Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0143/21.7BCLSB
Data do Acordão:04/21/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Não é de admitir a revista se as questões suscitadas desmerecem tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P29296
Nº do Documento:SA1202204210143/21
Data de Entrada:04/04/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORTING CLUBE DE BRAGA, FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão de recurso de revista do acórdão do TCAS, de 03.02.2022, que negou provimento ao recurso de apelação que interpôs do acórdão de 11.10.2021 pelo qual o TAD - Tribunal Arbitral do Desporto - havia concedido provimento à impugnação que interpusera a SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL SAD, e, em conformidade, revogado o acórdão do Conselho de Disciplina [Secção Profissional] da FPF que condenara esta última «na pena de interdição de recinto desportivo por dois jogos, e ainda na multa no valor de 13.388,00€» - pela prática do ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 118º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional [RDLPFP], por referência à violação do artigo 11º da Lei nº40/2012, de 28.08, cláusula 9ª do Contrato Colectivo de Trabalho entre a LPFP e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol e artigo 19º, nº1, do Regulamento Disciplinar.
Defende que a revista interposta - e que pretende ver admitida - é necessária face à relevância jurídica e social da «questão» e face à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito, com referência - nomeadamente - aos artigos 19º e 118º do RDLPFP, conjugados com o demais quadro normativo referido.

A recorrida - SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL SAD - apresentou contra-alegações nas quais defende, além do mais, a não admissão da revista, por ausência de pressupostos para o efeito.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Como ficou dito, o TAD julgou totalmente procedente a impugnação da referida SAD, revogando o sancionamento decretado pela «Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF» e fê-lo, essencialmente, com base no exposto no seguinte excerto do mesmo:

[…]

Assim, em face das peculiaridades fáticas que acabam de se expor, e tendo em conta que na opinião deste Colégio de Árbitros o prejuízo causado pela conduta da Demandante à imagem e bom nome das competições de futebol, podendo até considerar-se efectivo, se não afigura grave, entende o Colégio Arbitral que não obstante a conduta adoptada pela Demandante ser ilícita e, nessa medida, censurável, a mesma não se reveste do grau de gravidade e de censurabilidade suficientes que justifiquem a sua qualificação como infracção grave, devendo antes ser considerada como infracção leve, susceptível - no caso concreto em análise e também em abstracto - de convocar a aplicação da norma sancionatória constante do artigo 127º do RD. Este mesmo entendimento, aliás, ainda que de forma algo contraditória, parece ter sido igualmente perfilhado pela própria Comissão de Instrutores, porquanto, da leitura do respectivo Relatório Final, Propostas de Arquivamento e Acusação de folhas 342 e seguintes do processo disciplinar anexo à contestação, resulta ter a mesma considerado, e quanto a nós muito bem, que, por comparação com a conduta ilícita da Demandante que veio a ser objecto de punição, também a actuação do arguido A………… é censurável em igual medida, por violação dos mesmos princípios [previstos no artigo 19º do RD LPFP], à luz do disposto no artigo 141º do RDLPFP. Ora, assim sendo, isto é, tratando-se aqui da violação dos mesmos princípios [previstos no artigo 19º do RD LPFP] e considerando-se a conduta adoptada pelo outro arguido no mesmo processo disciplinar censurável em igual medida daquela outra que foi adoptada peia Demandante, não é juridicamente aceitável, sob pena de se incorrer numa grosseira e inadmissível violação do princípio da igualdade, que apenas no caso de A………… se considere estarmos na presença de uma infracção leve como é a constante do artigo 141º do RD, atribuindo-se à conduta da Demandante uma qualificação diversa e muito mais gravosa de infracção grave, punida enquanto tal pelo artigo 118° do RD, solução que assim desde já se rejeita por completo, afastando-se a sua aplicação. Conclui-se, pois, que pese embora a actuação da Demandante se afigure censurável e ilícita por violação dos princípios previstos no artigo 19º do RD, o preceito regulamentar correspondentemente aplicável à infracção disciplinar por ela cometida é o constante do artigo 127º do RD, a cuja luz, no entanto, a responsabilidade da Demandante se encontra já extinta por força do instituto da prescrição do procedimento disciplinar, nos termos conjugados do disposto nos artigos 21º, alínea c), e 23º, ambos do RDLPFP, razão pela qual, entende este Colégio Arbitral dever julgar procedente o pedido formulado pela Demandante, revogando a decisão condenatória proferida pelo Conselho de Disciplina da Demandada.

[…]

O TCAS negou provimento à apelação da FPF e confirmou o acórdão recorrido do TAD.

Novamente a FPF discorda, e pede revista do assim decidido, pois entende ser «errada a interpretação e aplicação do quadro normativo» utilizado pelo acórdão recorrido.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Esta Formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental - exigida pelo nº1 do artigo 150º do CPTA - se verifica quando - designadamente - se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação de diversos regimes legais, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência ou da doutrina.

A relevância social fundamental ocorre - designadamente - quando esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do STA relativamente a futuros casos análogos, isto é quando a situação jurídica em causa tenha «carácter paradigmático e exemplar», sendo transponível para outras situações, assumindo, assim, «relevância autónoma em relação às partes envolvidas».

A admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações relativas a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a «intervenção do STA» como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação, surgindo a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

No presente caso, começando por este último pressuposto da revista, temos que a ora recorrente - FPF - insiste, sem pôr directamente em causa a questão da prescrição, que o caso encerra uma lesão dos princípios da ética desportiva e um grave prejuízo para a imagem e o bom nome da respectiva competição, que impõem a sua integração no «tipo» previsto no artigo 118º, por referência ao artigo 19º, nº1, ambos do RDLPFP.

Acontece, todavia, que a sua argumentação jurídica não se mostra convincente quando avaliada em contraponto com a ponderada, lógica, e bem estruturada, argumentação jurídica adoptada pelo acórdão recorrido, de tal modo que a sua «decisão» surge como perfeitamente razoável e juridicamente aceitável, e de modo algum claramente carente de revista em ordem a uma melhor aplicação do direito.

Além disso, a questão jurídica em dissídio - integração ou não da conduta em crise, enquanto violadora do disposto no artigo 19º do RDLPFP, no tipo do artigo 118º ou do artigo 127º do RDLPFP - não reclama labor interpretativo superior ao realizado, nem impõe uma exegese e aplicação jurídicas que sejam particularmente complexas ou confusas, ou cuja análise haja suscitado dúvidas sérias, antes apresentando um grau de dificuldade comum. Destarte, tanto a «questão nuclear» ainda litigada como a sua abordagem jurídica e decisão no acórdão recorrido, não reclamam a revista por este órgão de cúpula da justiça administrativa em nome da necessidade de obter uma decisão superior com vocação paradigmática ou correctiva.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Abril de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.