisito substancial de que dependesse a isenção da IVA, configurava apenas um requisito formal, e que por isso propôs-se que deveria passar a «constituir uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal» ou seja, conclui-se que se passou a constituir condição substantiva, é porque até então não se tratava nem se reconhecia como tal.

14ª

Cumpre ainda assinalar que os efeitos das alterações que a directiva 2018/1910 do Conselho introduziu só ocorrem a partir de 01/01/2020, uma vez que esta é a data a partir da qual os Estados-Membros devem aplicar essas disposições.

15ª

Por conseguinte, não sendo a directiva diretamente aplicável na justa medida em que pressupõe um acto interno de transposição para a ordem jurídica interna ( cfr. art, 288º do TFUE), uma vez ocorrida essa transposição por via de acto interno, o novo quadro normativo só deve ser aplicado a factos ocorridos a partir de 01/01/2020.

16º

Conclui-se assim que as alterações introduzidas pela diretiva 2018/1910 do Conselho de 04/12/2018 ainda não estão em vigor e por conseguinte não produzem os seus efeitos, mantendo-se assim ainda válida e eficaz a aplicação do regime da diretiva 2006/112/CE interpretação fixada pelo TJUE.

17ª

Acresce ainda que sempre estaríamos em presença de uma situação de aplicação de lei no tempo, cujos efeitos da lei nova não tem a virtualidade de serem aplicados aos factos já constituídos anteriormente, nos termos do art. 12º nº 2 do Código Civil,.

18ª

Resulta inequívoco que as alterações normativas introduzidas pela diretiva 2018/1910 do Conselho de 04/12/2018, relativamente à questão do registo dos sujeitos passivos de IVA vieram determinar que se passe a considerar o registo como condição substantiva para a aplicação da isenção em vez de requisito formal, logo se conclui que o novo regime legal versa sobres as condições de validade substancial de factos já ocorridos, pelo que tal alteração normativa só visa factos novos ocorridos após a sua entrada em vigor.

19ª

Numa palavra, salvo sempre melhor entendimento, o regime da diretiva 2018/1910 do Conselho de 04/12/2018 na parte em que altera o art. 138º da diretiva 2006/112/CE não é aplicável aos factos em discussão nos autos, pois introduz novas condições de validade substancial da isenção de imposto que não existiam na redação da norma à data em que os factos se constituíram.

20ª

Por conseguinte não nos parece fazer sentido que a requerente pretenda censurar o entendimento do TJUE recolhido nos arestos do Supremo Tribunal de Justiça citados na douta decisão recorrida, acerca da interpretação do art. 14º do RITI em conformidade com o disposto no art. 138 da diretiva 2006/112/CE, em vigor à data dos factos, quando efectivamente tal entendimento é correcto e conforme ao quadro normativo então vigente.

21ª

Alega ainda a recorrente que aquele operador Espanhol NIF ……… - B…………, S.L, estaria registado no VIES desde 01/10/2008, todavia não pode a recorrente ignorar que esse mesmo operador requereu o seu registo no VIES em Espanha onde tem a sua sede, desde 01/01/2007, e que tal pedido ainda não teria produzido os seus efeitos.

22ª

A recorrida desconhece, sem obrigação de conhecer, qual a razão pela qual os sujeitos passivos Espanhóis com os quais realizou operações intra comunitárias, não constam da base de dados do sistema “VIES”, quando tal declaração fiscal se encontra devidamente apresentada junto da Administração Fiscal Espanhola, não sendo da responsabilidade da reclamante a gestão e actualização dessa base de dados.

23ª

Deve Esclarecer-se que a requerida, sociedade de direito Português, nada requereu à Administração Fiscal Espanhola, pelo que tais factos alegados nos art. 33 e seguintes da douta alegação, padecem de manifesto erro, pois respeitam, como dissemos ao cliente B…………, S.L, esse sim, solicitou o registo no VIES com efeitos a 01/01/2007.

24ª

Considera a recorrida que a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” operou uma correcta e adequada interpretação e aplicação dos disposto no art. 14º do RITI em harmonia e conformidade com o art. 138º da diretiva 2006/112/CE, em vigor à data dos factos, e bem assim conforme com a exaustiva jurisprudência fixada em sede de reenvio prejudicial, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, recolhida nos vários arestos do STA citados na douta sentença, a qual não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deverá ser integralmente mantida.

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto promoveu em douto parecer a improcedência do recurso jurisdicional uma vez que ao dar «como verificados os requisitos da isenção das transmissões intracomunitárias de bens sem que estivesse demonstrado que o adquirente se encontrasse inscrito no sistema VIES» a sentença recorrida fez «correta interpretação do normativo em causa à luz da jurisprudência que citou», não existindo, pois, qualquer erro de julgamento.

1.5. Colhidos os “vistos” dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a intervenção do Tribunal ad quem é especialmente delimitada pelo teor das conclusões que finalizam as alegações do recurso jurisdicional apresentado [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Tendo por referência o balizamento jurídico realizado e o teor das conclusões de recurso formuladas, conclui-se que é apenas uma a questão se encontra pendente de julgamento, qual seja, a de saber se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito ao decidir que as liquidações são ilegais por a razão avançada pela Administração Fiscal para as emitir – não registo do sujeito passivo espanhol no sistema relativo ao regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha (sistema VIES) - não constituir, só por si, fundamento para julgar ilegal a falta de liquidação de IVA pela Impugnante.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

O julgamento sobre a matéria de facto encontra-se sedimentado na sentença recorrida nos termos que ora se reproduzem integralmente:

«A) FACTOS PROVADOS

1) A sociedade impugnante exerce a actividade de “Extracção de Saibro, Areia e Pedra Britada”, CAE 8121, e encontra-se enquadrada no regime mensal de IVA – facto não controvertido.

2) Nas declarações periódicas que apresentou relativas aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, foram incluídas transmissões intracomunitárias de bens – facto não controvertido.

3) Na sequência das ordens de serviço n.º OI200900003/4/5/6, emitidas pela Direcção de Finanças de Viana do Castelo, em 27.01.2009, foi levada a efeito uma acção inspectiva à sociedade impugnante – facto não controvertido.

4) A acção de inspecção teve por objectivo averiguar da legalidade da falta de liquidação de IVA, pela transmissão de bens a sujeitos passivos espanhóis alegadamente não registados em IVA, segundo um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens – cfr. fls. 119 verso do processo administrativo apenso.

5) Em 21.04.2009 foi elaborado o relatório final de inspecção, concluindo-se pela falta de liquidação de IVA sobre a transmissão de bens a sujeitos passivos espanhóis não registados em IVA, segundo um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, nos montantes de €185.572,83, €83.744,85, €51.841,02 e €14.292,18, nos respectivos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008 – cfr. fls. 118 a 127 do processo administrativo apenso.

6) As correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção tributária deram origem aos actos de liquidação adicional de IVA, bem como de juros compensatórios, constantes de fls. 16 a 71 do processo administrativo apenso aos autos, no montante global de € 240.308,24.

7) Não se conformando com as liquidações referidas, a impugnante apresentou reclamação graciosa em 03.08.2009, autuada sob o n.º 2356200904000641 – cfr. fls. 1 a 117 do processo administrativo apenso.

8) Por despacho de 04.10.2009, foi deferida parcialmente a reclamação graciosa, nos termos constantes do parecer de 18.01.2010, que apresenta o seguinte teor:

Notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa que apresentou, vem A………… LDA, NIF ………, com sede no …………, na freguesia de ………, concelho de Vila Nova de Cerveira, com os fundamentos contidos na petição de fls. 219 e ss dos presentes autos que aqui dou por integralmente reproduzidos, exercer o seu direito de audição.

A reclamante vem, no fundo, reiterar todos os argumentos que constavam da petição inicial, alegando ainda que a Administração Fiscal Espanhola actualizara os dados cadastrais de dois dos operadores com a quem a reclamante realizara operações intracomunitárias, e que poderá ainda actualizar os dados cadastrais dos seus restantes clientes espanhóis que não figuram como operadores registados naquele sistema.

Factos Novos:

a. Por consulta ao sistema VIES (fls. 226), verifica-se que o operador espanhol C…………, SL consta agora como registado em regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, com efeitos a partir de 2005/03/18, o que não sucedia à data da elaboração do projecto de decisão.

b. Igualmente por consulta ao sistema VIES (fis. 227 a 236), verifica-se que quanto aos restantes operadores espanhóis em causa nos autos a informação prestada pela Administração Fiscal Espanhola se mantém actualizada.

Direito aplicável

2. As transmissões intracomunitárias de bens embora sujeitas a IVA em território nacional, por força da al. c) do art.° 1° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), estão isentas ao abrigo do disposto na al. a) do n.° 1 do art.° 14° do Regime do IVA nas Transacções intracomunitárias (RITI).

3. Para que beneficiem da referida isenção, os vendedores nacionais deverão assegurar a verificação cumulativa de três requisitos:

a. Que os bens sejam expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do Território Nacional para outro Estado Membro com destino ao adquirente;

b. Que o adquirente tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição; e

c. Que o adquirente esteja registado para efeitos de IVA em outro Estado Membro e aí se encontra abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.

4. As isenções são benefícios fiscais, nos termos do n.° 2 do art.° 2° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, impondo o n.° 4 do art.° 14° da Lei Geral Tributária (LGT) que titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou ás normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos beneficios ficarem sem efeito”.

Conclusão

5. Conforme se referiu no projecto de decisão de fls. 208 a 215, cabia á reclamante demonstrar que, á data das transmissões intracomunitárias em que interveio, se encontravam reunidos todos os pressupostos exigidos para lhes aplicar a isenção do art.° 14° do RITI, o que apenas lograra fazer parcialmente, i.e., apenas nas operações em que intervieram os operadores D………… SA (………), E………… SL (………), F………… SA (………), G………… SL (………) H………… SL (………), I………… SL (………), J………… SL (………) e L………… (………), a que acrescem agora aquelas em que interveio a C…………, SL (………).

6. No que concerne aos restantes operadores espanhóis, a reclamante não logrou demonstrar que aqueles estavam registados num regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha, registo que, aliás, nem a própria Administração Fiscal Espanhola confirma.

Assim,

Sou da opinião que, face aos elementos carreados para os autos e com os fundamentos acima enunciados, deverá continuar a merecer DEFERIMENTO PARCIAL a presente reclamação, mas reformulando-se as liquidações reclamadas, não da forma inicialmente proposta, mas daquela que se evidencia na tabela seguinte.

[…]

Em conformidade com a correcção das liquidações adicionais de IVA, deverão igualmente ser revistas as liquidações de juros compensatórios reclamadas.

[…]” – cfr. fls. 237 a 240 do processo administrativo apenso.

9) Em 01.03.2010, a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos.

Mais se provou o seguinte:

10) O cliente espanhol NIF ……… - B…………, S.L. encontra-se registado no sistema VIES para efeitos de operações intracomunitárias de bens desde 01/10/2008 – cfr. fls. 197 do processo administrativo apenso aos autos.

11) Em 24.06.2009, o cliente espanhol NIF ……… - B…………, S.L. submeteu eletronicamente o Modelo 036 junto da administração fiscal espanhola, solicitando o registo no regime de operações intracomunitárias desde 1/1/2007 – cfr. fls. 109/110 do processo administrativo apenso aos autos (Doc. 9 junto com a RG).

12) Em 30.10.2009, o pedido referido no ponto anterior ainda não tinha decisão definitiva, estando a correr o direito de audição do operador – cfr. fls. 194 do processo administrativo apenso aos autos.

B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Inexistem factos provados com interesse e relevância para a decisão a proferir.

C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como assente alicerçou-se nos documentos juntos aos autos, supra identificados a seguir a cada um dos factos correspondentes, dispensando-se, por desnecessária, a prova testemunhal produzida.

3.2. Fundamentação de direito

Como resulta do que deixámos exposto no ponto 1., o recurso que ora se aprecia vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou ilegais as liquidações adicionais relativas aos anos de 2005 a 2008, impugnadas judicialmente pela ora Recorrente.

Da leitura da sentença ressalta com clareza qual foi o pressuposto fundamental da decisão sob escrutínio: constituindo a inexistência de registo da empresa adquirente espanhola para efeitos de IVA no regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha (sistema VIES) o único fundamento das liquidações adicionais emitidas – a materialidade efectiva das operações nunca foi questionada pela Administração Tributária na inspecção realizada nem no procedimento gracioso e judicial subsequentes – há que concluir pela ilegalidade das liquidações por estarem suportadas numa interpretação do artigo 14º, alínea a) do RITI desconforme o artigo 138º, nº 1 da Directiva 2006/112, conforme posição há muito firmada na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Das alegações de recurso formuladas pela Autoridade Tributária e Aduaneira extraiem-se três conclusões.

A primeira é a de que a Recorrente conhece bem a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Justiça da União Europeia, cujos acórdãos foram citados na sentença recorrida, dos quais, de resto, vem sendo, pelo menos no caso dos acórdãos nacionais, destinatária directa. Ou seja, tem perfeita consciência que a sentença recorrida está, em temos de fundamentação jurídica (interpretação e aplicação do direito) absolutamente conforme a referida jurisprudência, da qual resulta de forma indiscutível que a mera inexistência de registo de um sujeito passivo (no caso, como em tantos outros espelhados nos referidos arestos, espanhol) no sistema VIES não constituía, à data da emissão das liquidações, fundamento de recusa de isenção de IVA, por tal registo constituir mera condição ou requisito meramente formal da isenção.

A segunda é a de que a Recorrente tem perfeito conhecimento que houve uma alteração da regulamentação jurídica, decorrente da DIRETIVA (UE) 2018/1910 DO CONSELHO de 4 de Dezembro de 2018, de qual decorre que a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA («VIES») atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, passou, desde a sua entrada em vigor, passou a constituir, para além da condição relativa ao transporte dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal.

A terceira conclusão é a de que é nesta alteração legal que a Recorrente funda a sua pretensão revogatória, pretendendo convencer este Tribunal que, afinal, a interpretação que sempre fez do artigo 14º, alínea a) do RITI e 138º, nº 1 da Directiva 2006/112, é a interpretação que sempre foi a mais correcta, mais afirmando que, quer este Supremo Tribunal quer o Tribunal de Justiça da União Europeia, incorreram sistematicamente em erro de julgamento de direito, como fica comprovado pela alteração legal invocada.

Que dizer?

Perante estas conclusões, que, realçamos de novo, emergem de forma claríssima das alegações de recurso, não há muito que dizer para a resolução do litígio que nos foi colocado para apreciação.

Sublinha-se, porque se impõe, que muito bem andou a Meritíssima Juíza a quo quando, citando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do TJUE anulou as liquidações impugnadas uma vez que, na vigência do artigo 14.º al. a) do RGIT, interpretado em conformidade com o Direito da União, ou, se preferirmos, no caso, interpretado em conformidade com a interpretação que o TJUE facultou aos tribunais nacionais por referência ao artigo 138.º da Directiva 2006/112 na sua redacção originária, que é a aplicável nos autos, da mera circunstância de um sujeito passivo (empresa adquirente pertencente ao espaço da União Europeia) não estar inscrito no sistema VIES não resulta definitivamente postergado o direito de isenção de IVA nas operações realizadas. Ponto é, que prove a efectividade das operações de transacção.

Elucidativo do que vimos dizendo é a transcrição pertinentemente citada na sentença recorrida, que o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto deste Supremo Tribunal também convocou no seu douto parecer:

«…nem a obtenção, pelo adquirente, de um número de identificação IVA válido para a realização de operações intracomunitárias nem o seu registo no sistema VIES constituem requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária. São apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados (Cf., neste sentido os já citados acórdãos de 6 de Setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, de 9 de Fevereiro de 2017, euro-Tyre, BV, C-21/16 e ainda de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10 e de 20 de Outubro de 2016, Plöckl, C-24/15)».

Como igualmente se refere no acórdão C-21/16, de 9/2/2017, citado no mesmo aresto, «O registo dos sujeitos passivos que realizam operações intracomunitárias no sistema VIES apresenta igualmente uma importância incontestável neste contexto. Este sistema visa permitir aos operadores obter a confirmação do número de identificação IVA dos seus parceiros comerciais e às Administrações Fiscais nacionais fiscalizar as operações intracomunitárias e detetar eventuais irregularidades. O referido sistema responde, assim, à exigência, prevista no artigo 27.° do Regulamento n.° 1798/2003 e, a partir de 1 de janeiro de 2012, no artigo 17.° do Regulamento n.° 904/2010, de os Estados-Membros disporem de uma base de dados eletrónica contendo um registo das pessoas a quem atribuíram um número de identificação IVA».

Mas se esse registo constitui de facto um elemento precioso na garantia da regularidade das operações, a Administração Tributária não podia alicerçar o seu agir apenas na falta desse registo (até porque a própria AT reconheceu em sede de reclamação graciosa que as informações constantes de tal sistema sofreram alterações em relação a outros operadores).

Sendo certo que no âmbito da sua ação fiscalizadora e perante a falta dessa inscrição no VIES a AT pode exigir do sujeito passivo os elementos necessários à comprovação da materialidade das operações², não pode é basear o seu agir apenas na falta dessa inscrição, que à data em que tais operações foram realizadas não consubstanciava um requisito material, mas sim formal, como se concluiu na citada jurisprudência do TJUE (sendo indiferente que tal situação tenha entretanto sido alterada pela Diretiva 2018/1910 de 4 de dezembro de 2018):

«o artigo 131.° e o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de, no momento dessa entrega, o adquirente, sedeado no território do Estado-Membro de destino e titular de um número de identificação de imposto sobre o valor acrescentado válido para as operações nesse Estado, não estar inscrito no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias, ainda que não exista nenhum indício sério que sugira a existência de fraude e que esteja demonstrado que os requisitos materiais da isenção estão verificados.» (acórdão C-21/16, de 9/2/2017). ».

Dito de outro modo, de forma sintética e directa: a não inscrição do sujeito passivo adquirente de bens em transacções comunitárias no sistema VIES não obstava, à luz do regime então vigente, a que a operação não fosse tributada em sede de IVA, desde que a operação em si, materialmente, estivesse devidamente comprovada.

No caso, como deixámos relevado, a Administração Tributária nunca questionou a materialidade da operação, reconduzindo-se a fundamentação das liquidações adicionais a um único pressuposto: “a reclamante não logrou demonstrar que aqueles estavam registados num regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha».

Quanto à argumentação jurídica trazida a recurso, entendemos que a própria Recorrente sabe que jamais pode obter o nosso acolhimento e por via desse acolhimento ser censurada a sentença sob recurso.

O Conselho Europeu foi bem claro ao expressar que pretendia fazer uma alteração de fundo, mantendo, aliás, mesmo assim, que a mesma comportava ainda uma excepção: o objectivo era alterar a natureza do requisito de natureza formal para uma condição ou requisito substancial.

Foi claro ao legislar sob proposta cujos considerandos revelavam claramente esse objectivo: «(7) No que diz respeito ao número de identificação IVA relativo à isenção das entregas de bens nas trocas comerciais intracomunitárias, propõe-se que a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA («VIES»), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, passe a constituir, para além da condição relativa ao transporte dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal. (…). Assim sendo, os Estados-Membros deverão assegurar que a isenção não seja aplicada quando o fornecedor não cumprir as suas obrigações em matéria de registo no VIES, exceto quando o fornecedor atuar de boa fé, ou seja, quando puder justificar devidamente, perante as autoridades fiscais competentes, as suas falhas relativas ao mapa recapitulativo, o que poderá incluir também, nesse momento, a comunicação por parte do fornecedor das informações corretas exigidas no artigo 264.º da Diretiva 2006/112/CE.

Foi claro ao adoptar essa proposta que passou a forma de Lei, com o aditamento normativo realizado na Directiva 2006/112/CE, passando a inclusão do número de contribuinte do adquirente no VIES a ser um requisito material da aplicação da isenção de IVA nas transacções intracomunitárias – e não apenas um requisito formal.

Em suma, à data em que as transacções intercomunitárias se realizaram (e a nova regulamentação jurídica - emergente da DIRETIVA (UE) 2018/1910 DO CONSELHO, de 4 de Dezembro de 2018 - apenas entrou em vigor, nos termos consagrados no seu artigo 3.º, “no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia”, isto é, vinte e um dias após 7-12-2018, data da dita publicação, em Portugal desde 20-1-2020) a não inscrição do sujeito passivo adquirente no sistema VIES não constituía, per se, fundamento para afastar a isenção de tributação, desde que o sujeito activo alegasse e provasse a efectiva realização da operação, o que, no caso, nem se encontra em discussão.

São, neste contexto, de julgar totalmente improcedentes as conclusões de recurso e de confirmar integralmente a douta decisão recorrida que acolheu expressamente, muito bem, a jurisprudência deste Supremo Tribunal e do Tribunal de Justiça da União Europeia.

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.