Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:012/21.0BALSB
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I – Se, por força de uma alteração superveniente do quadro normativo aplicável, o Requerente vem a obter, no decurso da lide, a cessação da alegada situação de violação de direito, liberdade ou garantia em que fundamentara um pedido judicial de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a lide perde, em consequência, a sua utilidade inicial.
II – Nessa circunstância, porque o meio processual em causa se destina a fazer cessar uma violação de direitos, liberdades e garantias, não albergando um escopo impugnatório, não cumpre ao tribunal pronunciar-se para clarificar um direito ou apreciar uma violação invocada em momento em que não esteja já em causa assegurar o exercício de um direito, liberdade ou garantia (cfr. art. 109º nº 1 do CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P27174
Nº do Documento:SA120210205012/21
Data de Entrada:01/24/2021
Recorrente:A.........................
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


Relatório

1. A…………………., menor, representado pelos progenitores B…………….. e C…………., veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109.º do CPTA, requerer “intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias” contra o “CONSELHO DE MINISTROS (CM)”, solicitando a imposição ao Governo e ao Estado Português da revogação ou levantamento da suspensão das atividades letivas e não letivas não presenciais determinada pelo Decreto nº 3-C/2021, da PCM, publicado em Diário da República de 22/1/2021, pelo qual se procedeu:

i) À suspensão das atividades letivas e não letivas e de apoio social, nos termos do artigo 31.º-A do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro; (alínea c) do nº 2 do artigo 1º); e

ii) À suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais nas instituições de ensino superior, nos termos do artigo 31.º-A do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro; (alínea d) do nº 2 do artigo 1º).

O Requerente afirma ser aluno do Colégio …………….., cujo currículo escolar é definido pela “………………”, sendo que os exames de avaliação anuais, a realizar no mês de maio, são fixadas para o mundo inteiro, unilateralmente, não sendo possível nem aos alunos nem à escola alterar as referidas datas. Refere que este exame conta 100% da nota dos alunos e é o único momento de avaliação para a nota final do aluno.

Mais refere que, embora o Senhor Ministro da Educação tenha vindo publicamente comunicar que, para colmatar ou atenuar os efeitos deste interrupção letiva, o calendário escolar será alterado e prolongado, o certo é que, quanto ao Requerente, esse prolongamento não lhe trará qualquer utilidade ou compensação considerando as datas em que terá que realizar os exames anuais – que, no caso, estão marcados para serem realizados entre os dias 29 de abril e 17 de maio de 2021.

Diz, pois, que está neste momento impedido de frequentar o 11.º ano da escolaridade obrigatória (na turma do “Year 12”), cujas aulas se iniciaram normalmente em 15 de setembro de 2020, o que prejudica a sua preparação para os aludidos exames, sem que haja qualquer motivo ou fundamento legal para a proibição de aulas não presenciais.

2. O Requerente alega que a suspensão das atividades letivas determinada pelo referido Decreto nº 3-C/2021, da PCM, de 22/1, abrangendo os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, mesmo na forma não presencial:

a) Resulta de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que este Decreto da PCM visa regulamentar o Decreto do Presidente da República nº 6-B/2021, de 13/1, sendo este omisso quanto a quaisquer restrições à atividade dos estabelecimentos de ensino. Não tendo sido suspensa pelo decreto presidencial de emergência a liberdade de aprender e ensinar (consagrada no nº 1 dos artigos 43º e 73º da Constituição), não cabe na competência material do Governo a suspensão daquela atividade, direito fundamental;

b) Fere o princípio da proporcionalidade, pois sempre haveria que restringir aquelas atividades ao estritamente necessário, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 18º da Constituição, não sendo o caso do ensino não presencial, cujo encerramento ou impossibilidade de prestação não é, nem pode ser visto, como estritamente necessário, adequado, ou proporcional, pois não comporta a obrigação de qualquer deslocação ou ajuntamento na medida em que os alunos recebem a aula remotamente no seu ambiente habitacional, e os professores lecionam, pela mesma via, em regime de teletrabalho;

c) Fere o princípio da igualdade, na medida em que permite o ensino não presencial para os estabelecimentos de ensino superior; e na medida em que o mesmo legislador promove e impõe o tele-trabalho para os demais trabalhadores, sempre que o mesmo seja possível, como de resto e nitidamente o é no caso;

d) Constitui uma restrição, ainda que sob a forma de mera suspensão, que constitui uma limitação ao desenvolvimento de uma atividade económica lícita e ao direito à educação, constitucionalmente consagrados, no art. 43º da CRP, e no art. 26º nº1 da Carta Internacional dos Direitos Humanos Declaração Universal dos Direitos do Homem;

e) Fere a autonomia legal de que gozam os estabelecimentos de ensino particular, sendo que o art. 37º nº 2 g) do DL nº 152/2013, de 4/11 (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior) refere que tal autonomia inclui a competência para decidir quanto a “calendário escolar e organização dos tempos e horário escolar”;

f) A referida determinação de suspensão das atividades letivas, com a abrangência aludida, sendo de aplicação direta, reconduz-se a um ato administrativo, o qual é nulo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 161.º do CPA, na medida em que carece em absoluto de forma legal, mais tendo sido praticado com preterição total do procedimento legalmente exigido.

3. Na sua resposta, o CM, para além de, por impugnação, contestar o mérito da presente pretensão intimatória, veio suscitar 3 exceções dilatórias:
- a inutilidade superveniente da lide (em decorrência da publicação superveniente quer do Decreto do PR nº 9-A/2012, de 28/1, quer do Decreto da PCM nº 3-D/2021, de 29/1);
- a impossibilidade do pedido (condenação da Administração à revogação de ato administrativo); e
- a impropriedade do meio processual (pressupondo que a pretensão real seja de tipo impugnatório).

4. O Requerente foi notificado para se pronunciar, querendo, sobre estas exceções, o que veio fazer, pugnando pela sua improcedência.

5. Sem vistos, por se tratar de processo urgente, cumpre apreciar e decidir em conferência.

Apreciação

Das exceções dilatórias invocadas.

6. Inutilidade superveniente da lide

O CM, na sua resposta, veio arguir, em primeiro lugar, a exceção dilatória da inutilidade da lide.
Fê-lo, designadamente, nos seguintes termos:
«(…) como qualquer meio processual previsto na nossa ordem jurídica, também a admissibilidade da intimação depende da verificação da sua utilidade objetiva, enquanto corolário do pressuposto processual do interesse processual/interesse em agir.

(…) Nestes termos, para que possa ser sequer julgada quanto ao seu mérito, uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deve, pois, ter a virtualidade de, no caso concreto, fornecer ao respetivo requerente uma determinada utilidade, uma determinada vantagem.

(…) Ou seja, implica reconhecer — agora nas palavras deste Supremo Tribunal — que se está diante de um meio processual que “só tem efetivamente utilidade se através dele se assegurar o exercício do direito lesado”, pelo que “se o decurso do tempo torn[ar] impossível o exercício do direito lesado não pode considerar-se errado o entendimento de que ocorreu a inutilidade da lide” (Acórdão de 24.09.2015, Proc. n.º 01000/15, disponível em www.dgsi.pt/jsta).
E assim é, manifestamente, por estar em causa um instrumento processual funcionalizado para acudir a situações em que o mesmo se “revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia” (n.º 1 do artigo 109.º do CPTA).

(…) Ora, nos presentes autos, rebela-se o requerente contra a suspensão de atividades educativas e letivas, em particular no âmbito dos estabelecimentos particulares de ensino, tal como determinada pelo artigo 31.º-A/1, a) do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, disposição aí aditada por via do Decreto n.º 3-C/2021, de 22 de janeiro.

Com efeito, determinou-se nessa disposição que:
«Ficam suspensas:
a) As atividades educativas e letivas dos estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário, de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário;
b) (…);
c) As atividades letivas e não letivas presenciais das instituições de ensino superior, sem prejuízo das épocas de avaliação em curso”.
E isto no contexto, como é sabido, da regulamentação governamental do estado de emergência, tal como decretado pelo PRESIDENTE DA REPÚBLICA por via do Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de janeiro.
Em cujos termos, por força da situação de calamidade pública emergente da pandemia de COVID-19, foi determinada a vigência desse estado de emergência até às 23h59 do dia 30 de janeiro de 2021.
Limitação temporal essa, constitucionalmente imposta (cfr. o artigo 19.º/5 da Constituição), que assim determina por definição a própria vigência temporal das medidas regulamentadoras estabelecidas pelo Conselho de Ministros.

Ora, tendo em vista o concretamente alegado e peticionado pelo requerente, o que com a presente intimação se pretende é que o Conselho de Ministros venha a ser “condenado a revogar a suspensão das atividades letivas e não letivas, pelo menos as letivas, não presenciais dos estabelecimentos de ensino, pelo menos particulares e cooperativos” (cfr. petitório).
Medida de suspensão essa que, tal como vem impugnada pelo requerente, constava daquele artigo 31.º-A/1, a) do Decreto n.º 3-A/2021, executor do Decreto do PR n.º 6-B/2021.
Disposição essa que, tal como contida nesse Decreto, apenas vigorou até às 23h59 do dia 30 de janeiro.
O que significa então que o efeito concretamente pretendido acautelar com a presente intimação — a “revogação” daquela medida de suspensão de atividades letivas, tal como determinada pelo artigo 31.º-A/1, a) do Decreto n.º 3-A/2021 — já não pode, no momento em que venha a ela ser julgada, ser garantido.
Pois que, como é lógico, medidas de vigência temporalmente limitada não podem ser, no futuro, “revogadas” com qualquer efeito útil.
Viesse este Supremo Tribunal a conceder provimento à pretensão deduzida pelo requerente e assim se proferiria, inevitavelmente, uma decisão jurisdicional sem qualquer efeito útil.
Mas é justamente isso que o não permite o pressuposto do interesse em agir/interesse processual.
O qual tem como particular manifestação a figura da inutilidade superveniente da lide, tal como prevista no artigo 277.º, e) do CPC.
(…) Sendo nem mais nem menos uma hipótese deste tipo a dos presentes autos — em concreto, uma hipótese de desaparecimento do objeto do processo, por cessação de vigência da disposição concretamente pretendida revogar pelo requerente.

Mas, dir-se-á, toda essa conclusão se altera pelo facto de, entretanto, aquela medida suspensiva sobre as atividades letivas e educativas dos estabelecimentos de ensino ter sido mantida no novo Decreto governamental executor do novo Decreto do PRESIDENTE DA REPÚBLICA declarador do estado de emergência.
Com efeito, por força do Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021, de 28 de janeiro, veio a ser renovada a declaração do estado de emergência, desta feita até às 23h59 do dia 14 de fevereiro de 2021.
Sendo que, nos termos do seu artigo 4.º/5, se procedeu à suspensão da liberdade de aprender e de ensinar e se habilitou expressamente:
«Podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes, em qualquer nível de ensino dos setores público, particular e cooperativo, e do setor social e solidário, incluindo a educação pré-escolar e os ensinos básico, secundário e superior, as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, nomeadamente a proibição ou limitação de aulas presenciais, o adiamento, alteração ou prolongamento de períodos letivos, o ajustamento de métodos de avaliação e a suspensão ou recalendarização de provas de exame».

Ora, em conformidade, veio o Conselho de Ministros a aprovar o Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de janeiro, que em geral procedeu à renovação das medidas antes insertas no anterior Decreto n.º 3-A/2021, até às 23h59 do dia 14 de fevereiro.
Todavia, com uma relevante exceção — justamente, a relativa às atividades letivas.
É que, nos termos do artigo 3.º desse Decreto n.º 3-D/2021, que é o atualmente em vigor neste domínio, estipulou-se que:
«1 — A suspensão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º-A do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, vigora apenas até ao dia 5 de fevereiro de 2021.
2 — A partir do dia 8 de fevereiro de 2021, as atividades educativas e letivas dos estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário, de educação pré-escolar e dos ensino básico e secundário são suspensas em regime presencial, sento retomadas em regime não presencial, nos termos do disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-D/2020, de 20 de julho.
(…)
5 — Excetua-se da suspensão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º-A do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, na sua redação atual, e no n.º 2 do presente artigo a realização de provas ou exames de curricula internacionais».

Quer isto então dizer que:
— Até ao dia 5 de fevereiro de 2021, se mantém a suspensão generalizada das atividades educativas letivas, em todos os estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário, de educação pré-escolar, básico e secundário;
— A partir do dia 8 de fevereiro de 2021, essas atividades só se encontram suspensas em regime presencial — sendo retomadas em regime não presencial, em obediência à disciplina para o efeito fixada na RCM n.º 53-D/2020.

E, assim sendo, dir-se-á, conservaria plena utilidade a presente intimação.
Não é, porém, assim, e por três motivos.
Em primeiro lugar, porque, como já se viu, a pretensão deduzida nos presentes autos tem um objeto perfeitamente delimitado — a medida de suspensão das atividades educativas e letivas tal como determinada pelo artigo 31.º-A/1, a) do Decreto n.º 3-A/2021.
Não tendo, entretanto, o requerente procedido, como poderia eventualmente tê-lo feito, à ampliação do seu pedido de modo a abranger também a suspensão ulteriormente determinada pelo artigo 3.º do novo Decreto n.º 3-D/2021.
Em segundo lugar, porque, como também se viu, a pretensão deduzida nos presentes autos se limita a contestar a suspensão das atividades letivas não presenciais (nos estabelecimentos particulares e cooperativos).
Ora, essa suspensão, nos termos em que se encontra atualmente em vigor, só durará até ao próximo dia 5 de fevereiro de 2021 — sendo a partir do dia 8 de fevereiro retomadas, em todos os estabelecimentos de ensino, as atividades letivas em regime não presencial.
A partir dessa data, portanto, poderá perfeitamente o requerente beneficiar da prestação de atividades letivas pelo seu estabelecimento de ensino, em regime não presencial.
Sendo então inevitável que, na hipótese — provável — de vir a ser a presente intimação julgada já após essa data, novamente se evidenciará uma evidente falta de objeto na decisão, qualquer que seja o seu sentido, que venha a ser proferida.
Pois, a partir do dia 8 de fevereiro, de modo algum se encontrarão suspensas as atividades letivas em regime não presencial — sendo justamente contra essa suspensão, e apenas contra essa, que se rebela o requerente nestes autos.
Em terceiro lugar, porque, como também já se viu, as medidas suspensivas ora em vigor, tal como constam do artigo 3.º do novo Decreto n.º 3-D/2021, têm por amparo o novo Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021.
O qual, citou-se já, habilita expressamente à adoção de medidas com esse alcance.
Ora, olhando à causa de pedir que dá corpo à pretensão mobilizada pelo requerente nos presentes autos, rapidamente se conclui que ela se baseia, nos seus termos essenciais, na alegação de que “o decreto do Presidente da República é omisso quanto a quaisquer restrições à atividade dos estabelecimentos de ensino”, o que “constituirá uma inconstitucionalidade orgânica” (artigos 33.º e 34.º da pi).
E isto porque, adita-se, “não tendo sido suspensa pelo decreto presidencial de emergência a liberdade de aprender e ensinar, não cabe na competência material do Governo a suspensão daquela atividade, enquanto direito fundamental” (artigo 35.º da pi).
Ora, sem prejuízo do que mais adiante se dirá quanto à improcedência substancial desta argumentação, algo é, em todo o caso, irrenunciável.
É que tal argumentação, que é base na qual o requerente constrói todo o seu argumentário, perdeu entretanto toda a validade a partir do momento em que, no Decreto do Presidente da República declarador do estado de emergência em vigor, foi suspensa a liberdade de aprender e de ensinar e foi habilitada expressamente a adoção de medidas de suspensão sobre a atividade dos estabelecimentos de ensino.
Pelo que, também por esta via, no momento em que venha a ser julgada a presente intimação, não pode jamais a pretensão do requerente, tal como concretamente configurada na petição inicial, ser apreciada com utilidade objetiva.
Já que desde o dia 31 de janeiro de 2021 que a suspensão de atividades letivas cuja revogação é pretendida pelo requerente se encontra perfeitamente coberta pelo Decreto do Presidente da República em vigor.
Razões pelas quais, em suma, sempre se verifica no momento presente, e ainda mais no momento concreto em que venha a ser julgada a presente intimação, uma manifesta hipótese de inutilidade superveniente da lide.
Exceção dilatória inominada que deve então conduzir, de modo inevitável, à absolvição da instância, ex vi artigos 277.º, e) e 278.º/1, e) do CPC».

7. Notificado para o efeito, veio o Requerente pronunciar-se sobre as exceções invocadas, referindo, designadamente, quanto a esta primeira exceção da “inutilidade superveniente da lide”:

«Alega o Requerido que o Requerente já não tem interesse em agir, porquanto a medida que se pretende revogada constava do artigo 31.ºA/1, a) do Decreto n.º 3-A/2021, executor do DR n.º 6-B/2021, que apenas vigorou até às 23h59 do dia 30 de janeiro, a que acresce o facto de ter já sido aprovado o Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de janeiro, que, em geral, procedeu à renovação das medidas antes insertas no anterior Decreto n.º 3-A/2021, até às 23h59 do dia 14 de fevereiro, com exceção relativa às atividades letivas não presenciais.
Assim, e conforme alega o Requerido, a esta data e até 5 de fevereiro de 2021, mantém-se a suspensão generalizada das atividades educativas letivas, em todos os estabelecimentos de ensino públicos, privados e cooperativos e do setor social e solidário, de educação pré-escolar, básico e secundário e a partir do dia 8 de fevereiro, essas atividades só se encontram suspensas em regime presencial, sendo retomadas em regime não presencial, em obediência à disciplina para o efeito fixada na RCM n.º 53-D/2020. Concluindo por isso que,
Na hipótese – provável – de vir a ser a presente intimação julgada já após essa data – 5 de fevereiro –, se evidenciará uma evidente falta de objeto na decisão, qualquer que seja o seu sentido, que venha a ser proferida.

(…) Nos termos do artigo 111.º do CPTA, “o juiz decide o processo no prazo necessário para assegurar o efeito útil da decisão”, pelo que, havendo a possibilidade de a decisão ser decretada antes daquela data, então a mesma terá efetivamente um efeito útil – nem que seja por um dia. Recorde-se também que, nos termos do artigo 268.º/4 da Constituição da República Portuguesa, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”.
Sendo que esse princípio da tutela jurisdicional efetiva se encontra depois concretizado no artigo 2.º do CPTA, que no seu n.º 1 esclarece que, “O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”.
Mais se concretizando no disposto no artigo 3.º do CPTA, que no seu n.º 3 estabelece que “os tribunais administrativos asseguram os meios declarativos urgentes necessários à obtenção da tutela adequada em situações de constrangimento temporal, assim como os meios cautelares destinados à salvaguarda da utilidade das sentenças a proferir nos processos declarativos”. Assim sendo,
Tendo a presente intimação dado entrada no dia 23 de janeiro, ou seja, logo no dia seguinte à publicação do Decreto n.º 3-C/2021, de 22 de janeiro, que no seu artigo 31.º-A determinou a suspensão das atividades letivas, preenchendo todos os pressupostos processuais determinados no artigo 109.º do CPTA – ou seja, estar em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício – dificilmente se compreenderia que, aquando o momento da tomada de decisão se invocasse a inutilidade superveniente da lide.
(…) Face ao exposto, sendo ainda possível uma decisão final antes de 5 de fevereiro de 2021, e em especial antes de dia 8 de fevereiro, data em que o novo decreto do Requerido prevê o início das atividades letivas não presenciais, considera-se que improcede a exceção dilatória invocada pelo Requerido, devendo o processo prosseguir para uma análise de mérito, sob pena de mais uma violação de um direito fundamental, desta feita o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
Acresce que, não se mostra ao dispor dos cidadãos e, no caso, do Requerente, outro meio processual que possa, de forma mais célere que a presente intimação, e em tempo útil, no entender do Requerido, responder à efetiva proteção dos seus direitos, liberdades e garantias, o que, na prática, numa situação como a aqui em apreço, em que o Estado de Emergência carece de revisão, ainda que para mera renovação, a cada quinze dias (já que a medida não pode ser decretada por período mais longo) e em que o Requerido vem regulamentar aquele Decreto Presidencial de Emergência, sensivelmente a meio do referido período, um entendimento que dê cobertura à pretensão do Requerido traduzir-se-á, na prática, numa impossibilidade do Requerente, ou qualquer outro cidadão que veja o seu direito coartado, recorrer aos tribunais, já que esbarrará, sempre e necessariamente, antes da decisão judicial, num novo Decreto, seja habilitante ou regulamentador, que destruirá o efeito útil da decisão quanto ao anterior, o que coloca em causa o direito de recurso aos tribunais e roça a denegação de justiça.
Quanto ao tempo útil que o Requerente poderá usufruir da decisão, vendo restabelecido o seu direito, sem que a suspensão abusiva, ou, como apelida o Requerido, ferida de nulidade, nem que este período se reduza a uma hora, será menos uma hora em que o seu direito estará ilegalmente restringido.
E, mesmo que a decisão venha a ser proferida para além da cessação da suspensão que o Requerente pretende ver removida, por um lado a decisão clarificará o direito do Requerente e a existência ou não da violação invocada e, por outro, produzirá efeitos quanto a futura atuação idêntica por parte do Requerido que, como bem se depreende do argumentário da sua peça processual, estará convicto de que poderá continuar a tomar idênticas decisões, produzindo idênticas normas jurídicas com os efeitos que produzem na vida dos cidadãos».

8. Como a Entidade Requerida, CM, veio referir, o quadro jurídico atual não é já o mesmo do que aquele que vigorava no momento da instauração da presente “Intimação”, pois que o novo Decreto PR nº 9-A/2021 e o novo Decreto PCM nº 3-D/2021 vieram pôr fim à situação de alegada ofensa do direito aqui invocado pelo Requerente, determinando que a mesma (suspensão de atividades letivas não presenciais) vigore apenas até ao dia 5/2/2021.

Significa isto que, se no momento em que o Requerente intentou a presente Intimação (final do dia 23/1 passado), o quadro jurídico então vigente sustentava aquela situação de alegada violação do direito a aprender invocada, o certo é que, no decurso da tramitação processual – mais concretamente a 28 e 29/1 – esse quadro jurídico alterou-se, pela aludida forma, resultando daqui que a situação de alegada violação do direito invocado pelo Requerente veio então, supervenientemente, a conhecer a certeza da sua cessação a partir do final do dia 5/2/2021 – ou seja, a partir do final do dia de hoje.

Ora, a cessação desta situação de alegada ofenda do seu direito de aprender (através do restabelecimento das atividades letivas não presenciais) é/era, precisamente, o objetivo pretendido e perseguido pelo Requerente através da interposição da presente lide processual. Na verdade, a pretensão intimatória do Requerente, justificadora da presente lide, fixou-se na finalidade de fazer cessar a suspensão das atividades letivas à distância vigente no momento da sua instauração, sendo certo que o meio processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só tem por objetivo a alteração de uma situação de ofensa de direitos, liberdades e garantias, e já não um escopo impugnatório.

Neste contexto, impõe-se ponderar sobre a utilidade da eventual procedência do presente pedido intimatório, com o propósito de fazer cessar – ainda que com efeitos circunscritos ao caso concreto do Requerente – a suspensão das atividades letivas não presenciais no próprio dia em que, por legislação superveniente (Decreto PR nº 9-A/2021, de 28/1 e Decreto PCM nº 3-D/2021, de 29/1), essa mesma suspensão cessará. Desde já, adiantamos que a conclusão só pode ser, efetivamente, a da perda de utilidade, ou seja, a da atual verificação de “inutilidade superveniente da lide”: o efeito que o Requerente obteria aqui através de uma eventual decisão de procedência, obtém-na através da cessação da suspensão decretada pela aludida legislação superveniente, com efeitos ao final do dia de hoje.

9. Note-se que o Requerente demonstra, na explanação inserta na sua petição, uma incorreta compreensão do meio processual em causa e dos seus precisos objetivos.

Com efeito, alega ali que:

«(…) mesmo que a decisão venha a ser proferida para além da cessação da suspensão que o Requerente pretende ver removida, por um lado a decisão clarificará o direito do Requerente e a existência ou não da violação invocada e, por outro, produzirá efeitos quanto a futura atuação idêntica por parte do Requerido que, como bem se depreende do argumentário da sua peça processual, estará convicto de que poderá continuar a tomar idênticas decisões, produzindo idênticas normas jurídicas com os efeitos que produzem na vida dos cidadãos».

Ora, o meio processual de “intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias” tem como fim exclusivo fazer cessar uma situação de ofensa de direitos, liberdades e garantias, e, por não albergar qualquer escopo impugnatório, mostra-se errado o entendimento do Requerente de que pode ser utilizado para clarificar um direito ou para apreciar uma violação invocada em momento em que não esteja em causa assegurar o exercício de um direito, liberdade ou garantia (cfr. art. 109º nº 1 do CPTA).

Como vem sendo entendido e afirmado por este Supremo importa frisar que os tribunais na sua ação e função destinam-se a prevenir e dirimir situações com interesse prático e não a praticar atos inúteis (cfr. art. 130.º do CPC), não lhes incumbindo emitir pronúncias que sirvam como meros pareceres ou opiniões sem outra valia.

É que a utilidade do meio contencioso corresponde, assim, à sua utilidade específica, não podendo aquela utilidade ser dissociada das possibilidades legais que esse meio pode proporcionar para a satisfação dos direitos ou interesses legítimos que os interessados pretendem fazer valer e tutelar por seu intermédio, não relevando para esse efeito as consequências indiretas, reflexas ou colaterais, tal como o interesse abstrato na legalidade.

Daí que a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente opera ou ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da mesma, a pretensão do autor/requerente não pode manter-se, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do esquema da providência/pretensão deduzidas, sendo que num e noutro caso a solução do litígio deixa de interessar, tal como se verifica na situação presente, mostrando-se desprovido de interesse e de operatividade jurídica e prática a emissão de uma pronúncia sobre a pretensão.

10. Note-se, por fim, que se, em parte, a Entidade Requerida tinha razão ao alertar, na sua resposta, para uma provável situação de inutilidade superveniente da lide em decorrência da alteração superveniente do quadro jurídico, entendemos, no entanto, que já não a tinha quando, nessa sua resposta, afirma que a “inutilidade superveniente da lide” ocorre desde logo, e pelo simples facto, da publicação e entrada em vigor dos mencionados Decretos, de 28 e 29/1.

E o CM explica esse seu entendimento:

«(…) como já se viu, a pretensão deduzida nos presentes autos tem um objeto perfeitamente delimitado — a medida de suspensão das atividades educativas e letivas tal como determinada pelo artigo 31.º-A/1, a) do Decreto n.º 3-A/2021.
Não tendo, entretanto, o requerente procedido, como poderia eventualmente tê-lo feito, à ampliação do seu pedido de modo a abranger também a suspensão ulteriormente determinada pelo artigo 3.º do novo Decreto n.º 3-D/2021».

Ou seja, argumenta o CM que o Requerente fundamenta a sua petição intimatória com referência a diplomas entretanto já não vigentes – Decreto PR nº 6-B/2021, de 13/1, e Decreto PCM nº 3-A/2021, de 14/1 – pelo que, não tendo procedido, como poderia ter feito, à ampliação do seu pedido de modo a abranger a suspensão nos moldes determinados pelo art. 3º do superveniente Decreto nº 3-D/2021, de 29/1, regulamentando o novo Decreto PR nº 9-A/2021, de 28/1, a lide, tal como inicialmente conformada, teria perdido logo aí, com a publicação e entrada em vigor destes novos Decretos, o seu objeto.

Sucede, porém, que não obstante a vigência destes novos Decretos, supervenientemente publicados, a determinação a que o Requerente se opôs, alegando ser ofensiva dos seus direitos, liberdades e garantias, permaneceu após a sua publicação e até 5/2/2021, substancialmente a mesma (apesar das diferenças entre os dois regimes): a proibição de beneficiar de aulas, ao menos na modalidade de ensino não presencial.

E isto é relevante porque acautela as preocupações manifestadas pelo Requerente quanto às possíveis perversas consequências duma eventual renovação sucessiva de diplomas que se limitasse a prorrogar uma situação de alegada ofensa de direitos, liberdades e garantias.

Porém, não é o que agora sucede e está em causa, uma vez que os novos Decretos, ora vigentes, supervenientemente publicados, não determinaram a prorrogação da situação de alegada ofensa do direito a aprender do Requerente – por via da suspensão das atividades letivas não presenciais -, mas sim a cessação dessa situação a partir do final do dia de hoje, 5/2.

Assim sendo, e como dito atrás – embora não a partir do momento da publicação dos Decretos PR nº 9-A/2021 e PCM nº 3-D/2021, como defendido pela Entidade Requerida, mas sim neste momento -, entendemos verificar-se a inutilidade superveniente da presente lide, o que prejudica o conhecimento e a apreciação das demais exceções dilatórias invocadas.

Decisão

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Julgar extinta, por inutilidade superveniente, a instância da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias requerida por A………………. menor, representado por seus pais, assim absolvendo a Entidade Requerida, Conselho de Ministros (CM) da instância, nos termos dos arts. 277º e) e 278º nº 1 e) do CPC, “ex vi” do art. 1º do CPTA.

Sem custas – art. 4º nº 2 b) do RCP.

D.N.

Lisboa, 5 de fevereiro de 2021 – Adriano Cunha (relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Carlos Luís Medeiros de Carvalho e Conselheira Maria Benedita Malaquias Pires Urbano) – Carlos Carvalho – Maria Benedita Urbano.